EXTRATO DE: HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL

CINCO SÉCULOS DE PESSOAS, COSTUMES E GOVERNOS

Autor: Jorge Caldeira

Ed. Estação Brasil (2017/2018)

 

1500 - 1808

 

A porção a leste dos Andes no continente sul-americano, teria, em 1500, uma população entre 1 milhão e 8,5 milhões de pessoas. Lingüistas especializados em história identificaram mais de 170 línguas faladas.

 

Rousseau: O costume á maior de todas as leis, pois se grava nos corações.

 

Quando se produzem excedentes econômicos regulares para acumular, um grupo se destaca dos demais e assume o controle do estoque de excedentes.

 

O que se nota hoje é que essa documentação está fortemente enviesada pelas crenças dos escritores, revelando até mais de seus preconceitos do que efetivamente dos costumes que procuravam descrever. Questões como a crença religiosa do observador marcam as afirmações sobre os observados.

 

Aristóteles assim justificou a desigualdade entre os seres humanos: Todos os homens que diferem entre si para por, no mesmo grau em que a alma difere do corpo e o ser humano difere de um animal, são naturalmente escravos, e para eles nada melhor do que estarem sujeitos à autoridade de um senhor.

 

A manutenção do desigual, se bem realizada, equivalia a fazer justiça - e o cumprimento desse objetivo nada tinha a ver com a fórmula atual de que todos são iguais perante a lei. Ao contrário, o ideal de justiça era "dar a cada qual o seu direito", ou seja, tratar desigualmente cada um segundo sua qualidade.

 

(Para a justiça de Portugal) "O princípio da intangibilidade dos privilégios era uma peça central nas estratégias jurídicas de defesa do status quo político. A tal ponto que mesmo Pascoal de Melo continua a afirmar que 'também os privilégios concedidos individualmente a alguém se chamam leis; pois ninguém pode perturbar aquele cidadão na fruição de seu direito'"

 

Em 1418, uma bula papal deu aval para o projeto de navegação, classificando-o como uma cruzada. Em termos técnicos, o reconhecimento desse estatuto na bula transferia à Ordem de Cristo o poder de organizar e administrar a Igreja nos territórios conquistados. Da cobrança dos impostos eclesiásticos à criação de bispados ou paróquias, tudo dependia do grão-mestre da ordem. (....) Em um século, os papas emitiram onze bulas privilegiando a Ordem de cristo com monopólios de navegação na África, posse de terras, isenção de impostos eclesiásticos e autonomia para organizar a ação da Igreja nos locais descobertos.

 

Até 1530 a monarquia portuguesa vinha recebendo notícias, bens e pessoas do Brasil. Nada disso levara o rei a mover um dedo no sentido de instalar qualquer dispositivo de governo no território: nem ao menos um modesto funcionário ou um casebre haviam sido instalados para competir com a autoridade governativa dos chefes Tupi-Guarani. (Aí foi quando) Martim Afonso de Sousa, um amigo de infância do rei, recebeu de D. João III algo mais que o comando das naus. Levava uma carta que o designava capitão-mor de todo o Brasil.

 

Como os sacerdotes não podiam batizar fiéis de outras religiões, a saída foi considerar as índias como inocentes, ou seja, como desprovidas de qualquer tipo de religião. Desse modo, depois de batizadas elas passaram a ser enquadradas na categoria de cristãs-velhas, isto é, de descendentes de cristãos pelos quatro costados e, portanto, aptas a receber títulos de nobreza.

 

As autoridades eleitas nas vilas eram quase todos analfabetos, indivíduos de origem humilde, nobilitados apenas no papel, casados com índias ou filhas de índias.

 

(O guia para os padres jesuítas era:) "A lei que He hão de dar é defender-lhes de comer carne humana e guerrear sem licença do governador; fazer-lhes ter uma só mulher; vestirem-se, pois têm muito algodão; depois de [transformá-los em] cristãos, tirar-lhes os feiticeiros; mantê-los em justiça entre si e para com os demais cristãos; fazê-los viver quietos e sem mudarem para outras partes, tendo erras repartidas que lhes bastem e padres da Companhia para doutriná-los."

 

Os métodos políticos [na aliança entre franceses e Tupis] foram exatamente os mesmos: o casamento de franceses com filhas de chefes fundamentou um fluxo de comércio no qual o algodão e o pau-brasil eram trocados por utensílios de ferro.

 

Francês, português, espanhol, não importa o europeu. A regra do sucesso econômico e social era a mesma: aculturação no governo de costume Tupi e a concomitante criação de um fluxo de negócios.

 

Como ali todas as trocas de excedentes eram comandadas pelos padres (que também embolsavam as rendas auferidas), os índios "livres" se tornavam produtores de bens para seus tutores.

 

Os colonos passaram a dizer que os nativos teriam recebido a custódia da terra de Deus, mas eram 'incapazes de ter noção exata das finalidades para as quais ela foi criada', de modo que 'podiam ser declarados como tendo perdido o direito sobre a terra onde estavam'.

 

Em 1681 as receitas tributárias extraídas do Brasil representavam metade de toda a arrecadação do império português.

 

João Ramalho viveu muito bem com suas 30 mulheres e nenhum vereador o perturbou. Esses matrimônios, do ponto de vista Tupi, estavam dentro dos códigos dos bons costumes e da mais elevada moral.

 

Havia rotatividade no poder. No caso de São Paulo, de 1596 a 1625, foram 222 pessoas diferentes ocupando cargos eletivos de governo.

 

Uma das conseqüências da prensa de Gutenberg, na Europa, foi a perda da importância da Igreja no processo de transmissão de conhecimentos, assim como o aumento do poder dos produtores e leitores laicos.

 

A inquisição jamais permitiu a instalação de uma tipografia no Brasil: todos aqueles que tentaram trazer maquinas e tipos foram presos, processados e tiveram seu material destruído - e isso foi até 1808. (na mesma trilha) todas as tentativas foram frustradas e negadas todos os pedidos para a instalação de faculdades ou universidades.

 


Culto à tetrarquia: João Fernandes Vieira (reinol), André Vidal de Negreiros (nobre da terra), Felipe Camarão (Tupi) e Henrique Dias (negro). Se juntaram para expulsar o inimigo externo (os holandeses) sem qualquer ajuda do governo metropolitano.

