EXTRATO
DE: COMO TERMINAM AS DEMOCRACIAS
Autor: Jean-François Revel (1924/2006)
Ed. Difel – 1982/1984/2022
1 – O FIM DE UM ACIDENTE
Talvez a democracia seja apenas um
acidente na história, um breve parêntese que se fecha diante de nossos olhos.
(...) Ademais, ela não teria sido conhecida, afinal, senão por uma fração
ínfima da espécie humana.
(...) o mais temível [dos inimigos
exteriores da democracia], o comunismo, variante atual e modelo acabado do
totalitarismo, consegue apresentar-se como um aperfeiçoamento da própria
democracia, sendo, no entanto, sua negação absoluta. (...) O comunismo, é um
fracasso social, é incapaz de engendrar uma sociedade viável. (...) A
democracia (...) nega as ameaças de que é objeto, tanto lhe repugna adotar
medidas adequadas a dar-lhes a réplica. E só desperta quando o perigo se torna
mortal, iminente, evidente.
O inimigo interno da democracia joga
uma partida fácil, pois explora o direito de discordar inerente à própria
democracia. (...) A democracia é esse regime paradoxal em que se oferece aos
que querem aboli-lo a possibilidade única de preparar-se para isso na
legalidade, com a garantia do direito, e até de receber para tanto o apoio
quase patente do inimigo externo, sem que isso seja considerado como violação
realmente grave do pacto social.
[Estamos em uma situação no Ocidente]
em que aqueles que querem destruir a democracia parecem lutar por
reivindicações legitimas, enquanto os que querem defende-la são apresentados
como os artífices de uma repressão reacionária.
Parece, pois, que o conjunto das forças
ao mesmo tempo psicológicas e materiais, políticas e morais, econômicas e
ideológicas que concorrem para a extinção
da democracia é superior ao conjunto das forças da mesma ordem que concorrem
para mantê-la viva.
[O comunismo é uma] implacável máquina
feita para eliminar a democracia em que se tornou o mundo onde vivemos. Talvez
possamos achar alguma satisfação em compreender seu funcionamento, já que não
podemos detê-la.
2 – UMA VÍTIMA COMPLACENTE
Que o comunismo tenda com todas as suas
forças a destruir a democracia é natural, já que os dois são incompatíveis e a
sobrevivência do primeiro dependa da extinção da segunda.
É um tema antigo o das civilizações que
perdem a confiança em si mesmas [acabarem por ter que] escolher entre a
servidão e o suicídio. A nossa civilização democrática (...) não deixa de se
comportar como se assim fosse.
Quanto às imperfeições reais [de
democracia], a questão é saber se elas são graves o suficiente para dar uma
justificação moral à exterminação, pelo totalitarismo, das sociedades
democráticas existentes hoje.
Para os indivíduos e as sociedades,
imaginar-se sempre certo, até quando os fatos indicam o contrário, é causa de
debeira e de enfraquecimento; mas imaginar-se sempre errado, embora desprezando
a verdade, desencoraja e paralisa. (...) Ensinar todos os dias a uma
civilização que ela não será digna de ser defendida, senão com a condição de
tornar-se a encarnação de uma justiça perfeita, é convidá-la a deixar-se morrer
ou a deixar-se cadastrar.
O excesso na crítica [o que é o
comportamento que assistimos onde em relação ao Bolsonaro] constitui bom
procedimento de propaganda em política interna. Mas, de tanto serem repetidos,
os excessos acabam por serem acreditados.
É de igual modo possível que a
civilização democrática não desapareça de vez, que nos achemos apenas no
termino de um ciclo que, ao encerrar-se, porá um ponto final num primeiro
período de liberdades individuais, no sentido em que a democracia moderna os
entende. Passaria, então, a humanidade inteira para o domínio comunista. Em
seguida, ela se revoltaria contra o comunismo, que, não mais contando com
cúmplices exteriores sobre os quais se apoiar, nem futuras vitimas para
escravizar, nem economias capitalistas às custas das quais viver, exibiria já
sem a menor desculpa sua incapacidade para gerir uma sociedade humana, e não
poderia mais fazer frente à insurreição interna de seus súditos, nem
aprisiona-los, nem extermina-los todos. Entoa, ao fim de alguns séculos, tendo
sido resgatada pela humanidade a hipoteca
socialista, um novo ciclo democrático poderia começar..
