ANOTAÇÕES DE
O SER QUÂNTICO
Autor:
Danah Zohar
Editora:
Best Seller – 1990 (8ª
edição)
1
- UMA FÍSICA DA VIDA DIÁRIA
“O
mundo que a ciência nos apresenta para que acreditemos”, escreveu Bertrand
Russel na virada do século XX, “nos diz”:
Que o homem é produto de causas que não
tinham nenhuma previsão do fim ao qual chegariam; que sua origem, seu
crescimento, suas esperanças e temores, seus amores e crenças não passam do
resultado do posicionamento acidental de átomos; que nenhum heroísmo, nenhum
grau de pensamento ou de sentimento pode preservar a vida individual após a
morte; que toda a labuta dos séculos, toda a devoção, toda a inspiração, todo o
intenso brilho do gênio humano estão destinados à extinção na vasta morte do
sistema solar; e que todo o templo da conquista humana deverá inevitavelmente
ser soterrado sob os escombros de um Universo em ruínas...
Em
nosso relacionamento com nós mesmos e com os outros, a influência newtoniana
vai muito fundo. Se não passamos de um subproduto acidental da criação e um
joguete na mão de forças maiores totalmente fora de nosso controle, como
podemos ter alguma responsabilidade significativa por nós mesmos ou pelos
outros?
“O
homem é um estranho ao mundo”, diz Michel Serres, “ao pôr-do-sol, ao céu, às
coisas. Ele as odeia e combate. Seu ambiente é um perigoso inimigo contra o
qual deve lutar, e que deve ser mantido escravo...” A violação do meio ambiente
característica do século 20 e a caótica proliferação de estruturas materiais
construídas pelo homem advêm deste senso de alienação
da natureza e da matéria.
A
teoria da relatividade (...) se consuma numa escala cosmológica e não tem
virtualmente nenhuma aplicação em nosso cotidiano, em nosso mundo de pés na
terra.
2 - O QUE HÁ DE NOVO NA NOVA FÍSICA
A
mais revolucionária e, para nossos fins, a mais importante afirmação que a
física quântica faz acerca da natureza da matéria, e talvez do próprio ser,
provém de sua descrição da dualidade onda-partícula – a afirmativa de que todo
ser, no nível subatômico, pode ser igualmente bem descrito como partículas
sólidas, como um certo número de minúsculas bolas de
bilhar, ou como ondas, como as ondulações na superfície do oceano. Mais do que
isto, a física quântica prossegue dizendo que nenhuma das duas descrições tem
real precisão quando isolada e que tanto o aspecto onda como o aspecto
partícula do ser devem ser levados em conta quando se procura compreender a
natureza das coisas. É a própria dualidade o aspecto mais básico. A
“substância” quântica é, essencialmente, ambos: o aspecto onda e o aspecto
partícula simultaneamente.
Esta
natureza do tipo Jano do ser quântico está condensada
numa das colocações mais fundamentais da teoria quântica, o princípio da
complementaridade, que declara que cada modo de descrever o ser, como onda ou
como partícula, complementa o outro e que o quadro completo surge somente do
“pacote”. Como os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, cada uma das
descrições fornece um tipo de informação que falta à outra.
Para
a física quântica, porém, tanto ondas como partículas são igualmente
fundamentais. Uma e outra são modos pelos quais a
matéria se manifesta, e as duas juntas são o que a matéria é. E, ainda que
nenhum dos “estados” seja completo em si mesmo e ambos sejam necessários para
nos dar um quadro completo da realidade, na verdade só conseguimos focalizar um
de cada vez. Esta é essência do princípio da incerteza de Heisenberg, que, como
o da complementaridade, é um dos princípios mas fundamentais do ser na teoria
quântica.
Segundo
o princípio da incerteza, as descrições do ser como onda e como partícula se excluem mutuamente. Embora ambas sejam
necessárias à compreensão integral do que o ser é, somente uma está disponível
um determinado momento do tempo. Consegue-se medir ou a exata posição de algo (como
um elétron) quando ele se manifesta como partícula, ou seu momentum (sua
velocidade) quando ele se expressa como onda, mas nunca se consegue uma medida exata
de ambos a um só tempo.
Tudo
da realidade é e continua sendo uma questão de probabilidades. Um elétron pode
ser uma partícula, pode ser uma onda, pode estar nesta órbita, pode estar
naquela – de fato, tudo pode acontecer. Só podemos prever essas coisas com base
no que é mais provável dadas as condições gerais de
determinada situação experimental.
Quando
um elétron faz uma transição de um estado de energia a outro dentro do átomo,
vimos que ele o faz de forma completamente espontânea e aleatória. Subitamente,
sem aviso prévio e certamente sem “causa”, um átomo antes “quieto” poderá
experimentar o caos em suas camadas de energia eletrônica. Tudo depende muito
de sorte.
3
- A CONSCIÊNCIA E O GATO
Em que ponto e por
que a matéria se torna real? Para ilustrar o problema e seu paradoxo, Irwin Schrödinger, um dos
fundadores da teoria quântica, trouxe seu gato para a discussão.
O
gato de Schrödinger foi colocado em uma daquelas
indefectíveis jaulas de laboratório usadas para experimentação com animais, só
que desta vez as paredes da jaula eram sólidas. Isto é fundamental, pois para
compreender onde repousa o paradoxo não se pode ver o gato até o final da
história.
