EXTRATO DE: O MAL-ESTAR
NA CIVILIZAÇÃO
Autor: Sigmund Freud
Ed;: Penguin &
Companhia das letras – 1930/2011/2019
(...) as pessoas
usam medidas falsas, de que buscam poder, sucesso e riqueza para si mesmas e
admiram aqueles que os têm, subestimando os
autênticos valores da vida. [vida]
(...) a religião
como ilusão (...)
[Qual a fonte da
religiosidade?] Um sentimento que ele gostaria de denominar sensação de
“eternidade”, um sentimento de algo ilimitado, sem barreiras, como que
“oceânico”.
(...) instauração
do princípio da realidade (...)
(...) impulso
instintual (...)
(...) a conservação
do passado na vida psíquica é antes a regra do que a surpreendente exceção.
(...) que direito
tem esse sentimento oceânico de ser visto como a fonte das necessidades
religiosas? (...) Quanto a elas parece-me irrefutável a sua derivação do
desamparo infantil e da nostalgia do pai despertada por ele, tanto mais que
este sentimento não se prolonga simplesmente desde a época infantil, mas é
duradouramente conservado pelo medo ante o superior poder do destino.
Este ser-um com o
universo, que é o conteúdo ideativo do sentimento oceânico, apresenta-se-nos
como uma tentativa inicial de consolação religiosa, como um outro caminho para
negar o perigo que o Eu percebe a ameaçá-lo do mundo exterior.
A vida, tal como
nos coube, é muito difícil para nós, traz demasiadas dores, decepções, tarefas
insolúveis. Para suportá-la existem [alguns] recursos: poderosas diversões, que
nos permitem fazer pouco de nossa miséria, gratificações substitutivas, que a
diminuem, e substâncias inebriantes, que nos tornam insensíveis a ela.
[Filósofos]
A questão da
finalidade da vida já foi posta inúmeras vezes. (...) [Mas] ninguém fala da
finalidade da vida dos animais a menos que ela consista em servir aos homens,
talvez. (...) apenas a religião sabe responder à questão sobre a finalidade da
vida. [vida]
O que revela a
própria conduta dos homens acerca da finalidade e intenção de sua vida, o que
pedem eles da vida e desejam nela alcançar? (...) eles buscam a felicidade,
querem se tornar e permanecer felizes. [vida]
(...) é
simplesmente o princípio do prazer que estabelece a finalidade da vida. [Filósofos]
Aquilo que se chama
“felicidade” vem da satisfação repentina de necessidades altamente represadas,
e por sua natureza é possível apenas como fenômeno episódico. (...) somos
feitos de modo a poder fruir intensamente só o contraste, muito pouco o estado.
[felicidade]
Goethe:
Nada é mais difícil de suportar do que uma série de dias belos.
A maioria dos
homens trabalha apenas forçada pela necessidade, e graves problemas sociais
derivam dessa natural aversão humana ao trabalho. [felicidade]
A suave narcose em
que nos induz a arte não consegue produzir mais que um passageiro alheamento às
durezas da vida, não sendo forte o bastante para fazer esquecer a miséria real.
Diz-se que cada um
de nós, em algum ponto, age de modo semelhante ao paranóico, corrigindo algum
traço inaceitável do mundo de acordo com seu desejo e inscrevendo esse delírio
na realidade. (...) Devemos caracterizar como tal delírio de massa também as
religiões da humanidade.
Uma das formas de
manifestação do amor, o amor sexual, nos proporcionou a mais forte experiência
de uma sensação de prazer avassaladora, dando-nos assim o modelo para nossa
busca da felicidade. (...) Nunca estamos mais desprotegidos ante o sofrimento
do que quando amamos, nunca mais desamparadamente infelizes do que quando
perdemos o objeto amado ou seu amor.
Não há utilidade
evidente na beleza, nem se nota uma clara necessidade cultural para ela; no
entanto, a civilização não poderia dispensá-la.
O programa de ser
feliz, que nos é imposto pelo princípio do prazer, é irrealizável, mas não nos
é permitido – ou melhor, não somos capazes de – abandonar os esforços para de
alguma maneira tornar menos distante a sua realização. (...) Cada um tem que
descobrir a sua maneira particular de ser feliz. [felicidade]
O
êxito jamais é seguro, depende da conjunção de muitos fatores (...)
