ANOTAÇÕES DE:

O QUE É A DEMOCRACIA

 

TÍTULO DO ORIGINAL: QU’EST-CE QUE LÁ DÉMOCRATIE?

AUTOR: ALAIN TOURAINE

EDITORA: VOZES - 1994

 

 APRESENTAÇÃO

9

Será que é completa a definição que considerava a burocracia como a autoridade racional-legal, quando as administrações publica e privada controlavam e manipulavam a vida pessoal, ao mesmo tempo que faziam prevalecer seus interesses particulares, acima de seu papel de gestão?

As grandes esperanças revolucionárias transformaram-se em pesadelos totalitários ou em burocracias de Estado.

10

(...) nos limitamos a uma concepção modesta da democracia, definida como um conjunto de garantias para evitar a tomada ou manutenção no poder de determinados dirigentes contra a vontade da maioria.

(...) o Estado nacional dissolve-se no mercado ou, inversamente, transforma-se em um nacionalismo identitário intolerante que chega ao escândalo da purificação étnica e condena as minorias à morte, deportação, violação ou exílio.

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Que conteúdo positivo poderíamos dar a uma idéia democrática que não pode ser reduzida a um conjunto de garantias contra o poder autoritário?

Devemos definir a democracia, não como o triunfo do universal sobre os particularismos, mas como o conjunto das garantias institucionais que permitem combinar a unidade da razão instrumental com a diversidade das memórias, a permuta com a liberdade.

 

PRIMERIA PARTE

AS TRÊS DIMENSÕES DA DEMOCRACIA

19

(...) “um regime é tanto mais democrático, quanto maior for o número de pessoas que participam, direta ou indiretamente, da tomada de decisões” Norberto Bobbio.

20

Essa época dos debates sobre a democracia “social” está encerrada, mas, na ausência de qualquer outro novo conteúdo, a democracia se degrada em liberdade de consumidor ou supermercado político.

21

Já não queremos uma democracia de participação; não podemos nos contentar com uma democracia de deliberação; temos necessidade de uma democracia de libertação.

23

A democracia só é vigorosa na medida em que é alimentada por um desejo de libertação que, de forma permanente, apresenta novas fronteiras, ao mesmo tempo longínquas e próximas, porque se vota contra as formas de autoridade e repressão que atingem a experiência mais pessoal.

25

Para os democratas, o poder do povo significa que deixou de haver trono. O poder do povo significa a capacidade reconhecida ao maior número possível de pessoas para viverem livremente, isto é, construírem sua vida individual através da associação entre o que são e o que pretendem ser, e da resistência ao poder em nome tanto da liberdade quanto da fidelidade a uma herança cultural.

 

No momento em que estou escrevendo , em 1993, o ataque mais violento contra a democracia está  sendo travado pelo regime e pelas forcas armadas servias em nome da purificação étnica e homogeneização cultural da nação...

 

O que se passa na Bósnia demonstra que a democracia não se define pela participação, nem pelo consenso, mas pelo respeito das liberdades e da diversidade.

26

O que define a democracia não é, antes de tudo, o respeito pelos projetos individuais e coletivos, que combinam a afirmação de uma liberdade pessoal com o direito de identificação com uma coletividade social nacional ou religiosa particular.

 

Para ser democrática, a igualdade deve significar o direito de cada um escolher e governar sua própria existência....

 

[Para mim: a democracia perdura quando é praticada, antes de tudo, pelo sistema social. Ela só vingará como sistema político nesta premissa.]

28

Um indivíduo é um sujeito se, em suas condutas, consegue associar o desejo de liberdade com a filiação a uma cultura e o apelo à razão...

 

O individualismo não é um principio suficiente para a construção da democracia.

29

A cultura democrática define-se como um esforço de combinação entre unidade e diversidade, liberdade e integração.

 

A democracia é o regime em que a maioria reconhece os direitos das minorias porque aceita que a maioria de hoje venha a se tornar minoria no dia de amanha e ficar submetida a uma lei que representará interesses diferentes dos seus, mas não lhe recusará o exercício de seus direitos fundamentais.

 

A democracia não reduz o ser humano a ser apenas um cidadão; reconhece-o como um indivíduo livre que também faz para[arte de coletividades econômicas ou culturais.

30

...nas sociedades dependentes,  cuja modernização só pode vir de uma intervenção exterior aos atores sociais, do Estado nacional ou de outra origem, os direitos que são reivindicados são mais comunitários do que individuais e resistem a uma política de modernização imposta, em vez de defenderem liberdades pessoas.

 

O apelo à comunidade destrói a democracia sempre que, em nome de uma cultura, reforça um poder político;...

32

Entre a libertação e as liberdades vagueia o monstro totalitário.

33

Não estamos vivendo em um planeta dividido em dois, mas em uma sociedade mundial dualizada.

 

A realidade histórica é que os países dominantes desenvolveram a democracia liberal, mas também impuseram sua dominação imperialista ou colonialista do mundo e destruíram o meio ambiente em escala planetária.

 

...nas sociedades modernizadas, o sujeito corre o risco de ser dissolvido em uma liberdade reduzida à do consumidor no mercado.

34

...a democracia é o reconhecimento de que os indivíduos e coletividades têm o direito de serem os atores de sua historia e não somente de serem libertados de suas cadeias.

 

...e a liberdade individual e coletiva não pode existir sem a livre escolha dos governantes pelos governados e sem a capacidade que o maior número possível de pessoas tem para participar da criação e transformação das instituições sociais.

 

CAPÍTULO II

DIREITOS DO HOMEM, REPRESENTATIVIDADE, CIDADANIA

36

o Estado de direito conduz em direção a todas as formas de separação entre ordem política ou jurídica e vida social, enquanto a idéia de soberania popular prepara a subordinação da vida política às relações entre os atores sociais.

37

A vida política é feita dessa oposição entre decisões políticas e jurídicas que favorecem os grupos dominantes e o apelo a determinada moral social que defende os interesses dos dominados ou minorias...

 

O que, ainda hoje, opõe um pensamento autoritário a um pensamento democrático é que o primeiro insiste sobre a formalidade das regras jurídicas, enquanto o outro procura descobrir, atrás da formalidade do direito e da linguagem do poder escolhas e conflitos sociais.

38

“...a liberdade conseguida por alguns indivíduos para tomar decisões, quaisquer que sejam seus efeitos sobre o bem comum, deve ser reconhecida a todos os indivíduos” Ronald Dworkin

 

A democracia ...é inseparável de uma teoria e prática do direito.

40

Mas o que é felicidade senão a integração cívica (...)?

O cidadão é diferente do homem privado.

41

(...)a política deixou de se definir como a expressão das necessidades de uma coletividade ou grupo politicamente organizado, para ser considerada como uma ação sobre a sociedade.

(...)no mundo dos Estados não é possível falar de democracia a não ser como de um controle exercido pelos atores sociais sobre o poder político.

 

A sociedade (...) é feita de relações sociais, de atores sociais definidos, simultaneamente, por suas orientações culturais, seus valores e por suas relações de conflito, cooperação ou compromisso com outros atores sociais. (..)a democracia define-se (...) como a penetração do maior número de atores sociais individuais e coletivos, no campo das decisões, de tal modo que “o espaço do poder torna-se um espaço vazio”, afirma Claude Lefort.

42

Toda tentativa para opor a política universalista aos atores sociais particularistas culmina na reivindicação de privilégios e direito de governar feita por uma elite de sábios desligados das preocupações dos trabalhadores comuns, ou na redução do cenário político ao choque de interesses particulares.

43

A democracia existe realmente quando a distância que separa o Estado da vida privada é reconhecida e garantida por instituições políticas e pela lei.

44

(...) é possível conceber uma nação - diferentemente de um povo - sem Estado (...) [!!! E o “povo” judeu?]

 

Que significará a livre escolha dos governantes se os governados não se interessam pelo governo, se não sentem que fazem parte de uma sociedade política, mas somente de uma família, aldeia, categoria profissional, etnia ou confissão religiosa?

 

A idéia de cidadania não se reduz à idéia democrática; pode mesmo se opor a ela quando os cidadãos se tornam nacionais mais do que eleitores, em particular, quando são  convocados para pegar em armas e aceitam a limitação de sua liberdade.

45

cada uma dessas dimensões tende a opor-se às outras, ao mesmo tempo que pode se combinar com elas.