Dentro
da caixa opaca, Schrödinger arquitetou um experimento
macabro. Ele colocou um pedacinho de material radioativo lá dentro, sendo que
este material radioativo (para facilitar a metáfora) tem uma chance de 50% de
emitir uma partícula de decaimento para baixo. Se a
partícula for para cima ela encontra um detector de partículas que, por sua
vez, aciona uma alavanca que libera um veneno letal para dentro do prato de
comida do gato. O gato come e morre. De forma semelhante, se a partícula for
para baixo é acionada uma alavanca que libera alimento e o gato sobrevive para
enfrenta outra experiência.
...
o ser do gato mecânico-quântico de Schrödinger
está “espalhado” pelo espaço e pelo tempo. Sua possível vida e seu possível
estado de morte se “abrem” pela jaula como uma onda de probabilidade que enche
o espaço do experimento. Só o que podemos fazer é descrever todos os seus
possíveis estados através da função de onda de Schrödinger
– isto é, com uma equação matemática que menciona suas várias possibilidades,
assim como as regras do pôquer determinam os vários tipos de jogo que podemos
montar e o que poderemos fazer com eles, sem, no entanto, revelar-nos que jogo
sairá para n os do baralho. Isto é uma questão de probabilidades.
Nesse
caso, a função de onda (a “regra do jogo”) nos diz que o gato o comeu o veneno
e morreu (Possibilidade I) e que o gato desfrutou de uma nutritiva refeição e
vive (Possibilidade II). Somente quando a função de onda “entrar em colapso”,
no momento em que todas as possibilidades que ela descreve subitamente se
solidificarem numa realidade fixa, é que poderemos obter um gato para
acariciarmos ou enterrarmos. Um colapso (ou ponto de decisão) desse tipo
obviamente tem de acontecer mais cedo ou mais tarde pois, conforme consta na
história do gato, quando abrimos a jaula e observamos
o animal ele está, sem sombra de dúvida, morto (ou vivo). Mas por quê? O que
matou o gato de Schrödinger?
Esta
pergunta, que se aplica não só a gatos mecânico-quânticos
como também a nós mesmos e a tudo o que vemos à nossa volta, vai direto à
questão: por que existe a realidade?, e ilustra o
motivo pelo qual a crise de identidade do gato cria um paradoxo. Trata-se de um
paradoxo, pois de um lado está o mundo repleto de gatos bastante normais, vivos
ou mortos, e de outro, a física, que vem ocupando as melhores cabeças
cientificas de nosso século, nos diz que isto é impossível. A matemática da
equação de Schrödinger argumenta no sentido de que
nada tem a capacidade de decidir o destino do gato – nada pode colocar em
colapso sua função de onda. Ao menos nada no mundo físico.
A
realidade acontece quando a vemos.
De
alguma maneira estranha que ninguém compreende ainda, ele morreu porque olhamos
para ele. A observação matou o gato.
[Para
mim, é forçar uma barra de um paradoxo que não existe. O gato está morto ou
vivo independente de ser visto por mim ou não. A única diferença é que eu só
vou saber (ter a certeza) se abrir a caixa. Portanto, o problema não é de
incerteza como pretendeu colocar Schrödinger, mas sim
de “certeza”.]
Aqueles
que concluem que a consciência provoca o colapso da função de onda porque sua
natureza é essencialmente não física ... deixam a
porta aberta para especulações anti-realistas no sentido de que “a realidade só
existe na mente” e que não existe nenhum mundo se não houver alguém observando,
deixando-nos a imaginar como é que nós surgimos, então. Que ser consciente
estava aqui no início de tudo para provocar o colapso da primeira função de
onda?
Como
a realidade acontece depende de como a vemos.
“Seja
o que for que chamemos realidade, ela só nos é revelada através de uma
construção ativa da qual participamos.” Ilya Prigogine
4
- SERÃO OS ELETRONS CONSCIENTES
No
famoso experimento das duas aberturas utilizado para ilustrar a dualidade
onda-partícula, os fótons comportam-se de forma muito diferente se antes da
detecção lhes for oferecida a oportunidade de passar
por uma abertura ou por duas. Se apenas uma abertura estiver livre, eles se
comportam como partículas, atingindo a superfície detectora
como uma corrente de disparos a bala. Se há duas
aberturas, eles se comportam como ondas e criam um típico padrão de
interferência na outra extremidade. Eles parecem “saber” que aspecto de sua
natureza dupla é exigido pela experiência e comportam-se de acordo com isso.
[!!!! Isso é absolutamente louco. A única coisa certa é que não conhecemos a
essência desta estrutura sub-atômica.]
Na
experiência de escolha retardada com fótons feita por Wheeler,
esse “conhecimento” do ambiente experimental é verdadeiramente fantástico. Ali,
o fóton tem as duas aberturas livres o tempo todo, só que mais adiante ele
encontra a opção de um detector de partícula e uma tela de interferência, um
dos quais foi colocado em seu caminho após ele já ter passado por uma ou duas
aberturas. Mesmo nesse estágio tardio ele parece “saber” o que o espera e
parece escolher quase radiativamente tanto seu trajeto como sua natureza. Só
depois de atingir um ou outro obstáculo é que podemos saber se ele passou por
uma ou por duas aberturas.
5
– CONSCIÊNCIA E CÉREBRO: DOIS MODELOS CLÁSSICOS
Não
há um “comitê central” de neurônios que supervisiona o processo como um todo,
dando unidade ao funcionamento cerebral e permitindo-lhe fazer escolhas livres
e espontâneas. Onde está então, em meio aos trilhos de conexões nervosas e
eventos deterministas, a pessoa que experimentamos como sendo nós mesmos? O que
explica o “eu” que experimenta fome, que decide comer uma maçã e sente prazer
após fazê-lo?
