EXTRATO DE: O RETORNO DO PÊNDULO
Autor: Zygmunt
Bauman e Gustavo Dessal
Ed. Zahar -
2014/2017/2019
LIBERDADE E
SEGURANÇA: UM CASO DE HASSLIEBE - Bauman
Hassliebe pode ser traduzido como "relação de
amor e ódio".
Freud: "Só
podemos desfrutar intensamente o contraste, e muito pouco do estável."
(...) "É muito menos difícil enfrentarmos a infelicidade."
[O sofrimento vem
de 3 causas]: a supremacia da natureza, a fragilidade
do nosso corpo e a insuficiencia das normas que
regulam os vínculos recíprocos entre os seres humanos na família, no Estado e
na sociedade.
(...) segurança sem
liberfdade equivaleria à escravidão (...) e liberdade
sem segurança desataria o caos (...)
A incompetência
sugere inferioridade, e ser inferior ante o olhar dos demais é um doloroso
golpe assestado contra a autoestima, a dignidade
pessoal e o valor da autoafirmacao.
O "progresso
histórico" faz pensar mais num pêndulo do que numa linha reta.
COMENTÁRIO SOBRE
"LIBERDADE E SEGURANÇA" - Dessal
A segurança do laço
social é apenas uma miragem, uma fina camada de poeira que o vento da história
pode varrer com facilidade.
(...) o caráter
profundamente conflitivo das relações com nossos
semelhantes e com as instituições que criamos.
(...) estamos
sempre ameaçados diante da possibilidade de nossa própria traição.
A CIVILIZAÇÃO
FREUDIANA REVISITADA, OU O QUE SE SUPÕE TER ACONTECIDO COM O PRINCÍPIO DE
REALIDADE? - Bauman
Freud: "A
civilização é algo que foi imposto por uma minoria a uma maioria a ela
contrária. (...) O dominio da massa por uma minoria
continuará a se demonstrar sempre tão imprescindível quanto a
imposição coercitiva do trabalho cultural." [Poder]
(...) os seres humanos devem ser (...)
coagidos à humanidade (...).
(...) a percepção
aristotélica que sem coação a partir de cima (...) "o homem é o lobo do
homem".
A vida civilizada
(...) é uma negócio.
Para Freud, "a
civilização significa tudo aquilo em que a vida humana se eleva acima de suas
condições animais e se distingue da vida animal".
O padecimento da
felicidade truncada é o preço que se paga pelas delícias da proteção.
Dia após dia,
milhões de homens e mulheres em milhares de aeroportos de todo o mundo,
pressurosos por embarcar em seus vôos, fazem longas filas com atitude dócil, ou
mesmo entusiástica, para se submeter a controles
pessoais e revistas corporais que antes teriam qualificado como mais uma
manifestação sinistra e humilhante das aspirações totalitárias atribuídas aos
poderes vigentes.
Os fenômenos em
questão devem ser vistos como sintomas prenunciadores de uma norma emergente.
(...) a in-certeza,
a in-segurança e a des-proteção constituem hoje, de
longe, o pior dos flagelos.
A civilização é a
culpada [do] (...) pânico diante dos imigrantes "sujos, incultos e ladores" (...).
(...) "a
grande transformação" (...) a passagem de uma sociedade de produtores -
trabalhadores e soldados - para uma sociedade de consumidores - indivíduos por
decreto e, a curto prazo, viciados em adaptação.
[Para nossos
filhos] compromisso é uma virtude abstrata, não a veem em lugar nenhum.
Um dos efeitos mais
patentes da nova localização é a percepção dos laços e compromissos sociais
atuais como instantâneos passageiros (...).
O tempo percebido
pela atual geração jovem não é cíclico nem linear, mas
"pontilhista" (...).
(...) não jurar, a
nada nem a ninguém, lealdade "até que a morte nos separe"; (...)
A vida da geração
jovem é vivida hoje num estado de emergencia
perpétua.
COMENTÁRIO SOBRE
"A CIVILIZAÇÃO FREUDIANA REVISITADA..." - Dessal
Bauman: "(...)
o sexo nem sequer pode se aproximar da facilidade e da instantaneidade
com que são obtidos outros prazeres, coisificados e mercantilizados de todo, no simples e único ato de entregar
umas poucas cédulas ou de digitar num teclado a senha do cartão de crédito."
