TÍTULO DO ORIGINAL: IL PRINCIPE
EDITORA: CULTRIX -
NOTAS AO RESUMO:
Uma excelente maneira de meditar sobre as
"leis" de Maquiavel, é substituir, na leitura, alguns termos de acordo
com o seu caso. Um exemplo:
príncipe por executivo, ou
líder, ou chefe;
Estado (ou província) por empresa ou departamento;
Destruído por despedido (ou transferido).
E assim por diante.
INTRODUÇÃO
O século XVI começa negro para a Itália, a Itália
política. É o século em que se decide a perda da liberdade daquela terra que
Dante chamara de "o jardim do império" e que, por mais de 3 séculos, iria se transformar em terra de todos e de
ninguém: "batida, espoliada, lacerada, invadida", como disse Maquiavel.
Esse século negro e vergonhoso para a Itália ¾ o Cinquecento ¾
como que nasce prematuramente, em 1494, quando Carlos VIII da França invade a
península, (....).
Quando isto ocorreu, Maquiavel tinha 25 anos.
Morreu em 1527, aos 58 anos; vive, assim, 33 anos num clima de guerra e de
intrigas diplomáticas, conhecendo de perto os horrores e as perfídias das
campanhas e das manobras de seus bastidores. Seu pensamento, pois, tinha de ser
político e realístico (....).
O príncipe é um manual de ação escrito em intenção
do homem que deverá salvar a Itália dos "bárbaros" e unificá-la.
Para além da suposta imoralidade ou amoralidade dos
seus princípios baseados na força, na astúcia, na traição, no assassínio (na
razão de Estado, dir-se-á depois), há a necessidade de uma harmonia moral: na
verdade, a força não é arma da paixão individual, mas do Estado ¾ e o Estado se destina a assegurar o bem
universal; contra a deslealdade e o crime, não é possível contrapor senão a
deslealdade e o crime do príncipe, ou seja: contra a violência e a fraude
nascidas da paixão individual, deve ser lançado o recurso (defensivo) do poder
conferido ao príncipe em virtude de um "contrato" implícito com a
comunidade que ele defende.
E já em 1503, 10 anos antes do exílio em San Casciano, do qual sairia O
príncipe, escreve ele uma memória na qual estão em germe as idéias centrais da
sua doutrina: Parole da dirle sopra la provisione del danaio. Destas Parole
se ergue a espinha dorsal de O príncipe: o mal da
cidade sem armas que confia nas dos outros Estados, a necessidade de ter
exército nacional para defender-se dos inimigos e de considerar inimigos todos
os que podem esperar tomar o Estado do príncipe desarmado.
O príncipe ¾ diz
ele, então já no seu grande livro ¾ deve armar-se, porque todos os
profetas armados venceram.
(....) E é preferível ser
temido a desconsiderado, pois o mal, no terreno político, não é mal, mas ¾
como qualquer outro ¾ é meio de alcançar um fim: a segurança do príncipe
e, portanto, a segurança do Estado é, em última instância, a dos súditos.
A política não cabe nos quadros dos juízos morais;
pelo menos enquanto no jogo entram os meios, não os fins. Por isso, se louvam
as conquistas de Aníbal, é falta de coerência acusá-lo de crueldade nas ações
que o levaram a elas. São pouco judiciosos os historiadores que "por
um lado admiram as suas ações e, por outro, entretanto, reprovam a principal
causa delas"
As armas fazem as boas leis, as boas leis
asseguram a tranquilidade do principado porque garantem o pequeno contra a
prepotência do grande. (....) o povo não se
revolta, os grandes nada intentam contra o príncipe porque o sabem
estimado pelo povo; e povo são os muitos, os grandes são os poucos.
O patriota põe a descoberto
a razão de ser do trabalho do doutrinador político. O conselheiro frio e
cínico, realístico e cruel, cede lugar ao sentimental que implora ao príncipe
que se faça o libertador do "jardim do império
transformado em campo de batalha.
Antonio D'Elia
NICCOLÒ MACHIAVELLI AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI
(....) para conhecer
bem a natureza dos povos, é necessário ser príncipe , e, para conhecer bem a
dos príncipes, é necessário ser homem do povo.