 

A lógica de todo o processo passou a ser exclusivamente a riqueza, a fortuna em ouro. O papel do casamento como instrumento de alianças de grupos perdeu força. Quem tinha ouro podia ter tudo.

 

Não era preciso mais que adular a magnanimidade do soberano e relembrar a sua bondade em atender os fins propostos especulativamente pelos autores. Com isso, a maior parte que saía do Tesouro, abastecido pelos colonos brasileiros, seguia para os bolsos dos detentores dos chamados direitos adquiridos - ou seja, aqueles para os quais as Ordenações determinavam um tratamento preferencial.

 

D. João V privilegiou as partes do corpo social mais próximas da cabeça, aquelas idas como as de maior virtude na sociedade.

 

A maior obra do reinado de D. João V foi a construção do gigantesco convento de Mafra, que empregou 40 mil homens e consumiu o equivalente a 140 toneladas de ouro, ou vinte anos de arrecadação do quinto de ouro no Brasil.

 

Alexandre de Gusmão alcançou seu objetivo: no Tratado de Madri, firmado em 1750, a posse efetiva do território serviu de critério para a delimitação de fronteiras, quase todas delineadas em função de limites físicos (rios, divisores de água) das ocupações e incursões de moradores, restando apenas uma linha imaginária ligando o extremo sudoeste do Amazonas ao norte de Mato Grosso.

 

Os tribunais, como instância de salvaguarda da justiça e da defesa dos direitos adquiridos de cada um, ocupam, na esfera do Antigo Regime, uma função constitucional determinante.

 

Para entender o desenvolvimento ao longo do século XVIII temos que entender as estruturas remanescentes de governos das vilas e dos costumes dos moradores governando-se a si mesmos.

 

No século XVIII apenas os jesuítas, pagos pelo rei, eram agentes regulares da esfera central - pois os demais padres, embora funcionários públicos, dependiam dos moradores para ter rendas.

 

O termo "escravidão" foi definido como o ato de comprar e vender pessoas como mercadorias, em troca de dinheiro.

 

Felix Soares de Souza, um mestiço filho de português com índia, mostrou-se muito hábil para tirar proveito de alianças matrimoniais, das guerras e dos negócios, ganhando fama pelo proverbial cumprimento da palavra empenhada. Subiu tanto na vida que acabou virando rei do Benin. Morreu já no século XXI, deixando 53 viúvas, 100 filhos, 2 mil escravos para vender e uma fortuna em dinheiro.

 

Num tempo em que os documentos eram manuscritos, tinham de ser lidos um a um. Como não havia processos mecânicos de calculo, as contas para avaliar os dados eram limitadas. Sem imprensa, cada copia de cada página tinha de ser feita manualmente e os envios eram demorados. Com tudo isso a consolidação de dados era precária e acabava circulando apenas num circuito muito limitado.

 

Os EUA exportavam, na virada para o século XXI, algo em torno de 4 milhões de libras esterlinas anuais; as exportações brasileiras de 1807 foram de 3,8 milhões de libras esterlinas. A diferença de tamanho entre as duas economias, portanto, estaria mais relacionado ao mercado interno do que ao externo. Em termos de urbanização, as três maiores cidades dos EUA (Nova York, Filadélfia e Baltimore) tinham por volta de 65 mil habitantes em 1810, uma população equivalente à das três maiores cidades brasileiras (Rio, Salvador e Recife).

 

Quanto à ausência de índios no censo norte-americano, desde o início da colonização, os protestantes, sobretudo os puritanos, consideravam os nativos como pessoas desprovidas de razão, incapazes de ler a Bíblia e compreender a verdade revelada - eram, portanto, pessoas que não poderiam fazer parte da sociedade. Em conseqüência, a política que se adotou em relação a eles foi de extermínio, que não deixou rastros nem nas estatísticas.

 

Governar significava exercer ao mesmo tempo três poderes: formular por escrito as leis, comandar a sua aplicação, e chefiar a aplicação da justiça, nomeando juízes.

 

No Brasil, as condições de vida da grande maioria das vilas regidas com alternância de poder, ao longo dos três séculos da era colonial, foram mais ou menos as mesmas: povos miscigenados, com raríssimos alfabetizados (analfabetos votavam e eram votados), vivendo isolados e longe da autoridade central.

 

Apenas donatários e governadores gerais se sobrepunham aos vereadores. (...) Havia no Brasil um grau de soberania popular maior do que na metrópole. Nesse caso, a lei geral que regulava o assunto não era apenas norma exótica. Ganhou um conteúdo efetivo ao se tornar costumeira, com o hábito de eleger e confiar no governo coletivo. E esse foi um costume popular, coletivo, constante. Não veio do alto, não dependeu de iluminados metropolitanos - basta isto para se entender o século e meio de isolamento da São Paulo de analfabetos e mamelucos: de três em três anos essa gente organizou eleições, deu posse aos governos, seguiu-lhes as determinações - e os governantes entregaram os cargos aos eleitos. [Mas isto] não era exatamente benquisto pelos governantes a serviço da Coroa, [para eles] era gente cuja única função na vida política era a obediência, cujo modelo era aquele do escravo.

 

Administrações locais e clero secular eram instituições de governo com atuação geral, regular e tão universal quanto era possível no Brasil.

 

A sociedade era, em todo o Ocidente, pensada como estruturalmente desigual, que tal desigualdade era eterna e natural, que a riqueza deveria fluir para senhores e nobres - e que tudo isso deveria ser estável e dominado pela tradição.

 

1808 - 1889

 

O que é então o governo? Um corpo intermediário estabelecido entre súditos e soberano para mútua correspondência, responsável pela execução das leis e manutenção da liberdade.

 

Rousseau propunha um novo modo de governo, baseado na ideia de que a sociedade se governa a partir de um contrato entre homens livres e iguais, e não a partir da simples agregação de pessoas desiguais por natureza.

 

Para Aristoteles, a instituição da escravidão era a evidência maior de que a sociedade se fundava na desigualdade, de modo que ao bom governante caberia apenas manter tal diferença com seus atos. Rousseau, o exato contrário de Aristoteles, dizia: "Nulo é o direito da escravidão, não só por ser ilegítimo, mas por ser absurdo e nada significar. As palavras escravidão e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente."