3 – O ERRO DE TOCQUEVILLE
Quanto mais se aperfeiçoa a democracia
igualitária e mais espontaneamente os homens que a praticam se reúnem, tanto
mais eles querem livremente as mesmas coisas. A diversidade acha-se pouco a
pouco banida desse socialismo, não mais pela censura, mas pela desaprovação ou
pela simples indiferença.
Tocqueville pinta como visionário e uma
previsão desconcertante a ascensão du do Estado onipresente, onipotente e
onisciente, que o homem do século XX conhece tão bem: Estado protetor,
empreendedor, educador; Estado médico, empresário, livreiro; Estado prestativo
e predador, tirânico e tutelar; economista, jornalista, moralista,
transportador, comerciante, publicitário, banqueiro, pai e carcereiro, tudo de
uma só vez.
A dedução de Tocqueville acha-se ao
mesmo tempo confirmada e negada pela história. Confirmada porque as
democráticas dos séculos XIX e XX fizeram crescer ao mesmo tempo a força da opinião
pública e o peso do Estado. Negada porque a opinião pública, por poderosa que
se tenha tornado, não aumentou nem em constancia nem em uniformidade, mas, pelo
contrário, em versatilidade e em diversidade; e porque o Estado, longe de ter
adquirido um vigor proporcional ao seu gegantismo, vê-se cada vez mais
desogedecido e contestado por aqueles mesmos que dele esperam tudo.
Se é evifdente que a paixão pela
igualdade (...) acarreta a uniformidade, não esqueçamos que a democracia
baseia-se também na paixão pela liberdade que acarreta a diversidade, a
fragmentação, a multiplicação das singularidades, como bem o disse seu mais
sutil inimigo, Platão, quando comparou a socialismo democrática a um manto
multicolorido, sarapintado coberto de manchas de várias cores.
A democracia está menos do que nunca
ameaçada a partir do seu interior; a ameaça vem, mais do que nunca, do
exterior. [No Brasil de hoje, ela vem do exterior e do interior.]
4 – A SOBREVIVENCIA DO MENOS APTO
Uma socialismo torna-se mais perecível
quanto mais programas resolve e sua longevidade mais se assegura quanto menos
os resolve. [Este conceito pode ser considerado a base do comunismo que elimina
a possibilidade da população prosperar.]
Uma inferência celebre de Tocqueville
(...) consiste em ter observado que uma sociedade luta mais contra a autoridade
quando o nível de satisfação das necessidades é mais elevado.
(...) a inexistência das liberdades
impossibilita a propagação dos descontentamentos.
[O comunismo não é uma força que talvez
esteja extinta,; ela é, cada dia mais], um cadáver que pode nos arrastar
consigo para a sepultura.
5 – O MEDO DE SABER
É um dos êxitos capitais da propaganda
comunismo ter conseguido condicionar em nós este sentimento: a vergonha de se
defender.
A melhor maneira de distinguir o que é
perigo real e o que é fobia, o que é agressão real e o que é loucura, mania de
perseguição, consiste no estudo dos fatos, das situações, dos atos – comparados
entre si com dez, vinte, trina anos de intervalo.
(...) o medo de saber leva ao medo de
dizer.
(...) devemos continuamente esta
atentos aos múltiplos contrafogos da ignorância voluntária,, que se acendem a
cada instante, quase inumeráveis, para confundir a imagem do incêndio que se
propaga.