A
realidade, da forma como a conhecemos, consiste tanto em ondas
(relacionamentos) como em partículas (individualidade), assim como a
experiência que conhecemos como sendo a vida mental humana consiste tanto em
consciência imediata (unidade e integração) quanto em computação (pensamento,
estrutura). Um modelo realmente apropriado da natureza da consciência e de seu
relacionamento com o cérebro deve ser capaz de explicar e conter os dois.
6
– UM MODELO MECÂNICO-QUÂNTICO DA CONSCIÊNCIA
Assim
como seu amor livre [da libertina] teve finalmente que ceder a um compromisso,
também nosso livre jogo de pensamento e imaginação deve em algum momento
reduzir-se a uma idéia definida. Somente uma, de um dado conjunto de
possibilidades quânticas, pode existir no “mundo real”, mas, antes de sua
materialização, quanto divertimento o mundo quântico nos propicia!
7
– MENTE E CORPO
Veja
o caso do materialismo, por exemplo; a afirmação de que os aspectos físicos da
realidade são a única coisa que realmente existe e que
qualquer aspecto mental ou espiritual é ou totalmente dependente da
matéria para existir, ou então inexistente. Para o materialista não há uma
“substância pensante não extensa” como a que Descartes via
na mente, nem anjos, deidades, espíritos ou almas imortais. Para que algo
exista, diz ele, é preciso que tenha substância, o substancial é o físico, e o
físico é feito de matéria, que por sua vez é feita de átomos.
Mas,
como nossa visão pós-cartesiana do físico, por definição, exclui o mental, essa
corrida para abraçar a perspectiva cientifica através de um caso amoroso com a
realidade material levou a uma negação daquilo que a maioria de nós considera
como o melhor e mais interessante lado da natureza humana. O
materialismo nu e cru simplesmente não consegue explicar a consciência.
Porque
nem materialismo nem idealismo parecem oferecer uma resposta adequada ao
problema mente-corpo, houve sempre uma terceira maneira tradicional de
abordagem: a do pampsiquismo. Se corpos sem mentes são coisas demasiadamente
brutas, e mentes sem corpos demasiadamente etéreas, talvez não haja realmente
como separar um do outro. Talvez o mental seja, na verdade, uma propriedade
básica do material e vice-versa. Talvez o “material” básico subjacente do
Universo seja uma “coisa” só, que possui dois aspectos.
O
problema parece tão grande que alguns filósofos alegam que não há solução.
Segundo Colin McGinn, de Oxfrord, “a mente talvez seja simplesmente pequena demais
para compreender a mente”.
No
lugar das intimas bolinhas de bilhar movidas por contato ou por forças, há
apenas uns tantos padrões de relacionamento ativo, elétrons e fotos, mésons e nucleons que nos irritam
com suas ardilosas vidas duplas; ora são posição, ora momento (velocidade), ora
partícula, ora onda, ora massa, ora energia – e todos reagindo entre si e com o
ambiente.
A dualidade onda-partícula
do “material” quântico torna-se o relacionamento mente-corpo mais primário do
mundo, e no cerne de tudo isso, em níveis mais elevados, os
reconhecemos como os aspectos mental e físico da vida.
Em
qualquer sistema quântico de duas ou mais partículas, cada partícula tem
igualmente “capacidade de ser” e “capacidade de se relacionar”, a primeira
devido a seu aspecto partícula, a segunda devido ao aspecto onda. Por força do
aspecto onda e das coisas que ele permite que ocorram é que os sistemas
quânticos apresentam uma espécie de relacionamento íntimo, definitivo entre
seus membros constitutivos que não existe nos sistemas clássicos.
Somos,
em nosso ser essencial, feitos do mesmo material e sustentados pela mesma
dinâmica que responde por tudo o mais no Universo. Da mesma forma, e o que
revela a enormidade desta realização, o Universo é feito do mesmo material e
sustentado pela mesma dinâmica responsável por nossa existência.
“Duas coisas apenas
não podem estar satisfatoriamente unidas sem uma terceira, posto que deve haver
algum vinculo entre elas que as reúna. E dentre todos os vínculos o melhor é
aquele que faz de si mesmo e dos termos que ele reúne uma unidade no sentido mais
pleno.” (Platão, em Timeu.)
Também
se conclui da visão de que a consciência é uma espécie de relacionamento
quântico que ela não pode, em nenhum sentido, ser uma “propriedade” da matéria,
como argumentam muitos pampsiquistas. Ela não pode
remontar ao ser de uma única partícula elementar de matéria porque é essencialmente
um relacionamento entre duas ou mais partículas. A consciência é, em essência,
relacional, e só pode surgir quando no mínimo duas coisas se reúnem. “São
precisos dois para dançar o tango.” (...) Nossa consciência humana, portanto,
não é diferente em espécie daquela associada às mais
elementares formas de vida ou à matéria elementar, mas é diferente em
grau e nível de complexidade.
Na
verdade, no mundo da natureza, as partículas se apresentam em dois tipos
básicos, férmions e bósons. Os férmions, partículas que se combinam
para nos dar a matéria (elétrons, prótons e nêutrons), são essencialmente
anti-sociais.
8
– A PESSOA QUE EU SOU: IDENTIDADE QUÂNTICA
E,
se de fato existo, que porção de mim é correto chamar
de “eu”? Onde é que começo e onde é que termino?
Tantos
milhares de milhões de células mantêm nosso coração em funcionamento, a mesma
quantidade vai para nos dar um fígado e assim por diante. Como, dada toda esta complexidade, conseguimos ser uma coisa só no final das
contas? Ou, de fato, como têm se perguntado alguns filósofos,
será que na verdade existimos?
