EXTRATO DE: NAÇÕES E NACIONALISMO DESDE 1780
Programa, mito e realidade
Autor: Eric J. Hobsbawn (1917/2012)
Ed. Paz&Terra - 6a edição 2013
(Mas foi escrito em 1990)
"O que é uma
nação?
O sentido moderno
da palavra não é mais velho que o século XVIII.
O problema é
que não há meio de informar o observador
como distinguir a priori uma nação de outras entidades da mesma maneira como
podemos informá-lo como reconhecer um pássaro ou distinguir um rato de um
lagarto.
Os critérios usados
para o objetivo de definir "nação" - língua, etnicidade ou qualquer
outro, - são em si mesmos ambíguos, mutáveis, opacos e tão inúteis para os fins
de orientação do viajante quanto o são as formas das nuvens se comparadas com a
sinalização de terra.
Renan: Uma nação é
um plebiscito diário.
Incautos podem
achar que tudo o que é necessário para criar ou recriar uma nação é a vontade
de sê-la: se um número suficiente de habitantes da ilha de Wight quiser ser uma
nação wightiana, lá haverá uma nação.
A maioria dos
estudiosos, hoje, concordaria que
línguas padronizadas nacionais, faladas ou escritas, não podem emergir
nessa forma antes da imprensa e da alfabetização em massa e, portanto, da
escolarização em massa.
As ideologias
oficiais de Estados e movimentos não são orientações para aquilo que está nas
mentes de seus seguidores e cidadãos, mesmo dos mais leiais entre eles.
Segundo, e mais especificamente, não podemos presumir que, parra a maioria das
pessoas, a identificação nacional - quando existe - exclui ou é sempre superior
ao restante do conjunto de identificações que constituem o ser social.
O Dicionário da
Real Academia Espanhola não usa a terminologia de Estado, nação e língua no
sentido moderno antes de sua edição de 1884. Antes disso, a palavra nación significava simplesmente "o
agregado de habitantes de uma província, de um país ou de um reino". A
nación é o "conjunto de los
habitantes de um país regido por um mismo gobierno".
Para o dicionário
espanhol de
O dicionário
holandês trata como uma peculiaridade do francês e do inglês, o fato de
estes usarem a palavra "nação"
para designar pessoas que pertencem a um Estado, mesmo que não falem a mesma
língua.
O desenvolvimento
econômico nos séculos XVI a XVIII foi feito com bases em Estados territoriais
(...)
Mesmo extremados
libertários [no século XXI] podiam
aceitar que a divisão da humanidade em nações autônomas é essencialmente econômica.
Pois, na era pós-revolucionária do Estado-nação, o Estado garantia, afinal de
contas, a segurança da propriedade e dos contratos.
A evolução social expandiu a escala de
unidades sociais humanas, da família e da tribo para o condado e o cantão, do local
para o regional, para o nacional e ocasionalmente para o global.
Havia apenas três
critérios que permitiam a um povo ser firmemente classificado como nação. O
primeiro era sua associação histórica com um Estado existente (... ). O segundo
era a existência de uma elite cultural longamente estabelecida, que possuísse
um vernáculo administrativo e literário escrito. (...) A identificação nacional
é fortemente linguística, mesmo que a língua nacional
fosse falada diariamente por mais do que uma pequena minoria e que o resto
falasse vários idiomas, com frequência incompreensíveis mutuamente. O terceiro
critério, era dado por uma comprovada capacidade para a conquista. Não há nada
como um povo imperial para tornar uma população consciente de sua existência coletiva
como povo.
Do ponto de vista
do liberalismo a causa da "nação" estava no fato de esta representar
um estágio no desenvolvimento histórico da sociedade humana.
De 1880 em diante o
debate sobre "a questão nacional" tornou-se sério e intensivo, especialmente
entre os socialistas, porque o apelo político dos slogans nacionais para as
massas de votantes potenciais e reais era objeto de uma preocupação prática
real.
Massimo d'Azeglio:
Nós fizemos a Itália, agora temos que fazer italianos.
Coronel Pilsudski,
libertador da Polônia: É o Estado que faz a nação e não a nação que faz o
Estado.
Como e por que pode
o conceito de "patriotismo nacional", tão distante da experiência
real da maioria dos seres humanos, tornar-se tão rápido uma força política
poderosa?
Benedict Anderson:
A nação moderna é uma "comunidade imaginada".
Por que as pessoas,
tendo perdido suas comunidades reais, desejam imaginar esse tipo particular de
substituição.
As pessoas não
alfabetizadas formavam a maioria absoluta da população mundial antes do século
XX.
