EXTRATO DE: RUMO À CIDADE EM TEMPO REAL

 

Desenvolvimento Urbano numa Sociedade Globalizada e Telemediática

 

Stephen Graham*

 

* Stephen Graham é catedrático em Planejamento Urbano do Centro de Tecnologia Urbana da Universidade de Newcastle, Inglaterra. Seu e-mail: s.d.n.graham@ncl.ac.uk

 

“Um mundo feito de redes desafia, em muitas frentes, as categorizações tradicionais

e as estruturas intelectuais. Questiona as velhas concepções de espaço

e poder. Enquanto as antigas economias de mercado se formaram a partir de ordenações espaciais e temporais da vida das cidades, as economias de hoje baseiam-se

numa ordenação lógica ou ‘virtual’ da comunicação eletrônica, numa nova geografia de conexões e sistemas, de centros de processamento e controle (...) Redes de

computadores, cabos e comunicações via rádio governam (agora) o destino das coisas, como elas são remuneradas, e quem tem acesso a quê. As manifestações

físicas de poder - paredes, fronteiras, auto-estradas e cidades - foram sobrepostas

por um mundo ‘virtual’ de sistemas de informação, bases de dados e redes.

As edificações estão sendo redefinidas em função de suas posições nas redes à medida que ‘casas inteligentes’ se juntam a escritórios eletrônicos e fábricas automatizadas.”

 

Geoff Mulgan, Communication and Control (1991;3)

 

 

À

medida que o mundo está ficando cada vez mais urbanizado, computadores de última geração e sistemas telemáticos digitais vão penetrando em todas as áreas da vida urbana. As duas características que definem a civilização contemporânea, embora questionáveis, são os saltos paralelos rumo a um planeta mais urbanizado e a uma sociedade cada vez mais baseada na rapidez dos fluxos eletrônicos de informação. A maioria das mudanças contemporâneas nas economias, na cultura e na vida social das cidades parece estar relacionadas à aplicação de novas infra-estruturas de telecomunicações e serviços, ligadas a computadores ou a equipamentos computadorizados, visando a formação de redes ‘telemáticas’. Tudo isso transcende, quase que instantaneamente, as barreiras espaciais, de forma a reordenar as limitações de tempo e espaço entre e intra cidades. Pequenos pontos e lugares, totalmente separados, estão sendo interligados mundo urbano afora, com um mínimo de tempo diferido - ou seja, quase que se aproximando do ‘tempo real’. Fluxos globais de voz, e-mail, dados, vídeo, fax e sons estão aumentando exponencialmente, fazendo com que as cidades fiquem cada vez mais atadas a extensas redes de comunicação humana, a fluxos de serviços e mídia, aos fluxos de força de trabalho baseados no ‘teletrabalho’, e aos fluxos de dinheiro eletrônico.

 

 

Figura 1 - Expansão da rede de fibras ópticas em Melbourne, Austrália

Fonte: Adaptado de Newton, 1991

 

Como parte dessa transformação, tanto as cidades do “Norte”, quanto, de forma crescente, as do “Sul”, estão sendo recobertas com aquilo que denominamos “uma teia gigantesca e invisível” de fibras ópticas, cabos de cobre, microondas, ondas de rádio, e redes de comunicação via satélite ou microondas . Um bom exemplo disso está na Figura 1, que mostra a rede de expansão das fibras ópticas em Melbourne, Austrália. Os corredores que interligam as cidades, seja a terra, o oceano ou o espaço, estão agora se configurando como uma imensa cobertura de “treliças”, feita de ligações de telecomunicação avançada. Tudo isso conecta os sistemas urbanos a uma grade eletrônica. São essas grades que circundam o planeta e constituem-se na base tecnológica para a aceleração dos fluxos no tráfego mundial de telecomunicações: fluxos de voz, fax, fluxos de dados, fluxos de imagens, sinais de TV e vídeo. Os fluxos eletrônicos instantâneos explodem, hoje, no espaço físico das cidades e dos edifícios, e parecem sustentar e inter-relacionar todos os elementos da vida urbana.

 

Toda essa transformação significa que, à medida em que nos aproximamos de um novo milênio, as velhas idéias e premissas sobre o planejamento, o desenvolvimento, e o gerenciamento das modernas cidades industriais - estejam elas nos chamados “Norte” ou “Sul” - parecem ser cada vez menos úteis. Todas as noções geralmente aceitas sobre a natureza do espaço, do tempo, da distância e dos processos da vida urbana são, igualmente, questionáveis. A vida urbana parece mais volátil e acelerada, mais incerta, mais fragmentada e mais difícil de entender hoje do que em qualquer outro momento desde o final do século passado.

 

Então, fica claro que as cidades contemporâneas não são apenas densas aglomerações físicas de edifícios, de entroncamentos de redes de transporte, ou os principais centros da vida econômica, social e cultural. Deve-se considerar, também, o papel das cidades como sistemas eletrônicos que compõem as redes de telecomunicação e telemática. As áreas urbanas são os centros dominantes de demanda das telecomunicações e os centros nervosos de irradiação das grades eletrônicas. De fato, parece existir uma conexão forte e sinérgica entre as cidades e essa nova infra-estrutura de redes. As cidades  - o maior artefato físico construído pela civilização industrial - são hoje verdadeiras “casas de força” das comunicações, cujo tráfego flui pela rede global de telecomunicações - o maior sistema tecnológico até hoje concebido pelo homem.

 

Mas, quais são as implicações destas transformações? O que será das cidades numa era dominada por redes e fluxos eletrônicos? Qual será o destino de nossas áreas urbanas num mundo onde imperam as chamadas “corporações virtuais”, as “comunidades virtuais”, tudo fluindo por “territórios eletrônicos do ciberespaço”, baseados fundamentalmente no uso da telemática como espaço e tecnologia transcendentes? O uso crescente e a significância das telecomunicações gera diversas questões profundas e fundamentais, que estão no cerne dos atuais debates da Habitat II sobre  as cidades e a vida urbana de hoje e do futuro. Quatro destas questões são particularmente críticas e serão consideradas nesse documento:

 

         * Primeiro, como poderemos entender as cidades e a vida urbana num mundo onde a proliferação de redes eletrônicas flui por todas as formas de vida e por todas as escalas geográficas?

 

         * Segundo, o que acontecerá com as cidades ao passarem de uma economia internacional, baseada na produção e circulação de bens materiais, para uma outra fundamentada cada vez mais em circulação e consumo de bens simbólicos e “informacionais” numa base global? Como as cidades se sustentarão economicamente dado que, de uma forma crescente, as tradicionais vantagens econômicas estarão acessíveis, “on-line”, de qualquer localização virtual?

 

         * Terceiro, como a transição, pelo menos para as elites sociais, de uma vizinhança física e local, para comunidades segmentadas, sustentadas por redes eletrônicas - como a comunidade Internet - afetará a vida social das cidades? Como serão as relações sociais de poder e os tradicionais conflitos sociais refletidos nas cidades dessa nova era das telecomunicações?

 

         * E, por último, no que todas estas mudanças influenciarão os debates para a Habitat II, especialmente sobre as formas como as cidades são planejadas, administradas e governadas?