A cidadania exige a integração social, a consciência de filiação não somente a uma sociedade, Estado nacional ou federal, mas também a uma comunidade ligada por uma cultura e história no interior de fronteiras que estão sob a vigilância de inimigos, concorrentes ou aliados;

48

grandes diferenças entre democracia liberal, democracia constitucionalista e democracia conflitual, mas define também o espaço no interior do qual se constróem todos os exemplos históricos de democracia. Esse espaço é definido por aquele que abarca as relações entre os direitos do homem, a representação dos interesses sociais e a cidadania, portanto, relações entre um principio universal, os interesses particulares e um conjunto político. Dimensão moral, dimensão social e dimensão cívica ou política estão estreitamente associados;

49

O que me parece excessivo é transformar a separação dos poderes em um elemento essencial da democracia porque é confundir essa forma de organização dos poderes com a limitação do poder por direitos fundamentais que, realmente, devem ser defendidos por leis constitucionais a serem aplicadas e preservadas por magistrados independentes.

50

(com respeito à revolução iraniana de 1979) movimento social de libertação popular que se transformou em ditadura clerical tão rapidamente quanto o regime surgido na Rússia soviética da revolução de Outubro se transformara em ditadura do partido único. As revoluções transformam movimentos democráticos em regimes antidemocráticos.

 

Que lhe aconteceria se cada poder fosse independente um do outro? A lei tornar-se-ia rapidamente um instrumento de defesa dos interesses mais poderosos se não fosse constantemente transformada e se a jurisprudência não levasse em consideração de forma ampla a evolução da opinião pública.

51

A democracia define-se não pela separação dos poderes, mas pela natureza dos elos entre sociedade civil, sociedade política e Estado.

52

...a intervenção do Estado deve ser apenas um meio a serviço do objetivo principal: aumentar a capacidade de intervenção de cada um sobre sua própria vida.

53

A resposta de John Rawls é que o principio de liberdade deve ter a prioridade sobre qualquer outro, mas deve ser associado a um princípio de igualdade que, por sua vez, comporte duas faces: a igualdade de oportunidades e a obrigação para a liberdade de levar à redução das desigualdades.

 

Com efeito, uma concepção da democracia deve combinar liberdade com igualdade, distinguindo três dimensões da democracia:

·       o respeito pelos direitos fundamentais que é inseparável da liberdade;

·       a cidadania;

·       e a representatividade.

55

Uma teoria da democracia e da justiça deve ser política, como defende Rawls, mas uma teoria da política não deve ficar separada da analise das relações sociais e da ação coletiva que persegue valores culturais através dos conflitos sociais. A democracia estabelece mediações sempre repletas de reivindicações entre um poder, cuja partilha é constantemente desigual, e o recurso ao direito natural que fundamenta a vontade, ao mesmo tempo, de liberdade e de igualdade.

 

CAPÍTULO III

A LIMITAÇÃO DO PODER

58

A limitação do poder político surgiu da aliança entre a idéia de direito natural e a idéia de sociedade civil, concebida, no início, como a sociedade econômica através da qual os atores reivindicavam a liberdade de empreender, permutar e exprimir suas idéias.

59

Portanto, a idéia democrática sofreu uma transformação tão profunda que se inverteu: afirmava a correspondência entre vontade individual e vontade geral, isto é, do Estado; hoje em dia, defende a posição contraria e procura proteger as liberdades dos indivíduos e grupos contra a onipotência do Estado.

60

...o raciocínio de Rousseau pressupunha a referência a um indivíduo isolado, semelhante aos outros, universal; afinal, ao observarmos a realidade social, vemos que esta é formada por grupos de interesses, de categorias e de classes sociais, de modo que a vida política é dominada não pela unidade do Estado, mas pela pluralidade dos grupos sociais.

61

...o Estado mobilizador foi e é o maior adversário da democracia; além disso, os que a defendem - sem ignorar que, por vezes, podemos oportunidade a mediocridade de seus costumes políticos ao heroísmo dos apelos à mobilização popular e nacional - devem afirmar que não há democracia sem liberdade da sociedade e dos atores sociais e sem o reconhecimento por parte do Estado de que seu papel é estar a serviço dessa mesma sociedade e atores sociais.

62

A idéia de democracia se opõe à idéia de revolução porque esta dá todo o poder ao Estado para transformar a sociedade.

63

Esse papel mediador da democracia impede que esta seja definida por um princípio central ou por uma “idéia”, e obriga a compreendê-la como a combinação de vários elementos que definem suas relações com o Estado e a sociedade civil.

64

A democracia não significa o poder do povo, expressão tão confusa que é possível interpreta-la em todos os sentidos e, até mesmo, para legitimar regimes autoritários e repressivos;

 

Um governo nacional ou local que estivesse a serviço direto da opinião pública teria efeitos deploráveis. O Estado é responsável pela defesa do longo contra o curto prazo, assim como pela defesa da memória coletiva, pela proteção das minorias ou pelo encorajamento da criação cultural, mesmo quando esta não corresponda às demandas do grande público.

 

[aqui eu entraria com a idéia de que o principal papel do Estado é garantir uma competitividade justa, seja na economia, seja nas relações de trabalho, seja nas relações sociais]

 

Quase por toda a parte, os grandes partidos populares de massa constituíram ameaças para a democracia, em vez de serem seus defensores.

 

O papel principal do sistema político deve ser a elaboração e modificação da lei para que esta corresponda aos interesses e ao estado da opinião pública.

67

O Estado “faz a guerra”, isto é, responde, antes de tudo, pelo país diante da situação internacional; por seu lado, a sociedade civil é dominada por relações sociais, fatos de conflito, de cooperação ou negociação.

68

O Estado exerce um papel internacional e um papel de defesa da memória coletiva, ao mesmo tempo que de previsão e planejamento a longo prazo. Por si só, nenhuma dessas funções fundamentais exige a democracia.

 

O espaço da democracia é, na realidade, o sistema político. [É ai que eu discordo. Para mim a democracia, como sistema político, só é possível depois dela ser o sistema social]

69

...para que seja possível a conciliação dos objetivos próprios com os objetivos dos outros, é preciso que cada um deles renuncie à sua pretensão ao absoluto, isto é, deixe de ser uma crença e se limite à ser um interesse, gosto ou opinião que não teriam qualquer pretensão a se impor aos outros.  (...) A sociedade ideal é concebida como um mercado, sem excluir a intervenção da lei e do Estado no sentido de fazer respeitar as leis do jogo, a honestidade das transações e a liberdade de expressão e ação de cada um.

 

O pensamento liberal estabelece uma separação tão completa quanto possível entre a subjetividade e a vida pública, e, mais concretamente, entre as demandas pessoais e a razão que deve governar as permutas sociais.

72

A idéia democrática desenvolveu-se em dois níveis (que podem ser ilustrados pela oposição entre cidadãos com direito de voto e cidadãos não-eleitores) foi superado pelo sufrágio universal; este foi introduzido, em primeiro lugar, na Franca, em 1848 ...

 

O pensamento democrático está tão afastado da ideologia liberal quanto da ideologia revolucionária.

 

.... em todas as épocas, admitiram a existência de uma sociedade perfeita - portanto, imóbil, tanto ucrônica como utópica - o que não deixava qualquer espaço para um debate político aberto.

73

.... a liberdade está ameaçada por todas as concepções que identificam o indivíduo com o conjunto natural ou histórico do qual, como se diz, faz parte porque o papel do Estado é, então, libertar uma nação ou classe e, ao mesmo tempo, tornar o indivíduo escravo de tais coletividades ou, até mesmo, da vontade geral tal como foi concebida por Rousseau.

 

Estamos longe da oposição, falsamente clara, entre liberdade negativa e liberdade positiva ou, como dizem os ingleses, freedom from e freedom to. Devemos antes falar de duas libertações, duas liberdades negativas, das quais uma se liberta do Estado e a outra das filiações sociais. É somente então que o apelo ao sujeito desemboca na liberdade e não em um comunitarismo repressivo.

74

A liberdade dos modernos se coloca a serviço do sujeito pessoal, através de um pluralismo social e cultural que pode destrui-lo, mas é também a condição de sua afirmação.