 

Em 1776, Adam Smith ampliou a ideia central do iluminismo da esfera política para a econômica: o mercado seria o próprio contrato social em atividade permanente.

 

Se antes o rei e o seu tesouro estavam no ápice da vida econômica, agora caberia outro lugar à majestade econômica: "O soberano, com todos os oficiais de justiça e guerra que servem sob suas ordens, todo o Exercito e Marinha, são trabalhadores improdutivos. Servem ao Estado.

 

Ainda Rousseau: "Onde quer que predomine o capital, predomina o trabalho, e onde quer que predomine a renda, predomina a ociosidade."

 

Da Declaração de Independência dos EUA: "É evidente por si mesmo que todos os  homens foram criados iguais, e dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais o da vida, liberdade e busca da felicidade."

 

Thomas Jefferson tinha 150 escravos no momento em que escrevia - inclusive oito que eram filhos seus com uma mucama mulata. Mesmo depois da Declaração, seu autor jamais viu qualquer contradição entre esses detalhes pessoais e a frase, a ponto de continuar fazendo seus negócios de compra e venda de indivíduos em tese dotados pelo Criador de direitos inalienáveis - e agora sob o império de sua legislação iluminista.

 

D. João veio acompanhado de 15 mil cortesãos - boa parte dos quais recebiam dois terços das despesas do Erário.

 

[Após abrir os portos atendendo interesses exclusivos seus] D. João permitiu a instalação do primeiro curso superior, uma escola de medicina em Salvador, com dois séculos e meio de atraso em relação à America hispânica (onde naquela altura funcionavam 23 universidades) e quase dois séculos de atraso com relação às colônias inglesas - cuja primeira faculdade surgiu poucos anos após a chegada dos primeiros colonos. Sem necessidade de atos oficiais, outra mudança secular foi o desembarque da primeira prensa tipográfica que iria funcionar legalmente no Brasil.

 

Estudiosos calculam que apenas 1% ou 2% dos brasileiros sabiam ler e escrever em 1800. no mesmo ano,  a proporção de norte-americanos alfabetizados chegava a nada menos de 70% da população adulta masculina - proporção bem mais expressiva inclusive em relação à inglesa, que era de 55% naquele momento.

 

A bondade do Soberano, "dando a cada um o seu", seria o princípio da divisão do trabalho, ao passo que a liberdade de agir dos súditos obedientes seria a filha daquele princípio; e a riqueza da nação seria para desfrute do monarca, que está muito acima dos  "particulares", como se dizia em termos aristotélicos.

 

A mudança da Corte também implicava concentrar na colônia os gastos públicos. Assim o dinheiro de impostos antes remetido à metrópole passou a circular na economia local e a estimular o seu crescimento. Essa era uma novidade tão grande quanto a prensa tipográfica, e tinha conseqüências importantes para os grandes comerciantes.

 

Até 1808, só era autorizada a abertura de empresas na metrópole. (...) Também naquele época havia um rígido controle cultural, fazendo com que a cultura européia chegasse a conta-gotas.

 

Em janeiro de 1822, José Bonifácio de Andrada, foi nomeado ministro pelo regente D. Pedro, então com 23 anos. Na primeira reunião entre os dois houve um acordo: formar um centro de poder estável no Brasil, que assegurasse a sobrevivência da monarquia e a obediência a uma Constituição, a ser elaborada por representantes eleitos. Parecia um contrassenso evidente fundir instituições fundadas em princípios opostos. De um lado estaria o poder real concebido como tendo origem divina, operador de uma régua de justiça cuja medida os homens não conhecem e dando a cada um segundo o seu. De outro, um poder que se via fundado na razão, derivado da soberania popular, o maior de todos os poderes, formado por pessoas eleitas e promulgando leis a que todos deveriam obediência.

 

Toda a tradição do já então chamado Antigo Regime, o mundo anterior à decapitação de Luis XVI, era a de organizar o poder como desigualdade, tendo como modelo as relações senhor/rei e escravo/súdito.

 

A abolição da escravatura no Haiti resultara em desastre econômico, e todos os iluministas davam tratos a bola para descobrir fórmulas de ajuste entre a realidade do cativeiro, os ideais de liberdade e os anseios de progresso.

 

Para José Bonifácio, o futuro seria da seguinte maneira: "Nós não conhecemos diferenças nem distinções na família humana; como brasileiros serão tratados por nós o chinês e o luso, o egípcio e o haitiano, o adorador do sol e de Maomé."

A cidadania deveria abolir todos os privilégios. Diferenças de raça ou diferenças de religião não seriam impeditivos para alguém ser brasileiro.

 

Rousseau duvidava que habitantes dos trópicos tivessem capacidade reacional plena.

 

Em 29 de agosto de 1825 foi assinado um acordo com Portugal que concedia a independência ao Brasil como um favor. O Brasil, por sua vez, recompensava o favor com uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas - metade de suas exportações anuais ou cerca de 7% do PIB da época. (...) E algo como 3 milhões de libras foi embolsado pelo monarca para seus projetos pessoais ou pagamentos aos ingleses. No total, um valor que equivalia a algo como 18% do PIB foi dado em pagamento para o exterior - seja a Portugal ou ao bolso do monarca.

 

D. Pedro I era o único que sabia com exatidão o tamanho do presente que dera a si mesmo - aquilo que os analistas posteriores chamam de dinheiro "empregado em expedições militares e missões diplomáticas na Europa". Essas missões tiveram como objetivo central a montagem de um esquema forte o suficiente para garantir suas pretensões ao trono então ocupado por seu pai.

 

A primeira legislatura regular do parlamento brasileiro foi aberta em 1826.

 

A produção capitalista, dependente de trabalho assalariado e capital, estava se mostrando pujante, sobretudo na Inglaterra, cujas instituições econômicas estava se transformando no modelo a ser imitado por todos.

 

Como D. Pedro não cogitava governar segundo a vontade de gente das ruas, em resposta às reivindicações da multidão reunida na praça, na madrugada de 7 de abril renunciou ao trono e buscou refúgio num navio inglês. Deixou como herdeiro o filho de 5 anos. Sabia que haveria a nomeação de uma regência e que os regentes não poderiam exercer o Poder Moderador, pessoal e privativo de um monarca com plenos poderes. Tinha noção exata de que apenas o jovem Parlamento concentraria todos os poderes no governo central.

