LIBERDADE ENJAULADA
Eu tenho medo. Cada dia mais medo. Horas de pânico. A garganta fica apertada. E eu choro. A depressão me invade. Tenho insônia e é horrível. Penso nas coisas como pensaria alguém que espera a morte prevista, anunciada. Olho à minha volta e vejo as coisas já com saudade e dor. Tudo o que ainda tenho e que sei que vou perder se não fizer nada. Mas fazer o quê se estou paralisado? Tenho medo de todos os caminhos porque temo que sejam curtos ou que me levem a um precipício ou a um novo recomeço. Caminhei e não cheguei a lugar nenhum. Lutei lutas inglórias. Idiotas. Perdi porque me reneguei. Será? Quem sou eu? Um palhaço que pensa ser um escritor mas que escreve para nada, para ninguém? Um empresário covarde, incompetente ou excessivamente honesto? Um publicitário medíocre, com certeza. Um fotógrafo frustrado. Um redator inacabado. Uma eventual competência para o planejamento sem ter o que planejar. Um administrador fracassado ou apenas um executivo sem carreira? Detentor de um conhecimento disperso em informática que não serve para nada. Criador de um projeto comercial para o qual não consegue parceiro. Nada sei porque tudo ficou pela metade por causa da minha angustiada insatisfação? Ou sei mais do que muitos porque a muitas coisas me dediquei ao longo do tempo? Quem quer pagar bem a alguém que sabe apenas um pouco de várias coisas? Existe este emprego ou é mais uma ilusão, fantasia de uma alma em desespero? Se é, a que devo me dedicar? Por qual das tantas atividades de discutível competência devo optar? Alguém tem a resposta? Eu só tenho medo porque só tenho dúvidas. Por onde começar a ser escritor? Aos 45 anos como "foca", estagiário de jornaleco de bairro? Mesmo tendo a certeza de que chegaria lá, que tempo levaria? Como me sustentaria até lá? Um cargo executivo em uma agência qualquer? Parece ser o mais viável pela experiência acumulada, mas do qual me sinto o mais distante pelos traumas da experiência vivida. Mesmo suplantado este aspecto, em que área buscaria esta colocação? Descarte-se a direção de criação porque o mercado exige predicados que não tenho. Descarte-se a área financeira por uma decisão de vida. Descarte-se a área técnico-administrativa por falta de conhecimento técnico. Ídem a Mídia. Descarte-se a área de atendimento por minha reconhecida incompetência de personalidade em manter relacionamentos de subserviência. Vê-se que não é simples. Minha experiência é generalista e, portanto, só serve para altos cargos, porque ela foi adquirida no exercício destes altos cargos por 18 anos. Não se trata de não aceitar um pretenso sentimento de rebaixamento. Já passei desta fase. Me interessa é saber que posso ser competente na função e o quanto vou receber. E não é pouco o que preciso. Não só pelo que preciso, mas pelo que quero. Trata-se de ter competência para os cargos médios que exigem conhecimento técnico e atualizado. Os postos que seriam compatíveis, nas pequenas agências são ocupados pelos donos. Nas médias por executivos contratados, mas de carreira e, por isso mesmo, de baixa rotatividade. Para as grandes me falta gabarito. Então um negócio próprio. De internet. O meu projeto, por quê não? Porque é preciso dinheiro, mesmo para montar um negócio fadado à mediocridade é preciso 100 mil dólares. E eu nunca aceitei a mediocridade. E não é agora que vou aceitar. É o fundamento da minha personalidade. Saí da Eletrobrás quando vi, correta ou erradamente, que, mais um ano, e me tornaria um funcionário público. Saí da Giovanni porque queria que ela fosse mais do que a house de um cliente. Saí da Altermark porque não me dobrei à mediocridade de ficar subordinado ao destino de políticos com os quais nem ao menos partilho os ideais. Para dizer o mínimo. Volto ao cerne da questão: não sou especialista em nada e, portanto, não posso pretender funções que exijam profundos conhecimentos técnicos. Nem mesmo como escritor posso me cobrar um profundo conhecimento da língua, porque nunca o terei. Não lido com a ortografia ou as regras de sintaxe. Lido com idéias, brinco com palavras, provoco emoções. Não posso me cobrar tal nível de conhecimento sob pena de me frustrar. Além disso, sou introspectivo e vou morrer assim, do mesmo jeito que extrovertidos irão morrer extrovertidos. Não