I - DE QUANTAS ESPÉCIES SÃO OS PRINCIPADOS E DE
QUANTOS MODOS SÃO CONQUISTADOS
II - DOS PRINCIPADOS HEREDITÁRIOS
(....) basta apenas não
desprezar as regras dos antepassados e, a par, contemporizar diante dos
acontecimentos;
(....) Isso porque o
príncipe de sangue tem menores razões e menor necessidade de ofender, daí
resultando que seja mais amado; (...)
III - DOS PRINCIPADOS MISTOS
(....) embora poderosos em
armas, sempre necessitamos do favor dos naturais de uma província a fim de
dominá-la.
(....) e para firmar com
segurança o seu domínio, basta aniquilar a casa do príncipe que sobre eles
imperava, (....) Quem os conquistou deve, a fim de conservá-los, ter dois
propósitos: um, que se extinga a casa do seu antigo príncipe ; outro, que não
se alterem nem suas leis nem seus tributos. Dessa maneira, o Estado conquistado
e o hereditário transformam-se em brevíssimo tempo num corpo único.
(....) uma das melhores e
mais eficazes medidas seria que o príncipe que os conquista fosse habitá-los. (....) neles estando, vês nascer as perturbações e desde logo
podes atalhá-las, ao passo que, não estando ali, delas só há notícia quando já
se agravaram e não se lhes pode mais dar remédio.
A outra melhor medida é estabelecer colônias em um
ou dois pontos do Estado conquistado ou, senão, manter ali homens de armas. (....) Os que ele ofende dispersam-se e empobrecem, e assim
não o podem jamais prejudicar, enquanto que os outros, não atingidos por essa
medida, por tal razão hão de manter-se em paz, temerosos de que lhes aconteça o
que aconteceu aos que foram espoliados. (....) é de notar que os
homens devem ser ganhos com agrados ou destruídos.
(....) E a ordem natural
das coisas é que, tão logo se introduza numa província um estrangeiro poderoso,
todos os homens poderosos que nela vivem a ele adiram, movidos pela inveja que
têm dos que os dominaram, de modo que, no que diz respeito a esses menos
poderosos, o estrangeiro não terá todos juntos, de boa vontade, se compõem com
o Estado que ele conquistou.
(....) que no início da
sua ação maléfica é fácil curá-la e difícil conhecê-la, mas, com o correr do
tempo, não havendo ela desde logo sido reconhecida e medicada, tona-se fácil de conhecer e difícil de curar.
(....) mantido a segurança
e a defesa de todos aqueles seus amigos, os quais, por serem numerosos e débeis
e temerosos uns da Igreja, outros dos venezianos, tinham sempre necessidade de
estar ao seu lado; (...) cometeu ainda a imprudência de, querendo
apossar-se do reino de Nápoles, dividi-lo com o rei da Espanha, de
maneira que, em vez de ser o único árbitro da Itália, tomou um companheiro, o
que fez com que os ambiciosos desta província e dos descontentes em relação
a ele, Luís, tivessem a quem recorrer contra ele.
(....) aquele que torna
outrem poderoso arruina-se a si próprio, pois
esse poderio é causado pela astúcia ou pela força, e uma e outra são suspeitas
a quem se tornou poderoso.
IV - POR QUE O REINO DE DARIO, OCUPADO POR
ALEXANDRE, NÃO SE REBELOU, DEPOIS DA MORTE DESTE, CONTRA OS SEUS SUCESSORES
(....) os principados dos
quais fala a história são governados de dois diferentes modos: ou por um
príncipe e todos os servidores que, na qualidade de ministros, por mercê e
concessão sua, o ajudam a governar o reino, ou por um príncipe e barões, os
quais, não por mercê do senhor, mas pela antiguidade de sangue, possuem tal
qualidade.
(....) Quem considera,
pois, a situação de um e outro desses Estados, achará difícil a conquista do
grão-turco e fácil sua manutenção depois de tomado. Ao contrário, achará de
todo mais fácil ocupar o Estado da França, mas muito difícil mantê-lo.
(....) Vencido, porém, o
grão-turco e dizimadas as suas forças de modo a não poder ele reorganizá-las,
não se tem mais do que cuidar senão da casa do príncipe. (....)
Assim como o vencedor não podia contar com eles antes da vitória, da mesma
forma não deve temê-los depois dela.