 

Os regentes souberam como exercer o comando do Executivo, colocando em prática uma forma de aplicar os recursos que era comum nas câmaras municipais, mas inédita no governo central, por meio de uma lei do Orçamento que regulamentara os gastos públicos.  (...) Para aqueles que pensavam e agiam segundo a lógica do Antigo Regime, o governo arrecadava um Maximo de todos e distribuía esse dinheiro "fazendo justiça" para quem tinha "direitos adquiridos". Já os novos dirigentes pensavam e agiam segundo a lógica iluminista de que a soberania popular restringia o governo, de modo que este arrecadava de todos e distribuía para todos apenas o arrecadado e segundo uma lei votada pelos representantes eleitos - essa era a função do Orçamento.

 

Diogo Antônio Feijó tomou posse e reagiu aos motins confirmando que não gastaria um centavo além do que havia sido autorizado pelo Parlamento. (...) No pior momento, o Parlamento viu-se cercado durante seis dias pelos amotinados que exigiam a continuidade de privilégios.

 

Em 1831, o fim do tráfego legal de escravos implicou na queda da receita do governo. (...) Com isso, as receitas alfandegárias caíram 25% entre 1830 e 1832. nesse cenário, o violento corte de despesas acabou sendo a fórmula para equilibrar a situação do governo central como um todo. Graças a ele, as emissões que financiavam o déficit foram praticamente eliminadas, caindo nada menos de 85% no período. A conta recaiu quase toda sobre os antigos beneficiários do imperador.

 

A execução rigorosa do Orçamento reforçou a disciplina financeira e permitiu o inicio do recolhimento das moedas de cobre com alta taxa de senhoriagem.

 

Os derrotados reagiram como puderam, concentrando o ódio em Feijó. Tinham prestígio e dinheiro para financiar jornais, nos quais o ministro era tratado como "alcoviteiro sedutor de donzelas" ou "homem que veio ao mundo num chiqueiro de porcos".

 

Feijó lançou um jornal e no editorial de 7 de novembro de 1834 escreveu: "Não sofreremos mais as injustiças e violações do despotismo. Respiramos desafogados depois da abdicação. Porém temos uma legislação má, incompleta, ineficaz, insuficiente; o governo fraco, sem atribuições, sem meios para fazer efetivas aquelas que têm; autoridades de eleição popular quase sem ingerência no governo, todas destacadas, sem centro nem unidade; os cidadãos sem estímulo para interessarem-se no serviço da pátria; o povo sem educação; a magistratura como apostada a fazer ainda piores as leis que lhe dão."

 

E mais adiante: "As pretensões do Poder Judiciário por independência são traduzidas por eles (os juízes dos tribunais superiores) em absolutismo e irresponsabilidade. Enquanto este poder não se tornar constitucional, isto é, independente nos seus atos mas responsável juridicamente por eles, o arbítrio e o despotismo que pesam sobre os brasileiros deve-se ao poder judicial."

 

"A Constituição sem responsabilidade é uma quimera, porque o governo faz o que quer à sombra dela enquanto os governados se iludem com belas palavras e promessas."

 

A crise provocada pelos gastos excessivos nos últimos anos do reinado de d. Pedro devastara as ralas poupanças locais, consumira as reservas internacionais e a moeda metálica, transformara o dinheiro de papel no único meio de circulação existente - o que era uma raridade na economia mundial.

 

Antes de 1835, no Pará, quase tudo era produzido por índios. O tráfico de escravos não tinha relevância na economia. Além dos econômicos havia vínculos políticos peculiares: a região estava ligada administrativamente a Lisboa, e não ao Rio de Janeiro, o que se devia em grande medida ao regime de ventos no Atlântico, pelo qual a navegação a vela durava 20 dias até a metrópole e 900 dias até o Rio de Janeiro.

 

Feijó era federalista, defensor intransigente da descentralização de poder, da transferência de franquias para as províncias, as vilas e a sociedade.

 

Em 1840, a coroa foi colocada na cabeça mística do detentor pessoal do Poder Moderador, então com 14 anos de idade. Uma nova rodada começava com a volta ao cenário do poder irresponsável.

 

A única boa notícia econômica ao final da regência era a de que, graças ao constante esforço de todos os governos regenciais, no final da década de 1830 alcançou-se um equilíbrio nas contas do governo central.

 

Na esfera política, ocorreu a consolidação do Parlamento. No quinto ano de funcionamento, o Parlamento tornara-se a instituição central de comando de todos os poderes (...) De vitória em vitória na contenção de gastos, à frente do Executivo, e de reforma em reforma na legislação, à frente do próprio Parlamento, os representantes da soberania popular souberam ampliar muito a esfera da responsabilidade na vida brasileira. Isso era algo inusitado no Ocidente.

 

A Constituição de 1824 ampliara o escopo de poderes do governo central. (..._) A Lei manteve uma herança medieval das Ordenações, os chamados foros privilegiados - e por isso os juízes não poderiam ser processadas na forma da lei que deveria valer para todos.

 

Na década de 1840 foram fundados os dois primeiros bancos privados do país, um na Bahia e outro no Rio de Janeiro. Era quase nada numa época em que os bancos se contavam aos milhares na Inglaterra e nos EUA, mas não deixava de ser um sinal de que a elevação das tarifas deu alento aos negócios.

 

Os cônsules ingleses tomavam nota das movimentações de escravos que ignoravam as proibições do tratado, enviando relatórios aos ministros, que, por sua vez, os guardavam na gaveta. Assim surgiu o ditado que definia a proibição do tráfico como lei "para inglês ver".

 

Desde o século XVII, quando Salvador Correia de Sá comandou a tomada de Angola, o domínio efetivo de brasileiros sobre vastas porções do espaço africano se tornara uma realidade.

 

A volta atrás foi concluída em 1860 por outro gabinete conservador. Foi aprovada a lei 2.711 que introduzia restrições para a formação de empresas- restrições tão severas que acabou sendo conhecida como "Lei dos Entraves". Com ela se voltava ao tempo anterior ao Código Comercial, no qual a informalidade, o mercado que funcionava no âmbito privado e à margem das leis, passava a ser a única saída.

