ANOTAÇÕES DE
O OCIDENTE E O TERCEIRO MUNDO
Escrito em 1984 por Carlos Rangel
PREFÁCIO (DE JEAN-FRANÇOIS REVEL)
O objetivo do terceiro-mundismo é destruir as sociedades desenvolvidas,
e não desenvolver aquelas que o deveriam ser. O êxito assegurado implicaria uma
revisão dolorosa da própria ideologia terceiro-munddista. (....) Se aceitarmos
(a tese do desenvolvimento como conseqüência da pilhagem) esse diagnóstico como
exato, o único meio de retomar o "desafio do mundo pobre" será por
uma transferência direta das riquezas do mundo desenvolvido, uma espécie de
imposto sobre a renda dos ricos, a fim de prover a uma restituição dos bens
subtraídos. (....) Há 2 séculos, sem o saber, o mundo inteiro era subdesenvolvido.
O que hoje denominamos subdesenvolvimento era o estado natural da
hjumanidade.[sic] (....) A pilhagem começou na era peliolítica superior. Desde
então, uma tribo não cessou de conquistar e pilhar outra tribo, uma aldeia a
outra aldeia, uma cidade a outra cidade, uma nação a outra nação, um império a
outro império. (....) A barreira ideológica nos impediu de enxergar claro
acerca de uma das questões de estudo mais vitais de osso tempo.
INTRODUÇÃO
Quaisquer que sejam as "vantagens" que as sociedades fechadas
(socialistas) possam extraiir de seu hábito de força e de sua facilidade em
preprimir, não se pode dizer que estejam em melhor posição que a sociedade
aberta (capitalista) para responder aos desafios da escassez de energia e do
crescimento limitado. (....) Um governo socialista pode tomar sus decisões
friamente e sem discussão, ao risco de erros perigosos (com, por exemplo, de
multiplicar as centrais nucleares no momento exato em que, no Ocidente, o livre
debate da questão levou a provurar soluções alternativas). (....) Não há
qualquer dúvida de que as soluções novas e as inovações não emergirão da
estéril sociedde socialista, mas brotarão da incessante agitação criativa da
sociedade capitalista. (....) O
capitalismo, o único sistema político-econômico que, na história da humanidade,
conseguiu elevar a produtividade das sociedades muito acima do umbral da
subsistência, não desfruta senão de um fraco prestígio no terceiro mundo.
1. - O QUE É O SOCIALISMO?
Socialista - um Estado que se supõe (bem levemente) impessoal,
desinteressado, virtuoso e obrigatoriamente zeloso do bem comum (por oposição
ao egoísmo natural dos seres humanos em carne e osso). Um Estado sobre-humano.
(....) A maioria dos seres humanos, vivendo em uma sociedade competitiva, de
mobilidade social e liberdade, experimentará, portanto, em caráter permanente,
um sentimento de ansiedade como o nadador condenado a um esforço, a cada
instante, para se manter na superfície. (....) Dois
traços fundamentais de Marx: a autêntica indignação dele contra as injustiças
da sociedde capitalista, que dá a seus escritos uma vibração bíblica, e sua
assombrosa arrogância intelectual: a convicção de que só ele tinha toda razão
contra todos os adversários, inclusive os socialistas não dispostos a se
submeter à sua dominação. (....) No enfrentamento eterno do bem e do mal, o
marxismo se encontra ao lado dos anjos. A história transforma-se, assim, em
drama religioso; em cada etapa de sua evolução, enfrentam-se as classes boas e
as classes más, as forças progressistas e as forças reacionárias, até a
salvação final em nome da recolução. Um marxista terá sempre razão, pelo único
fato de ser marxista e um marxista no poder terá sempre razão contra um
marxista na "oposição". (As aspas são minhas.) Toda oposição é um crime
contra-revolucinário. (Que o diga a alma de Bakharin.) (....) Com a abolição da
propriedade privada, a luta pelo poder se torna o único mecanismo de
concorrência entre os idivíduos capazes e ambiciosos. E desta luta são sempre
os mais sem escrúpulos que saem vencedores. (....) A teoria da missão especial do proletariado justifica a preseguição e a
opressão, sem freios nem remorsos, de vastos grupos sociais, bem como
religiosos e étnicos. (....) Os crentes tendem a atribuir os reveses de sua
pseudo-religião a uma falta de zelo. (....) A proriedade privada conquistou,
clara e definitivamente, sua legitimidade quando foi legalizada, não só em face
dos desafios de partivulares capazes de violência para despojar um
proprietário, mas sobretudo contra os impostos extravagantes e exorbitantes, a
extorsão, o confisco e outros meios arbitrários que até então pedrmitiam ao
poder político entravar ou esmagar a indústria e o comércio. (....)
