EXTRATO DE: LIBERALISMO E OS LIMITES DA JUSTIÇA

Autor: Michael J. Sandel

Ed.: Fundação Calouste Gulbekian - 1982-1988/2005

 

Os Limites do Comunitarismo

 

A questão fundamental é saber se o justo é anterior ao bom.

 

Na perspectiva de que os princípios da justiça dependem do valor moral ou do bem intrínseco das finalidades que servem, o argumento para o reconhecimento de um direito depende da capacidade de se demonstrar que esse direito honra ou promove um bem humano importante. (...) A teoria política de Aristóteles é um exemplo desta abordagem. Antes de podermos definir os direitos de um povo, ou indagar sobre a "natureza da constituição ideal", escreve, "temos primeiro que determinar a natureza do modo de vida mais apetecível. Enquanto isto permanecer obscuro, a natureza da constituição ideal permanecerá necessariamente obscura também.

 

(Para mim) a justificação dos direitos depende da importância moral das finalidades que estes servem

 

Em sentido estrito, aquilo que o liberal invoca não é o respeito pela religião, mas o respeito pelo sujeito que se reclama dessa religião, ou o respeito pela dignidade que reside na capacidade de escolher livremente a sua religião. Na perspectiva liberal, os princípios religiosos merecem ser respeitados, não pelo seu conteúdo, mas em virtude de serem "o produto de uma escolha livre e voluntária". [Mas é preciso notar que isto vale para o respeito a tudo o que é manifestação do outro, desde que tal manifestação só tenha implicações sobre o agente. Ou seja, vale para sexo, cor da pele, religião, posição política, casamento etc.]

 

[Mas] Construir todas as convicções religiosas como produto de escolha poderá conduzir a que se perca de vista o papel que a religião desempenha na vida daqueles para quem o cumprimento dos deveres religiosos se apresenta como um objetivo constitutivo, essencial, para o seu bem e indispensável à sua identidade. (...) O que torna um principio religioso merecedor de respeito não é o modo como ele é adquirido - quer tenha sido por opção, revelação, persuasão, ou hábito - mas o lugar que ocupa face à vida boa, as qualidades de caráter que promove, ou (de um ponto de vista político) a sua tendência para cultivar os hábitos e as disposições que produzem bons cidadãos.

 

Situar as convicções religiosas ao mesmo nível dos vários interesses e objetivos que um sujeito independente possa selecionar dificulta a distinção entre exigências da consciência, por um, lado e meras preferências, por outro. (...) Se os índios americanos possuírem o direito de utilizar droga nas suas cerimônias religiosas, o que dizer àqueles que se propõem violar as leis do seu estado em matéria de estupefacientes para fins de puro gozo? Se àqueles que respeitam o sábado, é concedido o direito de marcarem o seu dia de folga no dia que a sua religião reserva para o culto, não terá o Estado de conceder idêntico direito a todos aqueles que desejarem ter um determinado dia livre para assistirem ao futebol?

 

O argumento para a concessão [por quem? Pelo Estado? Pela policia?] de uma proteção especial ao livre exercício do culto pressupõe que os princípios religiosos (...) produzem modos de ser e de agir merecedores de honras e de estima (...).

 

Devem os grupos de suprematistas brancos ser autorizados a publicitar as suas perspectivas racistas? [Sem problema, desde que respeitando os direitos de todos os outros.] Os liberais defender que os governos têm de assumir uma posição de neutralidade perante as opiniões adotadas pelos seus cidadãos. O governo poderá legislar sobre o momento, o local e o modo de expressão - poderá não permitir a realização de um comício barulhento a meio da noite -, mas não se poderá pronunciar sobre o seu conteúdo. Proibir expressões ofensivas ou impopulares equivale a impor os valores de uns sobre outros, nesta medida constituindo uma falta de respeito pela capacidade de cada cidadão escolher e exprimir as suas próprias opiniões.

 

 Na perspectiva liberal, nenhum discurso de ódio poderá constituir um mal em si mesmo, uma vez que o respeito mais elevado é o de um sujeito por si mesmo, independentemente dos seus objetivos ou das suas ligações. [Isto é falho porque desconsidera a limitação das manifestações ao respeito às normas de um "bom viver" em sociedade.]

 

Para pessoas que se vêem a si mesmas como definidas pelo grupo étnico ou religioso a que pertencem, um insulto ao seu grupo pode causar-lhes um dano tão real e prejudicial como alguns danos físicos.