 

No Brasil imperial vingou a máxima do visconde de Itaboraí: "o rei reina, governa e administra", proposta que estendia o controle do Imperador às províncias e câmaras municipais.

 

Em 1861 foi promulgado o Homestead Act, uma lei pela qual o governo prometia legalizar a propriedade de qualquer posse com menos de 160 hectares em cinco anos - enquanto, no Brasil, a lei de terras de 1850 simplesmente anulava o instituto da posse (e a imensa maioria dos agricultores do país eram posseiros) e criava instrumentos para ratificar legalmente grandes propriedades, como parte da política de proteção aos interesses conservadores.

 

Em 1864 o Paraguai invade o Brasil.

 

Sorites é um paradoxo lógico muito antigo, da filosofia pré-socrática, embutido na pergunta: Em que momento um monte de areia deixa de sê-lo, quando se vão removendo os grãos?

 

George Boherer resumiu assim a questão de fraude eleitoral: "É difícil saber até que ponto se usou fraude e pressão para determinar os resultados da eleição. Contudo, é certo que nenhum ministério jamais perdeu uma eleição, mesmo quando os membros do Parlamento anterior eram pronunciadamente oposicionistas, como se deu em 1868.

 

Essa era a verdade apontada por Nabuco de Araujo: a vontade do eleitor não contava para nada.

 

E Tracy Campbell sobre a década anterior a 1876: "Foi uma década de culminância de eleições corruptas, onde os dois partidos viam o outro como deliberadamente fraudando os resultados. Contagens honestas dos resultados não passavam pela cabeça de ninguém."

 

Até 1879 o Brasil tinha uma tradição de três séculos e meio de governo local representativo, um mecanismo institucional nacional que permitia a eleição de representantes provinciais e nacionais, um quadro estável de regras para as disputas políticas - e um conjunto de franquias que não destoava do padrão mais avançado do mundo ocidental.

 

De Arnaldo Testi: "No Mississipi ficou famosa a 'cláusula do entendimento', pela qual a qualificação como eleitor dependia de serem capazes de "ler e entender" partes da constituição estadual."

 

No dia 15 de novembro de 1889, nenhum aristocrata apareceu para defender o regime - e nenhum brasileiro pobre se incomodou minimamente com a sua derrocada. Mas havia sido eliminada a peculiar barreira de duas soberanias que havia isolado o Brasil do progresso capitalista no Ocidente.

 

O censo de 1890, contou 1,28 milhão de índios, ou 9% da população do país.

 

A taxa de alfabetização passou de estimados 2% para 17,4% no fim do Império. Trata-se de um avanço, mas o fato é que, em 1890, vários países estavam próximos da alfabetização de toda a população.

 

Angus Maddison, calculou a média de renda per capita no Brasil em 1820 (670 dólares anuais) e 1890 (704 dólares anuais). Um crescimento residual de 4% durante 70 anos. Um Brasil estagnado enquanto o restante do mundo crescia.

 

Em 1800 os EUA contavam com 5 milhões de habitantes e o Brasil 4,4 milhões. Nesse momento, o porte das duas economias também era semelhante. [Mas] Nos EUA, a renda per capita mais do que triplicou entre 1820 e 1900, passando de 1,3 mil para 4 mil dólares (5,7 vezes a renda per capita brasileira). A maior aceleração se deu no período posterior à guerra que pôs fim à escravidão. A população de 35m milhões em 1865, saltou para 63 milhões em 1890. Apesar de tal incremento a renda per capita cresceu 55% no mesmo período.

 

1889 - 1930

 

D. Pedro II detinha privativamente o comando da Ordem de Cristo. Desde 1418 o papado concedera a este o estatuto de chefe de cruzada, e com ele toda a administração da Igreja no território dessa cruzada - do qual o Brasil ainda era parte em 1889.

 

A única decisão relevante de Roma era a escolha do bispo primaz, mas apenas entre os nomes de uma lista enviada pelo comandante da Ordem de Cristo.

 

D. Pedro II, o chefe do Poder Moderador, aquele que estava acima da lei, que podia era irresponsável e não podia ser processado.

 

Era o imperador o único que podia  nomear e demitir a seu inteiro gosto os ministros que exerciam o Poder Executivo e era ele quem convocava o Parlamento, abria as sessões, dissolvia a legislatura, sancionar ou não as leis (...). Era ele quem nomeava e suspendia os juízes dos tribunais superiores. (...) Era ele quem nomeava todos os presidentes de província(...) e quem controlava a presidência do Banco do Brasil.

 

Todos esses poderes mudavam de dono com a partida do navio que conduzia D. Pedro II ao exílio. M(...) a nova cabeça tinha ligações muito precárias com o gigantesco corpo da nação.

 

Apostolado Positivista. Augusto Comte e sua fórmula: "Ordem e Progresso". Como era tempo de revolução, o decreto que transformava o estandarte de um grupo obscuro em bandeira nacional foi publicado já na terça-feira, dia 19. [Consagrado o Dia da Bandeira]

 

Capitão Nelson de Vasconcelos e Almeida: "Pata termos uma Republica estável, feliz e próspera, é  necessário que o governo seja ditatorial e não parlamentar."

 

Tasso Fragoso: "Um dos defeitos do regime eletivo está justamente nisso: cada cidadão no momento em que leva seu voto às urnas, supõe por este modo ter dado toas as manifestações de opinião.

 

Campos Sales, em janeiro de 1890 proibia qualquer instancia de governo de legislar ou regulamentar os cultos religiosos; E, no breve artigo 4, determinava que "fica extinto o Padroado, com todas suas instituições, recursos e prerrogativas". Em uma linha acabava uma ligação entre a Igreja católica e o governo que vinha ininterruptamente desde 1418.

 

17 de janeiro de 1890: "As companhias ou sociedades anônimas, seja civil ou comercial o seu objetivo, podem estabelecer-se sem autorização do governo." (...) Este dia assinalou uma revolução no campo da economia. Não ficou pedra sobre pedra da antiga política econômica imperial. E a maior parte das mudanças consistiu em retirar o Estado da função de protetor de grupos amigos contra os riscos do mercado e, na via inversa, proteger pela lei a ação dos empresários atuando em ambiente competitivo, antes relegados ao plano secundário da informalidade.