2. - O QUE É O TERCEIRO MUNDO
Pertencem ao terceiro mundo os países cuja fasta de confiança em
simesmos e, por isso, em suas possibilidades de desenvolvimento no mundo, os
torna susceetíveis de aceitar, de maneira difusa, como explicação
principal para suas dificuldades, a
ideologia do imperialismo e da
dependência. (....) Um povo que cai sob o domínio do comunismo não só se vê
impossibilitado de enfrentar a concorrência econômica, social, política
etc.'dentro de suas próprias fornteiras, mas também é excluído dessa
concorrência universsal que travam as nações, cujo resultado se einscreve em
estatísticas dignas de crédito e se mede, igualmente pelo desejo mais ou menos
intenso que experimentam os dicadão de "votar
com os pés", quer dizer, emigrar em busca de melhores condições de vida. (....)
Devido ao aprimoramento do ensino e das comunicações de toda espécie, as
populações mais pobres foram levadas a conhecer e a desejar as vantagens
materiais do desenvolvimento industrial do ocidente. (....) Os melhoremantos,
devidos às concepções políticas, à inovação social e ao progresso técnico
oriundos do Ocidente, desencadearam tensões, divisões e uma insatisfação sem
precedentes. (....) O nacionalismo é uma ideologia (ou uma paixão) que se
cristalizou na Europa, em fins do século XVIII. A Revolução Fancesa foi o
catalisador. Deduziu-se que a humanidade
era, por natureza, dividida em nações com certas características estabelecidas
e que "o único governo legítimo é um governoo nacional autônomo".
(....) "(...) a língua não é simplesmente um meio neutro de comunicação
entre os homens, mas o depositário de tradições, de atitudes e hábitos de
gerações sucessivas de um dado grupo (nacional)". (....) "(...) A
doutrina nacionalista, afirmando que a única associação política legítima é
aquela que liga entre si os homens que falam o mesmo idioma, partilham a mesma
cultura e amam os mesmo heróis e os mesmos ancestrais (...)". [Como fica
este conceito em países como o Canadá? ]
(....) O racismo jamais esteve ausente da sociedade humana. O que aconteceu
é que os antagonismos raciais, a exemplo de outras fontes de tensão, se viram
agravados em conseqüência das agiitações provocadas pelo Ocidente nos sistemas
sociais e econômicos tradicionais e estáticos.
3. - O QUE O CAPITALISMO FEZ AO TERCEIRO MUNDO
4. - A REVOLUÇÃO
CAPITALISTA
O exemplo da Espanha, arruinada por seu formidável êxiito imperialista
na América, basta para demonstrar que a maior transferência de riquezas pode
ser prejudicial, se a sociedade que as recebe não revela, ao mesmo tempo, uma
capacidade de ação interna muito mais decisiva para sua própria prosperidade e
para seu equilíbrio do que a capacidade de ação externa que lhe permite
subjugar outros povos. (....) A ser verddeira
a tese da "pilhagem" como seria explicado o crescimento (ou no
mínimo a não-falência) de nações colonizadoreas logo após perderem suas
colônias? Exemplos? A França e Holanda. (....) Os déspotas da América Latina
calculavam cínicamente que é mais fácil controlar uma população se ela carece
de informação sobre as condições de vida no exterior. (....)
