O tamanho do Universo e o que existe além dele, como tudo no universo do desconhecido, fascina e amedronta. O vazio no estômago é inevitável quando a questão surge no pensamento ou num bate-papo qualquer. A maioria de nós muda de assunto, sintoniza a TV no programa de futilidades da Sônia Abramo, ou vai beber com os amigos e falar de futebol. Uma minoria permanece em estado crônico de impaciência e vigília, se põe a ler, ler e reler, e pensar, pensar e repensar, até encontrar uma resposta, uma terrível dor de cabeça, ou um breve período de desânimo e angústia. Eu me enquadro nas três alternativas.
Pertenço à espécie dos indivíduos céticos para quem “sobrenatural” significa “sobre o natural” e, se assim é, tem uma explicação absolutamente... natural. É quase certo que os genes responsáveis por este “eu” não se perpetuarão. O que poderá sobreviver como herança será uma ou outra formulação que vá ao encontro do que você já pensava, descoberta esta que se dá por troca em momentos de distração, quando eu passo meu tempo elaborando teses no teclado e você passa o seu lendo-as, questionando-as e, espero, sorrindo de vez em quando.
Feita a introdução, voltemos ao mote. O meio científico tem assumido o Universo como finito e uno. Está aí a teoria do Big Bang para nos ensinar isso. Na minha leiga opinião, o Universo é finito de certo modo e uno de modo algum. Para me explicar, peço-lhe que me acompanhe devidamente equipado com sua paciência e benevolência.
Zoom out. Imagine-se na janela de seu escritório no primeiro andar de um prédio no centro comercial de uma grande cidade. Você olha para baixo e vê pessoas, consegue identificar seus rostos, o modelo e a cor da roupa que vestem. Mas o que verá se você subir ao terraço deste prédio que tem 30 andares? Apenas pontos em movimento que você jura serem de pessoas apesar de enxergar nada mais que pontos movendo-se de um lado para o outro. Vá mais alto. Imagine-se astronauta da Discovery, em órbita ao redor da Terra. O que você vê? Basicamente grandes áreas azuis, outras verdes, outras marrons (mais claros, mais escuros) e eventualmente partes cobertas por nuvens brancas. É possível que você consiga identificar uma fina linha azul e, pela localização, associar ao rio Amazonas. Talvez você consiga ver uma área um pouco maior que um ponto e, ainda pela localização, imaginar que talvez seja a cidade de São Paulo, ou Nova Iorque. Repare que sumiram os pontos que eram pessoas. Pessoas? Que pessoas? Não existem mais pessoas, a Terra é inabitada. E para o astronauta pousado na Lua, a uma distância de 380 mil km, a Terra é uma bola azul. Mais um ponto no espaço. Isto é o que existe porque é o que se percebe a partir das capacidades de nossos sentidos.
Usei esta seqüência de imagens familiar a qualquer leigo para apresentar outra imagem mais próxima dos propósitos deste texto, mas que um ou outro leitor possa não estar familiarizado com ela.
Olhe para o céu. Você vê estrelas e... só. Tudo são estrelas. Para começar, a olho leigo e nu, o que quer que seja que brilhe, é uma estrela. Mas um telescópio muda nossa percepção. Com ele, perceberemos que algumas estrelas aparecem como uma espiral e, se mais potente for o telescópio que usarmos, mais elas se mostrarão uma outra... galáxia.
Zoom in. Andrômeda é a galáxia mais próxima da Via Láctea (a nossa galáxia, nosso habitat cósmico). Suponha que você, um viajante do espaço, está em algum ponto de Andrômeda olhando para o céu e de repente descobre um ponto mais brilhante. Pega seu potente telescópio e descobre uma outra galáxia, a nossa Via Láctea. No primeiro dia você não vê mais do que uma espiral. No segundo, já com um telescópio mais potente, você percebe que em meio à espiral alguns pontos brilham mais que os outros. Você se interessa por eles e no terceiro dia, com um telescópio ainda mais potente, aponta para um daqueles pontos brilhantes e percebe que é um sistema solar, ou seja, agora você está vendo um grande astro, emitindo luz, com alguns planetas girando ao seu redor. Curioso como só, no quarto dia você se apossa de um super telescópio e aponta para um dos planetas e vê que algumas partes são azuis, outras verdes, outras marrons...