 

Em 1890/91, foram lançadas nada menos que 210 grandes sociedades anônimas de capital aberto em São Paulo. Neste período, no Rio Grande do Sul, os bancos passaram de dois para dez.

 

O marechal Deodoro fechou o Congresso no dia 3 de novembro de 1891, tornando-se novamente ditador. Tentou salvar o banco. MS como os tempos eram outros, uma alteração pouco notada por ele no mecanismo constitucional entrou em ação. No dia 23 de novembro, o vice-presidente da republica, o também marechal Floriano Peixoto, derrubou o presidente e tomou legalmente poder.

 

Manifesto de Floriano Peixoto: "Manter a inviolabilidade da lei que é ainda mais necessária em sociedade democráticas como um freio ás paixões do que é necessária nos governos absolutos com tradição de obediência pessoal, será para mim e meu governo sacratíssimo empenho, como também sê-lo-á respeitar a vontade nacional e dos estados em suas livres manifestações sob o regime federal. (...) A administração da Fazenda com a mais severa economia e a maior fiscalização da renda do Estado será uma das minhas maiores preocupações. Povos novos e onerados de dividas nunca foram felizes e nada aumenta mais as dividas do Estado que as despesas sem proporção com os recursos econômicos da nação."

 

[Mas, segundo os biógrafos de Floriano] O hábito forma uma espécie de segunda natureza. Com pequenas e honrosas exceções,o costume de achar bom todo ato praticado pelo governo central continuava a produzir seus maléficos efeitos.

 

O novo presidente do país resolveu consolidar a sua autoridade pelo método da derrubada dos governos estaduais.

 

Em 1893 Floriano Peixoto governava sem Parlamento, com estado de sítio, censura à imprensa, nomeação de governadores e o controle do sistema financeiro.

 

 

Do Visconde de Taunay, usando pseudônimo, no folhetim "O Encilhamento": "Só muita energia, muita consciência do dever, muita força de vontade e valente patriotismo por parte daqueles que dirigem este pobre Brasil poderão nos atalhar de tantos males.

 

Definição de moralidade: clareza na separação do bem e do mal, do vício e da virtude.

 

Ainda imperava em 1894, o costume nas vilas (agora municípios) que vinha desde 1532, onde os vereadores eram eleitos e entregavam seus cargos ao final do mandato.

 

Do biógrafo de Antonio Moreira Cezar que, obedecendo ordens, abriu fogo contra a população em várias missões pelo Brasil: "A bestialidade humana que existe no cérebro de certos caudilhos e seus comandados fez com que chafurdassem no gozo da prática do hediondo espetáculo de expor carótidas e vísceras humanas ao ar livre."

 

O Rio Grande do Sul logo se tornou o estado com as maiores taxas de alfabetização do país - e isso num contexto em que, por motivos ideológicos, o governo estadual não investia no ensino superior.

 

Nos EUA ou na Europa, só votava uma minoria de eleitores homens, o que explicava a limitação elitista dos jornais partidários.

 

Leclerc: "Este recanto mal-afamado dos jornais, onde o leitor levado por uma curiosidade malsã deita o olhar em primeiro lugar, é um ponto gangrenado do corpo social."

 

Na virada do século, a mudança da escala do jornalismo partidário para aquela do jornalismo de massa trouxe para o Brasil a mesma espécie de noticiário que se tornava comum no Ocidente. Em vez de escrever para adeptos, os jornalistas passaram a escrever para pessoas dispostas a se informar muito pagando pouco.

 

Pudente de Morais, o novo presidente, concebia o processo eleitoral como aquele pelo qual o eleitor renuncia à política e concentra poderes numa autoridade, "elevada" ao grau de "suprema autoridade".

 

Como notou José Ênio Casalecchi: "Entre 1897 e 1923, a fraude foi costumeira no alistamento eleitoral, na apuração dos votos, no uso dos dinheiros públicos nas campanhas políticas, na ação de capangas e da Brigada Militar, acrescida do controle do eleitor pela inexistência de voto secreto."

 

Campos Sales afirmava com todas as letras: "não há perigo maior do que a violência brutal do voto para ameaçar os interesses da administração. Daí a decisão de transferir ao governo o controle do resultado eleitoral.

 

Robert Michels: "Um candidato conservador que se apresentasse declarando aos eleitores que não os julga capazes de tomar parte ativa na definição dos destinos do país, e que por isso deveriam ser privados de seu direito ao sufrágio, seria um homem de sinceridade incomparável, mas politicamente insano. Se quiserem encontrar um caminho para o Parlamento, só dispõem de um método: descer à arena eleitoral com democrática humildade e tentar convencer os eleitores de que têm os mesmos interesses que eles.

 

"O Partido Republicano de São Paulo dolorosamente sentia as acusações provocadas pelo desvio político de seu antigo chefe (Campos Sales). Não alimentava mais ilusões a respeito: as alturas do poder haviam conturbado a alma do propagandista republicano.

 

Alberto Sales, irmão de Campos Sales, e integrante do grupo de dissidentes, publicou ataques ao governo no Estado de São Paulo: "Tanto um como outro [império e república] estão em completo desacordo com o caráter nacional. Nós todos sabemos melhor do que ninguém o que somos. Não temos força de vontade, firmeza de resolução, coragem individual, confiança em nós mesmos e em nossos próprios esforços. Não empreendemos nem perseveramos em coisa alguma. Falta-nos em absoluto crença em nossa própria força, somos excessivamente tímidos, fracos e medrosos. Temos, é verdade, umas poucas qualidades morais que nos elevam frente a outros povos. Somos muito comunicativos, muito expansivos e afáveis. A nossa casa é a casa de todos e a nossa  hospitalidade é proverbial. (...) O que é preciso fazer onde o Estado é tudo e o indivíduo é nada? (...) Não fizemos a revolução de 15 de novembro para sair da ditadura imperial e cair na ditadura presidencial."