No
cérebro normal, os dois hemisférios trocam informações entre si,
comportando-se, portanto, como uma unidade coordenada; no entanto, se separados
pro procedimento cirúrgico, perdem essa habilidade. Então, literalmente, a mão
direita não sabe o que a esquerda está fazendo.
Se
um paciente que foi submetido a essa cirurgia vir um objeto em seu campo visual
esquer5do – o lado não mais ligado ao centro da fala no hemisfério esquerdo –
negará obstinadamente estar vendo qualquer coisa. Se lhe pedirmos que segure
dois objetos idênticos, um em cada mão, ele não saberá dizer que são idênticos;
se lhe pedirmos que apanhe um objeto colocado a meio caminho entre suas mãos,
ele começará um cabo-de-guerra consigo mesmo enquanto cada hemisfério cerebral
luta separadamente para executar a ordem.
“Dados
os conhecimento atuais, sou na realidade meu cérebro. E, dentro dessa visão,
mais que isso, sou essencialmente meu cérebro (...) A
identidade pessoal não é o que importa. A identidade pessoal envolve apenas
certos tipos de ligação e continuidade.” (Derek Parfit, de Oxford)
“Eu” não sou meu
lado rebelde nem meu lado convencional; ambos são aspectos de mim.
Quando
adoecemos, tendo por isso menos energia mental, temos menor grau de unidade
consciente do que quando estamos saudáveis, e muitas vezes ficamos embotados ou entorpecidos. O ser está num “tom menos” (as
moléculas de nossas membranas celulares dos neurônios estão vibrando numa
amplitude menor). E, mesmo quando estamos bem, a quantidade de nós mesmos
(nossa maior unidade) que conseguimos reunir para lidar com o mundo varia
enormemente, dependendo dos conflitos internos ou externos que exigem nossa
atenção (bolsas de consciência roubando nossa energia).
Pessoas que estão em conflito, e isso inclui a maioria de nós
em alguma medida, que possuem muitos subseres
fracamente integrados – bolsas de dor infantil, bolsas de imaturidade, bolsas
de personalidade que se desenvolveram em diferentes direções – têm muito menos
energia disponível para sua personalidade central (sua maior unidade) do que
pessoas mais integradas. Num extremo estão aqueles que precisam de ajuda
psiquiátrica por não conseguirem se manter “coesos”, aqueles que têm muito de
sua energia mental “drenada” por subseres,
encontrando dificuldade para funcionarem como um ser, e no outro extremo estão aquelas pessoas carismáticas que brilham com sua coerência.
Podemos
até, em alguns casos, ser tomados por um de nossos subseres
– como, por exemplo, quando uma pessoa raivosa não consegue pensar em nada de
bom a respeito da pessoa que ama e com quem está brigando; ou uma pessoa
deprimida não consegue pensar em nenhum motivo de alegria enquanto sofre esse
estado depressivo. Quando isso acontece, dizemos que a pessoa está
“desequilibrada”, uma descrição que se adequa à
dinâmica da personalidade.
9
– OS RELACIONAMENTOS QUE EU SOU: INTIMIDADE QUÂNTICA
Conhecer
a si mesmo e não conhecer a si mesmo, ser quem se é e ao mesmo tempo fugir do
que se é, ser independente e continuado em si mesmo e, no entanto, reunir-se
aos outros e sentir-se parte de algo maior que si mesmo – estas são tensões que
todos conhecemos.
Eu
sou singularmente eu, algo dentro de mim mesma que só eu posso ser, e sou
também meus relacionamentos com os outros, algo maior que eu mesma.
Em
termos quânticos, a função de onda dele está quase totalmente sobreposta à de
sua mãe, e eles se encontram num relacionamento de identificação projetiva. Em
grande parte, a experiência do bebê é a experiência da mãe, e ele começa a
tecer seu ser utilizando o tecido da mãe. Ele absorve as reações de sua mãe ao
mundo exterior, percepções, emoções, preocupações dela, e as armazena em seu
próprio sistema de memória quântica. Estas se tornam o material do qual ele é
feito e influenciam o desenvolvimento de vias neurais em seu próprio cérebro.
Por
meio da combinação de material genético próprio com os relacionamentos que
somente ele pode ter, da forma como ele os constrói (sua individualidade), o
bebê começa a sentir a tensão que puxa e empurra todos nós
entre o ser nós mesmos e o ser com os outros. Para se afirmar, a fim de
permitir que mais de si mesmo esteja livre para envolver-se em relacionamentos
com os outros, ele se separa da mãe.
Como
mostram as categorias duais de Erikson, problemas
entre mãe e bebê em qualquer estágio dentro desse esquema podem levar o babe a
uma fixação no lado negativo daquele estágio que durará sua vida inteira –
confiança básica versus desconfiança básica, autonomia versus vergonha e
dúvida, iniciativa versus culpa.
Pelo
processo de memória quântica cada um de nós traz dentro de si, urdido na trama
da própria alma, todos os relacionamentos íntimos que já teve, assim como cada
um de nós tece na urdidura do próprio ser todas as outras interações com o
mundo exterior.
10
– A SOBREVIVÊNCIA DO SER: IMORTALIDADE QUÂNTICA
Extraímos
apenas algum consolo do fato de que nossa família – ou escola, ou nação, ou
estrela – continuará como sempre depois que nos formos. Este ir embora, a inevitável e necessária finitude,
existe para assombrar todos os dias de nossas vidas. Para alguns, é uma sobra
que recai sobre tudo o que fazem, para ouros, um escândalo que cancela todos os
significados e valores.