O contrário se dá nos domínios governados como o da
França, pois com facilidade pode-se neles entrar, mediante conluio com alguns
dos barões do reino, pois sempre se encontrarão descontentes e desejosos de
mudanças. Estes, pelas razões que se viram, podem abrir ao conquistador o
caminho para aquele Estado e facilitar-lhe a vitória. Depois dela, porém, a
manutenção da conquista se rodeia de dificuldades sem fim, criadas por aqueles
que ajudaram o conquistador e aquele a quem ele oprimiu. (....)
Não se podendo nem contentá-los nem aniquilá-los, perde-se o Estado na primeira
ocasião que se apresente.
V - DE COMO GOVERNAR CIDADES OU PRINCIPADOS QUE,
ANTERIORMENTE À OCUPAÇÃO, SE REGIAM POR LEIS PRÓPRIAS
Quando os Estados que se conquistam são (....) acostumados a viver regidos por suas próprias leis e
em liberdade, há três maneiras de mantê-los: a primeira, é arruiná-los; a
segunda, ir pessoalmente habitar neles; a terceira, permitir-lhes viver regidos
por suas leis, fazendo-os, porém, pagar um tributo ao conquistador e organizando
neles governos de pouca gente, que saibam conservá-los amigos. É que tais
pessoas, investidas no governo pelo príncipe, sabem que não poderão manter-se
sem sua amizade e seu poder, e tudo farão para não
perder sua posição;
(....) na verdade, não há
maneira mais segura de dominar as cidades conquistadas do que aniquilá-las. Quem
se torna senhor de uma cidade afeita a viver livremente e não a aniquila deve
esperar ser aniquilado por ela (...)
Nas repúblicas, porém, há maior ardor, maior ódio,
mais sede de vingança, e a memória da antiga liberdade não dá
tréguas. Assim, o meio mais seguro de dominá-las é ou aniquilá-las ou nelas
habitar.
VI - DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SÃO CONQUISTADOS
MERCÊ DE ARMAS PRÓPRIAS E VALOR
(....) não há coisa mais
difícil de fazer, de êxito mais duvidoso e mais perigosa de conduzir, do que
levar a cabo a introdução de novas instituições legais, pois o reformador
encontra inimigos em todos aqueles que das instituições antigas se beneficiavam
e tíbios defensores em todos os que das novas se beneficiariam. Tal tibieza
deve-se em parte ao temor dos adversários, que têm as leis a seu favor, e em
parte à incredulidade dos homens, que não acreditam eficientes as coisas novas
senão depois de vê-las submetidas a firme experiência.
VII - DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM
MERCÊ DAS ARMAS E BOA SORTE ALHEIAS
Os homens comuns que só favorecidos pela sorte
se tornam príncipes com pouco trabalho chegam a tal, mas têm muito para
manter-se.
(...) E os Estados que surgem de súbito, não podem
ter raízes e proporções bastantes, de modo que a primeira borrasca os destrói,
(....)
(...) É que os homens ofendem ou por temor ou
por ódio.
Quem, pois, acreditar que, nas altas personagens,
os benefícios atuais fazem esquecer as injúrias antigas, este se engana.
VIII - DOS QUE ASCENDEM AO PRINCIPADO PELO CRIME
(...) É que as injúrias se devem fazer todas de
uma vez, a fim de que, tomando-se-lhes menos o gosto,
ofendam menos; os benefícios devem ser feitos pouco a pouco, a fim de que
melhor sejam saboreados.
IX - DO PRINCIPADO CIVIL
(....) É que em toda
cidade se encontram estados de espírito diferentes, e isso advém de que o povo
deseja não ser dirigido nem oprimido pelos grandes, e os grandes querem dirigir
e oprimir o povo. Desses dois anelos diferentes manifesta-se na cidade um
destes 3 efeitos: principado, liberdade ou
licenciosidade.
(....) mas dos grandes que
sejam hostis, deve não só temer ser por eles abandonado, como ainda que o
ataquem, pois que, havendo nestes maior alcance de vista e maior astúcia,
previnem-se sempre com tempo de salvarem-se e buscam as boas graças daquele que
esperam que vença.
(....) E porque os homens,
quando recebem o bem de quem esperavam o mal, ficam mais gratos ao seu benfeitor,
torna-se o povo, depressa, tão mais agradecido àquele do que se ele houvesse
sido conduzido ao principado mediante o seu favor.