A religião estorva
o jogo de escolha e adaptação, ao impor igualmente a todos o seu caminho para
conseguir felicidade (...). Sua técnica consiste em rebaixar o valor da vida e
deformar delirantemente a imagem do mundo real, o que tem por pressuposto a
intimidação da inteligência. A este preço, pela veemente fixação de um
infantilismo psíquico e inserção num delírio de massa, a religião consegue
poupar a muitos homens a neurose individual. Mas pouco mais que isso. (...)
Quando o crente se vê finalmente obrigado a falar dos “inescrutáveis desígnios”
do Senhor, está admitindo que lhe restou, como última possibilidade de consolo
e fonte de prazer no sofrimento, apenas a submissão incondicional. [religião]
As três fontes de
onde vem o nosso sofrer: a prepotência da natureza, a fragilidade nosso corpo e
a insuficiência das normas que regulam os vínculos humanos na família, no
Estado e na sociedade. [felicidade]
Boa parte da culpa
por nossa miséria vem do que é chamado de nossa civilização; seríamos bem mais
felizes se a abandonássemos e retrocedêssemos a condições primitivas.
[sentimento resultante da] depreciação da vida terrena, efetuada pela doutrina
cristã.
[A última ocasião
histórica em que formou-se uma condenação à civilização] surgiu ao tomarmos
conhecimento do mecanismo das neuroses, que ameaçam minar o pouco de felicidade
que tem o homem civilizado. [felicidade]
Os homens parecem
haver notado que esta recém-adquirida disposição de espaço e de tempo, esta
submissão das forças naturais, concretização e um anseio milenar, não elevou o
grau de satisfação prazerosa que esperam da vida, não os fez se sentirem mais
felizes.
Não havendo
estradas de ferro para vencer as distâncias, o filho jamais deixaria a cidade
natal, não seria necessário o telefone para ouvir-lhe a voz. (...) De que nos vale
uma vida mais longa, se ela for penosa, pobre em alegrias e tão plena de dores
que só poderemos saudar a morte como uma redenção?
A palavra
civilização designa a inteira soma das realizações e instituições que afastam a
nossa vida daquela de nossos antepassados animais, e que servem para dois fins:
a proteção do homem contra a natureza e a regulamentação dos vínculos dos
homens entre si.
Reconhecemos o alto
nível cultural de um país quando vemos que nele se cultiva (...) tudo o que
serve para a exploração da Terra pelo homem (...) [quando] os animais selvagens
e perigoso se encontram exterminados, e próspera a criação daqueles
domesticados. (...) Logo notamos que a coisa inútil, que esperamos ver
apreciada na civilização, é a beleza. (...) A sujeira de qualquer tipo nos
parece inconciliável com a civilização; (...) enquanto não podemos esperar que
predomine a limpeza na natureza, a ordem, pelo contrário nós copiamos dela. A
observação das grandes regularidades astronômicas deu ao ser humano não apenas
o modelo, mas os primeiros pontos de partida para a introdução da ordem na sua
vida. (...) o beneficio da ordem é inegável; ela permite ao ser humano o melhor
aproveitamento de espaço e tempo enquanto poupa suas energias psíquicas. Seria
justo esperar que se impusesse à atividade humana desde o princípio, sem
dificuldades; e é de espantar que isto não aconteça, que as pessoas manifestem
um pendor natural à negligencia, irregularidade e frouxidão no trabalho, e a
duras penas tenham de ser educadas na imitação dos modelos celestes.
Nenhum traço nos
parece caracterizar melhor a civilização do que a estima e o cultivo das
atividades psíquicas mais elevadas, das realizações intelectuais, científicas e
artística, do papel dominante que é reservado às ideias na vida das pessoas. Entre
essas ideias se destacam os sistemas religiosos, cujo intrincado edifício
procurei elucidar em outra obra; ao lado deles as especulações filosóficas, e
por fim o que se pode chamar de construções ideais dos homens, suas concepções de uma possível
perfeição dos indivíduos particulares, do povo, de toda a humanidade, e as
exigências que colocam a partir dessas concepções. (...) o móvel de toda
atividade humana é o empenho visando as duas metas confluentes,, utilidade e
obtenção de prazer (...)
