AUTOR: Jean Paul Sartre
EDITORA: Difusão Editorial – 1978
REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO JUDAICA
(O anti-semita, se não aprecia os judeus) diz-se, é porque sua experiência lhe revelou que eram maus, porque as estatísticas lhe informaram que eram perigosos, porque certos fatores históricos influíram em seu juízo. Assim, esta opinião parece efeito de causas exteriores e ...
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Há, em cera gente, o asco ao judeu, assim como há o asco ao chinês ou ao negro. E esta repugnância não nasce do corpo, pois se pode amar perfeitamente uma judia, se se ignora sua raça; tal repulsa chega ao corpo pelo espírito, é um compromisso da alma, mas tão profundo e tão completo que se estende ao fisiológico, como sucede na histeria.
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Apenas uma forte prevenção sentimental pode dar uma certeza fulgurante, apenas ela pode manter o raciocínio à margem, apenas ela pode permanecer impermeável à experiência e subsistir durante toda uma vida. O anti-semita escolheu o ódio porque o ódio é uma fé.
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(...) tratando o judeu como um ser inferior e pernicioso, afirmo ao mesmo tempo que pertenço a uma elite.
Se por milagre, todos os israelitas fossem exterminados, como almeja, reencontrar-se-ia o anti-semita como porteiro ou lojista numa sociedade fortemente hierarquizada, onde a qualidade de “verdadeiro francês” estaria a preço vil, pois todo mundo a possuiria (...)
Daí por que o anti-semita tem a desgraça de necessitar vitalmente do inimigo que ele quer destruir.
Assim, as pessoas se afogam na multidão, e os modos de pensamento, as reações do grupo são do tipo primitivo puro.
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Todo anti-semita (...) deseja ser membro disciplinado de um grupo indisciplinado; adora a ordem, porém a ordem social.
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A primeira coisa que os alemães proibiram aos judeus foi o acesso às piscinas: afigurava-se-lhes que, se o corpo de um israelita mergulhasse nessa água represada, ele a poluiria. A rigor, o judeu polui até o ar que respira.
Cada qual julga a historia de acordo com a profissão que exerce. Formado por sua ação quotidiana sobre a matéria, o operário considera a sociedade como o produto de forças reais que agem segundo leis rigorosas. (...) Os burgueses e o anti-semita em particular, optaram por explicar a historia através da ação de vontades individuais.
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O anti-semita localiza no judeu todo o mal do universo. Se as nações travam guerras, não é porque a idéia de nacionalidade, sob a sua forma presente, implica a de imperialismo e de conflito de interesses (...) é porque os incitadores judeus (...) seduziram os operários.
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Conheci em Berlim um protestante em quem o desejo assumia a forma da indignação. A visão de mulheres de maiô o deixava enfurecido; buscava de bom grado este furor e passava o tempo nas piscinas.
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O anti-semita é criminoso pela boa causa. Não é falta sua, se lhe incumbe a missão de reduzir o Mal por meio do Mal; a França real lhe delegou os poderes de alta justiça.
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O anti-semita é um homem que tem medo. Não dos judeus, de si próprio, de sua consciência, de sua liberdade, de seus instintos, de suas responsabilidades, da solidão, da modificação da sociedade e do mundo; de tudo salvo dos judeus. É um covarde que não quer confessar sua covardia; um assassino que recalca e censura sua tendência ao homicídio sem poder refreá-la e que, no entanto, só ousa matar em efígie ou no anonimato de uma multidão (...)
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O judeu não é senão um pretexto: em outra parte, será utilizado o negro e, em outra, o amarelo. (...) O anti-semitismo, em suma, é o medo diante da condição humana.
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O anti-semita, censura ao judeu o ser judeu; o democrata censura-lhe de bom grado o considerar-se judeu. Entre seu adversário e seu defensor, o judeu parece estar em situação bastante incômoda: parece que não lhe resta outra alternativa exceto escolher a salsa com a qual será comido. Convém, portanto, que por nossa vez coloquemos a questão: existe o judeu? Se existe o que é ele? Primeiro judeu ou primeiro homem?