 

CIDADES COMO AMÁLGAMAS DO ESPAÇO URBANO E DO ESPAÇO ELETRÔNICO

 

A

cidade contemporânea é, mais do que nunca, uma amálgama por meio da qual os aspectos rígidos e tangíveis da vida urbana cotidiana interagem continuamente com os intangíveis “espaços eletrônicos” construídos a partir de, e acessáveis por sistemas de telemática e de mídia digitais. Para a compreensão dos papéis complementares entre as cidades e a telemática será útil considerarmos como ambas facilitam a comunicação econômica, social e cultural, embora de formas diferentes. De um lado, as cidades podem ser consideradas como concentrações físicas que auxiliam na superação das restrições de tempo pela minimização das limitações de espaço. Por último, e principalmente, concentração nas cidades significa que a proximidade física possibilita a operação de mercados de serviços, propriedade, trabalho e produção já que os elementos de uma cidade podem ser acessados e integrados sem grandes perdas de tempo. As cidades permitem que os trabalhadores se desloquem para o trabalho; as pessoas podem obter uma ampla variedade de bens e serviços; e a vida social e cultural das cidades ocorre através de contatos face a face.

 

As telecomunicações produzem, por outro lado, efeitos opostos. Elas superam as restrições de espaço pela minimização das limitações de tempo, interligando pontos distantes através de fluxos de fótons e elétrons à velocidade da luz. Então, para compreendermos a cidade em tempo real será interessante caracterizarmos os diferentes atributos do espaço urbano e do espaço eletrônico (ver Figura 2).

 

 

 

A CIDADE

 

Função: fundir tempo com espaço. Desenvolvida para facilitar as comunicações

pela redução das limitações de espaço, superando as limitações de tempo.

 

 

 

TELECOMUNICAÇÕES

 

Função: Conquistar o espaço com o tempo. Desenvolvida para facilitar as comunicações

pela redução das limitações de tempo para superar as restrições de espaço.

 

Figura 2 - As Relações entre Cidades e Telecomunicações, e entre as Limitações de Tempo e Espaço

 

 

 

O ponto-chave é que a vida urbana moderna resume-se a desenvolvimentos interligados no espaço urbano e no espaço eletrônico. Existem, então, muitos exemplos dentre os diversos aspectos da vida urbana nos quais foram construídos sistemas sobrepostos que combinam a presença em espaços urbanos com interações em espaços eletrônicos. Vejamos, por exemplo:

 

         * os mercados financeiros globalizados, que interligam as bolsas de valores de cidades como Londres, New York e Tóquio através de robustos sistemas eletrônicos que suportam, diariamente, fluxos de trilhões de dólares aplicados em ações, câmbio, mercados futuros, etc.;

 

         * as redes de infra-estrutura de escritórios, onde serviços rotineiros como processamento de dados, serviços de telefonia, suporte a softwares e animação são fornecidos “on-line”, a partir de longas distâncias, para os principais mercados;

 

         * os fluxos globais da mídia, especialmente a TV via satélite, que transmitem para as cidades novos tipos de produtos culturais, a partir de pontos distantes;

 

         * os debates sobre “edifícios inteligentes”, “cidades inteligentes”, “casas inteligentes” e “cibercafés”, onde a avançada tecnologia da informação configura fábricas de cidades e edifícios;

 

         * os circuitos fechados de TV e as redes telemáticas de rastreamento, onde as cidades, escritórios, prédios e casas são monitorados, na maioria das vezes a longa distância;

 

         * as interações complexas entre os fluxos de telecomunicações e transporte, por exemplo, com o uso da telefonia móvel e dos computadores para reduzir os inconvenientes congestionamentos de trânsito nas grandes cidades;

 

         * as comunidades “virtuais” que operam via Internet, complementando as interações das pessoas nas cidades e seus arredores; e

 

         * os “espaços eletrônicos cívicos” lançados na World Wide Web por prefeituras de todo o mundo, visando o fomento do desenvolvimento dos espaços urbanos através da construção de espaços eletrônicos.

 

Construções permanentes em espaços e edifícios urbanos, interligadas a redes e “espaços” eletrônicos poderão constituir-se na definição do que seja edificação no urbanismo contemporâneo. Juntos, esses espaços eletrônicos levam a um universo escondido e paralelo de movimentadas redes eletrônicas. Completamente livres das restrições de tempo e espaço, elas interagem e influenciam a dinâmica tangível e conhecida da vida urbana, 24 horas por dia e em qualquer escala geográfica. Assim, viagens de carro, trem, avião ou ônibus, e os fluxos físicos das águas, das “commodities”, dos produtos manufaturados e da energia são suportados por um “mundo de redes” (networld) paralelo e eletrônico. Elas monitoram, formatam e controlam os fluxos físicos numa base de tempo real. Um congestionamento de trânsito transforma-se, agora, na plataforma de lançamento para incontáveis conversações eletrônicas e interações através da telefonia móvel e dos computadores.

 

O mundo aparentemente sem vida de um conjunto de escritórios esconde “edifícios inteligentes” - um sistema dentro de um universo eletrônico por onde fluem, 24 horas por dia, fluxos de capitais, serviços e força de trabalho via redes corporativas telemáticas.

 

Em muitas cidades, a rotina diária dos moradores urbanos se dá através de um conjunto contínuo de “imagens digitais” captadas por um amplo sistema de rastreamento - câmeras de circuito fechado de TV, sistemas de transação eletrônica, informática para o transporte rodoviário, dentre outras. Arredores ricos e encastelados nas grandes cidades como Los Angeles e São Paulo dependem de portas e altos muros, interligados a sofisticados sistemas eletrônicos de vigilância. O mais modesto dos subúrbios de muitas cidades se configura, agora, num sistema dentro da crescente cacofonia eletrônica dos fluxos globais de imagens e meios, além de seus moradores assumirem um papel participativo nas comunidades virtuais, quase que sempre numa escala global. E mais, as políticas e estratégias urbanas rumam cada vez mais para o delineamento e teste seja do espaço urbano, seja do espaço eletrônico. Esse nebuloso mundo de espaços eletrônicos concretiza-se através dos fluxos instantâneos de fótons e elétrons que circulam dentro das cidades e através das redes metropolitanas planetárias. Tais fluxos são a base virtual de tudo aquilo que vemos e experimentamos em nosso cotidiano e, embora possamos enxergá-los, poucos realmente se apercebem deles.

 

Mas, tudo isso não é um único, interconectado e gigantesco “ciberespaço”. Não sem surpresas, esse mundo sombrio de espaços eletrônicos é tão diverso e complexo quanto as paisagens e a vida das próprias cidades. Exatamente como na geografia das cidades, existem muitas segmentações, divisões e conflitos sociais quando da definição e formatação do espaço eletrônico. Poder, ou a sua falta, estão condicionados a acesso e controle, tanto sobre as áreas físicas das cidades quanto sobre os espaços eletrônicos acessíveis via redes telemáticas. Por um lado, existem enormes “buracos negros de informação” e “guetos eletrônicos”, especialmente nas mega-cidades do “Sul”. Ali, os mais pobres ficam confinados à tradicional vida marginalizada, seja pelo confinamento físico, seja pelo sonho distante de um simples acesso a um telefone. Nesse caso as iniqüidades são notáveis. A maioria da população mundial já se utilizou de um telefone, e estima-se que em Tóquio existem mais telefones que em toda a África . Mesmo assim, por outro lado, existem intensas concentrações de infra-estrutura nos grandes centros das cidades e nos subúrbios de elite, como suporte às emergentes classes corporativas globais e às Corporações Transnacionais (TNCs). E, da mesma forma que o mapa geográfico das cidades, os resultados podem ser “lidos” como reflexos de processos complexos, onde as relações sociais, étnicas, de gênero e poder vão contra o cenário de globalização da política econômica do capitalismo. É também muito fácil para os grupos de elite da sociedade esquecer esse cenário, pois para a maior parte deste planeta, o telefone é um luxo inatingível e temas como “ciberespaço”, “Internet” e o “fim das barreiras de tempo e espaço” atingem níveis da mais absurda ficção científica.