 

Porem, reconhecer o dano que o discurso de ódio pode causar não prova que esse discurso deva ser restringido. [Não é o discurso a ser restringido, mas o local onde o discurso possa ser feito.]  (...) Os segregacionistas do sul não queriam que Martin Luther King Jr. Se manifestasse nas suas comunidades, tal como os residentes de Skokie não queriam ver manifestações de neo-nazis nos seus bairros.

 

O fundamento mais óbvio da distinção entre estes dois casos prende-se com o fato de os neo-nazis promoveram o genocídio e o ódio, enquanto que Martin Luther King Jr. Procurava direitos civis para os negros. [diferente do direito à autonomia]

 

Qualquer teoria de direitos exige certas regras e doutrinas gerais, de modo a poupar o juiz a ter de tratar todos os casos que lhe são presentes a partir da estaca zero.

 

O liberalismo e o primado da justiça

 

O liberalismo deontológio [que consiste em liberalismo que respeita as regras, respeito àquilo que é obrigatório] é, acima de tudo, uma doutrina acerca da justiça, e, em particular, acerca do primado da justiça no quadro dos ideais morais e políticos. A sua tese nuclear poderá ser apresentada da seguinte forma: sendo a sociedade composta por uma pluralidade de pessoas, cada uma com os seus objetivos, interesses e concepções do bem, estará mais bem organizada quando for governada segundo princípios que, em si mesmos, não pressupõem uma qualquer concepção do bem.

 

Contra o primado da justiça, argumentarei em favor dos limites da justiça e, por arrastamento, a favor dos limites do liberalismo também.

 

(...) Locke defende que os direitos naturais de um homem são tão fortes que nenhuma comunidade se pode sobrepor a eles. [Resta Locke explicar como o indivíduo poderá viver em comunidade.]

 

Kant faz a seguinte distinção:

"Por primado entre duas ou mais coisas ligadas pela razão entendo eu a prioridade de uma delas ser o primeiro princípio determinante da conexão com todas as outras. No sentido mais estrito, prático, primado significa a superioridade do interesse de uma enquanto o interesse das outras está subordinado a esse interesse (que não pode estar subordinado a mais nenhum outro)." [Isto não faz sentido porque tudo está interligado e hierarquizado.]

 

No dizer de John Stuart Mill, possuir um direito é "deter algo cuja posse me deve ser assegurada pela sociedade".

 

Para Mill "a utilidade constitui a última instância de apelo de todas as questões éticas".

 

[Mas] Sempre que a utilidade for o fundamento determinante - até mesmo a "utilidade no sentido mais amplo" - têm, em princípio, que existir casos em que o bem-estar geral se sobrepõe à justiça, em vez de a assegurar.

 

Ainda que fosse partilhado universalmente, o desejo de felicidade não poderia constituir o fundamento da lei moral. As pessoas continuariam a ter concepções diferentes acerca da natureza da felicidade.

 

Só quando eu me governar por princípios que não pressupõem quaisquer fins particulares é que eu serei livre para perseguir os meus próprios fins, desde que igual liberdade seja assegurada para todos.

 

"Dever!", pergunta Kant, "Que origem é digna de ti e onde se encontra a raiz da tua nobre linhagem, que recusa orgulhosamente todo o parentesco com as inclinações?"

 

Para Kant, estas prioridades paralelas [o justo é anterior ao bom e o sujeito é anterior aos seus fins] explicam "de uma só vez a causa de todos os erros dos filósofos quanto ao princípio supremo da moral. (Os filósofos) deveriam ter "primeiramente buscado uma lei que determinasse a priori e imediatamente a vontade e, em seguida, em conformidade com esta, o objetivo".

 

"Na medida em que um homem se conhece a si mesmo através da sensação interior (...) não poderá afirmar que se conhece naquilo que é em si mesmo." (...) "Um homem tem de assumir que, para alem deste caráter de si mesmo enquanto sujeito composto de meros fenômenos, existe algo mais que os fundamenta - ou seja, o seu Ego, pois este deve constituir-se a si mesmo."

 Kant

 

A descoberta de que tenho que me conhecer a mim mesmo, quer como sujeito, quer como objeto da experiência, sugere dois modos diferentes de conceber as leis que governam as minhas ações. (...) enquanto sujeito da experiência, eu habito o mundo inteligível, ou supra-sensível, no qual sou independente das leis da natureza e me apresento como sendo capaz de ser autônomo, isto é, capaz de agir de acordo com uma lei que me dou a mim mesmo. [!!! "Dar-se uma lei" é possível, mas não a base das ações humanas.]

 

(...) "os direitos garantidos pela justiça não estão dependentes do cálculo dos interesses sociais", pelo contrário, "funcionam como trunfos nas mãos dos indivíduos" contra as políticas que pretendam impor uma visão particular do bem sobre a sociedade, como um todo.