SEGUNDA PARTE – A MATERIALIDADAE DA
EXPANSÃO COMUNISTA
6 – AUTÓPSIA DO PÓS POLÔNIA
As democracias vão inventar uma
explicação para a sua passividade, a saber: cada uma delas permanece passiva
porque as outras não agem.
7 – O IMPERATIVO TERRITORIAL
Todo país, na visão cautelosa da União
Soviética, é candidato permanente à passagem para uma categoria superior, à
promoção de “não-alinhado” para protetorado e, depoi disso ao posto de satélite
inalienável.
Sejamos lógicos: o único meio de
conseguir que as fronteiras soviéticas não sejam ameaçadas, que elas estejam em
plena segurança, é fazer com que não haja absolutamente fronteiras soviéticas; ou,
se se prefere, que o território soviético coincida completamente com o do
planeta.
9 – A PERSUASÃO PELA FORÇA
“O que conta, escreve Lênin, é ser o
mais forte. E vencer no momento decisivo no lugar decisivo.”
TERCEIRA PARTE – OS INSTRUMENTOS DA
EXPANSÃO COMUNISTA
10 – ESTATÉGIA PLANETÁRIA E VIGILÂNCIA
ATIVA
Quer se trate do desejo de paz, natural
em todo o, quer do nacionalismo, o comunismo tem a intenção de utilizar-se desses dois
sentimentos para eliminar a influência democrática.
Boris Souvarine: “A política de Stalin
é feita de prudência, de paciência, de maquinações, de infiltração, de
corrupção, de terrorismo, exploração das fraquezas humanas. Ela só passa ao
ataque frontal quando o golpe é certo, contra um adversário de sua escolha e
vencido de antemão”.
11 – VISÃO A LONGO PRAZO E MEMÓRIA DO
PASSADO
Os sucessos da diplomacia soviética
(...) provêm da fidelidade a um método que compreende entre seus princípios a
continuidade da ação no tempo, a recapitulação constante das razões de ser da
ação, enfim a aceitação da lentidão como meio de alcançar resultados sólidos e irreversíveis.
[Pode-se considerar esta afirmação como a explicação para o comunismo ter
crescido no ocidente de um modo inesperado após a desmantelamento da URSS.]
As democracias tendem a procurar
tratados vastos e definitivo, que organizem o mundo durante várias gerações.
Elas imaginam que, uma vez fixado esse equilíbrio das potencias, essa
“comunidade internacional”, essa “estrutura da paz”, como dizia Kissinger, cada
país poderá enfim consagrar-se a ocupações civilizadas: (...).
12 – CONSIDERAR SEMPRE UM RECUO FORÇADO
COMO PROVISÓRIO E VOLTAR À CARGA
Sabendo que podem enganar-nos
indeterminadamente, os comunistas não aceitam os recuos ou as recusas como
definitivos. Eles exploram insistentemente as brechas, apresentam as mesmas
propostas, entregam-se às mesmas infiltrações, empreendem as mesmas conquista,
até conseguirem alcançar seus objetivos, ou substituí-los por equivalentes mais
fáceis de realizar.
Diante de tanta clareza nos objetivos,
de tanta teimosia na realização, a política externa dos ocidentais não e mais
que um amontoado de improvisações. (...) as potências democráticas não dispõem geralmente de outra
coisa senão a dispersão e a inconseqüência para opor à concentração e à perseverança.
13 – A ALTERNÂNCIA DAS TÁTICAS: GUERRA
FRIA, COEXISTÊNCIA, DÉTENTE
(...) os soviéticos jamais deixaram de
professar que uma luta inevitável se travava e se travaria até o fim, entre
capitalismo e socialismo, pela posse do mundo.
”Os governos passam, o Arquipélago
fica”, assim se intitula o penúltimo capítulo do ultimo volume do monumento de
Soljenitsin, O Gulag.