(....) um príncipe
prudente deve pensar numa maneira de fazer com que os seus cidadão, sempre e em
qualquer circunstância, tenham necessidade do Estado e dele, com o que lhe
serão depois, sempre fiéis.
X - COMO SE DEVEM MEDIR AS FORÇAS DE TODOS OS
PRINCIPADOS
(....) que um príncipe
poderoso e animoso superará sempre todas essas dificuldades, ora dando aos
súditos esperança de que o mal não será longo, ora suscitando neles o temor
pelas crueldades do inimigo, ora prevenindo-se em relação aos que lhe pareçam
mais ousados. (....) É da natureza dos homens o
obrigar-se tanto pelos benefícios feitos como pelos recebidos.
XI - DOS PRINCIPADOS ECLESIÁSTICOS
XII - DAS VÁRIAS ESPÉCIES DE MILÍCIAS E DOS
SOLDADOS MERCENÁRIOS
XIII - DAS TROPAS AUXILIARES, MISTAS E NACIONAIS
Em resumo: as armas dos outros ou te caem do corpo
ou te pesam ou te sufocam.
Portanto, aquele que no governo de um principado
não reconhece os males no seu início não é verdadeiramente sábio; (....)
Concluo, pois, que, sem a posse de tropas próprias,
príncipe algum está em segurança. não dispondo de
forças fiéis que o defendam na adversidade, depende apenas da boa sorte.
"Que não há nada tão frágil nem tão instável
quanto a fama do poder que não se apoia
nos seus próprios fundamentos."
E forças próprias são aquelas compostas de súditos,
cidadãos ou servos teus; e mercenárias as outras todas.
XIV - DAS OBRIGAÇÕES DO PRÍNCIPE EM RELAÇÃO ÀS
TROPAS
Deve portanto um príncipe
não ter outro objetivo e outro pensamento nem dedicar-se a outro empreendimento
rotineiro que não os relacionados com a guerra e a organização e disciplina das
tropas, pois a prática da arte da guerra é a única que se espera daquele que
governa.
XV - DAS COISAS PELAS QUAIS OS HOMENS,
PRINCIPALMENTE OS PRÍNCIPES, SÃO
LOUVADOS OU VITUPERADOS
(....) E é tão diferente o
como se vive do como se deveria viver, que aquele que desatende ao que se faz e
se atém ao que se deveria fazer aprende antes a maneira de arruinar-se do que a
de preservar-se.
XVI - DA LIBERALIDADE E DA PARCIMÔNIA
(....) Assim, pois, se
quiser manter entre os homens a fama de liberal, é necessário não descurar de
certa suntuosidade. (....) havendo com sua
liberalidade prejudicado muitos e premiado poucos, é o príncipe sensível à
menor adversidade e periclita ante o menor perigo; e quando reconhecer tal
perspectiva e quiser conter-se, passará imediatamente a ser tido como
miserável.
Deve um príncipe, portanto, não se preocupar com a
pecha de miserável, para não ter de roubar seus súditos (....)
E o príncipe que marcha com seus exércitos, se
mantém de presas de guerra, de saques e de resgates, usa os bens alheios, tem
necessidade de ser liberal; de outra forma não o seguiriam os soldados. Do que
não é teu ou dos teus súditos, podes dispor com maior prodigalidade, como fizeram
Ciro, César e Alexandre, pois o gastar o que é dos outros não te retira
reputação, antes ta acrescenta; só o gastares o que é teu é que te causa
dano.
XVII - DA CRUELDADE E DA PIEDADE; E SE É MELHOR SER
AMADO DO QUE TEMIDO OU O CONTRÁRIO
(....) Deve um príncipe
(....) não se importar com a reputação de cruel, pois que, com pouquíssimas
repressões, será mais piedoso do que aqueles que por muito clementes, permitem
as desordens das quais resultem assassínios e rapinagens. Estas atingem a
comunidade inteira, enquanto que os castigos impostos pelo príncipe atingem
poucos.
(...) deve proceder de maneira a que (....) a confiança demasiada não o torne incauto e a
desconfiança exagerada não o torne intolerável.
(...) é melhor ser amado que temido ou o contrário?