Quando
bebê e durante minha infância, fiquei separada de minha mãe por muito tempo,
muitas vezes por meses a fio. Durante três anos nem sequer morei na mesma casa
que ela, vendo-a somente em algumas ocasiões, rápidas visitas de fim de semana.
Sentia uma saudade terrível, chorava por ela, sofri depressões muito precoces
em função de sua ausência e muitas vezes planejava
meios para escapar da casa de meus avós e volta para ela. Essas separações
marcaram minha infância, sem duvida, como também lançaram uma sombra sobre
minha vida adulta. A criança em meu interior (meu subser
criança) ficou entrelaçada aos padrões de relacionamento que experimentei como
adolescente e adulta.
Durante
muitos anos sofri de uma horrível insegurança no relacionamento com os outros,
questionando se eles realmente gostavam de mim, se iriam me rejeitar. Se alguém
de fato parecia me amar e desejar, eu experimentava o que os psicólogos chamam
de “ansiedade de separação” sempre que ele ou ela estavam fora de minha vista.
Não conseguia tolerar com facilidade a liberdade daqueles que amava, e isso,
por sua vez, tornava minha presença algo sufocante para eles – muitas vezes
provocando a rejeição que eu tanto temi.
À
medida que os meses da primeira infância de minha filha se passavam, percebi
repetidas vezes que, sendo uma boa mãe para ela, eu estava sendo também uma boa
mãe para mim mesma. Quando ela chorava à noite e eu ia a seu encontro, sentia
meu próprio bebê interno chorando e também sendo confortado. Não houve mais
noites solitárias para aquele bebê interior, mais nenhuma separação dolorosa.
Sua infância infeliz foi colhida pelo presente, mesclada a todos os cuidados
dispensados a minha filha, e ele tornou-se seguro. Reencarnado através da
memória quântica, o bebê interior teve um novo começo de vida. Ele “renasceu”.
Eu
sou eu (a união de meus subseres), mas ou também eu-e-você (a união com você). Se eu morrer, é verdade que
não haverá mais uma continuidade de diálogo dentro de mim mesma – dentro
daquele padrão inimitável que surge da combinação de todo meu passado, toda
minha percepção e experiências, todos os meus relacionamentos, todo o meu
material genético, todas as minhas idiossincrasias corporais etc. Na linguagem
da física quântica, não terei mais um “aspecto partícula”. Mas a parte de mim
que eu trouxe para o relacionamento com você, meu “aspecto onda”, ou eu-e-você, continuará como parte de seu dialogo com você
mesmo e com os outros.
(...)
com uma visão quântica do processo, fica claro, de maneira inédita, que “eu”,
não só meus átomos e meus genes, mas meu ser pessoal – o padrão que sou eu –
será parte daquilo que está por vir, assim como é parte do nexo do agora e, na
realidade, foi em grande parte preparado no passado.
Isto
me faz lembrar a velha canção que nos diz que não podemos chegar ao céu num
velho Ford porque num velho Ford não se vai muito longe. Da mesma forma, não
podemos nos assegurar um lugar na vida futura dos outros sem uma boa dose de
compromisso e responsabilidade em relação ao relacionamento atual. Só tiramos aquilo que colocamos.
Sobreviveremos apenas na medida em que tivermos vivido.
11
– ULTRAPASSANDO O NARCISISMO: OS FUNDAMENTOS DE UMA NOVA PSICOLOGIA QUÂNTICA
Nós,
no Ocidente do século 20, vivemos em grande parte no que pode ser descrito como
uma cultura centrada no “eu” ou no “agora”. É o que Christopher Lasch e outros descreveram como uma cultura narcisista. Uma
cultura que ressalta a importância do “eu” e do “meu”. O indivíduo, suas
experiências, seus sentimentos, sua “felicidade” são o centro das atenções, da
verdade e dos valores.
Se
algo é verdade para mim, deve ter alguma validade. “Toda verdade é uma verdade
para alguém”, e meu ponto de vista tem um status especial por ser a minha
janela para a realidade. Minhas experiências são o que realmente importa, e eu
deveria ter quantas quisesse. Devo ser “leal a mim mesmo”. Toda a ética dessa
auto-importância egocêntrica foi sumarizada pela “oração da gestalt”,
tão fundamental ao movimento de autoconsciência dos anos sessenta, embora seu
apelo não tenha absolutamente se limitado aos seguidores gestalt
nem somente à década de sessenta.
Conforme
observaram muitos psicólogos, o narcisismo é mais uma questão de auto-aversão
que de auto-estima, sendo frequentemente associado a sentimentos de vazio,
inutilidade, desintegração pessoal e fúria reprimida.
E
o cerne conceitual da visão de Freud é que o mundo consiste em seres e objetos,
cada qual estranho ao outro em virtude de uma diferenciação essencial.
Além
do que, a primitiva ênfase de Freud na origem sexual de todas as neuroses e na
predominância do princípio do prazer retratou os seres humanos como criaturas
egoístas, presas ao instinto e à necessidade de se sentirem bem, enquanto a
insistência dele no papel passivo do analista reforçou o isolamento do
paciente, impedindo-o de experimentar um relacionamento potencialmente
gratificante.
A
obra de Jung – sua ênfase no inconsciente coletivo, sua noção de correlação
sincrônica entre pessoas e eventos, sua definição mais abrangente do ser,
incluindo arquétipos coletivos, imagens de unidade, totalidade e imortalidade –
é, sob muitos aspectos, uma exceção de brilho impar dentre as muitas tendências
da psicanálise e da psiquiatria clinica.
