A
VERDADE
A verdade não existe. Nenhuma
verdade. Em nenhuma área do conhecimento. Em nenhuma crença religiosa. Em
nenhum comportamento humano.
Inúmeras vezes usamos a
expressão “a verdade é...” quando o correto seria dizer que "a realidade é...".
O real diz respeito a elementos físicos
situados no tempo e no espaço. Por exemplo, é uma realidade que a maioria dos
eleitores é do sexo feminino considerando o resultado das últimas eleições. Esta
é uma realidade computada, um fato medido, mas ainda será uma realidade no
futuro? Mesmo no meio científico, a verdade é frágil. O átomo foi indivisível
até que alguns cientistas descobriram os quarks e
elaboraram a teoria Quântica. Na antiguidade assumia-se como
"verdade" que a Terra era o centro do universo e que o Sol girava em
torno de nosso planeta. Uma percepção falsa de uma realidade observada que foi desconstruída a partir do invento da luneta e de Galileu Galilei mostrar a todos que aquela “verdade” era falsa.
Para entender que "a
verdade" não existe, precisamos descobrir o que o termo pretende
significar: o que é "verdade"? Não pode ser,
como achei na internete, "aquilo que está
intimamente ligado a tudo que é sincero, que é verdadeiro", ou seja, é
ausência da mentira. Esta não pode ser uma definição porque isto é recursivo,
ou seja, tenta definir o conceito de verdade a partir da identificação do que "não
é verdade"! Na mesma fonte citada, há uma outra proposta: "verdade é
aquilo que é correto, que é seguramente o certo e está dentro da realidade
apresentada". Será? Como estabelecer o que seja "seguramente o
certo"!? Quem há de determinar o certo? E o que é
"realidade" já que o real é a percepção individual, subjetiva, de um
fato? Certo e errado são conceitos morais ou doutrinários (comportamentos
aprovados ou desaprovados por alguma entidade religiosa, social ou política).
A verdade não tem relação com
certo e errado porque teríamos que discutir o que é certo. E certo, ou errado,
é um conceito moral. Como estabelecer o certo se ele é relativo? É certo para
quem? É certo proibir as mulheres de mostrarem o rosto, como exige a cultura
muçulmana, ou é certo a mulher ter as mesmas
liberdades e direitos dos homens, como busca, cada dia mais, a cultura
ocidental? Certo e errado, portanto, dizem respeito aos meus desejos, aos
desejos de um grupo, de uma associação, de uma comunidade, de uma cultura particular,
de um povo, de um país ou de uma... religião. Certo e
errado, portanto, não pode explicar o que seja "a verdade".
A verdade, pelo ponto de vista da entidade que a afirma, é aquilo que ela
deseja que outros "aceitem" como fato inquestionável. Mas se outra entidade
a contrapõe, temos então outra verdade que mostra o ponto de vista da outra
entidade que a afirma, e, portanto, se existem duas visões/opiniões/proposições
(verdades), não podemos falar em "uma" verdade. Se admitíssemos a
existência de “uma verdade”, implicaria em que, obrigatoriamente, ela teria que
ser perene (duradoura, eterna). Se, o que se afirma
pode mudar num futuro qualquer, por qualquer razão, então não se pode afirmar
que o que se diz, se acredita, ou se observa, seja “uma verdade”. Uma verdade
só poderia ser aceita como tal se não estivesse sujeita a mudança, em qualquer
tempo. Olhe em volta, para tudo o que o cerca, pessoas, acontecimentos e
coisas, e se pergunte: existe uma verdade para cada fato percebido? De que
serviria a justiça se para tudo há uma só verdade e nada, portanto, há a
discutir ou julgar? Como, então, pensar em verdade como afirmação
inquestionável, imutável?
A maioria dos que me leem
nasceram no Brasil. Entre estes, existem adeptos de várias religiões:
católicos, protestantes, evangélicos, umbandistas, espíritas, budistas etc. A
grande maioria é cristã e, entre estes, a maioria é de católicos. Por que será?
E se cada um de nós tivesse nascido em outras partes do mundo? Será que o
católico seria católico se tivesse nascido em Israel? E se tivesse nascido em
algum país do Oriente Médio, região onde predomina o Islamismo? Nossas
preferências nossas escolhas, estão subordinadas a dois fatores: nossa
constituição genética e nosso meio ambiente. A genética irá prevalecer sempre
que a manifestação for individual, disser respeito exclusivamente a mim. A
cultura prevalecerá sobre minha genética sempre que o “eu” considerar que as
regras do meio em que vivo são mais importantes do que a minha individualidade.
Apenas como retórica, aceito a existência de uma só verdade. Tudo em que eu
acredito, é, em última instância, a "minha verdade". A “minha
verdade”, hoje, é que não acredito que exista verdade para nada neste nosso
universo e vida. Tudo é mutante o tempo todo. O Universo está em constante
movimento. Mas esta é, apenas, a "minha verdade". Mas será que ela é
perene? Ou, tal como o amor de Vinícius, será "eterna enquanto dure"?
Quantas e quantas vezes você já viu pessoas mudarem de opinião? De religião?
Ou, simplesmente, mudarem de vida, deixando a metrópole por uma cidade do
interior. Foram verdades que duraram enquanto... foi
bom crer nelas. Morar no campo não é a melhor maneira de morar! Praticar as
crenças de uma religião específica, não é praticar as melhores crenças. Dizemos
"a verdade é..." quando queremos dizer, apenas,
"creio/acho/penso que...". É tão somente uma força de expressão,
usada normalmente quando queremos que o outro concorde com nossa proposição.
Há um porém:
a "minha verdade", obrigatoriamente, se limita na verdade do outro,
do contrário, a “minha verdade” estará cerceada porque eu sou o outro do outro.
A “minha verdade” tem importância para eu dormir o sonho dos anjos, acordar com
a alegria de ter o privilégio da vida e ter valores que me ajudam a superar as
agruras e saborear as benesses do meu dia-a-dia. A “minha verdade” só não
pode pretender ser universal. O meu pensamento é só o meu pensamento. A minha
crença não passa da “minha crença”. Meus dogmas são particulares e restritos a
mim. Pretender impor a “minha verdade” a outro alguém é o exercício da mais
pura arrogância, prepotência e, até mesmo, insanidade. Porque, se não quero que
o outro me impinja a verdade dele, preciso sempre lembrar que para o outro, o
outro sou eu.
Para encerrar. Na série Grandes
Mistérios do Universo, do canal Discovery Science, o
ator e narrador Morgan Freeman deixa um alerta:
"Quando alguém lhe disser que conhece a verdade suprema, provavelmente só
estará lhe dizendo mais uma mentira".