 

Assim, as cidades podem, cada vez mais, ser vistas como centros de cruzamento e interconexão de redes sociais, institucionais e tecnológicas. Ao mesmo tempo em que se estabelecem algumas destas interconexões e sobreposições pelo espaço urbano físico, formando nós na rede, não existem, necessariamente, correlações entre proximidade física e relações significativas, como era freqüentemente assumido pelas antigas idéias sobre cidades. Assim, as cidades estão se tornando mais fragmentadas física, econômica, social e culturalmente. São, então, mais adequadas as combinações complexas da proximidade eletrônica através dos espaços eletrônicos do “reino do não-espaço urbano” , onde as proximidades baseadas no lugar físico deverão ser consideradas em paralelo. As pessoas têm ligações sociais mais íntimas com outras que estão do outro lado do mundo, através de grupos de discussão na Internet, mas não sabem o nome de seu vizinho. Uma região de escritórios em São Paulo provavelmente negocia diariamente bilhões de dólares por dia com mercados financeiros eletrônicos em Londres, New York e Tóquio, mas não estabelece conexões com as pessoas que estão à sua volta e nas vizinhanças. E a vida cultural das cidades talvez seja mais influenciada pela MTV, captada via satélite de longa distância, do que pela tradicional visão modernista de interação de grupos sociais nos espaços públicos dos centros das cidades.

 

 

O FUTURO DAS ECONOMIAS URBANAS NUMA REDE METROPOLITANA PLANETÁRIA

 

E

m 1968, Melvin Webber recomendava: “estamos passando por uma revolução que está retardando o processo social de urbanização de cidades e regiões com situação estabilizada” . Ele previu que, à medida em que as cidades passassem de centros dominados pela manufatura, para centros dominados pelos serviços e pelas comunicações, haveria espaço para o desenvolvimento de uma novo e radical conjunto de dinâmicas geográficas. Tal dinâmica estaria centrada no uso das telecomunicações e do transporte rápido para interligar distâncias entre produtores, distribuidores e consumidores através de formas radicalmente novas. Pierre Beckouche e Pierre Veltz captaram muito bem essas idéias quando argumentam que “de uma maneira global, a velha geografia que vinculava as empresas às fontes de matérias-primas e aos mercados consumidores começou a confundir-se diante de um arranjo geográfico mais complexo, onde o sistema de produção-distribuição ocorreria no espaço, utilizando-se da extensa infra-estrutura de comunicação e de redes, em níveis nacionais e até mesmo planetários” . Surgem, nesse contexto, dois aspectos-chave para o desenvolvimento das economias urbanas: primeiro, a nova “centralidade” das grandes cidades como sistemas e centros de controle da economia globalizada e, segundo, uma tendência paralela de descentralização dos serviços de rotina para fora das grandes cidades.

 

A Nova Centralidade das Grandes Metrópoles

 

A tendência atual das economias das grandes cidades é estarem baseadas, em primeiro lugar, não nos setores de produção e transporte, mas nos serviços aos consumidores, tais como lazer, compras, a produção, distribuição e processamento de informação e de “bens simbólicos” como serviços de informações, finanças, mídia, educação e publicidade. Atualmente, o comércio mundial de serviços e informação é igual à soma do comércio de bens eletrônicos manufaturados e de automóveis.

 

A maior parte dos empregos de primeira linha disponíveis nas cidades são, atualmente, destinados a “profissionais da informação” altamente qualificados, exercendo funções de tomada de decisão, ou funções chamadas “quaternárias”. Tais empregos requerem habilidades na manipulação, processamento, agregação de valor e disseminação da informação, do conhecimento e dos símbolos - aquilo que Robert Reich chama de “analistas simbólicos” . A maior parte dessa informação está eletronicamente codificada, computadorizada e transmissível via telecomunicações e telemática. Na Europa, por exemplo, 50% de todos os empregos e 80% de todos os novos empregos originam-se, hoje, em serviços baseados na informação.

 

Estes serviços são, hoje, freqüentemente acessados de qualquer lugar do mundo através de grades telemáticas globais, do produtor para o consumidor. Tais tendências trazem implicações profundas para as economias das cidades. Conforme Castells, essa nova “geometria global” de produção, consumo e circulação de informações, “nega o significado específico de produtividade de qualquer lugar fora de sua posição em uma rede, cujo formato muda inexoravelmente em resposta a mensagens de sinais invisíveis e de códigos desconhecidos” .

 

 

 

Figura 3 - Uma Hierarquia das Cidades Mundiais

(Fonte: Friedmann, J. (1991), “The World City Hypothesis”. In P. Knox e P. Taylor (Eds),

World Cities in a World System, Cambridge: Cambridge University Press.

 

 

Em função dessas mudanças econômicas, pode-se agora considerar que as grandes áreas urbanas são, fundamentalmente, “cidades de informação” , “cidades transacionais” , ou “os centros de troca de informação” da economia mundial . Tudo isso está interligado a uma única rede urbana planetária, com as cidades intrinsecamente ligadas, exercendo um conjunto de papéis complementares (ver Figura 3). Mas, todas essas restruturações, visando elevados níveis de intensidade da informação não são meramente uma “força pós-industrial”. Na verdade, as cidades estão ficando muito mais “super-industriais” do que “pós-industriais”. A crescente complexidade, velocidade e volatilidade que se espera da economia reflete-se no aumento dos empregos para “profissionais da informação” em todos os setores econômicos - da mineração, agricultura e manufatura ao comércio, serviços e governo. O que gostaríamos de ressaltar no restante deste capítulo é que cidades grandes, globalizadas e dinâmicas são, particularmente, fortes centros de “profissionais da informação” .

 

Todas essas tendências nos levam à identificação do surgimento de um grupo fortemente interconectado, os “centros de comando global”, que dominam os emergentes sistemas metropolitanos planetários. Podemos identificar aqui três fatores preliminares. Primeiro, a globalização dos mercados e o predomínio crescente das TNCs, com a dispersão pelo mundo das atividades de produção e manufatura, levando a crescentes necessidades de centralização das funções de controle por parte das TNCs. Tais funções estão sendo concentradas nas grandes cidades já que suas localizações reduzem riscos, oferecem o mais amplo leque de oportunidades e limitam as incertezas. Segundo, a maior facilidade na movimentação de capitais e moeda para além das fronteiras nacionais, criou novas demandas para os centros financeiros, através dos quais esses fluxos financeiros podem ser concretizados e coordenados. Terceiro, houve uma restruturação das grandes empresas transnacionais que, agora, sub-contratam uma grande parte de suas necessidades junto a prestadores de serviços como contabilidade, advocacia, seguros, consultoria, serviços de publicidade e propaganda, todos eles em escala global. Tais fatores se mesclam e combinam à necessidade de se manter os contatos face-a-face nas negociações complexas de uma empresa, de forma a alavancar o predomínio dessas cidades. Um fator crítico de sucesso para esses centros de comando global é a concentração de informações segmentadas. Para Mitchelson e Wheeler, por exemplo, New York tem “a maior concentração de informações não rotineiras já reunidas num único lugar” .