(Alguns dados interessantes
sobre a tirania interna e a guerra paraguaia contra o Brasil)
5. - A VERDADEIRA NATUREZA DO CAPITALISMO
Os liberais autênticos, de Locke a Hayeck, jamais sustentaram que as
liberdades políticas (e seus corolários econômicos) sejam uma garantia de
felicidade e prosperidade universais, nem uma base suficiente para assegurar o
equilíbrio moral e a paz espiritual dos indivíduos e das sociedcades. (....) O liberalismo deve estabelecer a
separação dos poderes; favorecer, em geral, a descentralização da autoridade e
das responsabilidades; enfim, estabelecer e garantir os direitos fundamentasi e
infioláveis que previnem os riscos de abuso e arbitrariiedade, por parte do
Estado ou outros poderes, contra os cidadãos. (....) Os teóricos do liberalismo
não negam a utilidade do Estado. Existem setores que não podem ficar à mercê da
"mão invisível" da oferta e procura. O que se discuti é onde está o
ponto em que uma maior aumento da interveniência do Estado começa a causar
efeitos negativos ou "perversos, a ponto de tornar-se abertamente
"contraprodutivo" e indesejável. (....) Talvez, a maior diferença
entre o socialismo e o capitalismo esteja no fato de que este, diferente
daquele, não nasceu do desejo de um indivíduo formular uma teoria para impingí-la
aos demais e, sim, algo espontâneo, natural, originado na luta entre os
mercadores e os burgueses, que permitiu um crescimento econômico inesperado,
primeiro em determinadas regiões da Europa Ocidental, depois no mundo inteiro.
(....) O capitalismo só pode se desenvolver porque o fez de maneira orgânica
com as liberdades políticas. (....) [O que é absolutamente inquestionável é o
fato de que o capitalismo democratizou a possibilidade de se chegar à classe
mais abastada] Nas sociedades
pré-capitalistas, estes não tinham senão um meio de acumular a riqueza: a
exploração da maioria da população, sujeita a formas várias de extorsão apoiada
na força, na religião ou na perspectiva de pocessos judiciais. Contrariamente
ao mito socialista, o capitalismo não só provocou uma repartição bem melhor do
produto social e um acesso maciço ao consumo e a outros prazeres da vida, mas
também modificou, a expensas dos ricos e em proveito da maior parte, a
distribuição de bens e serviços antes proibidos a todos, exceto os mais favorecidos.
[É neste contexto que vale citar
Schumpeter:] "(...) a iluminação elétrica não melhora muito o conforto de
quem é bastante rico para comprar número suficiente de velas e pagar os criados
para acendê-las". (....) A evolução econômica (e, portanto, social) começa
com as trocas e as escravidão e culmina no capitalismo com a industria;ização,
as instituições financeiras modernas e as liberdades políticas. (....) [É
curioso observar que] a URRS não produziu nem um livro, nem uma brochura ou
artigo cunhando um patrimônio original, significativo e durável da sociologia,
psicologiia, antropologiia, ciência política ou história... e melhor, ou pior
ainda - porém menos surpreendente - [nenhum material que fizesse uma] reflexão
do socialismo.
6. - RIQUEZA E POBREZA DAS NAÇÕES (i)
"(...) Jamais encontraremos a verdade, se nos contentarmos com o
que já encontramos... "dizia Gilbert de Tournai. Os que escreveram antes
de nós não são senhores, mas guias. A verdade está aberta a todos; ainda não
foi possuída inteiramente". (....) "(...) A máquina-chave da era
industriial moderna não é a máquina a vapor, é o relógio, escreveu Lewis
Munford. Em cada fase de seu desenvolvimento, o relógio é o feito mais
brilhante e o próprio símbolo da máquina. Ainda hoje, nenhuma outra máquina é
tão onipresente". (....) (Lembrar da questão do baixo desempenho de
membros de culturas não ocidentais e que resistiram de alguma forma aos valores
ocidentais, frente a testes ocidentais para mensurar o quotidiano intelectual
dos seres humanos. Isto deveria ser um motivo de orgulho exatamente por revelar
que estas pessoas não foram "imperializadas".)