Mas
se o objetivo da psicanálise e da psicoterapia era a auto-realização do
indivíduo, seu fracasso está em sua incapacidade de produzir qualquer coisa
deste tipo.
Nas
palavras de Bloom, “deve haver um lado de fora além de nós mesmos para nos dar um senso de
propósito”.
Uma
pessoa descompromissada diz coisas deste tipo: “não tenho nada a ver com isso”.
Uma pessoa narcisista sente: “não tenho nada a ver com isso”.
Os
psicanalistas existencialistas querem distância de idéias como “natureza
humana”, predisposições hereditárias ou caráter – é o famoso “a existência precede
a essência” de Sartre.
“Se
a existência realmente precede a essência”, diz ele, “não há como livrar-se do
problema, explicando as coisas através de uma natureza humana determinada ou
fixa. Em outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é
liberdade. Por outro lado, se Deus não existe, não encontramos valores nem
mandamentos aos quais recorrer para legitimar nossa
conduta. Assim, na brilhante esfera dos valores, não temos desculpas para o que
está antes nem justificativas para o que está adiante. Estamos sós, sem mais
desculpas.”
Conforma
a citação de Platão no capitulo 6, onde há o que ama e o que é amado, há também
uma terceira coisa, que é o amor entre os dois. O amor tem em si uma espécie de
existência, que brota do relacionamento.
A
observância de rituais, aniversários e feriados, a repetição de hinos
nacionais, orações, canções escolares ou estribilhos de torcida, a reverencia
por símbolos como bandeiras, rainhas ou presidentes, a leitura do mesmo tipo de
literatura ou mesmo o gosto por certos programas de televisão – todas estas
coisas estabelecem padrões na consciência que nos levam a uma correlação mais
profunda com os outros de nosso grupo ou nação. Rituais semelhantes, porem
particulares, existem e são observados por casais ou famílias. Na medida de
nossa maior ou menor participação deles, nós nos sentimos mais ou menos
alienados, mais ou menos vazios.
A
água está no peixe e o peixe na água. Não há como separá-los.
Para
Sarte (...) !De fato, tudo é permissível se Deus não
existe (..)” Devo ser o criador de meus próprios
valores, o guardião de minha própria consciência.
Embora
poucos analistas ou psicoterapeutas tenham intentado
tal procedimento, essa técnica terapêutica livre de valores vazou para a mente
popular como uma desculpa generalizada para a visão de que quase toda forma de
comportamento é aceitável ou ao menos desculpável, quando se é “honesto” ou
quando suas raízes estão nos desejos básicos ou históricos da psique. Isso
ajudou a reforçar um perigoso relativismo moral e uma timidez servil em face do
certo e do errado elementares.
Mas
uma visão quântica da pessoa, é impossível não amar meu
próximo como a mim mesma, pois meu próximo sou eu mesma, sem sobra de
duvida, no caso de termos algum tipo de intimidade. Meu relacionamento com o
próximo é parte de minha autodefinição, parte desse
ser que eu amo, se é que amo a mim mesma.
“Se
as coisas vão mal no mundo, isso é porque algo vai mal com o indivíduo, porque
algo vai mal comigo. Portanto, se sou uma pessoa sensata, vou
me endireitar primeiro.” (Carl Jung)
Apenas
responsabilidade dá significado e valor a nossa existência. Mas em que medida podemos fazer face a ela? Se uma psicologia do
compromisso e da responsabilidade quiser ter algum valor em
si mesma, deverá levantar a questão da liberdade humana, a questão do
grau em que qualquer um de nós é livre para se comprometer como quiser ou
assumir a responsabilidade que é nossa por natureza. Portanto, uma psicologia
quântica deve adotar alguma posição quanto à realidade e eficácia da escolha.
12
– A LIBERDDE DO SER: RESPONSABILIDADE QUÂNTICA
Quer
pensemos em exemplos triviais como a liberdade de erguer um braço ou de nos
levantarmos de uma cadeira sempre que quisermos, ou de decisões mais
importantes como escolher com quem casar ou que carreira seguir, se ficamos
mais tempo com as crianças ou se seremos fieis a algum outro compromisso, em
todos estes casos temos a sensação de que depende de nós o que queremos fazer.
Em todos os casos temos a sensação de ter escolhido ou decidido livremente, e
que devemos aceitar a responsabilidade por essas escolhas e decisões. Elogio e culpa são distribuídos de acordo com elas.
Toda
discussão sobre o livre-arbítrio do homem – isto é, nossa liberdade interna,
nossa liberdade de ter pensamentos e fazer escolhas, em contraposição àquela
liberdade ou restrição que possa advir de condições externas como regimes
políticos, regras familiares ou simplesmente habilidade ou inabilidade física –
tem sido encoberta pelo aspecto natureza humana ou pela idéia do lugar da
humanidade no Universo.
Para
os gregos antigos, esse determinismo era expresso como destino. Impotentes
diante das violentas insurreições da natureza e ignorando suas causas, viam-se
como bonecos de deuses muitas vezes caprichosos, suas ações humanas prefixadas
pro forças e tramas além de seu alcance ou controle.
Pra
o próprio Bertrand Russel essa impotência humana faz surgir uma fé audaciosa,
mas na maioria das pessoas ela conduz à perda da vontade (depressão e
desespero) ou a um cruel oportunismo. Que importa o que eu faço, que decisões tomo, se no fim dá tudo na mesma? Minha liberdade,
se é que tenho alguma, perde todo o sentido.
