EXTRATO DE: A IMAGINAÇÃO
Autor: Jean Paul Sartre
Editora : Difusão Européia do Livro – 1967
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“Não há nada de real no eu, com exceção da fila
dos seus acontecimentos. Esses acontecimentos, diversos de aspecto, são os
mesmos em natureza e se reduzem todos à sensação; a própria sensação,
considerada de fora e pelo meio indireto que se chama percepção exterior, se
reduz a um grupo de movimentos moleculares”. Taine.
“Tudo aquilo que, no espírito, ultrapassa
‘a sensação bruta’, se reduz a imagem, isto é, a
repetições espontâneas da sensação.” Taine.
“Estamos de tal forma
persuadidos da importância da associação na produção do conhecimento que, para
nós, a questão não está em constatá-la, mas em medi-la”. Ferri.
“As imagens são necessárias para a formação
dos conceitos, não há um só conceito que seja inato. A abstração tem
precisamente por objetivo em sua função original e geradora do inteligível
elevar-nos acima da imagem e permitir-nos pensar-lhe o objeto sob uma forma
necessária e universal. Nosso espírito não pode conceber diretamente outro
inteligível alem do inteligível abstrato, e o inteligível abstrato não pode ser
produzido a não ser da imagem com a imagem, pela atividade intelectual. Toda
matéria suscetível de ser explorada pela inteligência é de origem sensorial e
imaginativa..”. R. P. Peillaube.
“O pensamento é uma função que, no curso da
evolução, se acrescentou às formas primarias e secundarias de conhecimento: ensações, memória, associação”. Ribot.
“Toda criacao
imaginativa exige um principio de unidade”. Ribot.
“Quais são as formas de associação que dão
lugar a combinações novas e sob que influência elas se formam?”. Ribot.
Há três fatpres
de associação criadora: um fator “intelectual”, um fator “afetivo”, um fator
“inconsciente”. O fator intelectual é a “faculdade de pensar por analogia”:
“Entendemos por analogia uma forma imperfeita de semelhança. O semelhante é o
gênero do qual o análogo é a espécie”. Quanto ao fator inconsciente, não é ele
de uma natureza diferente da natureza dos fatores precedentes: é intelectual ou
afetivo; apenas não é diretamente acessível à consciência.
“Uma imagem pode ser sem ser percebida;
pode estar presente sem estar representada”. Hume.
“Há para as imagens uma simples diferença
de grau, mas não de natureza entre ser e ser conscientemente percebidas”. Bergson.
“As imagens uma vez percebidas se fixam e
se alinham na memória”. Bergson.
A formação da lembrança é, portanto,
contemporânea da formação da percepção; ao se tornar representação, no momento
mesmo em que é percebida, é que a imagem-coisa se transforma em lembrança.
“A formação da lembrança não é nunca
posterior à da percepção, mas é contemporânea dela. À medida
em que a percepção se cria, sua lembrança se perfila ao lado”. Bergson.
(...) devemos observar desde já que um
presente que é ação pura não seria capaz, por meio de
desdobramento algum, de produzir um passdo inativo,
um passado que é idéia pura sem ligação com os movimentos e as sensações. [Já
se provou que isto não é verdade. É possível inserir na mente uma “realidade”
que nunca existiu.]
Compreender, lembrar, inventar, é sempre
formar primeiro um esquema, depois descer do esquema para a imagem, preencher o
esquema com imagens, o que pode, aliás, conduzir à modificação do esquema no
curso de sua realização. Assim seriam explicadas a
unidade, a organização da atividade espiritual, da qual é impossível dar conta
se partirmos ao contrário, de elementos separados;. É do esquema que procedem a flexibilidade e a novidade. E Bérgson conclui: “Ao lado do
mecanismo da associação, há o do esforço mental”.
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“O pensamento é um ato inconsciente do espírito
que, para se tornar consciente, tem necessidade de imagens e palavras”.
Brochard.
Mas há aqui uma grave confusão. De direito
esta frase: “Partirei amanhã para o campo” envolve o infinito. Primeiramente, é
preciso que haja um “amanhã”, isto é, um sistema solar, constantes físicas e
químicas. É preciso também que eu ainda viva, que nenhum acontecimento grave
tenha abalado minha família ou a sociedade em que vivo. Estas condições são,
sem dúvida, implicitamente requeridas por essa simples frase. Além disso, como
Binet disse muito bem, o sentido da palavra “campo” é inesgotável; seria
preciso acrescentar: o sentido da palavra eu e o das palavras “partir” e
“amanhã”. Finalmente, recuamos assustados diante da profundidade dessa inocente
pequena frase. É o caso de recordar a observação de Valéry:
não há uma palavra que possamos compreender se vamos até o fundo. Mas Valéry acrescenta: “quem se apressa, compreendeu”, o que
significa que, de fato, nunca vamos ao fundo.
“... a psicologia é uma ciência da matéria,
a ciência de uma porção da matéria que tem a propriedade de pré-adaptacao”.
Binet.
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“Não há de um lado imagens e de outro idéias; há apenas conceitos mais ou menos concretos”. Spaier.
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Mas toda falsa percepção não é senão um
falso juízo, uma vez que perceber é julgar. Uma multidão, em Metz [semelhante aconteceu no Brasil, com a imagem de uma
santa], acreditou ver um exercito nos vidros de uma casa. Acreditouo
vê-lo, mas não o viu. Lá havia linhas, c ores, reflexos: nada de exercito. Mas
não havia também nenhuma “representação” de exercito nos espíritos. Não huve projeção da imagem sobre o vidro, não foi fundida uma
lembrança com os dados da percepção. O medo, a
precipitação, levaram-na a julgar muito depressa, a interpretar
mal.
121 Conclusão
Todo fato psíquico é síntese, todo fato
psíquico é forma e possui uma estrutura, é com que os psicólogos concordam.
(...) a imagem não poderá de forma nenhuma
se conciliar com as necessidades da síntese. Ela não pode entrar na correnta da consciência a não ser que ela própria seja
síntese e não elemento. Não há, não poderia haver imagens na consciência. Mas a
imagem é um certo tipo de consciência. A imagem é um
ato e não uma coisa. A imagem é consciência de alguma coisa.