 

(...) para aceitar o liberalismo, ninguém "necessita de tomar posição relativamente a uma série de 'grandes questões', cujo caráter é extremamente controverso". Ackerman

 

Para que a justiça seja um valor primário, (...) temos de ser criaturas de um certo ripo, relacionadas com as circunstâncias humanas de uma certa maneira.

 

(...) a influência penetrante das condições sociais na formulação dos valores individuais e das fórmulas de organização política. (...) o liberalismo está errado na medida em que a neutralidade não é possível, dado que, por mais que nos esforcemos, jamais seremos capazes de escapar por inteiro aos efeitos das nossas condicionantes. (...) A apregoada independência do sujeito deontológico é uma ilusão liberal. Não entende a natureza fundamentalmente "social" do homem, nem o fato de sermos seres condicionados "do princípio ate o fim".

 

A prioridade do sujeito não afirma que sejamos governados pelo egoísmo, as apenas que quaisquer interesses que tenhamos têm e ser os interesses de algum sujeito. Na perspectiva da justiça, eu sou livre de procurar o meu próprio bem, ou o bem de outros, desde que não pratique a injustiça. E esta restrição ao tem a ver nem com o egoísmo nem com o altruísmo, mas apenas com o interesse primordial de assegurar aos outros uma igual liberdade.

 

(...) Hume descreveu o eu como consistindo em "um feixe ou coleção de percepções diferentes, as quais se sucedem, uma à outra, a uma velocidade inconcebível, encontrando-se num fluxo e num movimento permanentes".  (...) Para podermos dar sentido à continuidade do eu através do tempo, temos de presumir algum princípio de unidade que "preceda toda a experiência, e que torne a própria experiência possível". Hume

 

Tal como Kant, Rawls é um liberal deontológico. (...) Para Rawls "a justiça é a primeira virtude das instituições sociais". [mas para ele também] "tal como a verdade o é para os sis de pensamento. [ele vai mais além ao dizer que] Uma teoria, por mais elegante e parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; (...)

 

A justiça é o padrão através do qual valores em conflito são reconciliados e as distintas concepções do bem são acomodadas, mesmo se nem sempre resolvidas.

 

[Para Alexander Bickel] a lei é o valor dos valores. A lei é a instituição principal através da qual uma sociedade afirma os seus valores.

 

(...) precisamos de um "ponto de Arquimedes" a partir do qual possamos avaliar a estrutura básica da sociedade.

 

Enquanto reivindicação moral direta, a prioridade do justo sobre o bom significa que os princípios do justo prevalecem invariavelmente sobre considerações de bem-estar ou de satisfação dos desejos, independentemente da sua intensidade, delimitando, de antemão, o conjunto dos desejos e dos valores que merecem satisfação.

 

Sempre que o justo for instrumental para a prossecução de um fim qualquer, considerado como sento anterior, a negação da liberdade de alguns pode justificar-se em nome do bem superior de outros.

 

(...) o que é mais importante na nossa condição de pessoa, não é os fins que escolhemos, mas a nossa capacidade de os eleger. E esta capacidade está localizada num sujeito que é necessariamente anterior aos fins que adota.

 

As circunstâncias da justiça são as condições que desencadeiam a virtude da justiça. (...) A sociedade é perspectivada como sendo um empreendimento cooperativo com vista à obtenção de benefícios mútuos, o que significa que se encontra essencialmente marcada tanto pelo conflito como por uma identidade de interesses.

 

Seguindo Hume, Rawls observa que estas circunstancias são de dois tipos: objetivas e subjetivas. As circunstâncias objetivas da justiça incluem fatos como, por exemplo, a moderada escassez de recursos, enquanto que as circunstâncias subjetivas dizem respeito aos sujeitos da cooperação, muito em particular ao fato de se caracterizarem por deterem interesses e fins distintos. Isto significa que cada pessoa possui o seu próprio plano de vida, ou a sua própria concepção do bem, que considera merecedora de ser promovida.

 

Rawls: "Podemos dizer, em resumo, que as circunstâncias da justiça se verificam sempre que são formuladas exigências concorrentes que incidem sobre a divisão das vantagens sociais em condições de escassez moderada. Se estas circunstâncias não se verificarem, não haverá condições para o exercício da virtude da justiça, da mesmo forma que, na ausência de ameaças à vida ou à integridade, não haverá lugar para a manifestação da coragem física."

 

A exibição gratuita de coragem física durante condições de tranqüilidade pode vir a perturbar a própria tranqüilidade que não se soube apreciar e que, muito possivelmente, não se poderá recompor.