Resumindo,
a psique humana é, pela própria natureza, segundo Freud, escrava e prisioneira
de forças inconscientes, além de seu alcance e fora de seu controle. Como
comentou um dos seguidores de Freud, tal modelo, se adotado tão literalmente
quanto Freud pretendia, levaria à conclusão de que “todas as decisões
conscientes são estritamente determinadas por forças inconscientes (...) que
todo ato de decidir é uma ilusão e que a consciência não tem função.”
A
causalidade em si está sempre presente. Não haja, portanto, verdadeiros
exemplos de liberdade. Veja, por exemplo, no caso da decisão de deixar de
fumar. Toda a minha capacidade racional me diz que fumar é prejudicial para mim
e muito provavelmente para os que me cercam Talvez até me convença de que estou
agindo com base nesta decisão prometendo a mim mesma largar “amanhã”, ou
adotando algum estratagema como hipnose ou acupuntura. Mas os efeitos do
estratagema duram pouco, e “amanhã” está muito longe. Continuo a agir contra a
razão, decido agir contra a razão toda vez que acendo um cigarro.
Mas
um belo dia realmente deixo de fumar. Certa manhã, sem
que haja nenhum motivo para suspeitar que tal coisa irá acontecer, pego o maço
de cigarros somente para deixá-lo cair de volta no lugar. Escolhi parar.
Realmente fiz minha escolha e agi de acordo. Mas por quê?
Em
termos quânticos este “por quê” não tem resposta definida.
Todas as respostas definidas – toda lógica e razão – são estruturas clássicas.
Elas surgem exatamente no momento em que a função de onda do pensamento
colapsa, isto é, depois do memento da escolha. Nossa lógica não faz as escolhas
– isto é um modo determinista de pensar. Ao contrário, são nossas escolhas,
nossas escolhas livres e indeterminadas, que estão associadas a um conjunto
similarmente sobreposto de razões ligadas a estas escolhas, que dão origem à
nossa lógica.
Ao
fazer uma escolha temos uma razão para aquela escolha, uma razão que nossa
lógica então utiliza para explicar aquela escolha. Mas qualquer outra escolha
teria sido associada a alguma outra razão, que teria saciado da mesma forma a
sede explicações da lógica.
E,
no entanto, queremos clamar aos céus, podem a vida e
liberdade ser assim tão terríveis? Assim tão carregadas de temíveis escolhas
pelas quais devemos nos responsabilizar, e que, no entanto, surgem de uma esfera
do ser que aparentemente não responde perante ninguém? Não há nada que eu possa
fazer para controlar minha liberdade, encurtar as rédeas só um pouquinho?
Qualquer
colapso é uma questão de probabilidade, e alguns resultados de um colapso são
mais prováveis que outros.
Nos
processos quânticos, a probabilidade de que algo aconteça está associada à
quantidade de energia exigida para fazê-lo acontecer. Se um elétron pode se transferir
para uma camada de energia no átomo com muito pouco dispêndio de energia, e
para um outro nível com grande dispêndio de energia, há muito maior
probabilidade de que ele faça a transição de baixa energia. Ele é livre para
fazer qualquer transição, nada é determinado, mas é muito provável que ele
escolha a opção mais fácil. E assim ocorre também conosco, embora por sermos
muito mais complexos que os elétrons, os fatores que influenciam as exigências
energéticas de nossas várias escolhas também são mais complexos.
A
razão ligada à possível escolha de deixar de fumar é a de que isso prolongará
minha vida; a razão ligada a não deixar de fumar é a de que isso me dá prazer.
Mas, dada a associação destas razões com aquelas escolhas, é mais provável que
eu decida para de fumar. A associação entre razão e escolha torna as escolhas
corretas mais fáceis, menos exigentes de energia, ela faz a balança pender, mas
não garante o resultado desejado.
No
processo de viver, pensar e relacionar-se, estamos
reforçando ou modificando as probabilidades de que nossas escolhas tenham este
ou aquele resultado
Se um de nós abrir uma picada, é muito provável que outros sigam o mesmo
caminho.
Em
termos gerais, a natureza quântica de nossa consciência tona tentador fazer
escolha que exijam um mínimo dispêndio de energia, a menor concentração. E por
esse motivo é que somos por natureza criaturas de habito e imitação.
O
hábito é uma espécie de carona, exige muito pouco esforço mental. Tendo feito algo de uma forma uma primeira vez, tendo feito uma escolha
em especial, é muito mais fácil repetir a mesma coisa e, portanto, a
probabilidade de que isso aconteça é maior. Nesse sentido, deveríamos usar o
melhor de nossas faculdades mentais para avaliar o valor dos hábitos que
estamos adotando ou as qualidades daqueles que estamos imitando. A escolha
original que leva a um hábito talvez nos custe pouco, mas depois se quisermos
quebrar o habito, a tarefa poderá tomar proporções hercúleas.
Em
certo senti, qualquer habito é uma saída para os preguiçosos e medrosos.
Poupa-nos energia e, ao mesmo tempo, nos alivia do fardo da liberdade.
A
formação de hábitos pode nos deixar livres para viver mais criativamente as
coisas que interessam.
Quando
nossos hábitos revelam-se nocivos a nós mesmos e aos outros, ou quando nossa
lealdade ao dever nos envolve em algum comportamento que sabemos ser moralmente
errado, somos compelidos a nos tornar heróis, compelidos a fazer o esforço de
agir contra o peso da probabilidade.
O
SER CRIATIVO: NÓS COMO CO-AUTORES DO MUNDO
(...) a
criatividade é uma capacidade que partilhamos com amebas e minhocas.
Quando
a criança faz seu pote, dá forma e significado a algo que nunca existiu antes.