 

Para Gabriel Cohn interpretando Le Bom: "Pelo mero fato de tomar parte numa multidão organizada [isto é, de uma associação de indivíduos com vista a alguma ação] um homem desce vários graus na escala da civilização. Isolado, ele poderia ser um indivíduo cultivado; na multidão é um bárbaro - ou seja, uma criatura que age por instinto."

 

Júlio de Mesquita temendo a barbárie das multidões: "Ou a revisão de faz, ou a República desaparece. Custe o que custar, precisamos sair disso.

 

Paulo Egydio: "O público é uma coletividade puramente espiritual, uma disseminação de indivíduos fisicamente separados, de uma coesão toda mental. Na multidão opera-se um feixe de contágios psíquicos promovidos por contatos físicos, e por isso ela tem alguma coisa de animal. (...) Os indivíduos sugestionados não se acotovelam, não se vêem, não se ouvem; mas lêem, cada qual, o mesmo jornal."

 

Campos Sales: "O ataque ao poder é o mais estimulante atrativo à simpatia pública. (...) Não corrompi a imprensa. Acatei sempre a que merecia respeito do público. Tive, porém, a mágoa profunda de encontrar jornais e jornalistas desviados de sua grandessíssima missão e que pareciam menos dispostos a ser instrumentos benéficos de opinião." É curioso o julgamento embutido nesse argumento. A opinião pública, quando não nasce do Estado, é "falsa".

 

No dia 28 de agosto de 1902, o Estado de São Paulo publicou o manifesto de lançamento do Partido Socialista Brasileiro, que principiava com as seguintes palavras: "A história das sociedades humanas é a história da luta de classes."

 

O manifesto terminava com: criação de um imposto sobre a renda, o fim dos impostos indiretos, sufrágio universal para homens e mulheres maiores de 18 anos, jornada de trabalho de oito horas, cidadania para os imigrantes, ensino fundamental obrigatório, igualdade de ganhos para homens e mulheres, adoção do divórcio, neutralidade do Estado nos conflitos entre capital e trabalho, liberdade efetiva de reunião e imposto progressivo sobre heranças.

 

Cinco anos antes da publicação de Os Sertões, de Euclides da Cunha, no calor dos combates [Canudos], o arraial e seus habitantes haviam sido apresentados ao público como revoltosos; no livro apareciam como vítimas de um massacre.

 

Do ponto de vista do direito romano, Antonio Conselheiro e seus seguidores seriam rebeldes e o Estado teria o direito de violar todos os seus direitos - inclusive o direito à vida - sem que pudessem opor qualquer forma legal de obstrução.

 

Campos Sales foi julgado pela opinião pública. (...) Sua vaidade muito teria sofrido com a ruidosa manifestação de hostilidade pública, tão em contraste com as aclamações que, quatro anos antes, recebera Prudente de Morais. Mas Campos Sales devia estar com sua consciência tranqüila de administrador. Depois do longo e penoso sacrifício exigido da comunidade brasileira transmitia uma casa em ordem, com a escrita equilibrada. Degradara-se ainda mais a política republicana, com a política dos governadores; aviltara-se a significação democrática do Parlamento; diluíram-se as derradeiras esperanças no livre jogo das instituições representativas; seu confessado suborno à imprensa como que oficializara a corrupção jornalística; à sombra de seu plano de extrema deflação monetária tinham feito excelentes negócios banqueiros estrangeiros e especuladores nacionais. E, ainda assim, fez seu sucessor, Rodrigues Alves.

 

[Wikipédia:  O positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada através de métodos científicos válidos. Para eles, o progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos.

O lema Ordem e Progresso na bandeira do Brasil é inspirado pelo lema positivista: "Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta". Foi usado na bandeira, pois várias pessoas envolvidas na Proclamação da República do Brasilera seguidores das ideias de Auguste Comte.[2]]

 

Desde o empréstimo para o reconhecimento da independência brasileira, em 1825, até esse momento, haviam se passado o83 anos. Por todo esse longo período, o Banco Rothschild teve o monopólio do financiamento do governo central brasileiro.

 

Rui Barbosa: "A exigência de nossa moralização eleitoral consiste em extinguir radicalmente a publicidade no voto. No dia em que tivermos estabelecido o recato impenetrável da cédula eleitoral, teremos escoimado a eleição das suas duas grandes chagas: a intimidação e o suborno. A publicidade é a intimidação do votante. O segredo, sua independência. Para a conquistarmos, cumpre tornar obrigatório, absoluto, indevassável o sigilo do voto.

 

Rui Barbosa: "As belezas do presidencialismo brasileiro escorraçaram dos augustos laboratórios da legislação republicana o talento, a eloqüência, a verdade. Baixaram, de legislatura em legislatura, naqueles recintos consagrados à caricatura da soberania nacional, o nível da capacidade e do decoro, da independência e da respeitabilidade. (...) É a corrupção das consciências, exercida não à penumbra das alcovas, como os vícios pudendos pelos libertinos, mas à luz da publicidade. Todo mundo conhece, nomeia e censura todos os que compram e os que vendem. (...) Já não se vê na sociedade um mero agregado ou justaposição de unidades individuais, mas uma esfera orgânica em que a esfera do indivíduo tem por limites inevitáveis, de todos os lados, a coletividade. (...) não acrediteis que todos os males do sistema econômico predominante no mundo venham de que os meios de produção estejam com detentores de capitais. Os operários não melhorariam, se, em vez de obedecer a capitalistas, obedecessem aos funcionários do Estado socializado."

 

Em 1940 a taxa de alfabetização da população brasileira alcançou 39,8%.

 

Depois dos decretos de Rui Barbosa em 1890, o governo renunciou ao papel de interventor vigilante na vida econômica e criou as condições legais para que empresários pudessem atual com liberdade.

 

Um século e meio de governos iluministas no Ocidente havia mostrado que o princípio da igualdade perante a lei, que começara como ideia constitucional, acarretava necessidades que iam além da formalidade. Foi parte da política desses governos, de um lado, a universalização da escrita por meio de escolas e, de outro, a dos direitos políticos, com avanço progressivo rumo ao sufrágio universal.

 

Vale notar que toda a sofisticada tentativa de uma política governamental visando acelerar o crescimento econômico foi concebida no âmbito privado e elaborada inicialmente na sociedade.