 

Para Hume, a justiça é o produto de convenções humanas e "deriva a sua existência inteiramente da necessidade do seu uso na convivência e na condição social da humanidade".

 

2 - A POSSE, O MÉRITO E A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

 

Princípio da diferença: [defende] que apenas são permitidas aquelas desigualdades que funcionem em benefício dos membros mais desfavorecidos da sociedade.

 

[Para Nozick] "cada um de nós, individualmente, escolhe por vezes submeter-se a algum trabalho ou sacrifício com vista seja à obtenção de um benefício, seja a evitar um prejuízo ainda maior. (...) Porem, não existe qualquer entidade social com um bem privativo que se disponha a suportar algum sacrifício para o seu próprio bem. Apenas as pessoas individuais existem, pessoas individuais diferentes, com suas próprias vidas individuais".

 

[E continua]

"Não há nada que supere o valor moral da vida de um de nós ao ponto de justificar que ela lhe possa ser retirada com vista à obtenção de um bem social global maior. Nada justifica que se sacrifique alguns de nós pelos outros."

 

[Então ele não explica a pena de morte.]

 

Mas até mesmo se a educação compensatória e outras reformas pudessem suprir por completo as carências sociais e culturais, torna-se difícil, se não mesmo em regra geral impossível, imaginar que tipo de políticas sociais seriam necessárias para que se pudesse proceder a uma "correção" comparável das contingências naturais do acaso. Daquilo que necessitamos [necessitamos?] portanto, é de uma concepção que anule o efeito destas contingências, ao mesmo tempo  reconhece a sua inevitabilidade.

 

(...) o princípio da diferença reconhece o caráter arbitrário da sorte quando afirma que eu não sou exatamente o proprietário, mas apenas o guardião ou o depositário,  dos talentos e das capacidades que venham a residir na minha pessoa e, como tal, não possuo qualquer direito moral  especial sobre os frutos do seu exercício. [Assumir este principio, nos levaria a outras questões: se não tenho ganho, por que optaria por desenvolver e aplicar tais pretensos talentos? Quem ou o quê determina que uma determinada habilidade minha é um talento? Etc.]

 

[Se] "ninguém merece as suas maiores capacidades naturais, tal como não merece uma melhor posição inicial na sociedade"

[então é razoável eu, como "desprovido" (de um qualquer talento), reivindicar o que os "privilegiados" recebem. Além disso, o fato de se ter uma pretensa habilidade, não significa que eu queira transformá-la em talento, nem que eu esteja disposto a fazer todos os investimentos para receber o mérito (na forma de prêmio financeiro) que a sociedade esteja disposta a me dar.]

 

[É fato que ninguém "merece", aliás, para mim, é um despropósito monumental se falar em merecimento para avaliar moralmente características geneticamente herdadas. O universo simplesmente "é" do jeito que é, assim como o ser humano "'e" do jeito que é. E se hoje temos as estruturas políticas e sócias que temos é porque elas derivaram do reconhecimento gradativo do que somos. É, portanto, esta estrutura sócio-política que define o quê, quando e por quanto uma data capacidade deve ser avaliada. Eu mereço apenas no sentido de que sou  detentor de uma capacidade que a sociedade em que vivo valoriza. Uma pessoa qualquer quando no exercício de um trabalho remunerado, não tem o valor de seu trabalho determinado por ela mesma, tão-somente pelo custo de reposição na cadeia dos processos produtivos. Quem merece, portanto, não é a pessoa, é a função.]

 

Tal como explica Bell, um defensor da ética meritocrática,  "Enquanto todos os homens têm o direito a serem respeitados, nem todos têm direito a serem elogiados. A meritocracia, no melhor significado da palavra, é composta por aqueles que merecem ser enaltecidos."

 

(...) vantagens genéticas e vantagens culturais.

 

Ainda Bell: "(...) a primeira questão a  ser colocada é a de saber o que é que determina a inteligência."

 

Para Rawls "A distribuição natural não é nem justa nem injusta, tal como não é injusto que se nasça numa determinada posição social. Trata-se de simples fatos naturais. A forma como as instituições lidam com estes fatos é que pode ser justa ou injusta."

 

Feinberg parte da observação de que ninguém merece nada, a não ser que exista um fundamento para esse mérito. "É necessário que o mérito de uma pessoa tenha um fundamento, e que esse fundamento consista em algum fato acerca dessa pessoa."