(...) o último dos
traços característicos da civilização (...): o modo como são reguladas as
relações dos homens entre si, as relações sociais, que dizem respeito ao
indivíduo enquanto vizinho, colaborador, como objeto sexual de um outro, como
membro de uma família e de um Estado, (...) A vida humana em comum se torna possível apenas
quando há uma maioria que é mais forte que qualquer indivíduo e se conserva
diante de qualquer indivíduo. Então o poder dessa comunidade se estabelece como
“Direito”, em oposição ao poder do indivíduo, condenado como “força bruta”.
(...) Portanto, a exigência cultural seguinte é a da justiça, isto e, a
garantia de que a ordem legal que uma vez se colocou não será violada em prol
de um indivíduo.
O homem (...)
sempre defenderá sua exigência de liberdade individual contra a vontade do
grupo.
(...) a sublimação
[mecanismo de defesa do “eu”, direcionamento de impulsos para ações socialmente
aceitáveis] é o destino imposto ao instinto pela civilização. (...) a
civilização [portanto] é construída sobre a renúncia instintual (...) Essa
“frustração cultural” (...) é a causa da hostilidade que todas as culturas têm
de combater.
“Ama a teu como a
ti mesmo” (...) Por que deveríamos fazer isso? Em que nos ajudará? Sobretudo,
como levar isso a cabo? (...) Meu amor é algo precioso para mim, algo que não
posso despender irresponsavelmente. Ele me impõe deveres, os quais tenho que me
dispor a cumprir com sacrifícios. Quando amo a outrem, este deve merecê-lo de
algum modo. (...) Estaria sendo injusto se [amasse o desconhecido] pois meu
amor é estimado como um privilégio pelos meus; seria injusto para com eles
equipará-los a desconhecidos. [preconceito]. [Mais adiante Freud afirma que tal
mandamento] é inexequível. [E que] quem segue tal preceito, na civilização
atual, põe-se em desvantagem diante daquele que o ignora. [religião]
Esse desconhecido
(...) tem mais direito à minha hostilidade, até ao meu ódio. Ele não parece ter
qualquer amor a mim, não me demonstra a menor consideração. Quando lhe traz
vantagem, não hesita em me prejudicar (...) [preconceito]
“Ama
teu próximo assim como ele te ama”, eu nada teria a objetar.
Há diferenças na
conduta humana que a ética classifica de “boas” ou “más”, não considerando que
foram produzidas por condições determinadas. [qed]
Heinrich Heine
confessa: “devemos perdoar nossos inimigos, mas não antes de serem executados”.
(...) o ser humano
não é uma criatura branda, ávida de amor, que no Maximo pode se defender quando
atacado, mas sim que ele deve incluir entre seus dotes instintuais, também um
forte quinhão de agressividade. (...) o próximo constitui também uma tentação
para satisfazer a tendência à agressão, para explorar seu trabalho sem
recompensá-lo, para dele se utilizar sexualmente contra a sua vontade, para
usurpar seu patrimônio, para humilhá-lo, para infligir-lhe dor, para torturá-lo
e matá-lo. O homem é o lobo do homem. [psicopatia]
Em circunstâncias
favoráveis, essa cruel agressividade se expressa também de modo espontâneo, e
revela o ser humano como uma besta selvagem que não poupa os de sua própria
espécie.
Devido a essa
hostilidade primária entre os homens, a
sociedade é permanentemente ameaçada de desintegração. (...) paixões movidas
por instintos são mais fortes que interesses ditados pela razão. (...) amar o
próximo como a si mesmo (...) nada mais contrário à natureza humana original.
Os comunistas
acreditam haver encontrado o caminho para a redenção do mal. (...) Esse pressuposto psicológico é
uma ilusão insustentável. (...) a agressividade reinou quase sem limites no
tempo pré-histórico (...)