Ela reúne uma idéia até então não manifesta e uma coleção de moléculas de
argila até então não moldadas e as transforma numa coisa nova, que é a relação
da sua idéia com aquela argila. Mais do que isso, é a relação dela, de seu
senso de beleza em evolução, com aquela argila. O ato criativo da criança deu
origem a uma nova coisa (o pote), a uma nova articulação de seu senso de beleza
e a uma encarnação do relacionamento entre a
criança, seu senso estético e o pote de argila.
Não
houvesse natureza humana, e não fosse uma característica desta natureza (nossa
natureza consciente) a de estarmos inextricavelmente entrelaçados um ou a outro
no coração de nossos seres, o relativismo moral talvez fosse aplicável. Mas,
diante do fato de sermos todos “pontos de um mesmo tricô” e de ao ferirmos o
outro estarmos nos ferindo, há uma limitação natural naquilo que faz de um
mundo algo bem-sucedido.
NÓS
E O MUNDO MATERIAL: A ESTÉTICA QUÂNTICA
Platão
acreditava que uma coisa era bela se refletisse seu original do mundo das
formas, seu equivalente ao projeto cósmico de todas as coisas existentes neste
mundo. Aristóteles tinha o belo como sendo aquilo que tendia par uma “proporção
áurea” – seu princípio do nenhum excesso, que se aplicava à arte à moralidade e
que se ligava à sua visão geral de que havia uma direção e um propósito (uma
teologia) no desdobramento natural das coisas.
Para
os romanos, o belo era aquilo que refletisse o princípio subjacente à sua lei.
Essa lei tinha por objetivo atingir a maior coerência interna possível da
sociedade, e todos os seus princípios de eficiência decorriam desse objetivo em
vez da mera funcionalidade. Analogamente, a grade arquitetura cristã, as
catedrais e os arcos góticos e agulhas das torres tinham como visão inspiradora
o amor à Virgem ou a idéia do Senhor Altíssimo, cujo amor e sabedoria dirigiam
todas as coisas. Na Inglaterra, as grandes construções vitorianas expressavam o
poder e a extensão do império.
Um
redemoinho que se esvazia deixa de ser um padrão característico, organizado, de
água e se funde homogeneamente com seu ambiente sem estrutura; um redemoinho
excessivamente excitado se dissipa, formando uma turbulência caótica – ele
“perde as estribeiras”.
Um
romance como Finnegan’S Wake, de James Joyce, que
oferece associações demais por pagina, é simplesmente algo que nos deixa muito
confusos.
(...)
sistemas conscientes (e todos os sistemas vivos) situam-se entre o estático e o
caótico, entre o que aborrece e o que confunde.
15
– O VÁCUO QUÂNTICO E O DEUS INTERIOR
Como
dia o físico inglês Brian Pippard:
“O verdadeiro crente em Deus (...) não precisa temer – sua cidadela é inexpugnável
dos assaltos científicos, pois ocupa um território fechado à ciência.”
Os
bósons são, fundamentalmente, “partículas de relacionamento”. Eles são as
unidades constituintes fundamentais de todas as forças da Natureza – interação
nuclear fraca e forte, eletromagnética e gravitacional. Eles são os antecessores
mais primários da consciência, mas também mentem a coesão do mundo material.
A
genealogia da consciência que proponho reforça num sentido limitado a versão de
John Archibald Wheeler, chamada princípio antrópico participativo, que diz que “os observadores são
necessários para trazer o mundo à existência”.
O
vácuo é o substrato de tudo o que existe.
Para
algumas pessoas, a idéia de um Deus transcendente que cria e provavelmente
controla o Universo a partir de um local privilegiado fora das leis da física,
alem do espaço e do tempo, continuara sempre convidativa. Não há nada que os
impeça de imaginar que esse Deus precedeu – e provavelmente criou – o Big-Bang. Essa é uma posição perfeitamente sustentável,
embora nos deixe com um Deus que não sofre, Ele mesmo, nenhuma transformação
criativa, que não está em dialogo com Seu mundo, e tudo isso deve continuar
sendo inteiramente uma questão de fé. Partindo-se da nossa tese do Big-Bang, não há como sabermos quem ou o que o precedeu.
A
cosmovisão mecânica conseguiu nos dar uma ciência que explicou as coisas e uma
tecnologia para explorá-las como nunca havíamos tido antes, mas o preço pago
foi uma espécie de alienação em todos os níveis da vida humana.
A
separação entre o indivíduo e seus relacionamentos levou, por um lado, a um
individualismo exagerado, a um desejo egoísta de poder
de posse, e por outro lado a um comunitarismo
coercitivo como o do marxismo, que negou o significado e a importância dos
indivíduos ao salientar a absoluta primazia do relacionamento.
A
cosmovisão quântica transcende a dicotomia entre mente e corpo, entre interior
e exterior, revelando-nos que as unidades básicas constitutivas da mente
(bósons) e as unidades básicas constitutivas da matéria (férmions) brotam de um
substrato quântico comum (o vácuo) e estão empenhadas num dialogo mutuamente
criativo, cujas raízes remontam ao próprio cerne da criação da realidade. Em
outros termos, a mente é relacionamento e a matéria é aquilo que é relacionado.
Nenhuma delas, sozinha, poderia evoluir ou expressar algo. Juntas, elas nos dão
os seres humanos e o mundo.
A
visão de mundo quântica transcende a dicotomia entre indivíduo e relacionamento
revelando-nos que os indivíduos são o que são sempre dentro de um contexto. Eu sou meus relacionamentos – meus relacionamentos com os subseres dentro de meu próprio ser, meu passado e meu
futuro, meus relacionamentos com os outros e meus relacionamentos com o mundo
em geral.