 

A luta democrática mais eficaz é a que se opõe ao fato de que aqueles que possuem a riqueza possuem também o poder. Tal raciocínio se apoia na tese sociológica clássica da diferenciação crescente dos subsistemas sociais nas sociedades modernas, portanto, da decomposição dos sistemas holísticos e do reconhecimento da autonomia das esferas da arte, econômica, religião, etc.

 

CAPÍTULO IV

A REPRESENTATIVIDADE DOS ATORES POLÍTICOS

78

Os elos entre a vida social e a vida política não são somente diretos; passam também por mediadores, associações, clubes, jornais e revistas, grupos intelectuais, que orientam as escolhas políticas e, paralelamente, contribuem para formar a oferta dos partidos políticos em inúmeros setores da vida social.

80

O que se transforma não é a necessária dependência das forças políticas em relação às demandas sociais, mas a natureza destas.

 

O desmoronamento dos socialismos, do comunismo leninista à social-democracia, veio, antes de tudo, da subordinação crescente do movimento operário a um partido, em primeiro lugar, revolucionário e, em seguida transformado no próprio Estado.

82

O que se passa quando os atores políticos não estão submetidos às demandas dos atores sociais e, portanto, perdem sua representatividade?

 

...a sociedade política pode se libertar dos elos estabelecidos com a sociedade civil e, ao mesmo tempo, com o Estado e ter como único objetivo o aumento de seu próprio poder.

83

...é impossível falar seriamente de democracia plebiscitária. [Isto é o que veremos daqui há 50 anos quando se puder ter um eficiente sistema de consulta das opiniões dos cidadãos através da internet]

84

...uma ação coletiva definida pela ruptura com a ordem estabelecida não pode definir um ator social; define uma situação de maneira militar, fala de guerra civil, de crise ou poder arbitrário e, por conseguinte, só está em condições de fazer surgir uma estratégia de tomada do poder cujo objetivo social é criar uma sociedade homogênea de onde seriam excluídos os inimigos e traidores. Definir uma situação e uma ação como revolucionarias só pode conduzir à criação de um poder autoritário.

85

É somente nas sociedades democráticas que se formam movimentos sociais porque a livre escolha política obriga cada ator social a procurar o bem comum ao mesmo tempo que a defesa de interesses particulares. Por esta razão, os maiores movimentos sociais sempre têm utilizado temas universalistas: liberdade, igualdade, direitos do homem, justiça, solidariedade, o que estabelece, de saída, um elo entre ator social e programa político.

 

Com efeito, um movimento social se apoia sempre na libertação de um ator social e não na criação de uma sociedade ideal.....

87

A sociedade é vista como uma espécie de maratona: no centro, um pelotão que corre cada vez mais depressa; na frente, algumas estrelas que atraem a atenção do público; atrás, aqueles que, mal alimentados e mal equipados, vitimas de distensões musculares ou crises cardíacas, estão excluídos da corrida.

92

....hoje, devemos ficar inquietos, com a situação de muitos países tendo em vista a fragilidade dos elos entre atores sociais e agentes políticos. Tal fragilidade refere-se a duas causas principais: ou as demandas sociais são confusas ou pouco agregadas, como é o caso em muitos países que vivem uma passagem acelerada de um tipo de sociedade para outro; ou então o governo e a própria opinião pública estão dominados por um problema não social, mas internacional.

 

A democracia terá possibilidades de se desenvolver plenamente quando os atores sociais e atores políticos estiverem ligados uns aos outros e, portanto, quando a representatividade social dos governantes estiver garantida, com a condição de que essa representatividade esteja associada à limitação dos poderes e à consciência de cidadania. A democracia nunca está reduzida à vitoria de um campo social ou político e, ainda mento, ao triunfo de uma classe.

 

CAPÍTULO V

A CIDADANIA

93

Não há cidadania sem a consciência de filiação a uma coletividade política [eu digo, tribo]... A democracia se apóia na responsabilidade dos cidadãos... Se estes não se sentem responsáveis ... não pode haver representatividade dos dirigentes ou livre escolha destes pelos dirigidos.

[É o que eu chamo de identidades de um ser social]

 

[filiação positiva (ataque) é quando a filiação é no sentido de conquista, de atingir um fim, um objetivo e filiação negativa (defesa) é quando a filiação é no sentido de defender algo conquistado ou de impedir que algo nos seja retirado]

94

A consciência de ser cidadão, surgida durante a Revolução Francesa, estava, antes de tudo, ligada à vontade de abandonar o Antigo Regime e a servidão.

 

...os indivíduos definem-se mais pelo que são do que por sua concepção da vida coletiva.

95

A democracia se apoia na idéia de conflito social, mas é incompatível com a critica radical de toda a sociedade ....

[Substituo conflito social por confronto social na medida em que não há conflito pois a convivência conjunta dos opostos é inevitável. A idéia de confronto procura mostrar que há uma luta por uma luta dos opostos pelo ]

97

Não há democracia branca ou negra, cristã ou islâmica; toda democracia coloca acima das categorias “naturais” da vida social a liberdade da escolha política.

 

A idéia de cidadania proclama a responsabilidade política de cada um e, portanto, defende a organização voluntária da vida social contra as lógicas não políticas, que alguns acham ser “naturais”, do mercado ou do interesse nacional. (...) A cidadania não é a nacionalidade; a segunda designa a filiação a um Estado nacional, enquanto a primeira fundamenta o direito de participar, direta ou indiretamente, na gestão da sociedade. A nacionalidade c ria uma solidariedade dos deveres, enquanto a cidadania dá direitos.

98

...a democracia deve ser sempre social (...) Foi contra o Antigo Regime que, na Franca, se formou o espirito democrático, assim como foi contra a dominação econômica e política da metrópole que as colônias inglesas ou espanholas da América conquistaram sua independência.

 

A democracia só pode ser concebida como a complementaridade da afirmação absoluta dos direitos do homem, segundo o exemplo americano e francês, e da defesa dos interesses particulares legítimos, à maneira inglesa.

99

Eu próprio desejo adquirir uma nacionalidade européia e conservar uma cidadania francesa.

100

O perigo mais atual é o da correspondência imposta entre um Estado, uma sociedade e uma cultura. A cidadania ou a democracia desaparecem quando as minorias são assim destruídas, por vezes, a ferro e fogo. É a razão pela qual a idéia de cidadania é de tal modo indispensável para o pensamento democrático; baseia-se na separação entre sociedade civil e sociedade política; garante os direitos jurídicos e políticos de todos os cidadãos de um pais, seja qual for sua origem social, religiosa, étnica ou outra.

101

De que serve refletir, hoje em dia, sobre a democracia se não for para defende-la contra seus inimigos mais perigosos: por um lado, a obsessão da identidade nacional, étnica ou religiosa, e, por outro, o abandono frouxo às forcas econômicas que modelam o consumo de massa?

 

O tema da cidadania significa a construção livre e voluntária de uma organização social que combina a unidade da lei com a diversidade dos interesses e o respeito pelos direitos fundamentais. Em vez de identificar a sociedade com a nação, (...) a idéia de cidadania fornece um sentido concreto à idéia de democracia: a construção de um espaço propriamente político, nem estatal nem mercantilista.

102

Qual será portanto, a natureza das relações entre

·       limitação do poder do Estado,

·       representatividade dos dirigentes políticos

·       e cidadania?

Antes de tudo, observemos que cada um desses elementos se define, de forma negativa, por sua resistência a uma ameaça; o primeiro resiste a um Estado, muitas vezes, autoritário ou totalitário; o segundo resiste à redução da sociedade e a um conjunto de mercados; o terceiro se opõe à obsessão da identidade comunitária.

 

A democracia só existe pela combinação de princípios diversificados e, em parte, opostos, ...

 

A democracia é mais um processo do que uma idéia. [“in my humble opinion”, democracia é o processo natural das forças do universo, de todos os universos]

103

O espirito democrático forma uma consciência coletiva, enquanto os regimes autoritários se apoiam na identificação de cada pessoa com um líder, símbolo ou ser social coletivo em particular, com a nação.

 

Toda democracia comporta três mecanismos institucionais principais. (...) O terceiro combina representação com cidadania, o que é a função principal das eleições parlamentares livres.. Portanto, podemos falar de um sistema democrático cujos elementos constitucionais, legais e parlamentares colocam em ação os três princípios:

·       limitação do Estado em nome dos direitos fundamentais

·       representatividade social dos atores políticos

·       e cidadania

104

Quando desconfia das desordens e pressões que acompanham a progressão das demandas sociais, ela se transforma rapidamente em mecanismo de reforço das dominações estabelecidas; inversamente, quando as demandas sociais transbordam os mecanismos institucionais de negociação e as leis, o autoritarismo está próximo.