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(...) dever-se-ia falar em raças judias. Sabemos que nem todos os semitas são judeus, o que complica o problema; sabemos também que certos judeus loiros da Rússia acham-se ainda mais longe de um judeu crespo da Argélia do que de um ariano da Prússia Oriental. (...) Quando eu vivia em Berlim, no início do regime nazista, tinha dois amigos franceses, um dos quais era judeu. O judeu apresentava um “tipo semita acentuado”; nariz encurvado, orelhas de abano, lábios grossos. Um francês reconhecê-lo-ia sem vacilar como israelita. Mas sendo loiro, magro e fleumático, os alemães nada percebiam; divertia-se às vezes saindo com S.S. que não suspeitavam de sua raça e um deles lhe disse um dia: “Sou capaz de reconhecer um judeu a cem metros”. Meu outro amigo ao contrário, corso e católico, filho e neto de católicos, tinha os cabelos negros e um pouco anelados, o nariz bourboniano, a tez pálida; era baixo e gordo; os moleques da rua jogavam-lhe pedras, chamando-o judeu:
Como desembaraçar o físico do moral? Sua barba é negra e anelada: é um caráter somático. Mas o que me impressiona acima de tudo, é que a deixe crescer; por aí expressa seu apego às tradições da comunidade judaica, designa-se como oriundo da Polônia, como pertencente a uma primeira geração de emigrantes; seu filho será menos judeu pó ter-se barbeado?
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Não é o passado, nem a religião, nem os solo que unem os filhos de Israel. (...) se merecem todos o nome de judeu é porque possuem em comum uma situação de judeu, isto é, porque vivem no seio de uma comunidade que os considera judeus. (...) ele se define como aquele que as nações não querem assimilar.
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(...) se a Igreja medieval tolerou os judeus, quando podia assimilá-los à força ou exterminá-los, foi porque preenchiam uma função econômica de primeira necessidade: malditos, exerciam um oficio maldito, porém indispensável; não podendo possuir terras nem servir no exército, praticavam o comércio do dinheiro, que um cristão não podia desenvolver sem se macular.
O judeu é um homem que os outros homens consideram judeu (...) o anti-semita é que faz o judeu.
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(...) para que o democrata infundisse algum calor ao advogar a causa do judeu, seria preciso que fosse também maniqueísta e que considerasse o judeu como o Princípio do Bem.
Assim, o que vale acima de tudo, é a reputação: conquista-se uma reputação, vive-se dela;
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Temos nós consciência de nosso estilo de vida? Na realidade, estamos demasiado apegados a nós mesmos para podermos tomar a nosso próprio respeito um ponto de vista objetivo de testemunha. Não obstante, esta palavrinha “judeu” surgiu um belo dia em sua vida e nunca mais a abandonou.
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Proust, meio judeu, só compreendia Racine pela metade?
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O judeu não pode escolher não ser judeu. Ou melhor, se faz esta escolha, se declara que o judeu não existe, se nega violenta, desesperadamente, em si o caráter judeu, é precisamente nisso que ele é judeu.Pois eu, que não sou judeu, nada tenho a negar, nem a provar, ao passo que, se o judeu decidiu que sua raça não existe de modo algum, compete-lhe prová-lo.
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(...) se há um judeu, este deve ter os caracteres que a malevolência popular lhe atribui e seu esforço dirige-se no sentido de constituir-se em mártir, na acepção própria do termo, isto é, de provar por meio de sua pessoa que não há judeu.
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Conheci uma senhora judia, cujo filho era obrigado, por sua ocupação, a efetuar viagens de negócios à Alemanha nazista. Este filho estampava os caracteres típicos do israelita francês: nariz recurvado, orelhas de abanão etc., mas como alguém se inquietasse com sua sorte, durante uma destas ausências, sua mãe respondeu: “Oh! Estou muito tranqüila, ele não tem de jeito nenhum aspecto judeu.”
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Em face das leis universais e eternas, o próprio homem é universal. Já não há judeus ou poloneses, há homens que vivem na Polônia e outros designados como “de religião judaica” em seus papeis da família; entre eles um acordo é sempre possível, desde que verse sobre o universal.
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O melhor meio de não mais sentir-se judeu é racionar, pois o raciocínio é válido para todos e pode ser refeito ór todos: não há uma maneira judia de fazer matemática; assim o judeu matemático se desencarna e torna-se o homem universal quando raciocina. (...) Por isso o racionalismo, ao auql o judeu adere tão apaisonadamente, é antes de tudo um exervício de ascese e purificação, uma evasão no universal; (...)
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(...) o respeito, a adulação, que a riqueza lhe propor4cionam dirigem-se ao ser anônimo que possui tal poder aquisitivo; ora, é precisamente este anonimato que procura: de forma assaz paradoxal, quer ser rico a fim de passar despercebido.
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(...)não é o caráter judeu que provoca o anti-semitismo, mas, ao invés, é o anti-semita que engendra o judeu.
(...) a comunidade judaica não é nacional, nem internacional, nem religiosa, nem étnica, nem politica; é uma comunicade quase histórica. O que faz o judeu é a sua situação concreta; o que o une a outros judeus ´a identidade de seituação.
