EXTRATO DE: VIVA A LÍNGUA BRASILEIRA
Autor: Sérgio
Rodrigues
Editora: Companhia
das Letras, 2016
De um lado gritam
os que defendem por puro reflexo a gramática tradicional, convencidos de que o
mundo vai acabar da próxima vez que alguém escrever “Me chama” em vez de
“Chama-me” (...)
Dê-me um cigarro, diz a gramática do
professor e do aluno e do mulato sabido.
Mas o bom negro e o bom banco da nação
brasileira dizem todos os dias: deixa disso camarada me dá um cigarro.
Oswald de Andrade
É preciso compreender
que regras são historicamente determinadas [pois] o idioma é sempre atualizado
por quem o fala.
A fala é sempre
anterior à escrita na edificação de qualquer língua.
Devemos dar
boas-vindas a estrangeirismos e outras inovações, mas sem perder o senso de
ridículo jamais.
- Português não é
difícil, você é que estudou pouco!
O feminino de
elefante é elefanta.
O Aurélio registra
glamouroso. O Houaiss, glamoroso. [o termo] na verdade veio do inglês. (...) É
natural que no processo de aportuguesamento, prevaleça a pronuncio local. (...)
Sou um que vai achar glamuroso.
Além de “condição
patológica”, usamos o sufixo de origem grega –ismo para indicar entre outras
coisas, “prática”, “peculiaridade” e “qualidade característica”.
A variação “listra”
surgiu em meados do século XVI. O r foi acrescentado por um processo que os especialistas chamam de epêntese. Isso
quer dizer que nada tinha a ver com a raiz do vocábulo, mas soava bem. Foi o
que transformou, por exemplo, o latim Stella no português estrela.
Making of (sem f dobrado)
A opção entre
aportuguesar tudo ou nada é aplicada à maioria dos topônimos (nomes de
lugares). [Uma das exceções é:] Nova York.
O coreto é ioga, de
gênero feminino, grafada com i e pronunciada com o o aberto.
Performance? Por
que não, desempenho? [Mas...] Performance tem acepções que a palavra desempenho
nem sonha em cobrir.
Se fôssemos grifar
cada marketing, cada shopping, cada show, cada internet que cruzam nosso
caminho, a poluição gráfica de nossos textos seria cômica.
Recorde ou Recorde?
Estamos diante de um caso clássico de desobediência civil, em que a língua da
vida real vai para um lado e a dos sábios, para outro.
Rorãima, pelo mesmo
motivo que falamos Jaime, andaime...
Roráima não está
errado. Errado é imaginar que só se possa falar assim. A pronúncia universal
não passa de um delírio totalitário.
Subsídio é com o
som de s, e não de z, como em subsíndico, subsolo etc. [Mas...] grande parte
dos brasileiros repudia a pronúncia recomendada e vai de subzídio sem titubear.
[Na linha das exceções já consagradas como] obséquio e subsistência. [mas não
em casos como] transiberiano e transexual, como exemplos. Isso só ocorre quando
o termo ao qual o prefixo se cola começa com a letra s: tran+siberiano,
tran-sexual.
“Antes do sol
nascer” se justifica pela eufonia, mas fica por conta do freguês usar “antes de
o sol nascer”.
Em expressões como
“terminar a tarefa a jato” e “talhar a canivete”, o gênero masculino dos
substantivos jato e canivete não permite confundir preposição com artigo ...)
Usar o acento grave nesses casos (à jato, à canivete) é um erro comum.
Era uma vez
tornou-se uma expressão cristalizada, vindo a dispensar a concordância.
Quando nos
referimos a um tempo passado, empregamos o verbo haver, que indica tempo decorrido.
Sendo impessoal, haver não sofre flexão de número. [Mas...] a cerca de 5 anos
de me aposentar [ideia de futuro].
Tanto faz marcha à
ré ou marcha ré.
Porque ou por que?
O macete é fazer o teste da razão: usamos duas palavras separadas quando for possível
substituir por que por por que razão.
Vale observar que a
linguagem informal costuma abolir as preposições em casos como “alguém que eu
gosto” contentando-se com o pronome relativo. Por escrito, contudo, não se deve
abrir mão das preposições.
[Mas...] Prefira-se
a primeira vez que, sem a preposição “em”.
A vírgula entre
sujeito e predicado chega a ser a forma preferível – embora não obrigatória –
de lidar no português moderno com construções em que verbos colidem.
Quem ama, cuida.
Quem não faz, leva.
Quem sabe, ensina.
Correto: envio
anexas as planilhas.
Nada sou, nada posso, nada sigo.
Trago, por ilusão, meu ser comigo.
Fernando Pessoa
Chamar a atenção,
chamar à atenção – as duas formas estão corretas e são intercambiáveis.
“Entre José e mim dificilmente
sairia hoje da pena de um escritor
moderno.” Evanildo Bechara.
Em lugar de
“perguntado sobre” use: Inquirido (ou interrogado, ou questionado) sobre a
acusação...
“Atender ao
chamado” ou “atender o chamado” são formas igualmente aceitas.
“Sequer conheço Fulana,
vejo Fulana tão curto,
Fulana jamais me vê,
mas como eu amo Fulana.”
Carlos Drummond, em
“O Mito”
Foi de tanto
auxiliar a negação que jamais [já mais] acabou promovido a sinônimo de “nunca”.
