EXTRATO DE: SONHO GRANDE

Como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira revolucionaram o capitalismo brasileiro e conquistaram o mundo.

Biografia por Cristiane Correa

Ed. Primeira Pessoa – 2013

 

[No início das negociações para a compra do controle da AB] “A jornada que vamos começar com esta carta [de intenção] será muito longa. Haverá dias em que a gente vai achar que está por cima e dias em vamos nos sentir lá embaixo. O outro lado vai fazer coisas em que não pensamos e em algum momento seremos obrigados a rever nossos planos. Então se prepare”, aviou Golub [um dos advogados contratados].

 

Pilares da cultura professada por Lemann: meritocracia, controle de custos inclemente, trabalho duro e uma dose de pressão que nem todos podem agüentar. Nada de mordomias, nada de símbolos de status.

 

“Ao longo da minha vida várias vezes eu me lembre mais da onda de Copacabana que daquilo que eu aprendi na faculdade.

 

Harvard soma mais de 350 anos de história. Lá estudaram mais de 40 vencedores de Prêmio Nobel.

 

“As pessoas que me conhecem, que conhecem os meus negócios, sabem que eu sempre digo que ‘ter um sonho grande dá o mesmo trabalho que ter um sonho pequeno’...”

 

Para que esse modelo funcionasse, era preciso instilar na tropa um fervor quase messiânico. Só que, no Garantia, o “Messias” que movia o pessoal tinha outro nome: bônus.

 

O pessoal era dividido basicamente em três faixas. O pelotão de entrada – integralmente elegível a bônus – era chamado de PL (participação nos lucros) ou, como se falava pelos corredores, de “pelados”. A faixa imediatamente acima era composta pelos “comissionados”. Em vez de receber um múltiplo do seu salário, como  um “pelado”, cada comissionado embolsava uma pequena porcentagem sobre o lucro total da firma.

 

Quem era bom subia. Quem não era invariavelmente se tornava tema da chamada “reunião da fumacinha”, como era conhecido o encontro anual dos sócios para determinar aqueles que seriam demitidos – a praxe era dispensar anualmente cerca de 10% do quadro.

 

Tornou-se lendária a história de um advogado contratado pelo Garanta que abandonou o trabalho no primeiro dia – saiu para o almoço e nunca mais voltou, assustado com o que vira em poucas horas de expediente.

 

Quase uma dezena de pessoas entrevistadas para este livro utilizaram a expressão “panela de pressão” para descrever o dia a dia no banco.

 

Um dos mecanismos mais criativos utilizados nos balanços foi fazer o calculo da correção monetária apenas no lado do ativo, enquanto o valor do passivo não era submetido a esses reajustes – uma distorção capaz de colocar qualquer acionista sério de cabelo em pé.

 

Agora tudo é comemorado. Se o cara completou 10 anos de casa, tem que ter uma faixinha, uma estrelinha. Aprendemos que é preciso celebrar.

 

Nada como um retumbante sucesso para esconder o fracasso iminente.

 

O trio de empresários continuava pensando em negócios de longo prazo, mas muitos de seus sócios no banco já não acreditava tanto nessa filosofia. “O dinheiro começou a ir para o bolso, o sonho de construir deixou de existir, o papa estava afastado por doença e os bispos radicais estavam longe”, resumiu Marcel certa vez.

 

No dia 12 de fevereiro de 1992 a corretora [Garantia] tentou baixar artificialmente o valor das ações do Ibovespa, sobretudo da Telebrás. (...) Entre 12:30 e 13h daquele dia, as corretoras Garantia e Talarico começaram a comprar e vender papéis entre si, com valor abaixo do mercado (no jargão financeiro, uma operação conhecida como “Zé com Zé”).

 

O Matrix ganhou as paginas dos jornais e revistas da década de 90 não só pelos resultados espetaculares – começou com um patrimônio de 8 milhões de dólares e dois anos depois já ultrapassava 100 milhões -, mas pelas polêmicas  em que se envolveu.

 

Para tapar o buraco, Cacciola recorreu ao Banco Central, que lhe vendeu dólares a valores abaixo do mercado – uma ajuda que custou aos cofres públicos 1,5 bilhão de reais.

 

O Garantia foi descrito em 1994 pela Folha de São Paulo desta forma: “Veloz nas decisões, impiedoso com os adversários, joga para matar. Um verdadeiro ‘serial killer’”.

 

“O pessoal [mais jovem] realmente queria ter um ‘pai’, alguém que bancasse o negócio... Eles queriam embolsar o dinheiro o capital que  já tinham, e arrumar outra empresa grande ou alguém com muito capital, com quem eles poderiam continuar fazendo o que vinham fazendo, mas sem colocar em risco o próprio capital deles. Francamente, para mim isso foi uma decepção...”

 

O conceito de partnership, que durante décadas havia funcionado tão bem, se esgarçou rapidamente, a ponto de não fazer mais qualquer sentido.

 

O Garantia desapareceu porque se deslumbrou com próprio sucesso. Porque seus principais sócios se afastaram do negócio e deixaram o barco correr solto.

 

“Todo o sucesso que a GP teve a partir de 2004 deixou o pessoal de lá arrogante”, diz um executivo do setor. “Eles começaram a agir como se fossem invencíveis e não tivessem competidores, mas descobriram da pior forma possível que também podiam errar.

 

O que aconteceu foi que durante  horas elas só receberam paginas escuras – eram folhas de papel carbono enviadas diretamente do QG da Brahma para ocupar as linhas telefônicas do Cadê e evitar a chegada de liminares.

 

Um operário da fabrica de Leuven [Bélgica] resumiu, à época, o sentimento que tomava conta de parte considerável dos funcionários: “Querem diminuir nosso salário fixo e aumentar a remuneração variável, mas não estamos interessados em ganhar bônus. Se quiserem nos mandar embora por causa disso não há problema algum, porque o Estado vai fornecer tudo o que precisamos.”

 

Será que Buffet estaria articulando com o amigo – e agora sócio – Jorge Paulo Lemann a compra do controle do maior ícone americano [Coca-Cola], uma companhia avaliada em quase169 bilhões de dólares (mais que o dobro da rival Pepsico)?

Quando ouve a pergunta, o megainvestidor americano inclina a cabeça para trás, solta uma gargalhada e diz: “Aqui você não vai conseguir nada.”