 

O mais importante, então, são as fortes incertezas que surgem pela volatilidade, velocidade e imprevisibilidade da economia globalizada. Conforme a argumentação de Michelson e Wheeler, “em tempos de grandes incertezas, algumas cidades adquirem importância estratégica como centros de comando e como produtoras centralizadas de informações de alto nível sobre a ordem econômica . No contexto de uma economia global e volátil, o desenvolvimento,  por parte das corporações, de uma ampla gama de funções descentralizadas, faz com que se espalhe pelo mundo uma centralização paralela de controle corporativo e de coordenação de funções sobre esses centros globais de comando. Assim, a descentralização das rotinas e das funções de manufatura dentro das TNCs requer, efetivamente, a centralização do controle e das atividades dos escritórios centrais nos centros de comando global. Citando Saskia Sassen, “é exatamente por causa da dispersão territorial, facilitada pelas telecomunicações, que o agrupamento de determinadas atividades centralizadas tem sido bastante crescente” . Tudo isso estimula o surgimento de serviços de alto nível em contabilidade, bancos, leis e outros, que servem para um conjunto de sedes de corporações e que podem também utilizar a telemática para se interligarem aos mercados globais. Sobre tais serviços Simmons argumenta que “a melhoria tecnológica amplia o raio de ação pelo qual se podem oferecer serviços” .

 

É claro que essa concentração de escritórios, prestadores de serviços e financeiras acaba gerando necessidades contínuas por uma ampla variedade de serviços de consumo geral tais como, restaurantes, centros de compras, limpeza, motoristas de ônibus, guardas de segurança, garçons, etc. Todas funções freqüentemente temporárias, de meio período e com baixos salários, que superam, em geral com um fator de 2 ou 3 para um, o número de postos profissionais de alto nível seja nas corporações, seja nas empresas de serviços. Essa situação contribui para o desenvolvimento, nessas grandes cidades, de uma estrutura de classes altamente desigual e polarizada.

 

A posição privilegiada dessas cidades como um sistema componente da melhor, mais barata e mais competitiva infra-estrutura mundial de telecomunicações, além dos efeitos benéficos da liberalização, também contribuem para a sustentação da centralização. Não é por acaso que os Estados Unidos, Japão e Reino Unido fossem, durante a explosão dos serviços ocorrida nos anos 80, as primeiras nações a liberalizar suas legislações de telecomunicações. Em todos esses casos, a liberalização contribuiu de forma bastante adequada para o fortalecimento das posições dos centros de comando global desses países, possibilitando inovações competitivas na área de telecomunicações. Também não é por acaso que exatamente esses centros de comando global, sejam aqueles que mais freqüentemente apresentem os exemplos mais adequados de investimento e uso das telecomunicações em metrópoles dominantes, conforme já destacamos anteriormente. Na Grã Bretanha, por exemplo, a Corporação de Londres argumenta que a liberalização das telecomunicações no Reino Unido, feita em 1981, tem contribuído diretamente para que Londres seja, contínua e competitivamente, uma das capitais globais da informação: “a inovação de produtos e a disponibilização de serviços em telecomunicações (....) está sendo dirigida para os serviços financeiros. Percebe-se que a competição entre os provedores de telecomunicações produz um impacto considerável sobre os consumidores. Houve uma redefinição dos serviços e uma redução de custos .

 

Mas, também existem importantes razões sociais e culturais para esse contínuo predomínio dos centros de comando global, mesmo quando a informação formal tradicionalmente dominada por eles possa ser agora acessada “on-line”, de praticamente qualquer lugar. No mundo dos centros de comando global, altamente incerto e complexo, a informação tácita, informal e clandestina, baseada na confiança e nas redes de relações sociais, é extremamente valorizada. Essa informação está sutilmente confinada àqueles que estão “dentro” dessas redes sociais, localizadas nas instituições-chave dessas cidades, nas quais um intenso contato face-a-face é de uma importância crítica. Nunca será possível substituir, pelas informações via telecomunicações, a tácita troca de informações que ocorre na hora do almoço ou nos bares após o expediente de trabalho. Em resumo, as pessoas que estão na cúpula do poder nas corporações, e também aquelas no topo dos mercados financeiro e de serviços, precisam estar “por dentro” das coisas por meios que não podem ser substituídos pela telemática. Rob Atkinson conta uma história real sobre uma advogada de um escritório em Washington DC que foi afastada de seus colegas, “para o outro lado do prédio”. Após duas semanas, sentindo-se isolada, ela pediu para retornar junto deles .

 

Do alto de sua fama como centros de escritórios corporativos e centros de prestação de serviços de alto nível, Londres, Tóquio e New York formam, juntas, um eficaz mercado financeiro globalizado, interligado via telemática. Mais uma vez, isso aconteceu devido à emergência de verdadeiros mercados globais e TNCs, que necessitam de fluxos e sistemas financeiros para executar suas operações. A liberalização do comércio nacional, e das regulamentações sobre investimentos financeiros, também estimulam, diretamente, a demanda por serviços financeiros internacionais. Citando Sassen, tais serviços funcionam como um “mercado transterritorial” para as finanças, tendo Tóquio como o principal exportador de capitais (com base no Yen), Londres como o principal centro de processamento do capital internacional (baseado no Marco Alemão e no Eurodólar), e New York como o principal centro captador de capitais (baseado no Dólar Americano). Juntos, eles configuram um conjunto de mercados financeiros globais, integrados 24 horas por dia, que dominam o fluxo financeiro e de serviços do mundo capitalista. As horas de abertura e fechamento do mercado de ações dessas cidades são coordenadas de forma a algum estar sempre aberto. Além de estar sendo estudada a possibilidade de um funcionamento contínuo de todos. “Quando Londres vai dormir, Tóquio inicia suas operações, e Wall Street começa a fervilhar ao fim dos negócios japoneses” .

 

Decisivamente, as transações financeiras em escala global têm sido, cada vez mais, intermediadas através de complexos sistemas de redes avançadas de telecomunicações, que estão ocupando os corredores de tráfego entre essas cidades - especialmente através de satélites mundiais e sistemas de fibras ópticas. Pretende-se, com isso, eliminar o tempo diferido nas transações financeiras, de forma a melhorar a taxa de fluxo e circulação de capitais, e conseguir maiores vantagens para os investidores a cada flutuação mínima nos valores das ações e nas taxas de câmbio. Os atuais “balcões de negociação” digitais - sistemas computadorizados de comercialização vinculados à rede de telecomunicação mundial - oferecem aos operadores conexões virtualmente instantâneas (abaixo de 100 milissegundos) com os compradores. Atualmente a Rede Digital de Serviços Integrados (RDSI) está sendo utilizada para as conexões multimídia entre compradores e vendedores. Esse aumento de velocidade resulta numa crescente volatilidade dos mercados, num ajuste instantâneo às mudanças das taxas de câmbio, e numa circulação de fundos de investimentos em rede, jamais vista. A escala desses fluxos financeiros eletrônicos é espantosa: o valor médio do comércio de ações inter-fronteiras alcança hoje US$ 10 trilhões por dia. Todos esses fluxos funcionam como um grande estímulo para outros fluxos de comunicação e informação entre os três grandes centros, como por exemplo, os centros de informação financeira on-line e o tráfego internacional de telefones. Ilustrando, sabe-se que o número de chamadas telefônicas feitas diariamente de Wall Street cresceu de 900.000 em 1967 para 3 milhões em 1987.