SOBRE A QUESTÃO DA ADOÇÃO DE COTAS NAS UNIVERSIDADES
Artigo Igualdade de oportunidade na Unb
Por Timothy Mulholland, vice-reitor
Somos um país que mal consegue colocar 10% de seus jovens na universidade, quando o nível almejado no mundo globalizado é de 30%.
Diante deste quadro de desigualdade de oportunidades, e por considerar que a exclusao dos negros da universidade é uma das formas mais cruéis de racismo, pois impede o exercicio do direito à educação e à formação profissional... [!!!!]
Uma das medidas adotadas pela Unb destina 20% das vagas para concorrência por candidatos negros, para que o corpo discente possa, no médio prazo, ter uma composição racial que se assemelhe mais à da região e do país.
Os efeitos nefastos do racismo tampouco serão eliminados por políticas que focalizem apenas a renda familiar.
Artigo Um mal social – o globo, abril 2004
Por João Feres Júnior, professor do Iuperj
Os candidatos às cotas deverão, além de preencher um formulário especifico, entregar uma foto no ato da inscrição, que será posteriormente analizada por uma comissão para determinar, através do dado visual, seu status racial verdadeiro.
O problema com a autodeclaracao, contudo, é de ordem prática: o candidato poide mentir deliberadamente acerca de sua identidade racial para obter vantagens que lhe seriam negadas caso assim não o fizesse.
[A idéia do autor]Uma vez corrigidas as provas, os aprovados dentro do programa de cotas seriam entrevistados, uma a um, por profissionais (provavelmente psicólogos) munidos de um questionário desenhado para avaliar sua identidade étnica, incluindo aí sua experiência como ogjeto de discriminação racial.
Artigo Racismo sem números – o globo, abril 2004
Por Ali Kamel, jornalista
[Analisando os dados do IBGE relativos à presença nas escolas] chegaremos à conclusão que somos esquizofrênicos: para com crianças de até 14 anos, os brancos seriam tolerantes, permitindo o livre acesso de negros à escola. Mas, assim que completassem 15 anos, os brancos se transformariam em racistas nojentos. Isso faz algum sentido?
[ficou provado que] o que afastava as crianças da escola era a probreza, porque eram copmpelidas a complementar a renmda familiar.
Se a qualidade do ensino melhorar, as universidades estarão cheias de pessoas de todas as cores.
O racismo é visto por bem-intencionados que querem encontrar soluções rápidas para pôr fim a desigualdades produzidas ao longo de séculos, não pelo racismo, mas pela probreza. O único caminho, porem, é investir na educação.
Cotas, facilitando artificialmente o acesso à universidade, criarão mais desigualdade e frustração. O cotista, por definição menos preparado, passará mais tempo na universidade ou dela sairá antes da formatura. E porá a culpa no “racismo” dos brancos. O perigo é transformar a nossa sociedade multicor e tolerante numa sociedade bicolor, com ressentimentos mútuos.
Estatuto que prevê cotas raciais em concursos federais está no Congresso
Empresas privadas serão incentivadas a destinar vagas a negros
O globo – 18 abril 2004
O estatuto também prevê mudanças na contratação de terceirizados. A proposta é que os editais passem a conter clausulas destacando ações afirmativas. Ganharão pontos aquelas que tiverem ações para negros.
O Ópio de Garotinho – Veja de 18 de fevereiro 2004
Por Diogo Mainardi
Na França, na terca-feira, foi aprovada a lei que proíbe a ostentação de seimbolos religiosos nas escolas publicas. No Rio de Janeiro, no mesmo dia, foi anunciada a publicação da lista de aprovados para o cargo de professor de ensino religioso nas escolas estaduais. São 500 professores, divididos salomonicamente: 342 católicos, 132 evangélicos e 26 pertrencentes aos demais credos.
A catequese governamental será financiada por todos os contribuintes, inclusive pelos ateus e agnósticos que rejeitarem o ensino religioso.
O cardfeal Eugênio Sales garantiu que o ensino religioso “coíbe toda sorte de violência”. Menos, é claro, a violencia praticada em nome da religião, responsável pelas piores matanças da historia.
O principio da separação entre Igreja e Estado acaba de ser reafirmado pelos franceses. Em escola publica, a religião não entra. Quer cobrir a cabeça com um véu? Quer pendurar no pescoço um crucifixo? Procure uma escola particular de seu gosto.
NATIONAL GEOGRAPHIC - OUTUBRO 2003
Os valores essenciais para os beduínos:
“O mais importante são os antepassados de uma pessoa, precisamos saber quem eles eram”, disse um dos homens. “Não dá para confiar em alguém que não pertença a nenhuma tribo.”