 

Para Rawls "O sentido mais específico que Aristóteles dá do termo "justiça", (...) é o de recusa da pleonexia, isto é, da obtenção de uma vantagem para si através da apropriação do que pertence a outrem, quer seja a propriedade, a recompensa, a função ou qualquer outra coisa, ou através do negar a outrem aquilo que lhe é devido.

 

Para Rawls "Na nossa essência, não somos suficientemente densos para podermos carregar direitos e merecimentos antes que as instituições os definam. Em face destes constrangimentos, a única alternativa que resta é a opção por uma teoria a justiça fundamentada exclusivamente nos direitos decorrentes de expectativas legitimas, excluindo o mérito por inteiro.

 

Desde que uma pessoa faça todas as coisas que as instituições estabelecidas a encorajam a fazer, ela adquire certos direitos, mas n ao antes. Ela tem o direito que as instituições cumpram aquilo que prometeram.

 

Na perspectiva de Rawls, as pessoas não têm qualquer valor intrínseco, nenhum valor que seja intrínseco no sentido de ser delas antes, independentemente, ou para além daquilo que instituições justas lhes tenham atribuído.  (...) "A questão essencial é que o conceito de valor moral não fornece um primeiro princípio de justiça distributiva. Tal ocorre porque ele não pode ser introduzido até que os princípios da justiça, do dever e da obrigação natural tenham sido escolhidos.

 

Para Rawls "Nenhum dos preceitos da justiça visa recompensar a virtude [!!!]. A melhor remuneração obtida por talentos naturais raros, por exemplo, visa cobrir os custos da formação e encorajar o esforço de aprendizagem, bem como dirigir as capacidades naturais para os setores que melhor promovam o interesse comum. A distribuição que daí resulta não está correlacionada com o valor moral."

 

[Se a meritocracia não é válida para o sucesso, então também não é válida para a criminalidade/fracasso.] A afirmação de que um homem merece o seu caráter inferior que o impede de ultrapassar os seus defeitos é igualmente problemática, na medida em que o seu caráter depende, em larga medida, de circunstâncias familiares e sociais desafortunadas pelas quais ele não pode ser culpado.

 

Num extremo do espectro, mesmo antes do surgimento da liberdade natural, encontramos as sociedades aristocráticas e de castas. Nessas sociedades, as perspectivas de vida de uma pessoa encontram-se ligadas à hierarquia em que se nasceu e da qual a pessoa não se pode separar.

 

Epigrama: é uma composição poética breve que expressa um único pensamento principal, festivo ou satírico, de forma engenhosa. Ex: A pessoa desapareceu, apenas restam  atributos.

 

Mesmo se ninguém merecesse seus atributos naturais, as pessoas poderiam continua a ter direito a eles, bem como àquilo que deles derivar.

 

Se não se pode afirmar com propriedade que eles [os atributos] me pertencem, porquê assumir automaticamente que pertencem à comunidade? Do ponto de vista moral, será a sua localização na esfera da comunidade menos acidental ou menos arbitrária?

 

Dizer que eu sou o guardião dos bens que detenho equivale a dizer que eles são propriedade de outra pessoa, em cujo proveito, em cujo nome ou por cuja graça eu os cultivo e uso.

 

Na medida em que sou o depositário de atributos naturais, não há qualquer necessidade de colocar a questão de saber a quem pertencem em ultima instância.

 

Para Nozick, a ausência de mérito cria uma presunção a favor de deixar que os bens fiquem onde caírem, pelo menos a partir do momento em que se aceita que as coisas não chegam a este mundo como o maná que caiu do céu, mas chegam já apropriadas, ligadas a pessoas particulares. [Este discurso de invalidar os atributos naturais faz com que se tenha que ter um pensamento como este de Nozick.]

 

O rol de atributos oferecido pelo acaso não é nem justo, nem injusto. "Trata-se de simples fatos naturais. A forma como as instituições lidam com estes fatos é que pode ser justa ou injusta." Rawls [É isso!!!!!]

 

[Qual a diferença entre o direito e o mérito? Para Rawls e Feinberg] "o mérito é um conceito moral no sentido em que é logicamente anterior e independente das instituições públicas e das suas regras". Direitos, são reivindicações que podem surgir apenas no  contexto de regras ou de condições de qualificação produzidas por instituições já existentes (...).

 

Epistemológico: Epistemologia significa ciência, conhecimento, é o estudo científico que trata dos problemas relacionados com a crença e o conhecimento, sua natureza e limitações. É uma palavra que vem do grego.

A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento, e também é conhecida como teoria do conhecimento e relaciona-se com a metafísica, a lógica e a filosofia da ciência.