105

...a liberdade não teria efeitos se não produzisse uma sociedade diversificada, múltipla, permeada por relações, compromissos ou consenso. (...) A divisa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” (...) coloca em evidencia que, sendo realmente um tipo de sistema político e não um tipo geral de sociedade, a democracia define-se não somente por determinadas instituições em odos de funcionamento, mas pelas relações que estabelece entre :

·       os indivíduos,

·       a organização social

·       e o poder político.

 

SEGUNDA PARTE

HISTÓRIA DO ESPIRITO DEMOCRÁTICO MODERNO

CAPÍTULO 1

REPUBLICANOS E LIBERAIS

113

(...)é através da participação na obra comum do corpo social que o indivíduo se forma, domina suas paixões e interesses, torna-se capaz de agir racionalmente.

114

A liberdade só se adquire na descoberta e respeito pela verdade.

115

O apelo à vontade geral e o apelo à razão não se completam, mas constituem uma única e mesma afirmação, a saber: a razão é o que é próprio do homem. (...) O espirito republicano não substitui a autoridade da tradição pela autoridade do debate publico, mas pela autoridade da verdade, portanto, da ciência.

116

A revolução torna possível a democracia ao mesmo tempo que favorece a tomada do poder por um déspota esclarecido - indivíduo, príncipe ou partido.

118

“Um partido é um grupo cujos membros têm como objetivo agir em harmonia na luta competitiva pelo poder político”. Schumpeter em Capitalismo, Socialismo e Democracia.

120

“Aprecio intelectualmente as instituições democráticas, mas sou aristocrata por instinto, isto é, desprezo e temo a multidão. Gosto com toda a paixão da liberdade, da legalidade e do respeito pelos diretos, mas não da democracia, eis o fundo da questão”. Antoine Redier.

 

Para Tocqueville a democracia define um estado da sociedade e não um regime político.

121

Após o esgotamento dramático das ideologias baseadas na luta de classes ou de libertação nacional, não será que estamos vendo as idéias de justiça, integração social ou, até mesmo, fraternidade voltarem a ganhar importância no pensamento político?

122

“Presumindo-se que o homem tenha recebido da natureza as luzes necessárias para se orientar, traz, ao nascer, um direito igual e imprescritível para levar uma vida independente de seus semelhantes em tudo o que se refere a si mesmo e determinar como entender seu próprio destino”. Tocqueville.

 

Utilitaristas como liberais não opõem o interesse individual à integração social; consideram o primeiro como o meio mais seguro de chegar à segunda.

123

...como será possível combinar a liberdade individual com uma integração social sempre ameaçada pela desigualdade?

124

Será que a proteção da liberdade pode ser confiada inteiramente à consciência moral e ao espirito cívico das classes esclarecidas?

 

 

CAPÍTULO II

A ABERTURA DO ESPAÇO PÚBLICO

126

a natureza tanto dos direitos pessoais que limitam o poder do Estado, quanto da cidadania.

128

Uma política de classe só é democratizante se estiver associada ao reconhecimento dos diretos fundamentais que limitam o poder do Estado e à defesa da cidadania, isto é, do direito de filiação a uma coletividade política que assumiu o poder de fazer e modificar suas leis. Uma vez mais, a democracia define-se pela interdependência de três princípios: limitação do poder, representatividade e cidadania, e não pelo domínio de um deles.

131

As forças armadas revolucionárias do povo, do tipo khmers vermelhos ou Sendero luninoso, são as formas mais radicais de ruptura entre ação política e atores sociais; com efeito, estes não têm direito a uma existência autônoma e são reduzidos a serem apenas recursos utilizados pelos dirigentes político militares.

132

Quanto mais uma sociedade é complexa, maior é o número de grupos de interesses e torna-se tanto mais indispensável que suas demandas sejam agregadas por agentes que garantam a ligação entre sociedade civil e sociedade política. É quase impossível conceber uma democracia sem partidos, que seria governada por maiorias com idéias constantemente mutáveis. A experiência de alguns países, como a Franca, onde a ação dos sindicatos se enfraqueceu bastante, mostra a dificuldade de administrar determinadas  mudanças econômicas e internacionais importantes quando o Estado não tem a possibilidade de negociar as respectivas conseqüências com parceiros sociais fracos, tanto do lado das empresas, quanto do lado dos assalariados.

133

“A propriedade natural de todo poder é se concentrar, como se fosse a lei de gravitação da ordem social. No entanto, é preciso que a minoria dirigente seja contestada. Na democracia, a função das massas não é governar, mas intimidar os governos.” Ostrogorski.

Um regime autoritário pode se contentar em esmagar e reduzir ao silencio a sociedade; pelo contrario, o Estado totalitário deve leva-la a falar, mobiliza-la e excita-la; identifica-se com ela, exigindo-lhe que se identifique com ele. No sentido estrito, não há Estado ou sociedade totalitários porque, em um regime totalitário,  Estado, sociedade política e sociedade civil estão confundidos em um partido ou aparelho de poder onipotente.

141

...a longo prazo, desenvolvimento e democracia são inseparáveis e o totalitarismo é um obstáculo intransponível para a formação de um desenvolvimento auto-sustentado já que impede a formação de atores econômicos e culturais independentes e, portanto, suscetíveis de promover inovações.

142

Hannah Arendet define o totalitarismo pela dissolução das classes e o triunfo das massas. “A queda dos muros protetores das classes transforma as maiorias que estavam adormecidas ao abrigo de todos os partidos em uma única grande massa informe de indivíduos furiosos”.

 

A ideologia racista do nazismo é a “inversão” - para retomar o termo de Michel Wieviorka - do nacionalismo alemão exacerbado e ferido pela derrota de 1918, da mesma forma que o regime totalitário de Fidel Castro se apoiou no nacionalismo antiimperialista inspirado em Marti, e os regimes comunistas transformaram a vontade de libertação social e nacional em aparelho de dominação totalitária. Não são as massas atomizadas e desenraizadas das grandes empresas e grandes cidades que formaram a massa de mão-de-obra do nazismo; pelo contrario, são as categorias tradicionais e nacionalistas que, sentindo-se ameaçadas pela crise econômica e política, transformaram um nacionalismo defensivo em participação dependente de um movimento populista, nacionalista e racista ....

145

...as categorias de intervenção estatal tomam cada vez mais o lugar do vivido; somos o que o Estado nos faz ser com suas medidas de assistência ou controle. Tal situação é bem visível nos setores da educação, saúde e ajuda social. Nossa identidade já não é uma simples referência demográfica: sexo, idade, lugar e data de nascimento, profissão; pelo contrario, é construída por categorias administrativas que se transformaram em previsões de comportamento. A área da educação, o tipo de financiamento da habitação, talvez até mesmo os centros de saúde no qual somos atendidos, são outros tantos indicadores do nível social. (...) Será que tal desindividualização constitui uma ameaça para a democracia? Será que a identidade pessoal e a experiência vivida estão ameaçadas pelas classificações associadas à intervenção de administrações estatais, econômicas ou cientificas?

146

Será que a escolaridade e a vacinação obrigatórias vão contra a liberdade individual?(...)na França, a renda indireta passou, em poucos anos, da quarta à terça parte da renda dos casais e tal proporção ainda seria mais elevada se contabilizássemos as subvenções públicas para o ensino. O que pode ser inquietante não é, portanto, a ação do Estado-providência em si mesma, mas, por um lado, a heteronomização dos assistidos e, por outro, a ineficácia das medidas de redistribuição.

A segunda ordem de críticas é menos forte. É verdade que a gratuidade do ensino tem efeitos de desigualdade já que, por exemplo, na França, os estudantes das principais grandes escolas recebem um salário como futuros funcionários, sendo que a maioria deles são oriundos de famílias abastadas.

147

A melhor resposta à questão formulada sobre o sentido das intervenções sociais do Estado é, portanto, que se deve preferir a afirmação de direitos e a busca de soluções globais à aplicação de medidas setoriais.

148

Os países mais intensamente atingidos pelo desemprego consideram, muitas vezes, esse fenômeno como uma fatalidade ou o efeito de uma conjuntura internacional; ora, o país em questão - e, sobretudo, seus cidadãos - não têm como reverter tal situação.

