EXTRATO DE: AS FERRAMENTAS PERDIDAS DA
APREWNDIZAGEM
Autora: Dorothy L.
Sayers (1893-1957) – inglesa, romancista, poetisa e dramaturga
Ed. Kírion –
1947/2023/2023
INTRODUÇÃO – 34 páginas
Por Gustavo
Bertoche
Hermann Hesse:
“Em mim a escola
destruiu muita coisa. E conheço poucas personalidades importantes a quem não tenha
ocorrido o mesmo. Na escola só aprendi duas coisas: latim e mentiras.”
A raiz da catástrofe
civilizacional brasileira está aí: a nossa escola destrói, ano após ano, mês após
mês, dia após dia, a nossa capacidade de julgar com propriedade as coisas e os
eventos do nosso mundo.
(...) os indivíduos
incapazes, incultos, ignorantes são justamente os mais dispostos a opinar sobre
todo e que assunto, não importa a sua complexidade; (...).
As pessoas não mais
conseguem conversar, debater, discutir de modo proficiente; *(.
Com as redes
sociais, a voz dos ineptos é amplificada; (...)
Por meio da
literatura enriquecemos a nossa vida, pois passamos a prestar atenção nas sutilezas
da linguagem, dos fenômenos sociais e dos nossos próprios sentimentos. A literatura
amadurece a existência.
[Henrique] O indivíduo
iletrado não consegue examinar, criticar e rebater as palavras – que, quando
escutadas, tornam-se gatilhos emocionais. (...) Quem lê mal somente pode
escrever mal [quem lê mal, não tem como escrever bem].
(...) só podemos
avaliar uma jornada após termos percorrido ao menos parte do caminho.
A escola que conhecemos
é uma ponte que conduz a nenhures – ou pior: que conduz a um destino aleatório.
Os novos
representantes da cultura popular brasileira – os influenciadores digirais –
quase sempre têm seguidores na razão inversa de sucesso nível cultural e de sua
profundidade humana.
Aos 18 anos o
brasileiro – formado em escola pública ou particular, tanto faz – é inculto,
ignorante e semi-letrado.
A síndrome socrática
de Dunning-Kruger revela que o ignorante ignora a sua ignorância na razão inversa
da sua capacidade: quanto mais ignorante, mais capaz o indivíduo se julga.
[O trágico é que]
Depois de alguns anos, os professores de poucas luzes são substituídos, em sala
de aula, por seus antigos alunos – ainda manos capazes. E o processo se
perpetua.
A escola (...)
demanda o aprendizado de como fingir ter um conhecimento que não se tem, de
como se submeter ao capricho da autoridade sem reclamar, de como alienar-se de
si, naturalizando no espírito um situação completamente artificial.
Métodos muito
eficientes para ensinar um conteúdo insano não reduzem a insanidade:
amplificam-na.
A formação geral (...)
não dá ao estudante as ferramentas para pensar por si: ela não emancipa os
jovens; ela não estabelece os fundamentos para que se possa aprender a
aprender, isto é, para que se aprenda a dominar as ferramentas necessárias para
o posterior aprendizado autônomo.
Educar é preparar o
caminho para reconstrução de toda a civilização em cada ser humano.
O que importa na
escola, não é o processo de aprendizado; o que importa é a ilusão de que se
aplica um método, com a consequente aparência de que os alunos aprendem.
[Henrique] A estrutura
da linguagem é a estrutura do pensamento. (...) Se não lemos boa literatura,
falamos e escrevemos mal; se falamos e escrevemos mal, pensamos mal; se
pensamos mal, agimos mal.
Um povo iletrado é
um povo condenado à servidão – [mas] a uma servidão que não se reconhece como
tal, a uma servidão tomada como a mais completa liberdade, a uma servidão que se
apresenta como uma obrigação da consciência ética.
O fato é que a educação
brasileira é mito ruim há pelo menos cem anos.
Platão já sustentava,
há vinte e quatro séculos, a impossibilidade da existência de uma sociedade sã
sem um sistema educacional saudável.