15 – A LUTA PELA PAZ
Ao comunistas são muito hábeis em
utilizar sentimentos arraigados, tais como o sentimento nacionalista, ou causas
humanitárias, como a luta contra o racismo, como instrumentos a serviço da
expansão totalitária, embora eles próprios, quando detêm o poder, não respeitem
nem a independência nacional dos países a controla, nem os direitos humanos.
Como essa exorbitante identificação do
expansionismo soviético mais cru com uma “vontade de paz” se tornou possível? É
o fruto de um antigo, longo e perseverante trabalho de propaganda e de
infiltração.
Não se poderia negar aos dirigentes
[comunistas] essa resistência meritória que é requerida para defender ano após
ano uma causa em que não se crê. Porque [nenhum dirigente comunista do século
XX] jamais acreditou no pacifismo. Nunca viram nele outra coisa a não ser uma
das numerosas variantes do cretinismo inerente à civilização democrática e um
meio de enfraquecer essa civilização.
O pacifista é aquele que (...) ao se
despojar com ostentação dos seus próprios meios de defesa evitará todo perigo
de guerra no mundo.
Se as posições de poder devem pertencer
aos comunistas, confessos ou mascarados, em todos os movimentos pela paz, nada
tão indispensável do que reunir a seu redor uma grande e se possível brilhante
figuração não comunista.
16 – A GUERRA IDEOLÓGICA E A
DESINFORMACAO
A guerra ideológica baseia-se na arte
de libertar para sujeitar, ou mais exatamente, pretender libertar para sujeitar
melhor, pregar a liberação para impor a servidão. (...) Os ideólogos políticos
tentam também introduzir uma oposição entre vida presente e vida futuro para
justificar os rigores da primeira pelas felicidades da segunda. (...) Chegando
a mergulhar os homens na escravidão e na miséria, os ideólogos políticos se
mostram mais hábeis do que foram os mais lamentáveis tecnocratas, já que é para
esta vida que eles nos prometem a felicidade, já que eles conseguem fazer
imperar o seu absolutismo apesar da simultaneidade quase perfeita entre a exaltação
de um ideal e sua refutação pela experiência.
Uma vez bem estabelecida a dominação,
gasta a força do aparelho repressivo para manter no vazio as liberdades e as
críticas. (...) Luta ideológica, guerra psicológica, mentira, desinformação,
intimidação, desordenam, impregnam, desorientam sem cessar a opinião pública e
os governos dos países democráticos, em geral presas fáceis de uma arte de
enganar, cujo desenvolvimento o espírito totalitário sempre favorece mais e
mais.
A guerra ideológica é uma necessidade
para o totalitarismo e uma impossibilidade para a democracia. Ela é
consubstancial ao espírito totalitário, inacessível ao espírito democrático. Ora,
as democracias não têm uma, mas mil, cem mil. A democracia se manifesta pela
crítica mutua dos diversos grupos que compõem em seu seio a pluralidade
política e cultura da sociedade civil. (...) O que é uma força interior em
termos de civilização torna-se uma fraqueza diante de um poder totalitário, o
comunismo, cuja razão de ser, a condição de sobrevivência são a aniquilação da
democracia no mundo.
A ideologia é mentira, a ideologia
comunista é mentira total, estendida a todos os aspectos da realidade. Propor
ao pensamento livre que se defenda construindo um delírio sistematizado de
sentido contrário é lhe propor que se suicide para evitar que seja assassinado.
Se é verdade que nada é mais eficaz do que uma miragem para destruir outra
miragem, é também verdade que a civilização democrática não deve e não pode
sobreviver senão opondo à ideologia o pensamento, à mentira o conhecimento da
realidade, à propaganda não uma contra-propaganda, mas a verdade.
No barco democrático, a obsessão das
intrigas pelo comando de um e pelos privilégios dos outros, relega à categoria
de questão menor o risco supremo de naufrágio de todos.
O primeiro objetivo da propaganda
comunista é, pois, projetar no exterior uma imagem melhorada dos países
socialistas e uma imagem distorcida dos países que não o são; (...).