tenho que mudar isso. Eu e os à minha volta têm que aceitar definitivamente isto. Em consequência, não pretender funções que dependam de mim para abrir portas, conquistar pessoas etc. Não posso tentar ser consultor porque isto exige um constante estar no mercado, participação em eventos, badalação do próprio nome etc. Eu não sei fazer isto. Nunca soube. No âmbito da administração, minha capacidade está em comandar, chefiar, assumir riscos, planejar. Mas sou um velho de 45 anos. Eu lamento só ter percebido isso agora. Se eu tivese previsto isso aos 20 eu já estaria quase me aposentando. Mas não, somados todos os meus comprovantes de contribuição, não totalizo 10 anos. Pensei que seria jovem pra sempre. E agora, o que fazer? Além de conseguir um trabalho que me dê prazer (insisto nisso, é um direito inalienável), ele tem que me remunerar compatível com o padrão de vida que me acostumei a viver e, além disso, tem que me dar alguma garantia quanto à minha velhice efetiva. Mesmo aceitando condições adversas de trabalho e remuneração, o que me garante que não serei despedido sem mais aquela daqui, digamos, 10 anos? E o que farei, desempregado, aos 55 anos? Ora, se é para correr este risco, por quê não enfrentar agora a tarefa de construir um negócio próprio, mesmo que seja com horizontes limitados, mas garantidos? Ou por quê não me oferecer agora para escrever, mesmo que de graça, para uma ou mais publicações, até ganhar experiência e reconhecimento? Estas são apenas partes das minhas dúvidas. Sempre sou acusado por uns e admirado por outros pela minha pretensa liberdade. Ambos estão errados. Me acusar de ter um espírito liberto é muito mais um reconhecimento de ignorância do próprio acusador. De onde advém a inveja? Me admirar é ter a visão apenas de parte da coisa toda. Só enchergam o prêmio, mas não o preço pago. Nunca fui livre como me acusam pelo simples fato de que ninguém o é. Todos nós estamos enjaulados em nossas circunstâncias, sejam elas quais forem. Todas as minhas decisões sempre levaram muito mais em conta os outros do que eu mesmo. E quando, de alguma forma, me levo em conta, é porque, para poder fazer o que a existência dos outros me impõe, preciso primeiro ser compatível comigo mesmo. É simples entender. Se para auferir um determinado nível de ganho é preciso que o indivíduo aceite determinadas condições, é natural que ele vá buscar este ganho onde as demais condições sejam mais próximas à sua natureza de ser. Não é que estejamos buscando alguma coisa totalmente boa, é que estamos evitando alguma coisa totalmente ruim. Além disso, aí sim, no meu caso particular, não estou aí para ganhar muito ou pouco, fazendo algo detestável ou para o qual me sinta inseguro, sem perspectiva de crescimento, com o risco de ser dispensado. Minhas angústias são tamanhas que chego a duvidar das decisões que tomei no passado. E me pergunto: será que eu não deveria ter abandonado minhas convicções e fingido que não havia conflito entre os ideais meus e do Giovanni? Será que não teria sido melhor se eu tivesse sido mais "esperto" e fechado os olhos para não ver certas coisas na Altermark, desde que o dinheiro estivesse entrando? Não, não acho. Teria sido um custo muito alto. Um custo comprovadamente insuportável porque, em ambos os casos, eu não desisti por antever as coisas mas, sim, depois, e bem depois, delas acontecidas. Além do mais, não conheço nada que não tenha um custo. Tudo tem. Aliás, é até título de peça teatral a frase "uma escolha, uma renúncia". E é mais, é lei da vida. Me acuso diariamente. De inconpetente na administração da minha vida a irresponsável, passando pela dúvida de que talvez alguma coisa esteja errada com a minha sanidade mental. Aliás, é o que algumas pessoas desconfiam. Eu realmente devo ser débil mental por não aceitar os desvios de conduta que a maioria aceita. É ruim, é muito ruim eu sentir o que estou sentindo. O sentimento de derrota, mais que isso, de ter lutado por nada, de ter resistido a coisas que, afinal, todos concordam e praticam. O sentimento de que tudo não valeu de nada, não serviu pra nada. De que as únicas coisas que eu tinha que ter feito direito, eu não fiz: ser um bom menino em um caso e um mau-caráter subserviente ao político do momento em outro.