(....) é muito mais seguro ser temido que amado,
quando se haja de optar por uma das alternativas.
Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de
modo a que, embora não adquira amor, possa evitar o ódio. (....)
e isso o conseguirá ele sempre, desde que se abstenha de atentar contra os bens
e as mulheres dos seus cidadãos e súditos. (....) os
homens se esquecem mais depressa da morte do próprio pai que da perda do
patrimônio. Aliás, as razões para a apropriação dos bens alheios não faltam
nunca, (....); ao contrário, as razões de
proceder contra a vida dos outros são mais raras e acabam-se depressa.
(....) outra causas senão
a da inumana crueldade de Aníbal, a qual, somada às inúmeras virtudes suas, fê-lo sempre, no conceito dos seus soldados, venerando e
terrível.
XVIII - DE QUE MODO DEVEM
OS PRÍNCIPES MANTER A PALAVRA DADA
É preciso, portanto, ser raposa para reconhecer as
armadilhas, e leão para amedrontar os lobos. (....)
Se os homens fossem todos bons, esse preceito não seria bom, mas como são
pérfidos e não mantêm a sua palavra em relação a ti, da mesma maneira não tens
de mantê-la em relação a eles. (....) E são tão simples os homens e
tanto obedecem às necessidades presentes, que aquele que engana encontrará
sempre quem se deixe enganar.
(...) Não é preciso, todavia, que um príncipe
possua efetivamente todas as qualidades atrás enumeradas; mas é bem preciso
aparentar possuí-las. Eu ousaria, ao contrário, dizer isto: possuir
e observar sempre essas qualidades é nocivo; apresentar possuí-las é
útil. Assim, é útil parecer e ser piedoso, fiel, humanitário, íntegro,
religioso; mas deve-se ter o espírito prevenido, afim de que, precisando
não sê-lo, se possa e se saiba ser o contrário. (....)
não se afaste do bem, se possível, mas saiba valer-se do mal se necessário.
(....) Todos vêem o que
pareces ser, poucos sentem o que és.
XIX - DE COMO EVITAR O SER DESPREZADO E ODIADO
(....) no lado do
conspirador, não há senão medo, inveja e receio de castigo a abatê-lo, enquanto
que, no lado do príncipe, estão a majestade do poder, as leis, a defesa dos
amigos e do Estado que o sustém.
(....) que os príncipes
devem delegar a outrem os encargos de julgamento e reservar-se a si mesmos os
atos de graça.
(....) o ódio se adquire
tanto mediante as obras boas, como mediante as más.
Tratemos de Alexandre, o qual foi tão bondoso que,
dentre todas as louváveis ações que praticou, avulta a de, em catorze anos de
governo, não ter sido executado ninguém sem julgamento. Não obstante, havendo
tido a reputação de efeminado e de homem que se deixava dominar pela mãe, e por
isso caído em desconsideração, contra ele conspirou o exército, assassinando-o.
XX - SE AS FORTALEZAS E MUITAS OUTRAS COISAS QUE OS
PRÍNCIPES FAZEM FREQÜENTEMENTE SÃO ÚTEIS OU INÚTEIS
Ora, jamais aconteceu que um príncipe novo
desarmasse os seus súditos; ao contrário, sempre que os encontrou desarmados,
armou-os. É que, armando-os, tornas teus aqueles homens, tornas fiéis a ti os
que te eram suspeitos; e os que já te eram fiéis, fiéis se mantêm e, de
súditos, fazem-se partidários teus. Não sendo possível armar a todos os
súditos, deves beneficiar aqueles a quem armas, porque
assim, em relação aos outros, podes estar tranquilo. Ficam-te gratos
aqueles por os tratares diferentemente dos outros; e estes te desculpam,
achando que os primeiros merecem mais por estarem sujeitos a mais perigos, mais
obrigações.
(....) Mas quando um
príncipe conquista um Estado novo que anexa ao seu antigo, então sim, é
necessário desarmá-lo (....).
Não ha dúvida, os
príncipes se engrandecem quando superam as dificuldades e as oposições com as
quais se enfrentam.
XXI - COMO DEVE CONDUZIR-SE UM PRÍNCIPE PARA SER
CONSIDERADO
Sempre acontecerá que aquele que não é teu amigo te
peça que te mantenhas neutro e aquele que é teu amigo te peça que te declares
em armas. (....) Os homens não são sempre tão
pérfidos que, com tamanha mostra de gratidão, possam oprimir-te.