7. - RIQUEZA E POBREZA DAS NAÇÕES (II)
O "Estado fraco" se distingue pela ausência de solidadriedade
e disciplina social. Eles exigem de seus cidadãos muito menos e resultados bem
menores que os países ocidentais. Os
funcionários, em todos os níveis, tendem a ignorar ou deturpar as instruções
transmitidas pelos escalões superiores, eles mesmos com freqüência os mais
incompetentes, venais e cínicos. Os impostos, quando existem, são alvo de
fraudes impunes. É o reino da fraude, da extorsão e do peculato, do roubo e da
pilhagem. O dirigismo do Estado (que o terceiro mundo adotou) teve o efeito
imprevisto (?) de reforçar prodigiosamente a corrupção. Cada controle, cada
regulamento, cada permissão, cada autorização comportam tantos obstáculos à
atividade econômica que só se pode transpô-lo ou contorná-los graças a uma
garrafa de vinho ou propina. Nenhuma transação se opera, nenhum negócio se faz
sem que, de uma forma ou de outra, não se acabe por pagar um tributo invisível.
(....) Para sermos consagrados bons terceiro-mundistas, devemos adotar a tese
de que as dificuldades dos países pobrs se devem ao colonialismo, ao
imperialismo e à dependência e mostrarmo-nos estrondosamente hostis aos EUa.
Deve-se, também, adotar e executar medidas governamentais contrárias à economia
de mercado. Em geral, nada há a perder (pelo
menos para os seus líderes), e no
rastro consegue-se destruir, quem sabe, a democracia. (....) O intervencionismo
estatal e a atitude paranóica em relação aos mecanismos econômicos do
capitalismo, provocam uma hipertrofia dos poderes do Estado, uma atitude
defensiva e xenófoba frente ao mercado internacional, uma politização de todas
as atividades e uma anemia da sociedade civil. Na Índia, no México ou na
Venezuela (e no Brasil) nenhum cidadão produtivo e digno,
estará certo de conservar sua situação social se não cuidar de manter laços
estreitos com o mundo político. (....)
8. - ALÉM DO TERCEIRO-MUNDISMO
Karl Popper supõe que o fascínio constante que o socialismo exerce, e se
manifesta em todas as utopias a partir de Platão, é fruto de uma nostalgia
universal pela sociedade tribal, estática, onde o indivíduo não existia. Na
sociedade aberta, em desenvolvimento há 100 ou 12 mil anos, os homens são
incessantemente chamados a tomar decisões pessoais. Nem sempre estamos
habituados a isso. Vivemos em estado de tensão, insegurança, angústia; a cada
paso, é preciso procurar, interrogar-se, disciplinar-se, adaptar-se, lutar,
ganhar - e perder. O choque da transição da sociedade tribal para a sociedade
aberta, não foi ainda absorvido. (....) Uma
comunidade em perigo de morte não contesta a necessidade de se submeter a um
govereno autoritário. (....) Foram homens como Maquiavel, que exprimiram,
pela primeira vez sem subterfúgios, o que todo mundo sabia, mas era impensável
ou inadmissível formular até então: que o mundo era um lugar perigoso e
violento, e dada a penúria dos recursos (...) os homens em situação anárquica
estavam condenados a lutar entre si como cães, agravando, assim, a sua miséria
e a de seus semelhantes. (....) Diz um conto hassidi: decidido a corrigir o
mundo, Haskele se perguntou por onde começar. O mundo é muito vasto, constatou.
Começaria ele por seu país? Que pretensão! Sua província, então, ou seu
distrito, o povoado, a rua, a família? Todas as vezes Haskele concluia a mesma
coisa: que seria um pecado ter a presunção de corrigir os outros. Só podemos
salvar o mundo, concluiu, atacando, de saída, a humilde e inifinitamente
difícil tarefa de melhorarmos a nós mesmos, tentando ser justos em cada um de
nossos atos. (....) Para os
socialistas "utópicos" (?) a
"questão social não passa de uma questão moral ( Ou seja, não há nada que não possa ser doutrinado.) (....) Jean-Jackes Rousseau
sustentava que como o homem nasceu livre e bom, e se é a sociedade que o prende
e corrompe, deveria haver um meio secreto que, acionado, faria os homens
voltarem a seu estado primitivo de bondade e liberdade. Este recurso secreto, mágico, era naturalmente
a abolição da propriedade privada. (....) A
expressão "Terceiro Reich", escolhida por Hitler para designar seu
projeto de hegemonia alemã de mil anos, tem origem na fantasia folcórica de uma
terceira idade da liberdade, alegria e amor. (....)