EXTRATO DE: JUROS, MOEDA E ORTODOXIA

Autor: André Lara Resende

Ed. Portfólio Penguim (2017)

 

Diante dos avanços dos sistemas de pagamentos eletrônicos, integralmente escriturais, e o fim da moeda física, tanto a teoria como a prática da política monetária deverão ser repensadas.

 

Os fundamentos da catastrófica "nova matriz econômica" dos economistas petistas remontam à tradição estatal desenvolvimentista da proposta de Roberto Simonsen. Mesmo com Dilma a condução da política monetária continuou a ser formulada pela tecnocracia liberal.

 

Gudin fez duras críticas às empresas estatais, nas quais a interferência política afugentava o capital privado, por causa do que ele chamou de "o justo receio da forçosa preponderância que o Estado exercerá na administração da empresa e na escolha de seus dirigentes".

 

Gudin tinha clara noção da distinção entre o livre-mercado e o mercado competitivo. Demonstrava compreender que o mercado competitivo é uma concepção abstrata e artificial, um ideal-tipo, que deveria ser utilizado para pautar a legislação e as instituições. Recomendava que se criassem instituições para evitar todo tipo de abuso econômico que pudesse afastar a economia do ideal competitivo. (...) Sustentava que não havia lei que suprisse os bons princípios da ética dos negócios, que só se adquirem através de um longo processo educativo.

 

Para Gudin, o ganho de produtividade, a capacidade de produzir mais e melhor com menos, é a essência do progresso material. (...) Não há como crescer sem investir e que para investir é preciso criar poupança, mas que, por sua vez, a geração de poupança esbarra na pobreza e no baixíssimo nível de consumo da grande maioria da população, criando assim um círculo vicioso.

 

O apelo de Simonsen estava mais no diagnóstico. O país tinha ficado para trás, não acompanhara o ritmo dos países mais avançados. Era imprescindível um esforço coordenado para recuperar o atraso e superar a pobreza. Era preciso dar combate à miséria, aumentar o consumo e o padrão de vida do brasileiro, para então se alcançar um padrão médio de vida "compatível com a dignidade humana".

 

Gudin sustentava que a complexidade das economias modernas exige a revisão da regulamentação das instituições. [Isto na década de 1950!!!!!]

 

TQM - Teoria Quantitativa da Moeda, segundo a qual o nível geral de preços seria função da quantidade de moeda na economia.

 

A inflação de um dígito na segunda metade da década de 1930 subiu para próximo de 15% ao ano na primeira metade da década de 1940; arrefeceu na segunda metade da década para voltar a níveis próximos de 20% ao ano no inicio da década de 1950.

 

Gudin: "Entre os equívocos que em matéria econômica se têm propalado, um dos mais graves, por suas possíveis consequências, é o que considera que a causa da inflação é a emissão de papel-moeda. (...) São os déficits orçamentários do governo e a expansão excessiva do crédito privado que forçam a emissão de moeda. Portanto, para combater a inflação, é preciso atacar essas suas duas causas primárias, sem o que não é possível controlar a emissão de moeda."

 

Expectativas de renda e consumo mais elevadas no futuro levam ao aumento do consumo no presente, o que aumenta a renda corrente.

 

Para o modelo neokeynesiano são as expectativas sobre o futuro que afetam o nível de atividade hoje.

 

A suposta estabilidade da relação entre a oferta de moeda e o nível geral de preços nunca pôde ser comprovada na prática. (...) Diante da evidência irrefutável de que não há uma relação estável entre a oferta de moeda e o nível de preços, a partir do início só século XXI, os agregados monetários desaparecem tanto da teoria como da prática da política monetária.

 

Se não é a moeda, o que então determina o nível de preços e a inflação? A pergunta continua sem resposta.

 

Duas questões ainda mais fundamentais continuam sem resposta. Primeiro, por que existe demanda por algo que não tem valor intrínseco, como a moeda? Segundo, o que é a oferta de moeda num sistema fiduciário puro, com registros, pagamentos e compensação centralizados?

 

Num sistema centralizado de compensação e custódia, como no sistema bancário contemporâneo que pode ser acessado de qualquer lugar, por meio de cartões e dispositivos móveis, a moeda como meio de pagamento é um anacronismo completo.

 

A liquidez da moeda é tautológica: a moeda não está sujeita a desconto em seu valor nominal porque seu valor nominal é a referência para a determinação de todos os preços, inclusive o dela própria.


É o papel de unidade de conta que explica a demanda por moeda.