149

Não é o mundo vivido que deve ser protegido e estimulado, mas a capacidade de ação das categorias dominadas e excluídas. (...)Nos países onde as liberdades fundamentais são respeitadas, a sorte da democracia depende, antes de tudo, da reorganização da vida política pela formação de novos movimentos sociais e pela renovação da analise social e política.

150

Em vez de criticas contra o Estado-providência, temos necessidade de conceber novas formas de produção e novos conflitos sociais para voltar a dar às políticas sociais um papel reformador, pela redução das desigualdades e pela proteção da segurança e da liberdade do maior número possível de pessoas.

156

A cultura democrática é a concepção do ser humano que opõe a resistência mais sólida a qualquer tentativa de poder absoluto - até mesmo validado por uma eleição - e, ao mesmo tempo, suscita a vontade de criar e preservar as condições institucionais da liberdade pessoal.

 


TERCEIRA PARTE

A CULTURA DEMOCRÁTICA

CAPÍTULO I

A POLÍTICA DO SUJEITO

164

As igrejas, assim como os partidos revolucionários, consideram-se como os representantes da verdade, encarregados de fazê-la respeitar, como um mestre-escola que castiga os contra-sensos gramaticais e as equações falsas. Igrejas e partidos estão, assim, comprometidos com uma resistência de principio à liberdade democrática. (...) Nunca conseguiremos passar de uma sociedade da submissão para uma sociedade da liberdade, mas em todas as sociedades sempre hão de se enfrentar e também se combinar o espirito do determinismo com o espirito da liberdade.

165

Para ser democrático, um sistema político deve reconhecer a existência de conflitos de valores insuperáveis e, portanto, não aceitar qualquer principio central de organização das sociedades, nem a racionalidade ou a especificidade cultural. (...) Se a pluralidade dos interesses pudesse ser resolvida e culminar em uma gestão racional da divisão do trabalho e dos interesses, a democracia não seria realmente necessária.

 

A democracia é necessária porque é difícil essa combinação dos fatores de unificação com fatores de diversificação; nos países onde existem conflitos de interesses ou valores deve ser organizado um espaço de debates e deliberações políticas.

166

John Rawls reorganiza toda a sua reflexão em volta desta interrogação central: como será possível organizar uma cooperação duradoura, em uma sociedade justa, entre indivíduos e grupos que têm convicções e crenças irredutíveis umas em relação às outras?

169

A razão de ser da democracia, tal como a concebo, é fornecer as condições institucionais indispensáveis para a ação do sujeito pessoal. É somente pelo ator, individual ou coletivo, que poderá se operar a combinação do universal com o particular, do instrumental com a convicção, como já afirmei a propósito da figura emblemática do imigrante.

170

John Rawls se perguntou como é que a unidade da sociedade política poderia se combinar com a pluralidade das convicções e crenças.

 

Será que uma sociedade justa e eqüitativa tem a capacidade de se regular? Será que a combinação entre liberdade e igualdade produz idéias e instituições capazes de modelar as praticas sociais?

171

A oposição, que perpassa por todo este livro, entre a democracia republicana baseada na cidadania e igualdade, e uma democracia pluralista baseada na diversidade cultural e liberdade, é insuperável. (...) A justiça não fornece a síntese entre liberdade e igualdade.

O sujeito não é a consciência de si e, ainda menos, a identificação do indivíduo com um principio universal, como a razão ou Deus. Trata-se de um trabalho nunca terminado, nunca completamente realizado, para unir o que tende a se separar.

...a idéia de sujeito combina três elementos cuja presença é igualmente indispensável. O primeiro é a resistência à dominação, tal como acaba de ser evocada; o segundo é o amor de si pelo qual o indivíduo estabelece sua liberdade como a condição principal de sua felicidade e como um objetivo central; o terceiro é o reconhecimento dos outros como sujeitos e o conseqüente apoio às regras políticas e jurídicas que proporcionam ao maior número possível de pessoas o máximo de oportunidades de viver como sujeitos.

173...o indivíduo não é um sujeito por decisão divina, mas pelo seu esforço para se libertar das imposições e regras e organizar sua experiência. (...) A democracia define-se, antes de tudo, como um espaço institucional que protege os esforços do indivíduo ou grupo para se formarem e se fazerem reconhecer como sujeitos.

174

...o sujeito não se reduz à razão. Só consegue se definir e se apreender a si mesmo em sua luta contra a lógica do mercado ou dos aparelhos técnicos; é liberdade e libertação ainda mais profundamente do que conhecimento. Ao mesmo tempo, ele faz parte de identidades coletivas e é também desligamento e libertação. O sujeito é, simultaneamente, razão, liberdade e memória.

175

A idéia democrática impõe o reconhecimento do pluralismo cultural ainda mais do que o pluralismo social.

178

Uma sociedade livre só se constrói com seres livres.

181

Segundo Rawls, a liberdade e a igualdade só são verdadeiramente compatíveis porque a diferenciação e a integração da sociedade são complementares; e tal fenômeno acontece porque a sociedade é um sistema de trocas que não seriam possíveis se cada elemento do sistema não se definisse, simultaneamente, através de uma função social e de determinados objetivos particulares, e se os atores não interiorizassem valores e normas, enquanto perseguem racionalmente sus interesses.

183

Como foi mostrado , em particular, por Michel Maffesoli, nos espaços onde, com receio, se presumia que se formasse uma sociedade atomizada [diminuída] e anômica [sem leis], impelindo o individualismo até o isolamento e ausência total de qualquer controle social, aparecem “tribos”. A sociedade fragmenta-se e os atores já não se definem através de objetivos econômicos e relações sociais, mas através de sua herança cultural e seus grupos de filiação. As comunidades reformam-se em cima das ruínas da sociedade e, sobretudo, da ordem política.

184

...como será possível impedir ou limitar tal fragmentação da sociedade ....?Existe uma única resposta para essa questão: é preciso redescobrir, atrás do consumo, relações sociais, portanto, relações de poder.

...certas críticas extremas denunciavam a manipulação dos espíritos e a presença de uma propaganda dissimulada, até mesmo nos programas de variedades.  Foi assim que pudemos ler um livro surpreendente que acusava o Pato Donald de ser um agente do imperialismo americano; tal acusação poderia ter sido feita contra as fabulas de La Fontaine ou de Florian....

185

Os estudos sobre a televisão mostram que o público não é uma massa que recebe um programa, mas um conjunto de indivíduos ou categorias que se servem de imagens e textos para construir representações e atitudes que vão do puro consumo à reação ativa ou à participação crítica.

186

Não há democracia sem luta contra um poder.

O desenvolvimento do mercado tem efeitos bastante positivos porque permite a satisfação de demandas diversificadas e mutáveis e, ao mesmo tempo, porque limita o poder de um Estado sempre inclinado a controlar o conjunto da vida social. A sociedade de consumo, porém, não passa de uma representação, uma construção particular da vida social, que dá a prioridade à produção e consumo de bens materiais em relação às formas de organização social, às políticas e investimentos, através dos quais são postos em ação os principais recursos sociais.

 


CAPÍTULO II

A RECOMPOSIÇÃO DO MUNDO

188

Os que se afirmavam porta-bandeiras das Luzes lançavam na obscuridade política, ou seja, na situação de cidadãos privados do direito de voto, todos os que lhes pareciam incapazes de se governarem a si mesmos porque eram escravos da necessidade, de sua comunidade ou suas paixões. Pelo contrario, a democracia apenas será possível quando cada um vier a reconhecer no outro, como em si mesmo, uma combinação de universalismo com particularismo.

[na verdade, entre a necessidade de se identificar com a necessidade de se diferenciar]

189

Estamos avançando para uma situação em que atores culturais diferentes hão de participar da utilização e gestão das mesmas técnicas instrumentais e em que, paralelamente, será cada vez mais abertamente recusada a idéia do one best way. (...) Edgar Morin mostrou o quanto as concepções atuais dos próprios cientista - ao combinarem integração com diferenciação - são mais compatíveis com uma representação plural da vida social do que as formas antigas do racionalismo.

