EXTRATO DE: HUMANO, DEMASIADO HUMANO II

Autor: Friedrich Nietzsche

Ed. Cia. Das Letras - 1886/2008

 

Devemos falar apenas do que não podemos calar; e falar somente daquilo que superamos - todo o resto é tagarelice, "literatura", falta de disciplina.

 

O fantasioso nega a verdade para si mesmo; o mentiroso, apenas para os outros.

 

Em tudo o que dizem em favor de seu mestre, os fanáticos defendem a si mesmos, por mais que assumam ares de juizes (e não de acusados), pois involuntariamente e a quase todo instante eles são lembrados de serem exceções que têm de se legitimar.

 

A fé na verdade começa com a dúvida em relação a todas as "verdades" até então acreditadas.

 

Um idealista é incorrigível: se é jogado fora do seu céu, faz do inferno um ideal.

 

Os homens sempre acharam que o que parece mais valioso é o mais verdadeiro, o mais real.

 

A diferença última entre os espíritos filosóficos e os outros seria que os primeiros querem ser justos e os outros querem ser juizes.

 

Quem tem muita alegria deve ser uma boa pessoa: mas talvez não seja a mais inteligente embora obtenha precisamente aquilo que a mais inteligente procura com toda a sua inteligência.

 

Queixar-se é sempre acusar, alegrar-se é sempre louvar: podemos fazer uma coisa ou outra, inevitavelmente responsabilizamos alguém.

 

Há que aprender a sair mais limpo de situações pouco limpas e, se for preciso, lavar-se também com água suja.

 

Tudo o que é bom dói uma vez novo, portanto inusitado, contrário ao costume, imoral, e roeu como um verme o coração do feliz inventor.

 

Muitos pensamentos vieram ao mundo como erros e fantasias, mas tornaram-se verdades porque depois os homens lhes conferiram um substrato real.

 

O primeiro descobridor é geralmente aquele fantasioso bastante comum e sem espírito - o acaso.

 

Não se sabe, pra falar em termos cristãos, se Deus deve ser grato ao Diabo ou o Diabo a Deus, para que tudo tenha sido como foi.

 

Tratar todos com igual benevolência e ser bom sem distinção de pessoa pode ser decorrência tanto de um profundo desprezo como de um sólido amor à humanidade.

 

Na excessiva admiração por virtudes alheias, pode-se perder o gosto em suas próprias virtudes e, por falta de exercício, finalmente perdê-las, sem adquirir as alheias em troca.

 

Numa conversa mais longa, até o homem mais sábio torna-se uma vez tolo e ter vezes palerma.

 

[Buscamos a liberdade de nosso arbítrio justamente ali onde cada um de nós se acha mais fortemente atado: é como se o bicho-da-seda buscasse a liberdade do seu arbítrio justamente no tecer.

 

A doutrina do livre-arbítrio é uma invenção dos estratos dominantes.

 

A comunidade é a organização dos fracos para o equilíbrio com os poderes ameaçadores.

 

Os direitos remontam primeiramente à tradição, e a tradição, a uma convenção.

 

Moral é, primeiramente, um meio de conservar a comunidade e impedir sua ruína; depois é um meio de manter a comunidade numa certa altura e numa certa qualidade. Seus motivos são temor e esperança. (...) Entre os meios mais fortes está a invenção de um Além com um eterno Inferno.

 

Manifestar compaixão é visto como sinal de desprezo, pois claramente a pessoa deixou de ser objeto de temor, quando alguém lhe demonstra compaixão.

 

A crença em autoridades é a fonte da consciência moral: logo, não é a voz de Deus no coração da pessoa, mas a voz de algumas pessoas na pessoa.

 

Um pequeno jardim, figos, porções de queijo e três ou quatro bons amigos - esta foi a opulência de Epicuro.

 

Se todas as esmolas fossem dadas apenas por compaixão, os mendigos já teriam todos morrido de fome.

 

Ah, é grande o tédio a vencer, é preciso muito suor, até alguém achar suas cores, seu pincel, sua tela! - E ainda está longe de ser mestre em sua arte de viver - mas, pelo menos é senhor em sua própria oficina.

 

Em qualquer ocasião em que o sufrágio universal é utilizado, mal vão às urnas dois terços, talvez nem a maioria dos habilitados a votar, então esse é um voto contra o inteiro sistema eleitoral. (...) Uma lei que determina que a maioria tem a decisão ultima acerca do bem de todos, não pode ser edificada sobre uma base que apenas ela mesma proporciona.

 

Jamais existiram dois lotes de terra verdadeiramente iguais e, se existissem, a inveja humana ao vizinho não acreditaria em sua igualdade. (...) o homem lida sem cuidado e sacrifício com o que possui apenas provisoriamente, age de forma predadora, como bandoleiro ou negligente esbanjador.

 

Sem vaidade e egoísmo - que são as virtudes humanas?

 

[Antevendo a criação da comunidade européia.] O resultado prático dessa democratização que se espraia será, inicialmente, uma liga européia de nações, em que cada nação, delimitada segundo as conveniências geográficas, terá a posição e os direitos especiais de um cantão (...).

 

Ver uma só coisa, nela encontrar o único motivo para agir (...) isso produz o herói, e também o fanático - ou seja, a facilidade para medir com uma só vara.

 

O vento do vale e as opiniões do mercado de hoje nada significam para o que virá, apenas para o que já foi.