 

3 - A TEORIA CONTRATUALISTA E A JUSTIFICAÇÃO

 

A idéia de base [para uma teoria da justiça] é a de que os princípios da justiça são objeto de um  acordo original. (...) quer à atribuição de direitos e deveres básicos, quer à divisão dos benefícios da vida em sociedade.

 

Quando celebro livremente [isso é possível????] um acordo, comprometo-me com os seus termos, sejam eles quais forem.

 

O senso comum sugere varias razoes pelas quais, na prática, contratos reais podem vir a ser injustos. Uma ou ambas as partes podem ter sido coagidas, ou então prejudicadas por uma posição negocial desfavorável enganadas, ou de algum modo iludidas acerca do valor dos objetos da transação, ou equivocadas a propósito da suas necessidades e dos seus interesses.

 

Quando assume que os homens se reuniram em sociedade uns com os outros "com o fim de se unirem de modo a assegurarem a preservação mutua das suas vidas, das suas liberdades e dos seus haveres, que identifico com o nome geral de propriedade", Locke atribui aos seres humanos um fim dominante específico, elevando-o à condição de premissa dos princípios que dele decorre. "Portanto o grande e principal fim que conduziu à união do SOS em sociedade e à sua submissão a um governo foi a preservação das suas propriedades. Tarefa para a qual o estado de natureza se apresentava profundamente inadequado em muitos aspectos".

 

Porém, fundar os princípios da justiça em fins ou em desejos tidos por nos serem dados pela natureza, sejam eles a procura da felicidade ou a preservação da propriedade ou da própria vida, equivale, para Rawls, a colocar o bom antes do justo, a negar a pluralidade essencial dos fins humanos, substituindo-a por um fim único dominante, a fundamentar a justiça em certas contingências e a inverter a relação entre o eu e os seus fins, concebendo o homem como um sujeito de fins que lhe são fornecidos antecipadamente, em vez de um ser dotado de vontade e da capacidade de se dotar dos fins que ele próprio eleger.

 

[Para Kant] "Nenhum principio de legislação com validade geral se pode basear na felicidade. [ou] a felicidade jamais poderá constituir um principio adequado para a legislação.

 

[Para Kant] "os princípios morais são objeto de escolha racional". [???]

 

"É evidente que nenhuma sociedade pode ser um sistema de cooperação à qual se adira de forma literalmente voluntária; pelo nascimento todos estamos situados numa sociedade concreta e numa posição determinada e a natureza dessa posição afeta naturalmente as nossas perspectivas de vida. No entanto, uma sociedade que satisfaça os princípios da justiça como equidade está tão próxima quanto possível de um sistema voluntário, uma vez que satisfaz os princípios que sujeitos livres e iguais consentiriam em circunstancias equitativas. Neste sentido, os seus membros são autônomos e as obrigações que reconhecem são auto-impostas."

 

Fora da pluralidade, quer os contratos, quer os princípios da justiça não seriam nem possíveis nem necessários.

 

Os contratos reais acabam muitas vezes por ser injustos devido às inevitáveis diferenças de poder e de conhecimento entre pessoas diferentemente situadas.

 

[Retirado da internet: A moral procura definir o que se deve fazer, o que deve acontecer. Neste aspecto distingue-se do conhecimento cujas leis determinam universalmente o que é ou o que acontece. Kant procurou demonstrar que era possível  formular para a moral leis universais como as do conhecimento científico. Estas leis tinham que ser formuladas à priori, isto é, sem levarem em conta os atos efetivamente praticados, quer fossem bons ou maus. O legislador supremo da moralidade é a razão humana. ]

 

Numênico: absoluto.

 

4 - A JUSTIÇA E O BEM

 

Dworkin defende políticas de discriminação positiva (...) na medida em que constituem um mecanismo eficaz para atingir um objetivo social desejável (...) O argumento (...) é fundamentalmente o da utilidade social. Neste contexto, a discriminação positiva justifica-se não por aqueles que são favorecidos terem direito a uma vantagem sobre os outros, ou como compensação por terem sido discriminados negativamente no passado, ou por qualquer outra razão, mas tão-só porque "ajudá-los neste momento constitui um mecanismo eficaz para combater um problema nacional".

 

Se bem que seja verdade que um branco que obtenha resultados baixos nos exames de acesso seria admitido se fosse negro, "também é verdade, e exatamente no mesmo sentido, que ele teria sido admitido se fosse mais inteligente, ou se tivesse causado uma impressão melhor na sua entrevista."

 

[Dworkin] "Se a destreza manual conta como 'mérito' no  caso de um futuro cirurgião, isto fica a dever-se ao fato de que esta característica lhe irá permitir servir o público melhor, e a mais nenhuma outra razão."