190

A globalização triunfante é acompanhada por uma segmentação acelerada. Por toda a parte, as identidades que se sentem ameaçadas fecham-se sobre si mesmas; além disso, as formas mais comunitárias de nacionalismo e de vida religiosa armam barricadas para resistir à invasão das tecnologias e formas de consumo vindas do centro hegemônico (...)

191

No entanto, não basta afirmar a necessidade de combinar o universal com o particular, a racionalidade com as culturas. Devemos indicar com precisão como essa combinação se opera e como é possível reconhecer a diferença entre uns e outros, mantendo ao mesmo tempo a unidade da lei e da racionalidade cientifica e técnica.

 

A sociedade moderna define-se pela separação crescente entre racionalização e afirmação do sujeito, isto é, criatividade do ator social que designei por subjetivação. O sujeito afirma-se através de duas maneiras complementares e opostas. Por um lado, é liberdade, derrubada de determinismos sociais e criação pessoal e coletiva da sociedade; por outro, é resistência do ser natural e cultural ao poder que dirige a racionalização.

192

Desde o inicio da industrialização acelerada, viu-se surgir a consciência histórica, a busca das raízes e origens, ao mesmo tempo que a liberdade política e o individualismo.

193

A modernidade foi autoritária e repressiva. Uma elite dirigente tomou o poder, afirmando-se racionalista: por vezes, tratou-se da burguesia; outras vezes, da corte de um príncipe; mais recentemente, do comitê central de um partido político. (...) aprendemos, simultaneamente, o seguinte: é com o antigo que se faz o novo e com a liberdade que se cria organização e eficácia.

Assim, a uma cultura da ruptura sucede-se uma cultura da complementaridade e da convergência e, após uma cultura política revolucionária, aparece uma cultura democrática.

194

Na medida em que procura aumentar sua própria diversidade, uma sociedade democrática reconhece o trabalho do sujeito, até mesmo nos aspectos em que os outros vêem apenas transgressão de normas. Tomemos como exemplo o discurso insistente que faz do consumo de drogas um ato criminoso punido pela lei. Não vou discutir aqui a utilidade da repressão organizada contra o trafico de drogas; mas deve-se considerar como uma ameaça para a democracia a redução dos problemas da personalidade à delinqüência, como se o consumo de droga fosse apenas o efeito produzido pelo narcotráfico.

 

É preferível atenuar a carga que esmaga os mais desprovidos, em vez de proteger ainda mais os que são favorecidos e se sentem ameaçados.

195

A conduta a adotar em relação aos imigrantes é, em muitas sociedades, um dos debates mais inspirados pela paixão. Não é possível qualificar democráticas as posições liberais que convidam os imigrantes a assimilarem uma cultura e se integrarem em uma sociedade que, por sua vez, estão identificadas com valores universais. Passem do mundo fechado em que vocês vivem - é o que lhes é dito - para nosso mundo aberto.

 

Um imigrante só consegue ser integrado quando é aceito como tal, quando sua diferença é reconhecida como um enriquecimento para a sociedade.

196

O elo com o meio de origem - em particular, com a família - é importante para resistir aos obstáculos e pressões que se apresentam àquele que deve se deslocar no solo movediço de uma mudança, simultaneamente, coletiva e pessoal. (...) A integração técnico-econômica e a exposição à cultura de massa podem implicar rupturas psicológicas e sociais se não forem completadas pelo apoio dado por um meio cultural próximo e pela preservação de elementos essenciais à estima de si - a essa imagem de si sem a qual fica enfraquecida a capacidade de formar projetos e tomar iniciativas.

199

Devemos dar à educação dois objetivos de igual importância: por um lado, a formação da razão e da capacidade de ação racional; por outro, o desenvolvimento da criatividade pessoal e do reconhecimento do outro como sujeito.

 

O professor é um agente da razão; é também um modelo que ajuda a criança ou jovem a constituir sua própria identidade, como é feito pelo pai ou mãe; enfim, é um mediador que ensina a um a compreender o outro.

201

De que serve a escola se não é capaz de fazer com que rapazes e moças formados em meios sociais e culturas diferentes venham a compartilhar o espirito nacional, a tolerância e o desejo de liberdade?

 

...o preço da liberdade não pode ser a renuncia à identidade.

202

É preciso que alguém se integre a alguma coisa, a um conjunto de pessoas e técnicas; mas como seria possível a existência desse alguém se não dispusesse de um espaço privado, justamente, constituído ou protegido pela família, ou grupo nacional étnico ou religioso?

203

A cultura democrática está associada à modernidade porque esta se baseia na eliminação de qualquer princípio central de unificação da sociedade no desaparecimento do Uno.

205

O papel das instituições sociais é encorajar, em conjunto, duas ordens de condutas: a ação pessoal livre e o reconhecimento do outro, quer este esteja próximo ou distante, no espaço ou no tempo. Tais são os dois princípios fundamentais e complementares da cultura democrática.

208

Os homens já não têm confiança em sua capacidade de fazer a história e se retraem em seus desejos, sua identidade ou em sonhos de sociedade utópica. Ora, a democracia só existe quando o maior número possível de pessoas tem vontade de exercer o poder, pelo menos indiretamente, de se fazer ouvir e ser parte integrante das decisões que afetam suas vidas. (...) Se a democracia pressupõe o reconhecimento do outro como sujeito, cabe à cultura democrática reconhecer as instituições políticas como espaço principal desse reconhecimento do outro.

 

QUARTA PARTE

DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO

CAPÍTULO I

MODERNIZAÇÃO OU DESENVOLVIMENTO?

211

Ao retirar do Estado o controle direto da economia, ao estabelecer a separação entre poder político e poder econômico, não será que estamos prejudicando o Estado absoluto e permitindo, assim, que o debate político tenha condições de se desenvolver livremente?

212

...não há democracia sem economia de mercado, mas existem muitos países que praticam a economia de mercado que não são democráticos. A economia de mercado é uma condição necessária, mas não suficiente para a existência da democracia.

213

o desenvolvimento auto comporta três condições principais: abundância e boa escolha dos investimentos, difusão em toda a sociedade dos produtos do crescimento, e regulação política e administrativa das  mudanças econômicas e sociais no plano nacional ou regional considerado.

 

....o desenvolvimento, assim como a democracia, é um processo sempre desequilibrado, aberto, repleto de assincronias, conflitos e até mesmo rupturas entre seus três componentes.

214

O desenvolvimento  não é a causa, mas a conseqüência da democracia.

222

...os modelos soviético e nacionalista conservaram a idéia de que o desenvolvimento era obra de uma elite dirigente que tomava à sua conta os interesses da sociedade e se reservava o monopólio do poder, ao mesmo tempo que os privilégios. A crítica feita aqui contra a concepção liberal da modernização não visa, portanto, de modo algum o retorno a uma concepção estatal e voluntarista do desenvolvimento...

223

...uma parte dos cidadãos soçobra na apatia ou se fecha na proteção de seus interesses imediatos, enquanto uma outra parte coloca a confiança em um líder que, segundo a analise clássica de Freud, estabelece um elo pessoal direto com cada membro da multidão desestruturada; além disso, determinadas minorias se revoltam e se retiram da vida pública.

224

Uma crise produz mais apatia, conformismo, entusiasmo a serviço de um salvador do que uma participação ativa e reforço do debate político. Do caos não sai o povo fênix, não se libertam as forcas profundas da sociedade.

225

Não é a democracia que produz a crise de onde sai um regime autoritário e nada autoriza a chamar democracia a desorganização do sistema político invadido pelos grupos de interesses, partidos ou corrupção. Pelo contrario, a crise surge da impotência do sistema político em administrar  mudanças difíceis ou servir de arbitro entre demandas sociais concorrentes; além disso, os regimes autoritários entram mais facilmente em crise do que os regimes democráticos.

 

CAPÍTULO II

FAZER O NOVO COM O VELHO

228

Como será possível falar de democracia se pensarmos que uma grande parte do mundo deve renunciar à sua cultura e identidade, para chegar à via única do progresso? Haverá pior negação da liberdade democrática do que a condenação da maioria dos seres humanos a não terem possibilidade de ser os sujeitos de sua própria história? (...) A vontade de ruptura entre o passado e o presente, antigo regime e pos-revolução, traz em seu bojo um pensamento e ação autoritários. Se a democracia consiste em fazer viver, na mesma nação, indivíduos e grupos diferentes (e, até mesmo, opostos uns aos outros), ou combinar unidade com diversidade, ela deve alvar, obrigatoriamente, a maior parte possível do passado, digamos mesmo da tradição, para inventar um futuro que seja, simultaneamente, particular e único, construído em volta dos princípios universais que são a racionalidade e o respeito pela liberdade e igualdade em direito dos sujeitos humanos.