Na linguagem cinematográfica, as duas seqüências que construí chamam-se “zoom out”, o movimento que se afasta (sai), e “zoom in”, o movimento que aproxima (entra). Elas revelam que, no mundo da matéria, o que se percebe depende da distância da qual se observa (o telescópio é um instrumento que simula uma aproximação impossível de ser espacialmente realizada). O espaço sideral é o ambiente do infinitamente grande. O ponto que brilha no céu é uma galáxia como a nossa que tem diâmetro de 100 mil anos luz. Isto quer dizer o seguinte: viajando a uma velocidade de 300.000 km/segundo, você levaria 100.000 anos viajando. E podemos fazer o mesmo em direção ao mundo do infinitamente pequeno. Usando um microscópio (instrumento que também simula uma aproximação além dos limites da visão humana), podemos colocar uma gota de sangue na lâmina e descobrir que aquele líquido vermelho e viscoso é, por si, um novo universo, composto de organismos vivos medindo uma fração do milímetro, como a hemoglobina ou uma bactéria. E um dia invadiremos o átomo na incrível dimensão de 10-12 mm. E mais haverá a desvendar (e há, o mundo sub-atômico com quarks e outras partículas) desde que consigamos os instrumentos adequados.
Sob esta ótica, podemos deduzir (e a história comprova) que o micro e o macro cosmos têm a dimensão que a tecnologia propicia ao homem atingir. O acelerador de partícula, mergulhando ainda mais fundo na descoberta da partícula essencial, faz pelo conhecimento subatômico o que o Huble, enxergando cada vez mais longe, faz pelo desbravamento do universo.
Encerrando esta reflexão com um olhar em zoom-in, reproduzo um trecho do livro de Richard Dawkins, “O Relojoeiro Cego”, que fornece com mais conhecimento do que eu, a dimensão do microcosmo. Diz ele:
“Argilas, barros e rochas são feitos de minúsculos cristais. Eles são abundantes na Terra, e provavelmente sempre foram. Observando a superfície de alguns tipos de argilas e outros minerais com um microscópio eletrônico de varredura, a visão é espantosa e bela. Os cristais crescem como fileiras de flores ou cactos, jardins de pétalas de rosa inorgânicas, minúsculas espirais como cortes transversais de plantas suculentas, eriçados tubos de órgãos, complexas formas angulares dobradas como uma miniatura cristalina de origami, formas sinuosas como excremento de minhoca ou pasta de dente espremida do tubo.”
E pra nós é só... barro!!!
Voltemos nossa visão para o outro lado, para o universo macro, e vamos perceber que, num movimento em “zoom out”, quanto mais nos afastamos de algo, vamos “saindo” de uma entidade após outra. Se acompanharmos o astronauta no dia de sua partida para um vôo intergalático, iniciaremos por vê-lo sair de sua casa em direção à base de lançamento. Enquanto caminha, volta o olhar para trás e sua casa se tornou um ponto indistinguível no horizonte. Neste momento ele se percebe dentro de uma nova dimensão. Ele agora é um ponto em movimento dentro de uma cidade. Ele chega à base de lançamento, se aloja em sua cabine, aciona o mecanismo propulsor e inicia uma suave subida. Ao seu lado, uma janela permite-lhe acompanhar o rápido movimento de afastamento que sua nave faz da terra. Ele saiu de sua cidade que agora é apenas um ponto em um continente. Poucos minutos mais e ele está fora da área de atração gravitacional da Terra que, por sua vez, vira um ponto no espaço. Mas ao voltar o olhar para frente, nosso astronauta se verá sempre “entrando” em uma nova dimensão (apenas no sentido referencial). Quando ele saiu de casa, entrou na cidade. Quando sua nave saiu da Terra, entrou no sistema solar. E continuando sua jornada, se verá dentro da Via Láctea e depois...