 

Aquilo que se considera ser uma qualificação para uma tarefa particular depende das qualidades que essa tarefa venha a exigir, nada mais. Os benefícios associados às profissões não constituem prêmios desenhados como recompensa por desempenhos superiores, as incentivos que visam atrair as qualidades relevantes.

 

As pessoas não podem ter um valor intrínseco, do mesmo modo que não podem  ter um mérito intrínseco, quer dizer, um valor ou um mérito que seja seu antes ou independentemente daquilo que as instituições justas lhes possam atribuir. (...) [ou seja] todas as pretensões têm de aguardar pela chegada e instituições justas.

 

As expectativas de uma pessoa (...) têm sempre de recuar perante "uma matéria de interesse social mais geral", como acontece quando um pequeno empresário tem de encerrar a sua atividade para que se possa construir uma estrada nova e mais larga.

 

Se nenhum indivíduo tem um direito anterior sobre os benefícios decorrentes dos atributos e dos dons que lhe foram acidentalmente consignados, poderá parecer natural pressupor que, então, é a sociedade como um todo que o detém.

 

"Caro candidato (rejeitado),

(...)

Sr. Não tem culpa do fato de se apresentar precisamente num  momento em que a sociedade não necessita das qualidades que tem para oferecer.

(...)

Esteja seguro de que aqueles que foram admitidos são intrinsecamente tão destituídos de valor como você.

(...)"

 

"Caro candidato (admitido),

(...)

Ainda que não decorra de qualquer esforço seu, acontece que possui as características de que a sociedade necessita neste momento.

(...)

Esta decisão não constitui qualquer louvo, uma vez que o fato de possuir as qualidades relevantes é arbitrário do ponto de vista moral.

(...)

A noção de mérito parece não se aplicar a casos como o seu.

(...)"

 

 

Podemos imaginar uma resposta [candidato] no seguinte teor:

 

"Não pretendo, enquanto indivíduo, possuir os atributos de que me vejo dotado, nem deter qualquer pretensão moral sobre os frutos do seu exercício. Reconheço a dívida que tenho, a vários títulos, para com os meus pais, família, cidade, tribo, nação , cultura, época histórica, possivelmente Deus, a natureza e talvez o acaso pela constituição da minha identidade. (...) "

 

[Círculo inclusivo: pessoas movidas pelos laços da afeição e do sentimento, sentimentos estes originados de infinitos caracteres de identificação, tomam atitudes que representam sacrifícios para si mas em benefício do outro.]

 

Heteronomia:  (do grego heteros, "diversos" + nomos, "regras") é um conceito criado por Kant para denominar a sujeição do individuo à vontade de terceiros ou de uma coletividade. Se opõe assim ao conceito de autonomia onde o ente possui arbítrio e pode expressar sua vontade livremente. É um conceito básico relacionado ao Estado de Direito, em que todos devem se submeter à vontade da lei.1 Se opõe também a anomia que é a ausência de regras. Em Direito, a heteronomia é a característica da norma jurídica que estabelece que esta se impõe à vontade do destinatário — ou seja, a lei é imposta ao indivíduo, e exterior a ele,

 

[Rawls] "O princípio determinante para cada sujeito é o de aumentar o mais possível o seu próprio bem-estar, a satisfação do seu sistema de desejos da melhor forma possível."

 

[Hume] "a origem da justiça deriva exclusivamente da escassez de provisões que a natureza nos oferece para a satisfação das nossas necessidades." [É preciso explicar isso frente aqueles que são acumuladores de riqueza insaciáveis.]

 

Enquanto que para Hume necessitamos da justiça na medida em  que não nos amamos o suficiente uns aos outros, para Rawls precisamos dela porque não somos capazes de  nos conhecer uns aos outros o suficiente para que até mesmo o amor seja capaz de funcionar por si só. [Isto para mim chega a ser infantil. Ambos ignoram a diversidade da natureza humana.]

 

Conclusão: O Liberalismo e os Limites da Justiça

 

Temos que permanecer a uma certa distância das nossas circunstâncias, quer seja enquanto sujeitos transcendentais, como no caso de Kant, quer enquanto sujeitos de posse essencialmente destituídos de conteúdo, como no caso de Rawls.

 

Na medida em que nem a natureza nem o cosmos nos fornecem uma ordem significativa que possa ser alcançada ou apreendida, caberá aos sujeitos humanos a tarefa de construção de um significado por si próprios.

 

Tal como Ackerman, um pensador liberal escreve com audácia, "a verdade pura e crua é esta. Não existe qualquer significado escondido nas entranhas do universo. (...) No entanto não precisamos de nos sentir esmagados pelo vazio Podemos criar os nossos próprios significados, tu e eu".