(...) a natureza,
dotando os indivíduos de aptidões físicas e talentos intelectuais bastante
desiguais, introduziu injustiças contra as quais não há remédio.[utopia]
Sempre é possível
ligar um grande número de pessoas pelo amor, desde que restem outras para que
se exteriorize a agressividade. (...) narcisismo das pequenas diferenças
[espanhóis e portugueses, ingleses e escoceses etc.]
Todos os massacres
de judeus durante a Idade Média não bastaram para tornar a época mais pacifica
e segura para seus camaradas cristãos. Depois que o apostolo Paulo fez do amor
universal aos homens o fundamento de sua
congregação, a intolerância extrema do cristianismo ante os que permaneceram de
fora tornou-se uma consequência inevitável.
O homem primitivo
não conhecia restrições ao instinto. (...) o homem civilizado trocou um tanto
de felicidade por um tanto de segurança.
A “miséria
psicológica da massa” se manifesta quando a ligação social é estabelecida
principalmente pela identificação dos
membros entre si, e as individualidades que podem liderar não adquirem a
importância que lhes deveria caber na formação da massa. [poder] [ler
Psicologia das massas e análise do Eu]
Schiller:
a fome o amor sustentam a máquina do mundo.
(...) o pendor à
agressão é uma disposição de instinto original e autônoma do ser humano (...).
A luta entre Eros e
Morte, instinto de vida e instinto de destruição, é o conteúdo essencial da
vida, e por isso a evolução cultural pode ser designada como a luta vital da
espécie humana.
A pessoa se sente
culpada quando fez algo que é reconhecido como “mau”. [Neste contexto] o
propósito [a intenção] é equiparado à execução [ação].
Inicialmente o mal
é aquilo devido ao qual alguém é ameaçado com a perda do amor(...).
[portanto] o medo é
apenas o de ser descoberto.
(...) consciência
mais rigorosa e vigilante é justamente o traço característico do ser moral,
(...) é sabido que a frustração contínua só faz crescerem as tentações (...).
Duas origens para o
sentimento de culpa: o medo da autoridade e, depois, o medo ante o Super-eu.
(...) Originalmente a renúncia ao instinto e resultado do medo à autoridade
externa; renuncia-se a satisfações para não perder o seu amor.
[Ter alongado na
reflexão sobre medo e culpa] corresponde bem ao propósito de situar o
sentimento de culpa como o problema mais importante da evolução cultural e de
mostrar que o preço do progresso cultural é a perda de felicidade, pelo
acréscimo do sentimento de culpa.
O
sentimento de culpa (...) é a percepção que tem o Eu de ser vigiado (...)
A superposição
dessas duas camadas do sentimento de culpa – uma vindo do medo à autoridade externa,
outra do medo à interna – tornou mais difícil enxergarmos a trama da
consciência moral.
Os sintomas das
neuroses são essencialmente satisfações substitutivas para desejos sexuais não
realizados.
No processo de
desenvolvimento do indivíduo, conserva-se a principal meta do programa do
princípio do prazer, achar a satisfação da felicidade, e a integração ou
adaptação a uma comunidade aparece como condição inevitável, se deve cumprir
para alcançar a meta de felicidade.
No processo
cultural o principal é, de longe, a meta de criar uma unidade a partir dos
indivíduos humanos(...).
(...) um ser humano
participa do curso evolutivo da humanidade, enquanto segue o seu caminho de
vida.
[As regras para as]
relações dos seres humanos entre si são designadas por “ética”.
Enquanto a virtude não
compensar já nesta vida, a ética pregará em vão.
Os juízos de valor
dos homens são inevitavelmente governados por seus desejos de felicidade, e
que, portanto, são uma tentativa de escorar suas ilusões com argumentos.
(...) consolo, é
pois no fundo isso o que exigem todos, tanto os mais veementes revolucionários como
os mais piedosos crentes, de forma igualmente apaixonada.
A meu ver, a
questão decisiva para a espécie humana é saber se, e em que medida, a sua
evolução cultural poderá controlar as perturbações traídas à vida em comum
pelos instintos humanos de agressão e autodestruição.
[percepção]
[poder]
[psicopatia]
[Qed]: qualidades e
defeitos
[realidade]
[utopia]
[verdade]
[vida]