Trivium: ensino da gramática,
da dialética e da retórica.
[As 3 fases:] A do
estudante papagaio, a do estudante
atrevido e a do estudante poeta.
(...) poucos
professores sabem identificar (...) as falácias num discurso. O nosso pensamento
– e por extensão, a nossa ação – está à mercê de quem quer domine a erística: não
temos defesa contra o discurso ideológico senão num grau
muito primário.
Na etapa em que o
ensino dos instrumentos da retórica ocuparia um lugar preponderante, não deveria
haver um currículo universal ou disciplinas obrigatórias: cada estudante seria
estimulado a criar o seu próprio universo de estudos – a partir dos seus
interesses, da sua vocação e do seu projeto de vida.
Aos dezoito anos o
egresso da escola brasileira está completamente desamparado: o que sabe é inútil
e o que seria útil não foi aprendido.
Como podemos
ombrear com os outros povos do mundo se não conhecemos o fundo cultural no qual
os desgastes civilizacionais são travados?
(...) acabaremos por
desaparecer, não por consequência de uma invasão estrangeira ou de uma guerra civil,
mas por pura inaptidão para a existência.
AS FERRAMENTAS
PERDIDAS DA APRENDIZAGEM – 38 páginas
A grande diferença
de ênfase entre as concepções moderna e medieval é a seguinte: a educação moderna
se concentra no ensino de matérias, deixando que o próprio estudante vá
adquirindo pelo caminho o domínio dos processos do pensamento, da argumentação e
da expressão das próprias conclusões; a educação medieval concentrava-se
primeiramente em forjar e ensinar a manusear as ferramentas de aprendizado,
usando qualquer matéria que surgisse como um campo de treinamento até que o uso
das ferramentas se tornasse uma segunda natureza.
(...) quando nações
inteiras caem hipnotizadas diante dos feiticeiros da palavra, ainda temos a desfaçatez
de ficar assombrados.
A fase do poeta
[ali pelos 16 anos] é popularmente conhecida como a idade “difícil”. É quando o
sujeito fica mais egoísta, quer se expressar e normalmente é especializado em
ser incompreendido, é incansável e busca independência; (...).
Há uma passagem
maravilhosa em The Living Hedge, de Leslie Paul, em que vários meninos se
divertem por dias a fio discutindo a respeito de uma chuva que caiu em sua
cidade – uma chuva tão
localizada [?????] que molhou apenas um lado da avenida principal, deixando o
outro lado seco. Diziam: “Alguém poderia dizer que, naquele dia, chovera na
cidade, sobre a cidade ou apenas dentro da cidade? Quantas gotas de água eram necessárias
para caracterizar uma chuva?” E assim por diante.
As “matérias” fornecem
material, mas todas devem ser consideradas apenas grãos a serem moídos pelo
engenho mental. Deveríamos encorajar os alunos a reunir suas próprias informações,
como também guia-los a aprender a usar bibliotecas e livros de referência, diferenciando
o grau de autoridade de cada fonte.
(...) estou
interessada apenas no treinamento adequado da mente humana, a fim de que possa
enfrentar e lidar com a formidável massa
de programas indigestos que lhe são apresentados pelo mundo moderno.
(...) hoje em dia, muitas
pessoas que se dizem ateístas ou agnósticas em matéria de religião são guiadas
em suas ações por um código de ética cristão, o qual está tão profundamente
enraizado em suas convicções subconscientes que jamais lhes ocorreu questioná-lo
Uma tradição, por
mais firmemente enraizada que esteja, se não for regada, ainda que demore a
morrer, um dia morrera.
A inépcia de uma civilização
que se esqueceu de suas próprias raízes os está forçando a carregar todo o
imenso fardo de uma estrutura educacional construída sobre a areia; fazem por
seus alunos o trabalho que os alunos mesmos deveriam fazer. Pois o único
verdadeiro fim da educação é simplesmente este: ensinar os homens a aprender
por si mesmos; qualquer tipo de instrução que falhe em alcançar esse objetivo e
um esforço em vão.