Em matemática, a soma de valores iguais com sinais trocados é zero. Se saímos enquanto entramos, podemos matematicamente perceber que estamos sempre no mesmo lugar pois estamos sempre “dentro”. E aqui evoco Einstein, “tudo é relativo”, pois a questão se reduz em saber com o que você está estabelecendo a relação. Neste exato momento, você pode estar “fora” de sua casa, mas com certeza está dentro do planeta Terra.
Provavelmente você deve estar me achando repetitivo e talvez até desconfiando que eu seja meio imbecil. Você não está sozinho nisso, eu também sinto isso. Mas agora é tarde e não tenho nenhuma vontade de reescrever tudo. Portanto vamos concluir antes que, ambos, percamos a paciência: se sempre estamos “dentro” independente de onde estejamos, o que nós conhecemos por universo é apenas um ponto dentro de outra dimensão e o que nos falta é apenas tecnologia para nos afastar o suficiente para perceber isso. Ou seja, se você for longe o suficiente, irá perceber que o universo vai se tornando um ponto dentro de outro espaço, espaço este cheio de outros pontos similares que também são universos. Na falta de imaginação para criar outro nome para esta nova dimensão do espaço, chamei-o de meta-universo, o universo que contém universos.
E como será no sentido inverso? Quanto mais mergulharmos no microcosmo, ou seja, saindo de dimensões maiores para menores, do mesmo modo, estaremos sempre dentro de um metacosmo. Não é simples enxergar o que pode vir a acontecer nesta dimensão, mas os cientistas parecem já estar tendo algumas pistas trazidas pela teoria da mecânica quântica (MQ). É lugar comum entre os próprios cientistas a afirmação de que nem mesmo eles entendem a teoria da MQ. E isto eu e você podemos entender através de um exemplo que eles mesmos dão. Pelos postulados da MQ se uma moeda jogada para o alto no Rio de Janeiro desse cara, a sua antimoeda jogada no mesmo momento em São Paulo daria coroa!!! E se o resultado fosse inverso, o inverso seria. Isto aconteceria como conseqüência do fato de uma partícula no mundo quântico poder estar em todos os lugares ao mesmo tempo, formando o que eles chamam de “nuvem”. Não entendeu? Eu também não.
As próximas décadas trarão avanços extraordinários nestes dois campos da física. No dia em que escrevo este texto, os jornais anunciam a descoberta de dois buracos negros que irão fortalecer o conhecimento sobre a matéria escura, nos levando a obter respostas para o que hoje são apenas divagações. Será o buraco negro uma passagem para outra dimensão como proposto por diversos cientistas, entre eles Stephen Hawkin? Será que a partícula quântica que pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo também se provará uma passagem? Será o universo finito e múltiplo como me arrisco supor?
Esta foi uma divagação sobre o mundo físico sob a ótica leiga. Mas como o termo da moda aqui é “meta”, falta abordarmos o campo da metafísica. Metafísica significa, em parte, a parte da filosofia que procura determinar as regras das quais devem decorrer o conjunto de princípios de qualquer outra ciência e que nos dá a chave do conhecimento do real, tal como este verdadeiramente é (em oposição à aparência). Um pouco resumido, mas é isso que você vai encontrar se consultar o Aurélio. Mas tomando o prefixo grego “meta”, o termo significa além da física, ou a física da física, o que nos leva a concluir que metafísica é a parte da filosofia que lida com a busca de princípios aos quais a física estaria subordinada. Vamos então filosofar.
Um olhar para o universo nos leva a pensar sobre o vazio e o nada. A concepção de vazio implica dimensão. Para algo estar vazio é preciso que tenha linhas limítrofes definindo suas dimensões. O vazio é relativo. Um vazio sempre existe entre quaisquer duas entidades cosmológicas, sejam elas micro ou macro. Uma conseqüência é que qualquer vazio pode vir a conter, a qualquer momento, um corpo cósmico e, inversamente, um espaço ocupado por um corpo pode vir a se tornar vazio. Por outro ângulo ainda, toda entidade cosmológica contém o vazio. Um átomo, por exemplo, contém um volume infinitamente maior de vazio do que de massa. Portanto, o vazio, além de existir, é dinâmico. E como Einstein demonstrou que a massa é constante no universo, o vazio também é constante (mas não se o universo estiver em expansão) e, portanto, toda vez que surge uma estrela (massa que mudou de lugar), um “determinado” vazio muda de lugar.