 

A Descentralização dos Serviços Rotineiros

 

A outra face da centralização das funções de controle corporativas, dos grandes prestadores de serviços e dos mercados financeiros mundiais reflete um processo de descentralização em larga escala das funções de produção rotineiras e de serviços de consumo. Na verdade, estes dois processos estão ligados de forma simbiótica. O início da descentralização das atividades produtivas das corporações levou à centralização das funções de controle corporativas; esse movimento leva agora à descentralização dos serviços rotineiros, visando o corte de custos, a revitalização dos lucros e a manutenção da competitividade. De acordo com Mark Hepworth “quanto mais as organizações ficam intensivas em informação, mais elas buscarão minimizar seus custos com informação” através das chamadas funções rotineiras  de infra-estrutura “extra-escritório” .

 

As funções rotineiras “externas” que prestam serviços e apoiam os escritórios nas cidades mundiais estão começando, agora, a se utilizar da telemática para poderem se instalar em localizações mais baratas, nos arredores das grandes cidades globais - e ficam cada vez mais distantes. Com isso, elas utilizam as telecomunicações para conseguir mão-de-obra e serviços mais baratos e a volumes crescentes daqueles disponíveis nos grandes centros. Esse fato está associado à “reengenharia” e ao “downsizing” das empresas localizadas nos grandes centros. A maioria das cidades periféricas estão depositando suas esperanças no surgimento de centros de serviços de infra-estrutura como uma fonte significativa de novos empregos para aquelas economias urbanas mais prejudicadas pelo colapso do emprego na manufatura. Essa descentralização está ocorrendo em quatro níveis: em termos globais, entre o “Norte” e o “Sul”, visando os Países de Industrialização Recente e os Países Menos Desenvolvidos (NCIs e LDCs); entre as regiões “centrais” e “periféricas” das regiões adiantadas das nações ocidentais; de áreas metropolitanas para não-metropolitanas e em pequenas cidades; e dos centros das cidades para os subúrbios. O resultado, no dizer de Judy Hillman, é que “está cada vez mais difícil saber quem está fazendo o quê e onde. A economia invisível pode ser tão ilusória quanto a escuridão” .

 

A primeira geração de serviços e produtos de infra-estrutura operada entre ou intra nações ocidentais, permitiu a descentralização entre as economias das cidades e dos países. Em 1989, a Merrill Lynch, uma importante instituição financeira de Wall Street, transferiu 2500 funções rotineiras para o outro lado do Rio Hudson, em New Jersey, motivada pela redução de custos, pela redução da rotatividade da equipe, e para atrair profissionais mais qualificados. Uma grande parte das listas telefônicas de assinantes e dos serviços operacionais da British Telecom para o sul da Inglaterra estão sendo feitos hoje na Escócia. As atividades rotineiras de processamento de dados em todos os setores econômicos podem, igualmente, ser transferidos para locais e instalações de baixo custo. Outro exemplo é a conferência e processamento de correspondências, que está se utilizando, nos Estados Unidos, da comunicação por imagens, de forma que os trabalhadores que realizavam o processamento de dados estão agora separados das áreas físicas de despacho da correspondência. A manipulação da tecnologia é remota, possibilitando a realocação dos trabalhadores para áreas desservidas de correio ou para o serviço aéreo noturno.

 

As economias de cidades de localização pouco estratégica estão se transformando devido a um afluxo de atividades de infra-estrutura. Por exemplo, nos últimos dez anos, os estados de Omaha e Nebraska declaram ter criado 100.000 empregos telematicamente conectados - resultante das vantagens trabalhistas, dos baixos custos e das suas posições nos entroncamentos da infra-estrutura norte-americana de fibras ópticas. Muitos negócios tipo  “centros de recolocação” estão se estabelecendo, apoiados, em geral, pelas autoridades de desenvolvimento rural, para aproveitar as oportunidades de atração de negócios terceirizados telemediáticos para suas áreas. Todos os centros nacionais de desenvolvimento estratégico da Irlanda estão explorando seus altos padrões educacionais, o uso da língua inglesa, e a sua infra-estrutura de telecomunicações de alta qualidade para atrair escritórios de infra-estrutura dos Estados Unidos e do Reino Unido, em especial os de serviços financeiros, editoração e processamento de dados, e desenvolvimento de software.

 

A queda acelerada dos custos de telecomunicações, o rápido crescimento de redes globais de telecomunicações de alta capacidade, e a crescente liberdade de localização das TNCs estão abastecendo, em todas as escalas espaciais, a descentralização das teletransações rotineiras e dos serviços teledefinidos. Desenvolve-se rapidamente, por todo o mundo, o “distanciamento” de uma ampla gama de serviços de suporte. Pelto prevê um rápido crescimento daquilo que ele denomina “imigração eletrônica”  - a “importação” on-line do trabalho e das habilidades (em geral femininas) de “telecolônias” mais baratas, localizadas em qualquer parte do mundo (Pelton, 1992). Ele diz que “a habilidade de recrutamento e importação eletrônica de serviços profissionais mais baratos nos Estados Unidos, Europa e Japão pode se transformar no tema de ponta do comércio internacional do século 21” .

 

Existem, ainda, muitos exemplos de centros de infra-estrutura “extra-escritório” nos países de industrialização recente e nos países em desenvolvimento que estão integrados em “tempo real” para o fornecimento de serviços de primeira linha às capitais mundiais da informação. Robert Reich, no seu livro The Work of Nations (1992) refere-se aos ‘cabos rasos’ da economia da informação” como sendo “hostes de processadores de dados estacionadas em escritórios de apoio, cujos terminais de computadores estão ligados a bancos de dados mundiais” . Esses escritórios estão hoje proliferando nos países de industrialização recente e nos países em desenvolvimento, que possuem capacitação, uma aparente estabilidade política, e infra-estrutura de telecomunicações e transporte que podem ser utilizados em centros de serviços à distância. Nas Filipinas, por exemplo, um único centro gera mais de 700 milhões de toques (ou caracteres) por mês. As vantagens desses centros para um consumidor corporativo são consideráveis: os salários são 20% menores do que a média do ocidente; a rotatividade média da equipe gira em torno de 1 a 2% ao ano, comparada aos 35% nos Estados Unidos; e a disciplina assemelha-se, quase sempre, à militar, de forma a assegurar a precisão. Mais ainda, a maioria dos governos dos países de industrialização recente e daqueles em desenvolvimento estão encorajando fortemente a ampliação dessas tendências, na tentativa de diversificar suas frágeis economias através de incentivos financeiros, zonas de livre comércio e infra-estruturas subsidiadas de teleportos e “digiportos” (desenvolvidos em parceria com as empresas de telecomunicação do Ocidente). Na Jamaica, por exemplo, o governo investiu pesado em transportes, telecomunicações, limpeza  e facilidades fiscais para o seu empreendimento de “digiporto”, o qual está se configurando num centro “extra-escritório” para empresas norte-americanas, em especial as de vendas por catálogo, telemarketing, informação e serviços de reservas .