230

De fato, os dominados estão divididos: uns esperam elevar-se acima da marginalidade e ter acesso ao círculo de luz, participar ativamente da cultura de massa ou entrar no corpo da batalha econômica; outros, pelo contrário, lutam para defender integralmente uma cultura ameaçada.

236

É sempre difícil estabelecer a separação entre espirito democrático e ação revolucionária porque todo movimento social traz em seu bojo um contramovimento social.

 

CAPÍTULO III

DEMOCRATIZAÇÃO NO LESTE E NO SUL?

241

Para que se crie uma sociedade, simultaneamente, desenvolvida e democrática, portanto, para que se coloque em ação um desenvolvimento autoritarismo-sustentado, é preciso que, a essa condição negativa, se acrescentem, pelo menos, três condições positivas:

·       um Estado capaz de tomar decisões

·       dirigentes econômicos com desejo de investir e empreender;

·       e agentes políticos encarregados da redistribuição da renda e da diminuição das desigualdades.

244

....para a maioria da população, teve [mudanças no leste europeu] o aspecto mais de um cataclismo do que de uma libertação.

248

Enfim, o Brasil, país onde o modelo bismarckiano tinha dado bons resultados, hesita em sair de seu nacionalismo e encontra-se paralisado pelo populismo conservador de um Estado que substituiu a redistribuição dos anos felizes pela corrupção dos anos difíceis.

249

É provavelmente no Brasil, país onde os atores sociais estão mais bem constituídos, que esse movimento se consolidará com maior vigor, uma vez que o país tiver saído de uma crise política e financeira, ligada à manutenção parcial do antigo papel do Estado.

252

Portanto, é preciso moderar o entusiasmo dos que vêem na queda dos regimes comunistas,  das ditaduras militares ou de determinados regimes nacionalistas, mais ou menos autoritários, o triunfo da democracia. A ausência de regime autoritário não é a democracia.

 

CONCLUSÃO

253

O longo caminho percorrido por este livro merece ser acompanhado com o olhar. Partiu de uma inspiração liberal, de uma adesão quase espontânea a uma concepção modesta da democracia, ou seja, da liberdade “negativa”, definida como um conjunto de garantias contra o arbitrário político.

[liberdade positiva é definida pela capacidade do indivíduo ser um ator social pleno, modificando seu ambiente no qual venha a sentir-se como criador livre]

 

254

...o caminho da democracia está tão afastado da via da revolução, quanto da via das ditaduras.

Se a democracia não passa de um sistema de garantias institucionais, quem a defenderá quando estiver ameaçada? (...) a democracia é o regime que reconhece os indivíduos e as coletividades como sujeitos, isto é, os protege e encoraja em sua vontade de “viver sua vida” e dar unidade e sentido à sua experiência vivida.  (...) A democracia é a subordinação da organização social e, em particular, do poder político, a um objetivo que não é social, mas moral: a libertação de cada um.

255

a história da liberdade no mundo moderno é a de uma associação cada vez mais estreita entre o universalismo dos direitos dos seres humanos e a particularidade das situações e relações sociais nas quais esses direitos devem ser defendidos. Tal associação só poderá ser realizada pelos próprios atores e não através do sonho de uma sociedade ideal. As utopias submetem a realidade social a um principio único que, muitas vezes, foi o triunfo da razão. Pelo contrario, a democracia é, por natureza, antiutópica já que consiste em dar a ultima palavra à maioria, por definição, mutável, para escolher uma combinação - sempre modificável - de exigências ou princípios opostos, como são a liberdade e a igualdade, o universal e o particular.

258

Atualmente o mundo está dividido entre o universo globalizado do mercado e o universo segmentado das identidades nacionais, religiosas ou culturais.

260

Será que devemos aceitar como um fato inelutável essa reviravolta de conjuntura que significa, para uns, a perda de toda esperança e, para os outros, uma confiança extrema em sua competitividade?  (...) Devemos voltar a encontrar uma consciência política, a convicção de que podemos ser atores de nossa história e não somente os ganhadores ou perdedores das batalhas travadas no mercado internacional.

 

Este libro propõe uma resposta: a razão de ser da democracia é o reconhecimento do outro. Ficamos devendo a Charles Taylor a formulação mais firme do que deve ser essa Politics of Recognition. Essa palavra, porém, deve ser explicada: reconhecer a diferença do outro não serve de fundamento à democracia, quando muito à tolerância, já que o outro e eu próprio, ao sermos definidos unicamente pela nossa diferença, não fazemos parte do mesmo conjunto social.

261

A comunicação não é o simples reconhecimento do outro, de sua cultura, seus valores morais ou sua experiência estética, mas o diálogo com aquele ou aquela que organiza de forma diferente de mim a combinação dos elementos cuja interdependência define a condição e ação humanas. É o reconhecimento do outro como trazendo uma resposta particular, diferente da minha, a interrogações comuns.

264

Quando são desferidos golpes contra os direitos das minorias, os protestos são inconsistente, como é o caso da Bósnia no momento em que a população é massacrada, deportada e violada. Será que se pode falar de democracia viva nos países em que não se manifesta a indignação diante do desprezo pelos direitos humanos?

Uma sociedade não é naturalmente democrática, mas torna-se democrática se a lei e os costumes vierem a corrigir a desigualdade dos recursos e sua concentração, e permitir a comunicação, enquanto o mercado cria distancias e impõe modelos dominantes. [aqui minha discordância básica]

265

[uma tendência que o Autor observa quanto à Europa é que ] As instituições democráticas serão cada vez mais “vulneráveis” e a representação será cada vez mais direta.

269

Entre a confiança cega nos mercados e o fanatismo comunitário, devemos defender a liberdade política e a democracia, e coloca-las a serviço de um pluralismo cultural e político que deve ser combinado com a unidade da cidadania, da lei e da ação racional. A democracia perdeu a capacidade para se compreender e se defender; deve encontra-la de novo para impedir que o mundo venha a soçobrar em uma guerra civil planetária entre identidades obsessivas e mercados que destróem a diversidade das culturas e os espaços de escolha política.

A democracia deve ser uma idéia nova. Não existe sem o respeito pela liberdade negativa, sem a capacidade para resistir a um poder autoritário; mas não pode ser reduzida a essa ação defensiva. A uma distancia equivalente de um diferencialismo comunitário agressivo e de um liberalismo a-político indiferente às desigualdades e exclusões, a cultura democrática é o meio político para recompor o mundo e a personalidade de cada um, encorajando o encontro e integração de culturas diferentes para permitir que todos nós possamos viver o máximo possível da experiência humana.

 


[Ao final desta leitura, encontro minha definição para democracia:

Democracia é o sistema, primeiro social depois político, alicerçado no princípio natural da diversidade humana, que garante aos indivíduos se realizarem plenamente em todas as suas identidades - pessoal, familiar, profissional, política, religiosa, étnica etc.

]

[e que...

Só é possível conhecer o interesse coletivo (ou da maioria) depois de se conhecer os interesses individuais (ou da minoria).

]

 

Viva a diferença!

Tem Sempre Pato Novo

Caos x ordem. Confronto.

Pulsar dos Universos

O coletivo é a soma das individualidades.

PULSAR DOS UNIVERSOS - HARMONIA DOS OPOSTOS

 


SÍNTESE DE O QUE É A DEMOCRACIA

de ALAIN TOURAINE

 

1.   As grandes esperanças revolucionárias transformaram-se em pesadelos totalitários ou em burocracias de Estado.

2.   As revoluções transformam movimentos democráticos em regimes antidemocráticos.

3.   A idéia de democracia se opõe à idéia de revolução porque esta dá todo o poder ao Estado para transformar a sociedade.

4.   Quase por toda a parte, os grandes partidos populares de massa constituíram ameaças para a democracia, em vez de serem seus defensores.

5.   (...) o Estado nacional dissolve-se no mercado ou, inversamente, transforma-se em um nacionalismo identitário intolerante que chega ao escândalo da purificação étnica e condena as minorias à morte, deportação, violação ou exílio.