Olhando de fora, o universo é um imenso saco vazio cheio de massa em movimento. Mas de fora onde? Para buscar uma resposta, reflitamos sobre o nada.
O nada é “ausência” absoluta e se contrapõe ao todo, a presença absoluta, a totalidade, o limite último de um espaço que conteria tudo. Mas nós já vimos que o todo é relativo, o espaço é tempo, o tempo é infinito e tudo depende da distância e posição do observador. O átomo é um todo tanto quanto o é a terra, uma galáxia ou o universo observável. O todo sempre é parte e nunca é o nada exatamente por causa de sua existência relativa. Existência relativa significa que precisamos de alguma referência cosmológica, como o tempo ou o espaço. Somente com esta referência é possível “identificar” um nada. Ou seja, “aqui” não existe nada, mas ali... “Neste momento” não existe nada, mas amanhã... O nada não existe como entidade, apenas como não-entidade do todo. É a ausência do todo – parte – que permite uma existência relativa do nada. Assim, para o nada existir é preciso que o todo não exista. Quando você olha para um espaço qualquer do céu onde não há “nada”, significa que ali “não” há uma galáxia, “não” há uma estrela, “não” há uma nebulosa...
Já vimos que o todo é parte até onde o conhecimento atual alcança. No momento, o Universo observável tem algo em torno de 14 bilhões de anos luz de diâmetro. E a teoria aceita é a de que o universo foi criado em uma big explosão, em nada diferente de como são criadas novas estrelas. E por que deveríamos aceitar que este é o limite? Se o nada é ausência do todo, como limitar o todo? Se o todo é sempre parte, sempre haverá um todo em que o todo é parte. Não há razão para ter dúvida sobre o que há fora do universo porque este é parte de um universo maior que aqui estamos chamando de meta-universo.
Até onde o conhecimento científico contemporâneo alcançou, não nos é possível explicar o que existe fora deste meta-universo, ou, fazendo a pergunta de uma outra maneira, “ele está inserido dentro de quê?”. Mas apenas porque “ainda” não sabemos. O homem, através daqueles que se dedicam a questionar, continua à procura desta e de outras respostas, mesmo se dando conta de que já fomos até onde é possível observar e já nos encontramos no terreno da pura especulação (a teoria quântica é um exemplo melhor e atual). Neste momento, cientistas do mundo inteiro discutem as mais diversas suposições (universos paralelos, sugestões de dimensões adicionais às 4 conhecidas do cidadão comum, supercordas etc.) para explicar o que existe fora do universo ou antes do big-bang – o que é a mesma coisa. Entretanto, é minha convicção que enquanto o tempo de existência de uma vida humana for infinitesimal em relação ao tempo cosmológico, a humanidade continuará tendo que especular, supor, teorizar. Esta evidência da distância descomunal entre o meu tempo de vida e o do meta-universo, ao mesmo tempo em que me tranquiliza e me acalma, me permite ignorar por completo a busca por uma explicação, seja ela qual for. Deificar a questão é apenas um outro modo de encerrar a discussão e/ou escapar da angústia, mas não é uma explicação que satisfaça as exigências da ciência.
Da perspectiva do meta-universo, nosso universo é apenas um ponto. Da mesma forma, da perspectiva do universo nós, seres humanos, somos também apenas pontos, proporcionalmente até menores que partículas sub-atômicas. E o que o entendimento do funcionamento destas partículas contribui para a melhora ou piora de nossa existência? Em nada, é minha resposta de cidadão leigo que quer apenas estabilizar sua mente conturbada por tantas dúvidas e para poder tocar sua existência da melhor maneira possível. Não importa a âncora que você usa, com ou sem Deus, porque o importante é ancorar. A forma é apenas uma questão de estética pessoal que satisfaz a consciência individual.