 

De toda forma e numa escala crescente, serviços de alta qualificação e de alto valor adicionado estão sendo restruturados pelos meios anteriormente descritos. Serviços como análise financeira internacional, programação de software, animação de filmes, processamento de imagens, programação de computadores, edição e publicações acadêmicas, estão nesse processo. Nesses casos, complexas cadeias de “valor adicionado” e complexas geografias de equipamentos de computação estão sendo desenvolvidas. Os dados brutos que chegam às empresas de serviços de informação são, geralmente, coletados nas nações ocidentais, transferidos para os países em desenvolvimento para serem preparados, inseridos nos computadores das cidades ocidentais, e revendidos para os consumidores do ocidente.

 

As indústrias de desenvolvimento de software da Índia, por exemplo, estão crescendo a taxas de 30 a 40% ao ano, uma vez que o governo indiano seduz as grandes empresas de software, como a Dell e a Microsoft, oferecendo conexões de telecomunicação, treinamento de suporte e redução de impostos. Mais ou menos 15 a 20.000 pessoas estão, atualmente, desenvolvendo softwares na Índia, e diversas linhas telefônicas “hot lines” para suporte aos usuários de softwares do Ocidente, têm sua base na Índia, onde pessoas de alta qualificação podem ser recrutadas a custos muito baixos. Um outro serviço global com base nesse país é uma forte equipe de 60 pessoas que coordena o “catering” mundial a partir do sistema de reservas da British Airways.

 

À medida em que ampliam-se as capacitações para um sistema global de fibras ópticas e satélites, e à medida em que os custos caem vertiginosamente, prevê-se uma crescente diversificação das redes de suporte à “imigração eletrônica”. Esse panorama põe em risco um enfraquecimento gradual da oferta de emprego em serviços nos países ocidentais mais avançados - o principal motor da economia das cidades ocidentais - já que muitos dos serviços estão imitando as manufaturas na busca de custos mais baixos nos países de industrialização recente e nos países em desenvolvimento. Será cada vez mais viável conectar serviços de vídeo e imagens a diferentes distâncias do globo, tão baratos quanto as conexões de dados e voz. O Banco Mundial já propôs a idéia de utilizar o trabalho da África para monitorar os sistemas de câmeras de circuito fechado de TV (CCTV) dos shoppings centers americanos. Um conferencista disse, recentemente,  que “existe um potencial para os países africanos participarem da economia global através desses tipos de tecnologias” . Para o grupo Tektronix, fabricante de computadores, o monitoramento por CCTV já está sendo executado a 2.000 milhas de distância de sua sede em Portland, Atlanta, Georgia. Eles também já estão estudando a possibilidade de transferir o monitoramento para centros de baixo custo na África.

 

CÍRCULOS VICIOSOS OU CÍRCULOS VIRTUAIS? A TELEMÁTICA E A VIDA SOCIAL E CULTURAL DAS CIDADES

 

O

terceiro aspecto-chave refere-se às implicações da telemática na vida sócio-cultural das grandes cidades. As recentes inovações das telecomunicações e da telemática possibilitam novos tipos de interações sociais  ou transmissões culturais instantâneas à distância, anteriormente impossíveis. Isso estende os processos já arraigados por meio dos quais os “espaços” das interações sócio-culturais ficam desvinculados das particularidades sociais e geográficas de “lugar”. Anthony Giddens argumenta que essas tecnologias funcionam como “mecanismos desagregadores” que “alavancam nossas atividades sociais de contextos localizados, reorganizando as relações sociais em extensas distâncias de tempo e espaço” .

 

 

 

Figura 4 - Taxas de penetração do consumo doméstico de telecomunicações

em diversas nações capitalistas avançadas

Fonte: Bannister, 1994

Bannister, N. (1994b), “Go-slow on the European multimedia superhighway,

The Guardian, October, 26.

 

Nesses casos, a proximidade física passa a ser substituída pelos efeitos interativos das redes tecnológicas de interligação das pessoas pelo tempo e pelo espaço. Tanto nas nações ocidentais como nos segmentos mais abastados de cidades das nações em desenvolvimento, uma crescente variedade de serviços e tecnologias de telecomunicações está penetrando no ambiente doméstico, o qual reage a esse processo de diversas formas. As redes de telefonia básica, pessoa-a-pessoa - “O velho e simples sistema telefônico” - estão totalmente difundidas em, praticamente, todas as redes sociais de telecomunicações - com uma penetração próxima do universal na maioria dos países ocidentais. O rádio e a televisão passivos, também são utilidades domésticas, quase que universais, para a comunicação de massa. Os telefones de uso corrente, com fio, estão sendo agora complementados por um novo e amplo sistema de telecomunicações. Em muitas cidades ocidentais, as redes a cabo de banda larga cobrem mais da metade da população; a Difusão Direta via Satélite (DBS) possibilita um mix internacional de canais para as pessoas que não estão ligadas ao cabo (ver Figura 4). Os videocassetes são quase que universais em muitos países. Os telefones móveis e os computadores portáteis estão se difundindo rapidamente. Sofisticados computadores pessoais (PCs) domésticos vão se tornando, hoje, bens de consumo duráveis. Com a recente explosão das conexões domésticas à Internet, Batty e Barr argumentam que “em nossos dias, não existem motivos para que qualquer computador do mundo não esteja conectado direta ou indiretamente à Internet”  . Finalmente, existe muita especulação sobre a convergência das telecomunicações digitais, da mídia e das tecnologias de computação como base para conexões multimídia e interativas entre as residências, através de PCs ou da TV interativa. Tais especulações são alimentadas pelos amplos debates sobre os potenciais efeitos sócio-culturais do “ciberespaço” e da “realidade virtual” nas cidades.

 

Todos esses desenvolvimentos são importantes porque fazem aflorar o potencial, pelo menos para os grupos de elite, da identidade sócio-cultural, da experiência e das interações sociais, que podem ser reconstruídas em esquemas mais livres de tempo e espaço. Os telefones ajudam na manutenção de ligações pessoais a despeito da distância; os “ritos” da televisão, como as transmissões de grandes eventos esportivos, possibilitam reuniões sociais; os jogos por computador levam a diferentes formas de isolamento e introspeção; e redes como correios eletrônicos e BBS possibilitam encontros sociais no “espaço virtual” entre pessoas que nunca se encontraram verdadeiramente no “espaço físico”.

 

A proliferação de verdadeiras redes de comunicação social interativa significa que, em alguns casos, os grupos sociais estão agora estabelecendo relações mais próximas via redes eletrônicas do que via proximidade física. Similarmente às forças econômicas das cidades, é impossível compreender social e culturalmente as cidades sem olhar seus grupos sociais e culturais e as diversas redes especializadas através das quais eles estabelecem as suas relações - freqüentemente em níveis cada vez mais aprofundados. Diante disso, Calhoun argumenta que “as grandes cidades estão se fundindo, harmoniosamente, numa imensidão de comunidades locais, que estão sendo engolidas por uma rede de larga escala e de sensíveis relações indiretas” . De qualquer forma, essa visão não atinge os grandes grupos excluídos do acesso às tecnologias de redes ou às informações que circulam por elas, os quais, por sua vez, foram impedidos de participar dessas relações “indiretas” baseadas nas telecomunicações. Charles Handy afirma que, pelo menos nesse momento:

 

“o mundo da tecnologia da informação é um mundo feito para poucos

afortunados, talvez 20% da população; são as pessoas, hoje denominadas ‘analistas simbólicos’, que podem trabalhar com números e idéias, morando em isolados

e arborizados subúrbios, cercados por altos portões e guaritas; são aquelas pessoas que ficam sentadas junto aos seus computadores portáteis e seus telefones, acessando informações por todo o mundo. E elas não se aventuram sair para o centro da cidade, não se utilizam dos transportes públicos, e quando viajam, é na parte dianteira dos vôos internacionais (...) E depois vem o resto, aqueles que não têm acesso a essas tecnologias, que não sabem como utilizá-la, e que não sabem gerar produtos através dela.