Para a psicanálise,
a heterossexualidade é um fenômeno que requer uma explicação tão complexa
quanto a homossexualidade, pois ambas carecem de uma explicação natural ou
biológica.
A "sociedade
da transparência" é a tradução, no plano subjetivo, do ideal científico da
representação total, a ideia de que todo real pode ser levado ao plano da
imagem, do cálculo e da mediação. (...) os desejos precisam do segredo e do
mistério para sobreviver. Se forem anunciados demais, (...) corre-se o risco de
a nossos semelhantes se tornem nossos perseguidores.
Bauman: "Os parias contemporâneos já não são os que recusam ou não
conseguem contribuir para os esforços produtivos, mas os que fracassam em seus
deveres de consumidores e ficam fora (ou são expelidos) do jogo das compras.
(...) o socialismo
real lhes deu as costas, tentando impor um ideal humano que se desligou por
completo do ser humano verdadeiro.
Que deliciosa dor
causa na alma comprar o novo smartphone e ficar
sabendo, nesse mesmo dia, que a marca acaba de anunciar para os próximos meses
o lançamento do modelo seguinte! Acreditávamos haver tocado o céu com as mãos,
mas o encanto foi fugaz. Apeasar disso, devemos ser gratos pelo fato de nossa vida encontrar assim
uma renovação de seu sentido, e de que o desejo recarregue
seu movimento eterno rumo ao nada.
(...) o fetichismo fa mercadoria (...)
Para Lacan (...) a
ação inconsciente não exime o sujeito do dever de assumir a responsabilidade
por sua ação.
A insatisfação é a
marca distintiva do desejo. Ou, como repete Lacan várias vezes, "o desejo
é sempre desejo de outra coisa".
Um objeto de
consumo não é sinônimo de um objeto de necessidade.
Um desejo é a
perversão de uma necessidade.
[Trocamos o
capitalismo da caderneta de poupança pelo capitalismo do cartão de crédito.]
Que milhares de
pessoas façam fila diante da Apple Store três ou quatro dias antes do lançamento do último
modelo de iPhone não é algo que a sociologia, a
psicologia ou, evedentemente, a economia possam
explicar. É preciso contar com instrumentos conceituais da psicanálise.
A assombrosa
"sabedoria" da lógica capitalista consiste em ter conseguido
concentrar num objeto "universal" a promessa de uma
satisfação cujas características são especificas e inconscientes em cada
sujeito.
(...) o símbolo
paterno é possivelmente um dos esteios civilizadores que mais se desgastaram. O
modelo patriarcal, com sua carga de arbitrariedade e sua pretensão
totalizadora, cedeu a vez a um modo de vida no qual os
pais, à falta de qualquer modelo referencial, têm praticamente dois caminhos a
escolher: recorrer a especialistas para serem aconselhados em todas e cada uma
de sua decisões educativas ou renunciar à sua legitima autoridade, tornando-se
eles mesmos menores de idade. Evidentemente, essa "liquefação" da
função paterna é uma excelente fonte de negócios - e um inesgotável fator de
produção de sintomas.
O PAINEL DE FREUD -
Bauman
(...) o cambiante
equilíbrio entre o "princípio do prazer" e o "princípio de
realidade".
A história da
humanidade está salpicada de falsas alvoradas, e (em consequência) a história
do pensamento transborda de falsas esperanças.
A atual fascinação
com as "autopistas da informação" como
remédio para a decadência dos laços humanos, o declínio do compromisso cívico e
o (não menos importante) choque entre os princcípios
do prazer e de realidade, ou a fascinação com a engenharia genética como
remédio para os traumas humanos, para as afecções físicas e, mais em geral,
para a contingência humana estão compreendidos nessa regra. as
inovações tecnológicas podem desacelerar ou tornar mais errática a oscilação do
pendulo, mas é sumamente improvável que a detenham, e mais ainda qualidade a
tornem supérflua.
A liberdade e a
segurança não podem sobreviver uma sem a outra, por assim dizer, mas tampouco
podem conviver em paz. (...) O movimento pendular é o resultado dessa aporia [situação insolúvel].
(...) as utopias
iconoclastas implicam que o caminho para a "sociedade superior" não
passa pelas pranchetas dos planificadores, pelas
incursões das brigadas do futuro, mas pela reflexão crítica sobre as crenças e
práticas humans existentes (...).