Os ícones estão entre os métodos mais
amplamente usados de se ver o que não pode ser visto.
A mais óbvia
barreira para a comunicação não será a ignorância da língua de outro grupo, e
portanto aquilo que separam os grupos? A criação ou a fala de uma gíria
especial não serve ainda para marcar as pessoas como membros de uma subcultura
que deseja separar-se de outras subculturas ou de toda a comunidade?
Exceto para os
dominantes e para os instruídos, a língua dificilmente poderia ser um critério
para a existência de uma nação.
Por que a língua
deveria ser um critério de vínculo a grupo, com exceção talvez do caso em que a
diferenciação de línguas coincida com alguma outra razão para marcar a pessoa
como externa, pertencente a outra comunidade?
A identificação
mística de uma nacionalidade com uma espécie de ideia platônica da língua, é
muito mais uma criação ideológica de intelectuais nacionalistas.
No Sudão, a
distinção crucial entre os dois povos não é a língua, mas a função.
O francês foi
essencial do conceito de França, mesmo que, em 1789, 50% dos franceses não
falassem nada de francês; apenas 12% a 13% falavam-no "corretamente"
e, fora da região central, não era habitualmente falado. No norte e no sul da
França praticamente ninguém falava francês.
A língua cultural
oficial dos dominantes e da elite frequentemente transformou-se na língua real
dos Estados modernos via educação pública e outros mecanismos administrativos.
Para a maioria dos
chineses não teria tido importância se os mandarins tivessem se comunicado em
latim, como não teve importância para a maioria dos habitantes da Índia que a
companhia das Índias Orientais tivesse, em 1830, substituído a língua persa
pelo inglês.
Parentesco e
"sangue" têm uma óbvia vantagem em ligar membros de um grupo e
excluir estranhos, e portanto são centrais ao nacionalismo étnico. (...) No
entanto, a abordagem genética de etnicidade é abertamente sem importância, já
que a base crucial de um grupo étnico, como forma de organização social, é
cultural e não biológica.
O nacionalismo
suíço é pluriétnico.
Muito poucos
movimentos nacionalistas modernos são realmente baseados em consciência étnica,
embora, assim que se formam, costumam inventar uma, na forma de racismo.
O que unia os
cossacos do Don não era o sangue, mas a crença na "sagrada terra
russa".
O tipo
"certo" de classificação racial vai a par com o tipo
"certo" de posição social, independentemente da aparência física.
A etnicidade
"visível" tende a ser negativa na medida em que é muito mais usada
para definir o "outro" do que o próprio grupo.
A mera consciência
da cor nunca produziu nenhum Estado africano, nem mesmo Gana e Senegal, cujos
fundadores foram inspirados pelas idéias pan-africanas.
A religião é um antigo e experimentado
método de estabelecer uma comunhão, através de uma prática comum e de uma
irmandade, entre pessoas que de outro modo não teriam nada em comum.
Visto que existem,
comparativamente, muito poucas teocracias com possibilidades de se fazerem
nações, é difícil julgar o quanto basta a autoridade divina.
Francisco II: Hoje
eles são patriotas por mim, amanhã podem ser patriotas contra mim.
As revoluções nos
transportes e nas comunicações, verificadas no século XXI, estreitaram e
rotinizaram os liames entre a autoridade central e os lugares mais remotos.
Não
há modo mais eficaz de unir as partes dispares de povos inquietos do que
uni-los contra forasteiros.
O aniversário da
ideia política de nação e o ano em que nasceu esta nova consciência é 1789, o
ano da Revolução Francesa.
A língua de um povo
não é a base da consciência nacional mas sim um "artefato cultural".
As pressões que
existem na América Latina para a educação em língua vernácula indígena, às
quais falta uma escrita, não vêm dos índios, mas sim de intelectuais
indigenistas.
A imaginária
comunidade de milhões parece mais real na forma de um time de onze pessoas com
nome. O indivíduo, mesmo aquele que apenas torce, torna-se o próprio símbolo de
sua nação.
As comunidades e
grupos étnicos nas sociedades modernas estão destinados a coexistir, qualquer
que seja a retórica que sonhe com uma volta a uma nação sem misturas.
As relações
tradicionais interétnicas foram muitas vezes, talvez na maioria dos casos,
estabilizadas por desenvolverem-se numa divisão social do trabalho segmentada,
de forma que o "estranho" tivesse uma função reconhecida e, sejam
quais forem "nossos" atritos com sua comunidade, que "nos"
complemente, mais do que faça competição.
Um caso extremo: A
Papua-Nova Guiné tem mais de setecentas línguas para uma população de cerca de
2,5 milhões.