E esses, moram no centro das cidades, utilizam-se dos transportes públicos,

e passarão por tempos difíceis”

(Handy, 1995; Quoted in Channel 4. 1995;20)

 

Fica claro que a ameaça mais concreta é que a combinação das atuais tendências econômicas, sociais e tecnológicas gera tamanhas fragmentações e polarizações, resultando naquilo que Riccardo Petrella, Comissário Europeu, chama de “um arquipélago de ricas cidades-regiões de alta tecnologia no mar da humanidade empobrecida” . Para estes grupos emergentes, com sorte suficiente para estarem no controle da tecnologia, a telemática lhes oferece inúmeras possibilidades de reorganização e individualização da vida cultural e social das cidades. “O indivíduo pode dissociar-se dos outros”, dita Storgaard et al, “e, junto com isso, aplicando a tecnologia da informação, ele/ela podem eliminar, praticamente, quaisquer controles. Conforme o estilo de vida, cada indivíduo poderá dissociar-se do que lhe é estranho, exatamente ao mesmo tempo que poderá enfatizar sua vinculação a determinado grupo, lugar ou comunidade local. Por outro lado, as pessoas, utilizando a tecnologia da informação, poderão derrubar barreiras impostas por um dado grupo ou local. Assim, fica mais fácil escolher as vinculações futuras de um indivíduo, sem ficar atado indefinidamente a outras. Ou seja: será mais fácil vincular-se àqueles que compartilham dos mesmos interesses, do que àqueles que compartilham a mesma localização física .

 

Mas, o que realmente significam essas mudanças na vida sócio-cultural das cidades? Vale a pena discutirmos dois grandes cenários - um negativo e outro positivo - que ilustrarão as formas pelas quais deverão ocorrer as relações entre espaços urbanos e espaços eletrônicos. Pelo lado negativo, assistimos à vinculação, cada vez maior, da telemática ao círculo vicioso de forças que, na argumentação de muitos, estão solapando o papel das cidades como o reino público no qual misturam-se, de uma forma livre e democrática, todos os segmentos da sociedade (ver Figura 5). Essa é a visão de um influente grupo de críticos nos Estados Unidos .

 

 

 

Figura 5 - Cenários positivos e negativos de interligação de espaços urbanos e

“espaços eletrônicos” acessíveis via redes a cabo

 

É claro que a argumentação, nesse caso, refere-se ao fato das pessoas buscarem os espaços eletrônicos por estarem sendo cada vez mais alijadas dos processos de mudanças de muitas cidades americanas (e, conseqüentemente, de muitas cidades do Ocidente e do Sul). A classe média, por exemplo, debandou para “esconderijos” nos subúrbios que possuem poucos espaços públicos genuínos. Esses moradores suburbanos têm paranóia a crimes e às interferências de outros grupos sociais; isso gera a instalação de portões (no sentido físico) e sistemas de vigilância eletrônica, fatos que aumentam o medo e o isolamento. E assim, o círculo continua. As alternativas são muitas, complexas, e de fácil generalização. Mas, parece que está havendo uma mudança nesse enclausuramento, em especial nas classes médias - com a sua retirada dos espaços públicos das cidades, o uso de tecnologias domésticas e de “auto-serviço”, e o acesso a redes assumem o lugar do espaço público. O medo da criminalidade e uma alienação social da vida urbana são os principais motivos dessa tendência. Um recente programa de televisão reportou que o acesso a redes telemáticas para compras, lazer e trabalho “parece seguro se comparado à decadência urbana. Paranóia, violência e poluição estão ceifando a alma da América, que volta-se para dentro si - para a proteção das casas, a segurança privada, aos códigos de acesso e para a vídeo-vigilância - ou seja, para verdadeiras fortalezas controladas . Na mesma linha, Manuel Castells  alerta sobre um futuro urbano não-utópico (americano) sem ideais coletivos, onde “casas individualizadas e afastadas, localizadas em intermináveis áreas suburbanas, voltam-se para a preservação de suas próprias lógica e valores, fechando suas portas para o ambiente externo que as cerca, e direcionando suas antenas para os sons e imagens de toda uma galáxia” . Muitos centros de cidades foram re-desenvolvidos como distritos “temáticos”, fechados e estritamente comerciais, dominados por grandes lojas e cadeias de diversões, onde os “grupos sociais indesejáveis” são propositadamente excluídos de forma a maximizar o consumo e os lucros.

 

Nesse contexto, Howard Rheingold, um defensor entusiasmado das comunidades virtuais baseadas na Internet, acredita que “uma das explicações para o fenômeno (da comunidade virtual) é a necessidade de vida comunitária, crescente no interior das pessoas mundo afora, à medida em que vão desaparecendo os espaços públicos de suas vidas reais” . Em outras palavras, cidades virtuais, com seus “cafés eletrônicos” e seus grupos de discussão interativos, são antídotos eletrônicos  contra a depressiva realidade da vida urbana das classes médias. Mas, embora  a natureza desregulatória e anárquica da Internet possa oferecer alento aos alienados americanos dos subúrbios, alguns críticos questionam que a Internet está se tornando tão comercial como um imenso “centro de compras eletrônico” - que espelha a tão arraigada natureza consumista da maioria dos shoppings e centros comerciais das cidades americanas. Diante disso, o antídoto é apenas temporário.

 

Mas tem-se, também, uma visão mais positiva da questão, onde as cidades virtuais funcionam como suporte e não como fator de destruição do espaço democrático público das cidades, resultando num círculo virtual muito mais do que num círculo vicioso. Aqui, a inovação municipal e local de “cidades virtuais” com base na Internet e na World Wide Web parece ser o caminho de interligação entre os fragmentos sociais e geográficos que configuram as cidades reais. Elas auxiliam na criação de um novo espaço para a interação, o debate e o desenvolvimento cultural, cujos resultados possibilitam um renascimento na vida sócio-cultural urbana. Alguns argumentam que a multiplicidade de comunidades virtuais especializadas na Internet retomam o sentimento de um convívio urbano que foi perdido ao longo das transformações físicas e sociais que levaram ao urbanismo pós-moderno. A questão é crítica porque as redes sociais e os laços entre pessoas e lugares transcende, agora, as definições geralmente arbitrárias de “vizinhança” e de “cidade”. Geoff Mulgan, por exemplo, coloca: “dado que a arquitetura e a geografia das grandes cidades e dos subúrbios dispersou os antigos vínculos comunitários, as redes eletrônicas podem, então, se transformar nos instrumentos de convivência das cidades”  . Ele clama os legisladores a explorar esse potencial através da inclusão de políticas de telecomunicações em suas propostas rotineiras sobre educação, planejamento, transporte e habitação.

 

CONCLUSÕES - HABITAT II: RUMO AO PLANEJAMENTO E ÀS POLÍTICAS PARA UMA CIDADE EM TEMPO REAL

 

P

ara concluirmos, o que essas mudanças rumo à “cidade em tempo real” implicam nos debates da Habitat II? O que pode ser feito pelos planejadores urbanos e pelos legisladores como uma resposta positiva a esses desafios econômicos e sociais, visando uma “cidade em tempo real”? Como, em outras palavras, a telemática pode ser utilizada, em níveis locais, como um “kit de ferramentas” pelas cidades que buscam fomentar o seu desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e sustentar um desenvolvimento urbano progressivo?