 

As evidências de vinte países, analisados em 2015, parecem confirmar que, após 1990, quando o regime de metas se tornou predominante e as expectativas foram ancoradas, o impacto do desemprego sobre a inflação se tornou efetivamente pouco relevante.

 

Quanto mais inflexíveis forem os preços, mais líquida, ou monetizada, será a economia e menos poderosa será a taxa de juros para influenciar a inflação através do hiato de produto e do desemprego.

 

A inflação é resultado de expectativas essencialmente subjetivas.

 

Ao fim do que diz Cochrane, a única conclusão possível é que há uma desconcertante incapacidade de se chegar a uma conclusão.

 

O Fed, desde 2008, promoveu um aumento da base monetária  americana de 50 bilhões de dólares para perto de 3 trilhões de dólares (ou seja, 60 vezes) num período de 10 anos e sem que isso provocasse qualquer aumento da inflação.

 

De acordo com a definição clássica de moeda, suas principais funções são a de servir como meio de pagamento, como unidade de conta e ainda como reserva de valor. A primeira delas - meio de pagamento - foi quase sempre percebida como primordial. Facilitar as transações e eliminar a  necessidade de dupla coincidência de demandas, necessária nos sistema de escambo, foi com certeza o mais importante papel da moeda nas economias primitivas. (...) Mas hoje, o fato de servir como unidade de conta, como padrão universal de valor, é o que define moeda. Essa é sua única propriedade essencial.

 

A aceitação universal da moeda por seu valor nominal para quitação de dívida  - sua propriedade de liquidez absoluta - não pode ser dissociada do fato de que ela sirva como unidade de conta é por ser o padrão universal de valor que faz com que, por definição, a moeda tenha perfeita liquidez.

 

Uma inflação sistematicamente abaixo da meta será considerada uma ameaça de deflação, e uma inflação sistematicamente acima da meta será considerada uma inflação crônica, enquanto que a inflação sistematicamente dentro da meta será interpretada apenas como sinal da eficácia da política monetária.

 

Neste início de século XXI, está em curso  um intenso processo de revisão da ortodoxia monetária, que deverá refletir também o avanço tecnológico e a perda de importância do papel-moeda no sistema de pagamentos.

 

A tese de que não haveria realmente desemprego, de que todo desemprego seria voluntário - sem nenhuma ironia -, foi sustentada durante algum tempo por expoentes acadêmicos em defesa dos modelos teóricos.

 

Em vez de rever as premissas - os fundamentos microeconômicos baseados em agentes racionais maximizadores -, a solução foi procurar justificar a contradição entre o resultado do modelo e a realidade com base em algum tipo de "distorção" existente na realidade.

 

[Em muitos modelos conceituais ocorre que] os resultados tão flagrantemente irrealistas precisam ser adaptados com todo tipo de "distorção" para torná-los menos incompatíveis com a realidade.

 

A dificuldade para inferir causalidade entre duas ou mais variáveis de um sistema de equações simultâneas deve-se ao que os econometristas chamam de o "problema da identificação". Pode-se observar correlação entre variáveis, mas para ser capaz de inferir causalidade é preciso ter certeza de qual delas é uma variável exógena, isto é, não afetada, direta ou indiretamente, pelas demais vaiáveis do sistema.

 

A macroeconomia contemporânea está mais para um ramo da matemática aplicada, infelizmente sem relevância prática.

 

Há sempre uma explicação para tudo se todas as peças do tabuleiro conceitual são móveis e arbitrariamente definidas a posteriori.

 

Como indivíduos, estamos bem menos equipados para separar fatos e ficção, mitos e realidade do que gostamos de admitir. Como consequência dessa distribuição atomizada do conhecimento, somos levados a crer que sabemos individualmente mais do que de fato sabemos. (...) Individualmente continuamos ignorantes na essência.

 

A macroeconomia é a arte de organizar o arcabouço conceitual para a formulação e a condução das políticas monetária e fiscal. Mais do que uma ciência social, é sobretudo uma ciência política. Nada mais antidemocrático do que pretender que a discussão de políticas públicas, da mais alta relevância para todos, seja feita a portas fechadas entre especialistas e numa linguagem inacessível.

 

É nos Bancos Centrais que a qualificação técnica é monopolística, onde não sofre concorrência dos políticos profissionais, nem de nenhum outro profissional sem formação técnica macroeconômica. É também nos Bancos Centrais que o poder dos economistas está menos sujeito a questionamento e deve menos satisfação às diversas instâncias da democracia representativa.

 

A moeda é uma convenção social. As questões monetárias são, portanto, indissociáveis dos costumes, das instituições e da tecnologia, que estão sempre em evolução.