Precisamos em política não de
conhecimento puro, mas de conhecimento tendo em vista a ação; e não serve para
grande coisa conhecer a verdade, quando a ação falsa já ocorreu.
Os quadros mentais forjados por três
quartos de século de propaganda ideológica sobrevivem assim ao desmentido dos
fatos e ao naufrágio das convicções.
Uma campanha de desinformação (...) só
pode ser concluída, e até iniciar-se numa sociedade pluralista, isto é, numa
sociedade em que existem múltiplas correntes de opinião que o desinformado pode
jogar umas contra as outras.
Uma ficção política deve, para interessar,
ter pelo menos um pouco de verossimilhança.
A Rádio Moscou transite em ondas
curtas, para o mundo inteiro, programas em mais de oitenta línguas.
O inventário exaustivo da desinformação
ultrapassaria a envergadura hercúlea de várias enciclopédias, visto que ela é
verdadeiramente universal e nenhum continente escapa a seu raio de ação.
Os clichês pró-soviéticos gozam do
direito de asilo, ou melhor, de direito de cidadania nas mídias dos países que
o comunismo quer abater.
A “Sociedade para o desenvolvimento da imprensa”
[sic], dizem os porta-vozes dos serviços secretos ocidentais, financiou durante
anos, além de seus amigos gregos, numerosos outros jornais, publicações e
mídias em toda Europa para que eles propagassem as teses pró-soviéticas.
(...) enquanto as sociedades
democráticas são penetráveis (...) as sociedades comunistas são totalmente
impenetráveis.
A guerra ideológica dá-se, assim, num
só sentido, guerra que seria mais exato chamar de guerra da mentira, já que
toda ideologia é mentira.
(...) o efeito desestabilizador do
descontentamento só conta de maneira imperceptível no mundo totalitário, por
causa da perfeição do sistema policial. (...) os defeitos do universo comunista
não são objeto de nenhuma comparação permanente, só são conhecidos de maneira
abstrata quando não se vive nesse universo. E quando um povo nele vive, e dele
adquire um cone concreto, é tarde demais para que volte atrás.
Na guerra ideológica, a propaganda comunista
tem por objetivo destruir a democracia em todos os lugares em que ela existe e
torná-la impossível em todos os lugares em que ela poderia existir. (...) Na
melhor das hipóteses, a democracia não pode senão tentar proteger-se a si mesma
e ela não o consegue senão mediocremente ou de modo algum.
17 – DESVIOS E RECUPERAÇÕES
A astúcia precede a força.
A pirataria política (...) se utiliza,
em proveito próprio, das aspirações humanas, das instituições, das
coletividades que existiam antes dela e não lhe devem nada, ela as anexa,
usurpa suas palavras de ordem para sujeita-las a seus próprios fins, capta sua
energia e boa vontade, encaminha-as sub-repiticiamente na direção do lugar onde
se agrupam as suas organizações de fachada.
Na esfera comunista os resultados são
uniformemente desastrosos e, ao cataclismo econômico crônico, acrescenta-se o
inevitável complemento da repressão totalitária, frequentemente apimentada por
um culto obrigatório da personalidade prestado por todo um povo submisso à
megalomania de um déspota inamovível.
O terrorismo na democracia é devido à
demência ideológica de minorias pouco representativas para adquirirem um peso
político agtraves dos meios legais existentes.
QUARTA PARTE – OS QUADROS MENTAIS DA
DERROTA DEMOCRÁTICA
18 – AS LINHAS DE FALHA
Não sei se é excessivo aventar a
hipótese de que as democracias estejam predestinadas ao logro. Mas estou certo
de que nossos adversários assim pensam há muito.
20 – A ESTRANHA GUERRA FRIA
O desejo de paz encontra-se do lado daqueles
cujo poder baseia-se exclusivamente no exercito, na polícia, nos campos de
concentração e que não param de tentar golpes de força, como em Berlim ou na Coréia.