 

Cidades neste mapa: Almere, Amsterdam, Assen, Beekbergen, Beverwijk, Bolsward, Breda, Culemborg, Delft, Delfzijl, Den Haag, Eersel, Eindhoven, Enschede, Geleen, Groningen, Hoogeveen, Leende, Leeuwarden, Leiden, Lelystad, Lopik, Maarssen, Maastricht, Middelburg, Nijmegen, Nijverdal, Oegstgeest, Roosendaal, Rotterdam, Schiedam, Steenwijk, Tilburg, Urk, Utrecht, Zaanstad.

Figura 6 - “Mapa Ativo” da World Wide Web sobre as Redes de Cidades Virtuais na Holanda

(Acesso em http://www.eeb.ele.tue.nl/dhp/960225/category13/category.html)

 

O ponto-chave é que a telemática, enquanto base para tais mudanças, parece oferecer um potencial considerável como um instrumento político em resposta a elas. Está surgindo um amplo leque de iniciativas locais, tanto no mundo desenvolvido como no mundo em desenvolvimento, centradas no uso da telemática como uma nova e poderosa ferramenta política. O mais importante é o rápido surgimento das chamadas “cidades virtuais”, que estão sendo desenvolvidas pelas prefeituras e pelas agências de desenvolvimento urbano, para possibilitar um maior acesso à telemática e a um futuro urbano mais positivo do que depressivo. A Figura 6 apresenta alguns exemplos da Holanda. As cidades virtuais são espaços eletrônicos, em geral com base na World Wide Web, que foram desenvolvidos para interligar, de forma explícita, as agendas de desenvolvimento de cada cidade. Tais cidades virtuais estão funcionando como ferramenta política para uma variedade de planos e objetivos urbanos: marketing urbano global, estímulo ao turismo de negócios e de consumo, melhoria das comunicações entre os cidadãos e os governos locais, aumento da competitividade das empresas locais, maior integração das economias locais e o renascimento do civismo e da cultura local.

 

Enquanto esses sistemas oferecem, em geral, acesso a outros serviços da Internet - e que podem ser acessados de qualquer parte do mundo - sua ênfase principal reside nas discussões locais, nas interações e nos serviços de informação que inserem os cidadãos em suas próprias cidades. Isso inclui a possibilidade de acesso eletrônico a serviços locais de caráter municipal e comercial, informações on-line sobre execução de planos, desenvolvimentos e serviços públicos, oportunidades comerciais e de empregos, contatos entre agências de bem-estar social, informações tipo “O que há de novo”, debates em BBSs sobre uma variedade de assuntos locais. Também podem ser estabelecidas oportunidades de agenciamento de transações locais, como por exemplo o pagamento on-line de impostos e taxas.

 

O desafio para planejadores e legisladores é a construção de cidades virtuais consistentes, acessíveis e localizadas, que viabilizem uma visão urbana pública e positiva na tentativa de re-conectar os diversos fragmentos dos elementos de uma cidade. Esses são os difíceis desafios políticos numa área em que os legisladores têm pouca experiência e habilidade. Mas, a crescente experiência no desenvolvimento de tais sistemas - em especial nos Estados Unidos - demonstra que eles podem ser relativamente baratos, além de ser um caminho eficaz para a mudança da cultura tecnológica local e para a melhoria do desenvolvimento de civismo nas cidades reais.

 

À medida em que torna-se fundamental o envolvimento local e municipal na estruturação do ciberespaço, suas respectivas políticas devem, também, ser realísticas. Deve-se tomar cuidado para não ser seduzido pelo brilho e glamour que cercam o ciberespaço e as cidades virtuais. Também devem ser consideradas as desigualdades flagrantes no acesso à tecnologia, às ferramentas e ao dinheiro para o pagamento de encargos. Para uma ampla maioria de cidadãos de cidades latino-americanas, o telefone é um luxo inacessível e um PC com acesso à Internet é algo como ficção científica. Acesso é a questão fundamental, que coloca as pessoas mais ricas e com conhecimento de computadores, portadoras de equipamentos, ferramentas e capacidade de articulação, em extrema vantagem para beneficiarem-se do acesso ao ciberespaço e às cidades virtuais. Apesar de muitos grupos sociais encontrarem dificuldades para acessar os espaços públicos físicos, isso requer apenas uma caminhada ou uma viagem de ônibus. Mas, o acesso aos espaços públicos eletrônicos fato que requer um computador, um modem, habilidades computacionais, um telefone ou outros tipos de ligações de telecomunicações, e dinheiro para pagamento das contas telefônicas. Também são críticas as questões dos terminais públicos de acesso e do treinamento para não portadores de computador. Elas são facilmente esquecidas pela elite de legisladores que, freqüentemente, já estão saturados por facilidades telemáticas  em suas  casas, no trabalho e também enquanto se movimentam. Conforme as afirmações de Dutton para a realidade dos Estados Unidos, “vivendo numa sociedade da informação, as pessoas instruídas já nem se dão conta da exposição à tecnologia da informação. Assim, ela é invisível para a maioria dos que estão no segmento mais pobre das cidades (...) Na era do chamado excesso de informação, poucos administradores ou profissionais podem imaginar uma situação na qual faltem informações essenciais, mas é exatamente este o caso do segmento mais deteriorado” .

 

Também tenho dúvidas acerca da extensão de quanto a convivência, as interações face-a-face e o senso público e democrático dos espaços urbanos podem ser, verdadeiramente, substituídos pela interação em cidades virtuais. As capacidades de intermediação das atividades econômicas e sociais através das telecomunicações são, muitas vezes, exageradas; a importância contínua da concentração de atividades nos espaços urbanos é quase sempre sub-avaliada no clamor da mediatização da “revolução das telecomunicações”. Recentemente, dois sociólogos alertaram sobre os perigos de se esperar muito das cidades e comunidades virtuais. Eles argumentam que esses desenvolvimentos simplesmente oferecem “uma fantasia pela qual podemos viver uma aparente proximidade com os outros, conversar com eles e expressar nossos sentimentos”, enquanto eles “ignoram a dimensão comunitária, que consideramos central nesse conceito, em especial no aspecto afetivo; e a dimensão de identidade vinculada ao ‘estar junto’. Esse é o ‘cordão emocional e afetivo’ da solidariedade” . Ainda não é claro o quanto as cidades virtuais, estruturadas como espaços específicos, podem suportar o sentimento de “estar junto”.

 

Os planejadores devem estar atentos, também, para o perigo das cidades virtuais produzirem outras transposições das interações sociais dos espaços urbanos para redes eletrônicas segmentadas, exacerbando, assim, os problemas. Então, fica como mensagem para a Habitat II a consideração que políticas inovadoras meticulosas são, com certeza, importantes, mas, elas precisam  ser estruturadas como um estímulo direto a melhorias nas cidades reais através de, por exemplo, acurados debates sobre a política de planejamento e desenvolvimento, e a geração de novos eventos e atividades nos centros das cidades. Resumindo, os espaços urbanos e os espaços eletrônicos devem ser planejados em paralelo.

 

Um extrato desse texto foi publicado por “O Estado de S. Paulo”

em 26 de maio de 1996.