Os nacionalismos
étnico e linguístico podem estar em rotas divergentes, e ambos podem estar
agora perdendo sua dependência do poder do Estado nacional.
O apelo por uma
comunidade imaginária da nação parece ter vencido todos os desafios, sobretudo
naqueles locais onde as ideologias estão em conflito. O que mais poderia ter
lançado a Argentina e a Inglaterra em uma louca guerra por um pântano e uma
pastagem acidentados e ásperos, do que a solidariedade que emana de um
"nós" imaginário, em oposição a um "eles" simbólico?
Seja onde for que
vivamos em uma sociedade urbanizada, encontraremos estrangeiros: homens e
mulheres desenraizados que nos trazem à lembrança a fragilidade ou o murchar de
nossas próprias raízes familiares.
O apelo da
etnicidade ou da linguagem não provê nenhuma orientação para o futuro. Não
passa de um mero protesto contra o status quo, ou, mais precisamente, contra
"os outros" que ameaçam o grupo etnicamente definido.
Mais da metade dos
Estados existentes na atualidade tem menos de [sessenta de cinco anos (2017)].
Desde a Segunda
Guerra Mundial, mas especialmente desde os anos 1960, o papel das
"economias nacionais" tem sido corroído ou mesmo colocado em questão
pelas principais transformações na divisão internacional do trabalho cujas
unidades básicas são organizações de todos os tamanhos, multinacionais ou
transnacionais, e pelo desenvolvimento correspondente dos centros
internacionais e redes de transações econômicas que estão, para fins práticos,
fora do controle dos governos dos Estados.
As velhas economias
nacionais foram substituídas por associações ou federações maiores dos "Estados-nações",
tais como a Comunidade Econômica Européia, e entidades internacionais
controladas coletivamente como o FMI.
A receita e a
despesa públicas adquiriam peso bem maior nas economias dos Estados, sobretudo
por seu crescente papel de agentes de redistribuições substanciais da renda
social por meio de mecanismos de bem-estar e fiscais. Isso, provavelmente, tem
tornado o Estado nacional um fator bem mais central nas vidas dos habitantes
mundiais do que antes. Economias nacionais, embora enfraquecidas por uma
economia transnacional, coexistem e interagem com ela.
Na Europa, lar
tradicional do princípio da nacionalidade, um número bem maior de movimentos
nacionais existentes atualmente, do que aqueles que é possível lembrar,
desistiu, na prática, de idealizar a independência estatal como seu objetivo final.
Aqui a maioria de tais movimentos parece ser de reações contra a centralização
do Estado, do poder cultural ou econômico - isto é, daquilo que está distante -
contra a burocratização, ou ainda, expressa vários descontentamentos locais ou
setoriais capazes de ser envoltos em bandeiras coloridas.
Quando o general de
Gaulle, quer tivesse ou não a intenção, se dirigia aos habitantes de Quebec
como os franceses no exterior, estava completamente em desacordo com o que
vimos ser a definição não linguistica e tradicional do "ser francês".
O pensamento nacionalista de Quebec, por sua vez, "abandonou, mais ou
menos, o termo pátria (La patrie) e, por sua vez, se envolveu num interminável
debate sobre o mérito e o demérito de termos como nação, povo, sociedade e Estado".
Até os anos 1960, o "ser britânico", em termos de lei e
administração, era um simples assunto de ter nascido de pais ou parentes
britânicos, ou em solo britânico, ter casado com um cidadão britânico ou ser
naturalizado. Hoje em dia isso está longe de ser um assunto simples.
O que eu argumento é
que e o nacionalismo é, historicamente, menos importante.
A história teria
que inevitavelmente ser escrita como a história de um mundo que não pode mais
ser contido dentro dos limites das "nações" e
"Estados-nações". (...) A história verá "Estados-nações" e
"nações", ou grupos primariamente étnico-linguisticos, antes
retrocedendo, resistindo a, se adaptando a, sendo absorvidos ou deslocados pela
nova reestruturação supranacional do planeta. Nações e o nacionalismo estarão
presentes nessa história, mas em papéis subordinados e, muito frequentemente,
menores.
Como sugeri,
"nação" e "nacionalismo" não são mais termos adequados para
descrever as entidades políticas escritas como tais, e muito menos para
analisar sentimentos que foram descritos, uma vez, por essas palavras. (...) "Ser" inglês, ou irlandês, ou
judeu, ou uma combinação desses todos, é somente um dos modos pelos quais as
pessoas descrevem suas identidades, entre muitas outras que elas usam para tal
objetivo, como demandas ocasionais.
Hegel:
A coruja de Minerva que traz sabedoria voa no crepúsculo.