Deve-se notar aqui que um príncipe tem de cuidar-se
de não fazer má aliança com quem seja mais poderoso que ele para combater
outrem (....). jamais
se tenta evitar um inconveniente sem cair noutro; e a prudência consiste em
saber conhecer a natureza dos inconvenientes e tomar como bom o menos mau.
XXII DOS MINISTROS E DOS PRÍNCIPES
(....) o príncipe, para
conservar bom o ministro, deve pensar nele, honrando-o, tornando-o rico,
suscitando a sua gratidão, fazendo-o participar de honrarias e cargos, de modo
que ele veja que não pode afastar-se do príncipe, e que as muitas honrarias o
façam desejar mais ainda, e os muitos cargos façam com que tema as mudanças.
XXIII - DE COMO EVITAR OS ADULADORES
(....) E é que não há
outra maneira de defender-se contra adulação senão fazendo com que os homens
entendam que não te ofendem dizendo-te a verdade; mas, quando todos podem
dizer-te a verdade, faltem-te com o respeito.
O príncipe prudente deve escolher homens sábios
para seus auxiliares; e apenas a estes deve conceder liberdade de dizer-lhe a
verdade, e somente a respeito daquilo que ele lhes perguntar, não de outras
coisas.
Um príncipe, portanto, deve aconselhar-se sempre;
mas quando o quiser, não quando o quiserem os outros (....)
Concluo, portanto, dizendo que os bons conselhos, venham eles de onde vierem,
devem nascer da prudência do príncipe, e não a prudência do príncipe nascer dos
bons conselhos.
XXIV - POR QUE OS PRÍNCIPES DA ITÁLIA PERDERAM SEUS
ESTADOS
(....) (é nos homens
defeito comum não pensar na tempestade durante a bonança), (....) E os meios
de defesa somente são bons, são certos, são duradouros, quando dependem de ti
próprio e do teu valor.
XXV - QUANTO PODE A SORTE NAS COISAS HUMANAS E DE
QUE MODO SE LHE RESISTE
E é que se vêem os homens proceder
diferentemente em relação às coisas que os conduzem ao fim a que aspiram, isto
é, a glória e a riqueza: um, com cautela, outro, com impetuosidade; um,
com violência, outro, com astúcia; um, com paciência, outro, com o seu
contrário; e cada um, mediante tais diversos procedimentos, poder alcançar seu
objetivo. (....) Tal não se deve a outra coisa senão
às circunstâncias, que se conformam ou não ao procedimento deles. Advém, então,
que dois homens, agindo diferentemente, alcancem objetivo idêntico; e dois
outros, agindo da mesma maneira, um se conduza ao seu fim e outro não.
(....) se os tempos e as
coisas são favoráveis a quem se conduz com cautela e paciência, ele prospera;
mas, se os tempos e as coisas se modificam, ele se arruina,
pois que não modifica a sua conduta.
(....) Julgo melhor ser
impetuoso que cauteloso, porque a sorte é mulher, e é necessário, para
dominá-la, bater-lhe e feri-la.
XXVI - EXORTAÇÃO A QUE A ITÁLIA SEJA RECOBRADA DOS
BÁRBAROS E LIBERTADA
Não se deve, portanto, deixar passar esta ocasião,
a fim de que a Itália, depois de tanto tempo, encontre o seu redentor. Não
tenho palavras para dizer com quanto amor seria ele recebido em todas aquelas
províncias que sofreram a invasão estrangeira; com que sede de vingança, com
que fé obstinada, com que piedade, com que lágrimas. Que portas se cerrariam
diante dele? que povos lhe negariam obediência? que inveja se lhe oporia? que
italiano lhe negaria reverência? Cheira mal a todos este
bárbaro domínio. Empreenda, pois, a vossa ilustre casa esta tarefa, com
o ânimo e a fé com que se empreendem as campanhas justas, a fim de que, sob a
sua bandeira, esta pátria se enobreça e, sob os seus auspícios, se verifique o
que disse Petrarca:
"A virtude tomará armas contra o furor, e o
combate será curto, pois o valor antigo ainda não morreu nos corações
italianos".