A “vontade criminosa de desencadear a terceira guerra mundial” encontra-se do
lado dos americanos. No máximo, pode-se conceder a estes últimos a vantagem da
duvida, coloca-los no mesmo plano que os soviéticos, lutar pelo neutralismo.
A representação pode começar, os atores
estão em cena, os papéis foram distribuídos. E o mais misterioso é que essa
peça, concebida de tal sorte que o heroi principal, o vendedor material e moral
de cada ato até o cair do pano só pode ser o comunismo totalitário, essa peça
refere-se ao Ocidente, as democracias escreveram seu texto, patrocinaram a
encenação e desenvolveram sua trama.
25 – DUAS MEMÓRIAS
Com a memória-hábito, percorremos sem
erros uma cidade familiar, pensando em outra coisa. Com a memória-lembrança,
evocamos os primeiros dias de nosso contato com esta cidade, quando ela era
nova para nós, quando fazíamos o seu aprendizado.
Tudo se desenvolve como se apenas os fracassos,
os crimes e as fraquezas do Ocidente merecessem inscrever-se no indicador da
história e próprio Ocidente aceita essa regra.
O passado comunista é sempre uma etapa
em direção de um porvir que se revela, certamente, a cada vez tão lúgubre
quanto o passado, mas que se vê por sua vez promovido à categoria de etapa. Em
compensação, os maus períodos capitalistas não têm direito ao grau de “etapas”
mesmo quando brilhantes recuperações se seguem.
Uma percepção vaporosa, uma rememoração
crepuscular, uma emoção que morre ao nascer ou se evapora em alguns dias: tais
são as leis de nossa sensibilidade aos atos totalitários. Ninguém compreendeu
melhor nossa psicologia do esquecimento do que os dirigentes comunistas, pois
se nós não os conhecemos, eles nos conhecem. Eles forjaram o eufemismo
monstruoso de “normalização” para batizar a duplicação de ferocidade
totalitária sobre povos que ousaram revoltar-se por um instante contra seus
senhores. (...) Nós chegamos rapidamente a achar o anormal, normal. Não é nossa
paciência que tem limites, é nossa impaciência. Em pouco tempo ela acaba.
(...) jornalistas comunistas são
regidos por leis que não a da percepção e da memória, quer dizer, são regidos
pelas leis da política externa soviética.
AS DEMOCRACIAS CONTRA AS DEMOCRACIAS
Mais propicia ainda ao imperialismo
comunista do que nossa inércia diplomática (...) é a aquiescência ocidental à
condenação que os comunistas fazem de nossa civilização (...) No campus
universitário, como nas salas de redação, continua a todo vapor a sempiterna e
robusta ladainha sobre a “falência generalizada do Ocidente”.
Sobre que bases, por que motivos a
liberdade seria defendida, quando tantos modeladores de opiniões, educadores,
pensadores professam (...) que a civilização é “fundamentalmente má”?
O capitalismo industrial foi o primeiro
e o único modo de produção que tirou os
homens da penúria e que poderá dela tirar os que ainda a experimentam. [No
entando] é o mais difamado.
Considerando que nenhuma democracia,
mesmo reconhecida como tal, possa ser perfeita, e estando toda a sociedade
propensa a abrigar numerosos elementos de opressão, qual regime terá
verdadeiramente o direito de se defender contra o comunismo? Nenhum. Na mesma
alinha de raciocínio, se é suficiente para legitimar o comunismo mostra apenas
que o capitalismo apresenta defeitos, vícios, crises, então entreguemos imediatamente
o poder mundial ao comunismo totalitário, pois o melhor meio de deixar de
claudicar é amputar as duas pernas.