 

O sujeito soberano é deixado à deriva no mar de circunstâncias que se supunha comandar.

 

(...) os atributos que detenho são meus apenas acidentalmente.

 

Ter caráter é conhecer que eu me movimento numa hisoria que eu não convoquei nem comando, mas que não deixa de trazer conseqs para as minhas escolhas e para a minha conduta.

 

Ainda que em privado possamos ser eus densamente constituídos, em público temos de ser eus completamente destituídos de conteúdo, e é aquii que o primado da justiça prevalece.

 

UMA RESPOSTA AO LIBERALISMO POLÍTICO DE RAWLS

 

[Quais são os direitos indis que se sobrepõe ao bem-estar social?]

1 liberfades civis  e políticas fundamentais

2 direito aos frutos do trab

 

Os liberais igualitaristas como Rawls, argumentam que não podemos exercer com significado as nossas liberdades civis e políticas se as nossas necessidades econômicas e sociais básicas não se encontrarem satisfeitas. Assim, os governos deverão garantir a cada pessoa, por uma questão de justiça, um nível decdnte de bens como a educação, o rendimento, a habitação, a saúde, e similares.. [Mas quem é "o governo"? Quem paga a conta?]

 

[Ainda há gente que fala em] fins mais elevados do homem.

 

[Para Rawls] aquilo que nos define não é apenas a soma dos nossos desejos, nem tão-pouco o sermos seres cuja perfeição reside na concretização de determinados propósitos ou fins que nos são fornecidos pela nau como defendeu Aristóteles. Em vez disso, nós somos eus livres e independentes, libertos de quaisquer laços morais anteriores, capazes de eleger os nossos fins por nós  próprios .

 

[Rawls] "O eu é anterior aos objetivos que defende; (...)"

 

[Rawls] "este dualismo entre a nossa identidade enuanto cidadãos e a nossa identidade enquanto pessoas, tem origem na natureza especial da cultura política democrática."  (...) Por mais seguro que eu possa estar da verdade dos ideais morais e religiosos que abraço, não insisto em que a estrutura básica da sociedade os espelhe. [Não vale para o Islã.]

 

À medida que as pessoas aprendem a viver numa sociedade pluralista governada por instituições liberais, elas adqjuirem virtudes que reforçam os seus compromissos para com os princípios liberais.

 

Um defensor do liberalismo político poderá retorquir dizendo que os valores políticos da tolerância e da igualdade de direitos de cidadania para as mulheres constituem fundamentos suficientes para justificar a conclusão  de que cada mulher deve ter a liberdade de escolher por si própria se quer fazer um aborto. O governo, pelo seu lado, não deve tomar partido na controvérsia moral e religiosa acerca da questão de saber quando é que começa a vida  humana. No entanto, se a Igreja Católica tiver ração acerca do estatuto moral do feto, e se o aborto for moralmente equivalente ao asssassinato, nesta circunstância não se entenden por que razão é que os valores políticos da tolerância e da igualdade das muls, não obstante serem importantes, deve prevalecer. Se a doutrina católica estiver correta [!!!!????Enlouqueceu!] ...

 

O desacordo acerca de questões morais e religiosas não é uma condição temporária, mas "o resultado normal do exercício da rz humana" no quadro de instituições livres.

 

Basta que olhemos à nossa volta para verificarmos que as sociedades democráticas modernas estão repletas de desacfcordos acerca da justiça .

 

Discriminação positiva.

 

"O que é óbvio para umas pessoas, e por elas aceite como uma idéia básica, pode perfeitamente ser ininteligível para outras."

 

Em principio, não há qualquer rz para que, em qualquer circunstância concreta, a após uma reflexado adequada, não possamos concluir que algumas doutrinas morais ou religiosas são mais plausives do que outras.

 

[A questão do Estado VS. O impedimento religioso de uma transfusão de sangue?]

 

(...) o discurso político norte-americano das ultimas décadas tem vindo a refletir o porposito liberal de que o governo seja neutro em matéria de questões morais e relilgiosas, de que as questões fundamentais de política puublica sejam debatidas e decididas sem nenhjuma refereencia a qualquer concepção particular do bem.

 

O discurso público fixa-se cada vez mais naquilo que é escandaloso, sensacional e confessional, tal como é fornecido pelos tablóides, pelso talk shows e eventualmente até pela comunicação social mais tracidional.

 

É sempre possível que, ao conhecermos melhor uma doutrina moral ou religiosa, sejamos levados a apreciá-la menos.