6.   No momento em que estou escrevendo , em 1993, o ataque mais violento contra a democracia está  sendo travado pelo regime e pelas forças armadas sérvias em nome da purificação étnica e homogeneização cultural da nação...

7.   A democracia se define pelo respeito das liberdades e da diversidade.

8.   Para ser democrática, a igualdade deve significar o direito de cada um escolher e governar sua própria existência....

9.   O individualismo não é um principio suficiente para a construção da democracia.

10.A democracia é o regime em que a maioria reconhece os direitos das minorias.

11.Entre a libertação e as liberdades vagueia o monstro totalitário.

12....nas sociedades modernizadas, o sujeito corre o risco de ser dissolvido em uma liberdade reduzida à do consumidor no mercado.

13.A democracia ...é inseparável de uma teoria e prática do direito.

14.Mas o que é felicidade senão a integração cívica (...)?

15.A democracia existe realmente quando a distância que separa o Estado da vida privada é reconhecida e garantida por instituições políticas e pela lei.

16.As 3 dimensões da democracia: cidadania, liberdade e representatividade.

17....a intervenção do Estado deve ser apenas um meio a serviço do objetivo principal: aumentar a capacidade de intervenção de cada um sobre sua própria vida.

18.O Estado “faz a guerra”, isto é, responde, antes de tudo, pelo país diante da situação internacional.

19.O pensamento liberal estabelece uma separação tão completa quanto possível entre a subjetividade e a vida pública, e, mais concretamente, entre as demandas pessoais e a razão que deve governar as permutas sociais.

20.O pensamento democrático está tão afastado da ideologia liberal quanto da ideologia revolucionária.

21.A luta democrática mais eficaz é a que se opõe ao fato de que aqueles que possuem a riqueza possuem também o poder.

22.O desmoronamento dos socialismos, do comunismo leninista à social-democracia, veio, antes de tudo, da subordinação crescente do movimento operário a um partido, em primeiro lugar, revolucionário e, em seguida transformado no próprio Estado.

23.É somente nas sociedades democráticas que se formam movimentos sociais porque a livre escolha política obriga cada ator social a procurar o bem comum ao mesmo tempo que a defesa de interesses particulares.

24.....hoje, devemos ficar inquietos, com a situação de muitos países tendo em vista a fragilidade dos elos entre atores sociais e agentes políticos. Tal fragilidade refere-se a duas causas principais: ou as demandas sociais são confusas ou pouco agregadas, como é o caso em muitos países que vivem uma passagem acelerada de um tipo de sociedade para outro; ou então o governo e a própria opinião pública estão dominados por um problema não social, mas internacional.

25.Não há cidadania sem a consciência de filiação a uma coletividade política

26.Não há democracia branca ou negra, cristã ou islâmica; toda democracia coloca acima das categorias “naturais” da vida social a liberdade da escolha política.

27.De que serve refletir, hoje em dia, sobre a democracia se não for para defende-la contra seus inimigos mais perigosos: por um lado, a obsessão da identidade nacional, étnica ou religiosa, e, por outro, o abandono frouxo às forcas econômicas que modelam o consumo de massa?

28.A democracia só existe pela combinação de princípios diversificados e, em parte, opostos.

29.(...)é através da participação na obra comum do corpo social que o indivíduo se forma, domina suas paixões e interesses, torna-se capaz de agir racionalmente.

30.A liberdade só se adquire na descoberta e respeito pela verdade.

31.“Um partido é um grupo cujos membros têm como objetivo agir em harmonia na luta competitiva pelo poder político”. Schumpeter em Capitalismo, Socialismo e Democracia.

32....como será possível combinar a liberdade individual com uma integração social sempre ameaçada pela desigualdade?

33.É quase impossível conceber uma democracia sem partidos, que seria governada por maiorias com idéias constantemente mutáveis.

34.“A propriedade natural de todo poder é se concentrar, como se fosse a lei de gravitação da ordem social. No entanto, é preciso que a minoria dirigente seja contestada. Na democracia, a função das massas não é governar, mas intimidar os governos.” Ostrogorski.

35.somos o que o Estado nos faz ser com suas medidas de assistência ou controle. Tal situação é bem visível nos setores da educação, saúde e ajuda social. Nossa identidade já não é uma simples referência demográfica: sexo, idade, lugar e data de nascimento, profissão; pelo contrario, é construída por categorias administrativas que se transformaram em previsões de comportamento.

36.Será que a escolaridade e a vacinação obrigatórias vão contra a liberdade individual?

37.Em vez de criticas contra o Estado-providência, temos necessidade de conceber novas formas de produção e novos conflitos sociais para voltar a dar às políticas sociais um papel reformador, pela redução das desigualdades e pela proteção da segurança e da liberdade do maior número possível de pessoas.

38.A democracia é necessária porque é difícil essa combinação dos fatores de unificação com fatores de diversificação; nos países onde existem conflitos de interesses ou valores deve ser organizado um espaço de debates e deliberações políticas.

39.John Rawls reorganiza toda a sua reflexão em volta desta interrogação central: como será possível organizar uma cooperação duradoura, em uma sociedade justa, entre indivíduos e grupos que têm convicções e crenças irredutíveis umas em relação às outras? John Rawls se perguntou como é que a unidade da sociedade política poderia se combinar com a pluralidade das convicções e crenças.

40.A idéia democrática impõe o reconhecimento do pluralismo cultural ainda mais do que o pluralismo social.

41.Segundo Rawls, a liberdade e a igualdade só são verdadeiramente compatíveis porque a diferenciação e a integração da sociedade são complementares; e tal fenômeno acontece porque a sociedade é um sistema de trocas que não seriam possíveis se cada elemento do sistema não se definisse, simultaneamente, através de uma função social e de determinados objetivos particulares, e se os atores não interiorizassem valores e normas, enquanto perseguem racionalmente sus interesses.

42.é preciso redescobrir, atrás do consumo, relações sociais, portanto, relações de poder.

43.Não há democracia sem luta contra um poder.

44.a democracia apenas será possível quando cada um vier a reconhecer no outro, como em si mesmo, uma combinação de universalismo com particularismo.

45.A globalização triunfante é acompanhada por uma segmentação acelerada. Por toda a parte, as identidades que se sentem ameaçadas fecham-se sobre si mesmas

46.é com o antigo que se faz o novo e com a liberdade que se cria organização e eficácia.

47.É preferível atenuar a carga que esmaga os mais desprovidos, em vez de proteger ainda mais os que são favorecidos e se sentem ameaçados.

48.De que serve a escola se não é capaz de fazer com que rapazes e moças formados em meios sociais e culturas diferentes venham a compartilhar o espirito nacional, a tolerância e o desejo de liberdade?

49....o preço da liberdade não pode ser a renuncia à identidade.

50....não há democracia sem economia de mercado, mas existem muitos países que praticam a economia de mercado que não são democráticos.

51.O desenvolvimento  não é a causa, mas a conseqüência da democracia.

52.A vontade de ruptura entre o passado e o presente, antigo regime e pos-revolução, traz em seu bojo um pensamento e ação autoritários.

53.De fato, os dominados estão divididos: uns esperam elevar-se acima da marginalidade e ter acesso ao círculo de luz, participar ativamente da cultura de massa ou entrar no corpo da batalha econômica; outros, pelo contrário, lutam para defender integralmente uma cultura ameaçada.

54.A ausência de regime autoritário não é a democracia.

55....o caminho da democracia está tão afastado da via da revolução, quanto da via das ditaduras.

56.a democracia é o regime que reconhece os indivíduos e as coletividades como sujeitos, isto é, os protege e encoraja em sua vontade de “viver sua vida” e dar unidade e sentido à sua experiência vivida.

57.Atualmente o mundo está dividido entre o universo globalizado do mercado e o universo segmentado das identidades nacionais, religiosas ou culturais.

58.A comunicação não é o simples reconhecimento do outro, de sua cultura, seus valores morais ou sua experiência estética, mas o diálogo com aquele ou aquela que organiza de forma diferente de mim a combinação dos elementos cuja interdependência define a condição e ação humanas. É o reconhecimento do outro como trazendo uma resposta particular, diferente da minha, a interrogações comuns.

59.Entre a confiança cega nos mercados e o fanatismo comunitário, devemos defender a liberdade política e a democracia, e colocá-las a serviço de um pluralismo cultural e político que deve ser combinado com a unidade da cidadania, da lei e da ação racional.