A verdadeira antítese opõe não o
totalitarismo à democracia, o comunismo ao capitalismo, mas o comunismo
totalitário a tudo mais. O comunismo é a necrose da economia, o totalitarismo e
a necrose do político, da sociedade civil e da cultura. (...) a Idade Média
europeia, a China dos Mings, as sociedades africanas, polinésias ou americanas
anteriores à intervenção dos europeus, a franca de Luís XV ou de Napoleão III,
a Inglaterra elisabetana, a Espanha de Filipe IV, a Índia da dinastia Gupta, a
Alemanha de Kant não eram sociedades democráticas, nem por isso seriam
sociedades totalitárias, mas sociedades vivas que, cada uma à sua maneira,
engendravam uma forma preciosa de civilização.
É a fusão ou a justaposição de uma
miríade de pequenos comportamentos espontâneos que remontam ao fundo das idades
e que apenas nosso espieirto unifica, que acabamos por reunir num conceito
geral, impresico e imperfeito. (...) Devemos rejeitar a assimilação do
comunismo aos outros sistemas autoritários e dos outros sistemas autoritários
ao comunismo. (...) O comunismo, para
subsistir, tende a destruir não somente a democracia, mas a própria
possibilidade da democracia.
CONCLUSÃO – NEM GUERRA, NEM SERVIDÃO
(...) deverão as democracias aceitar a
guerra a fim de escaparem da servidão, ou aceitar a servidão, a fim de
escaparem da guerra? Ou ainda, o que é pior, deverão submeter-se a uma guerra
que acabará por sujeita-las à servidão? Ou (...) têm elas ainda tempo e
capacidade para evitar ao mesmo tempo a guerra e a servidão?
(...) o comunismo do século XX, conferiu-se
como missão história abater a democracia da qual nasceu. (...) não são as
democracias que conduzem o jogo. Tolerância e coexistência entre os sistemas
não é de modo algum compartilhadas com o comunismo. [E toda e qualquer ação de
um comunista é um ato de guerra.]
A propaganda comunista a favor da
“paz”, isto é, na tradução soviética, incitar os outros a não se defenderem,
acresce-se de uma ameaça perpetua de guerra, intimidações que explora o medo do
cataclisma atômico. (...) É o que Enco Battiza chama de “pacifismo de ataque”.
Contrariamente às classes dirigente
ocidentais, mortificadas por remorsos e dramas de consciência, a classe
dirigente soviética, no que lhe concerne, está inteiramente despojada de dramas
de consciência e utiliza com a mais prefeita serenidade a força gruta, tanto
para conservar seu poder no interior, quanto para estende-lo ao exterior.
O inventário das falências comunistas é
tão impressionante que é precisamente isso que me assusta: um sistema que pôde
se tornar tão forte, apesar de tantas recaídas, um sistema que domina cada vez
mais o mundo, quando ninguém assim o quer (...).
Quanto mais nos aproximamos do final do
século, mais o imperialismo comunista se torna o principal problema de nosso
tempo.
Diante da pergunta: “Qual é a solução
para os povos não comunistas?” recorro a Demóstenes: “A estes darei a resposta
que acredito ser a mais justa e a mais verdadeira: não fazer o que vocês fazem
atualmente”.
No que me concerne, cheguei à convicção
de que a chantagem do apocalipse nuclear dos soviéticos não é sincera, e
intensifica-se de ano para ano apenas em função das vantagens enormes que ela
sempre lhes trouxe, e continua a trazer.
(...) uma política externa digna desse
nome consistiria em não mais admitir nenhuma invasão soviética sem recorrer a
represálias imediatas, principalmente econômicas (...).
[O Ocidente, no caso da guerra da
Ucrânia, parece estar seguindo este conselho de Revel.]
[E REVEL ENCERRA:]
Não quero ser pessimista ou otimista.
Apenas constato. A constatação é pessimista, não seu autor. O destino da
democracia no mundo de hoje será decidido no decorrer dos últimos anos deste
século quero dizer, nosso destino, pois, se a história tem como quadro os
milênios, a vida conta apenas reduzido número de anos e, recorrendo à frase de
Achim de Arnim, “cada homem recomeça a
história do mundo, cada homem a termina”.