“Não te doas do meu silêncio:
Estou cansado de todas as palavras.
Não saber que te amo?”
Manuel Bandeira
Assertividade é um termo descendente do latim assertum, “asserção, afirmação, proposição”. Acerto pertence à família de certus, “decidido, resolvido”.
O diferenciado se
diferencia ao mesmo tempo do indiferenciado e do diferente. Pode-se diferir do
diferenciado, e até difamar seu diferencial; ficar indiferente a ele, dificilmente.
Já a dor do diferente, esta indeferimos com a maior indiferença. (...) Não
surpreende que tantos queiram ser diferenciados e quase ninguém queira ser
diferente.
O particípio
regular de gastar, aceitar e eleger, é mais usado na voz ativa (“ter gastado,
ter aceitado”) e o irregular, na passiva (“ser ou estar gasto, ser ou estar
aceito”).
É considerado
correto dizer que “A gorjeta está inclusa na conta” e aceitável, embora menos
comum, que “A gorjeta foi inclusa na conta”. Mas nunca diga que “O garçom tinha
incluso a gorjeta na conta” – neste caso, deve-se dizer que ele “tinha
incluído”.
Inputar incorre em crime de lesão espiritual contra o português, com
seu n antes do p.
Quando afirmamos
que alguma coisa está latente, queremos dizer que ela ainda não se manifestou:
permanece oculta, adormecida, em estado potencial. [Provavelmente algumas
pessoas confundem o significado por associarem esta palavra a “latejante”,
querendo dizer que está “pulsando”, pronto a se manifestar. Paulo.]
Lindo de morrer: o
nome disso é hipérbole, o mesmo exagero encontrado numa expressão como morrer
de rir ou morrer de susto. (...) A ideia da hipérbole é justamente criar um
absurdo que intensifique a mensagem.
Já lindo de
viver... trata-se de uma bobagem. Quem gosta dela tem o direito de empregá-la,
com base no principio sagrado de que o uso que cada um faz da sua língua é
pessoal. Mas deve saber que, assim como julga os outros, também será julgado
por isso.
Literalmente quer
dizer “ao pé da letra” e indica que uma palavra ou expressão não
deve ser compreendida, naquele caso, em sentido figurado. O emprego correto se dá em duas situações:
1 – para destacar
que uma transcrição ou tradução é meticulosamente fiel ao original.
2 – quando uma
expressão que poderia ser compreendida em sentido figurado aparece em sua
acepção mais básica, literal. “O bombeiro hidráulico entrou pelo cano –
literalmente”; “Escassez de seringas na saúde pública é o fim da picada – literalmente”;
“Brasileiro vai para o espaço – literalmente”.
Melhor idade, eufemismo de eufemismo, essa expressão
condescendente é um nó de hipocrisia concentrada que deve ser evitado a qualquer
custo.
“Obrigado você”
acaba sendo uma involuntária grosseria (...) “Obrigado a você”, sim seria
aceitável: “Eu é que fico obrigado a você”.
Personagem é um
substantivo de dois gêneros.
No meu dicionário
pessoal, presidente é uma palavra de dois gêneros – nada de presidenta. Acho
que tem sonoridade melhor, além de combater o surto politicamente correto que
ameaça povoar o mundo de (argh!) gerentas, atendentas e adolescentas.
No Brasil e USA,
bilhão equivale a mil milhões. Mas, na maior parte do mundo, um bilhão
corresponde a um milhão de milhões.
[Quanto a “mega” o
autor se restringiu a tratar do termo apenas como um prefixo. Mega ou megas?
Giga ou gigas? Para ele, a escolha é sua. Entretanto, mega já ganhou vida
própria como substantivo: Exemplos comuns: “mega orçamento”, “mega concurso”,
“mega liquidação” etc.]
Diga “meio-dia e
meia” (contém uma elipse, ou seja, a palavra “hora” subentendida, e diga “meio-dia
e pouco”.
O correto é
milionário, milionésimo, bilionário, bilionésimo.
Use quilo e não
kilo.
Gentrificação é
“processo de recuperação do valor imobiliário e de revitalização de região
central da cidade após período de degradação; enobrecimento de locais anteriormente
populares.
Diante do cenário
desolador do maremoto de 1755 em Lisboa, perguntaram ao Marquês de Pombal
diante do cenário desolador: e agora?
- E agora?
Enterram-se os mortos e alimentam-se os vivos.
Wikipédia vem de
Wiki-Wiki, é expressão regional havaiana que significa “rapidinho”.
“Esse nasceu para
tocar piano”. Pois bem: é um pianista nato. Seu talento, que nasceu com ele, é
inato.
Os verbos que têm
dois particípios são chamados de abundantes: exemplos (na ordem,
regular-irregular) pagado e pago, pegado e pego, aceitado e aceito, gastado e
gasto, entregado e entregue.
Toda crise é... uma
mistura de perigo e oportunidade, certo?
Errado. A ideia faz sucesso porque é reconfortante. Num país propenso a crises
em série como o Brasil, não seria um consolo pensar que estamos afundados até o
pescoço em excelentes oportunidades? A alegada origem em significado de palavra
chinesa não é correta. Filólogos de mandarim não se cansam de denunciar o
equívoco.