(...) o
desenvolvimento de novas tecnologias de "engenharia genética" pode
muito bem permiktir, num futuro próximo, que a
procriação se emancipe do sexo.
No mundo da autoclonagem, todas e todos são sua própria mãe e seu
próprio pai condensados em um (...).
Dan Debbett,
filósofo: Quando já não precisarmos comer para permanecer vivos, nem procriar
para ter descendência, nem nos lovomover para ter um vida transbordante de aventurass;
quando os instintos residuais dessas atividades simplesmente se apagarem como
conseqüência dos retoques genéticos, possivelmente a natureza humana deixará de
ser uma constante.
(...) o sexo [será]
liberado para reciclar-se em "sextimento",
somente um entretenimento prazeroso a mais para se escolher entre muitos outros
(...) Uma vez reduzido a puro e simples entretenimento, durante quanto tempo o
sexo poderá reter seu atrativo e seu poder de sedução? A resposta crível é:
provavelmente não muito.
Quem
sabe até onde chegaremos a partir daqui?
COMENTÁRIO
SOBRE "O PAINEL DE FREUD" - Dessal
O
aumento da tensão psíquica é experimentado como não prazeroso, enquanto a
diminuição dela nos aproxima do prazer. (...) Se a tensão psíquica caísse a
zero, isso seria equivalente à morte psíquica. (...) Tomemos o exemplo da exitacao sexual. Eis aqui um caso no qual o aumento da
tensão psíquica não pode ser definido exatamente como não prazeroso, muito pelo
contrário, embora decerto seu prolongamento, seu excesso, possa atravessar
certa barreira, provocando assim uma mutação da vivencia.
O
papel fundamental do princípio de realidade é assegurar, ou ao menos procurar
assegurar, que os desejos sigam uma rota mais afastada da via alucinatória.
Quando
o povo alemão e boa parte do resto da Europa estavam convencidos de que os
judeus constituíam um vírus que devia ser extirpado (...) tal ideia se
formulada de maneira individual por um sujeito teria sido qualificada de
delírio paranóico, mas constituiu durante vários anos a realidade na qual vivia
a maioria dos seres humanos.
Bauman:
Somos imbuídos pelo desejo de vislumbrar em cada nova oportunidade o anúncio de
que os problemas ou mal esgtares atuais ficarão para traás.
Estamos
diante de algo novo e que Freud enunciou com a expressão "pulsão de
morte".
(...)
[algumas pessoas têm] um irresponsável otimismo na confiança na superação do
conflito humano.
A
"contingência da vida humana" [negada pelo cristianismo e outras
religiões].
[Junto
com] a ideologia paranoica da segurança.
PROCURANDO
NA ATENAS MODERNA UMA RESPOSTA À ANTIGA PERGUNTA DE JERUSALEM - Bauman
Pregnante -
aquilo que produz forte impressão.
No
mundo dos gregos havia um deus distinto para cada ação e experiência humanas, e
para cada situação e ocasião da vida; assim havia também uma resposta para cada
dúvida passada e futura (...).
Carl
Schmit: "A exceção na jurisprudência á análoga
ao milagre em teologia."
Mikhail
Bakthin: "O medo cósmico é a fonte tanto da
religião quanto da política." (...) O medo cósmico é a trepidação sentida
diante do incomensuravelmente grande e incomensuravelmente poderoso: em face do
céu estrelado, do volume material das montanhas, do mar, o medo de sublevacoes cósmicas e desastres naturais. (...) O
medo cósmico é usado por todos os sistemas religiosos.
O medo cósmico é o terror da
incerteza.
Embora
transformando seres amedrontafdos em esdcravos das ordens divinas, essa extraordinária
transformação do Universo em Deus foi também um ato de empoderamento
humano indireto. De agora em diante, os seres humanos teriam de ser dóceis, submissos e condescendente (...) para garantir que as
horrorosas catástrofes que temiam passassem por eles sem atingi-los (...)
Pelo
simples expediente de serem dóceis, as pessoas podiam forçar Deus a ser
benevolente.
Sem
a vulnerabilidade e a incerteza não haveria o medo.
O
poder de impor normas deriva do poder de suspendê-las ou torná-las nulas e inválidas.
Carl
Schmit: "Não há regra que seja aplicável ao
caos. Para que a norma jurídica faça sentido, é
preciso que se estabeleça a ordem. (...) a regra só vive da exceção."