 

A soma dos tributos recolhidos por todas as instâncias de governo no final da década de 1920 girava em torno dos mesmos 6% do PIB do início da década.

 

1930 - 2017

 

O decreto inicial daqueles que chegaram ao poder em 1930 abolia os poderes legislativos em todas as instâncias, desde as câmaras municipais até o Congresso nacional. (...) O único direito da sociedade para limitar atos do governo seria através de "recurso para o chefve do governo provisório.

 

De um editorial de jornal: "Para manter o equilíbrio na sociedade, asssegurando-lhe a tranqüilidade, a paz e harmonia, torna-se necessário o estabelecimento de um poder superioor que lhe dite normas e as faça segir. Daí a indispensável existência do Estado, conduzido por governos fortes e capazes que guiem os destinos coletivos." Tais idkeias estavam de acordo com a crença comtiana do grupo positivista, segundo a qual a democracia fundava-se na "ideia metafísica" de representação, a ser superada pela ciência. Por isso a ditadura baseada na ciência seria uma forma de governo na qual a técnica tomaria o lugar da política, com os positivistas monopolizando o exercício do poder.

 

Levou apenas sete meses para que a inércia danosa do governo federal em meio a toda a devastação transformasse o candidato derrotado no ditador que acumulava todo o poder.

 

Keynes defendia o aumento dos gastos públicos para compensar em parte os efeitos da depressão econômica.

 

Reforçando velhos métodos, Getulio forneceu meios parra que Assis Chateaubriand fosse comprando jornais país afora, os quais formariam a primeira rede de comunicação de abrangência nacional, sempre muito atenta às indicações do Catete.

 

Para justificar-se no poder, Getulio recorreu a um falso plano comunista escrito por um militar amigo, mas apresentado ao país como prova última de que só uma ditadura resolveria a situação.

 

Em outubro de 1945, o ditador foi deposto pelas próprias forças armadas, pois até estas haviam se convencido da impossibilidade de manter uma ditadura num cenário mundial em que as democracias, com apoio do Brasil, haviam se mostrado vitoriosas.

 

Em 1945 votaram 6 milhões de eleitores. Como a população brasileira em 1940, era de 41 milhões de habitantes, o contigenge eleitoral girava em torno de 14% da população total.

 

Do diário de Getúlio Vargas: "A proximidade das eleições faz com que as conveniências vão se sobepondo aos interesses da administração. É o mal que volta."

 

 

A desigualdade de renda foi apenas uma das conseqüências da entrada do governo no mundo dos negócios. Outra, não menos relevante, foi o fato de que essa decisão exigiu uma repartição interna de esforços estatais que não se mostrou nada favorável aos serviços tradicionais. Em termos proporcionais, atividades como educação ou saúde passaram a contar com menos recursos, o que levou à degradação desses serviços para a população.

 

Com raríssimas exceções, os ocupantes do governo central pensaram em si mesmos como os governos no tempos coloniais: como pessoas muito acima dos demais moradores, como iluminados obrigados a agir em nítido contraste com a gente comum ao redor. Assim foram os ditadores do regime militar, e o que entregaram não foi o produto de seu sonho "técnico", mas uma nação dilacerada pela concentração econômica e política, de um lado, e, de outro, pelo fracasso na proucao e na gesta - tudo isso expresso no lastimável estado do governo central.

 

No setor privado, o capitalista precisa acumular previamente o necessário para entrar na atividade: gasta sua poupança ou convence alguém com dinheiro a se associar. Contrata trabalho, produz, vende. Remunera-se pelo lucro, quando este existe. Se perde, o prejuízo é dele e/ou de quem empatou capital.

 

Já os governos entram nessa atividade de outra forma. Captam a poupança de empresários e trabalhadores via impostos, além de contraírem dividas. Ou seja, retiram da poupança geral da sociedade os recursos que investem, transferindo-os para funções diferentes daquelas típicas de bov. Remuneram-se tanto pelo lucro como pelo aumento geral da arrecadação de impostos. Quando perdem, o prejuízo é socializado.

 

A lei não era igual para todos, e apenas aplicada nas partes que se referiajm a cada um. Sendo a colônia espaço de plebeus, as Ordenações foram a legislação vigente no território durante todo o período colonial, mas somente as partes que se aplicava a eles.

 

Em apenas 33 anos, entre 1934 e 1967, o país conheceu nada menos que quatro constituições, ccada uma delas retrato das oscilações entre aspirações democráticas e desejos autoritários.

 

No título II da Constituição, uma declaração dos direitos fundamentais dos brasileiros, são listados nada menos de 78 direitos fundamentais, 10 direitos sociais e 34 direitos dos trabalhos, afora os direitos políticos. (...) [Alguns direitos] estabelecer uma relação normativa de tutela entre a sociedade e o Estado, obrigando este a atuar numa série de áreas da vida prática ("O Estao prestará assistencia juridica integral e gratuita a todos os que comprovarem insuficiencia de recursos" ou "O Estado promoverá, na forma da lei, o direito do consumidor") como supridor de meios - e, inversamente, retirando responsabilidade dos cidadãos para que a tutela seja possível.

 

Para se cchegar a um número tão alto de direitos foi preciso elevar a situação de grupos sociais muito particulares ao estatuto de merecedores da consideração constitucional. Um caso típico: "Às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação." A lista das transformações decasos particulares em preceito geral é imensa.

 

Entre os 22 direitos grantidos aos servidores públicos (para além de todos os direitos gerais) estão detalhes que vão desde o período de validade de um concurso público (dois anos, prorrogáveis por mais dois) até uma amarração completa dos vencimentos de todos os funcionários ao salário dos juízes do Supremo Tribunal Federal, a obrigação do Estado de dar aumentos reais periódicos ou regras detalhadas para o acumulo de cargos publlicos.

 

A lista de países que apresentam a tendência de acumulação de riqueza no setor privado abrange variantes políticas expressivas: regimes dominados por um partido único, como a China; governos predominantemente social-democratas, como a Suécia; países com o Esgado grande, como a França ou a Itália, que alternaram políticas conservadoras e de esquerda, sem que isso afetasse a tendência de concentração; a Alemanha, onde se alternam os social-democratas e os conservadores; o Japão, majoritariamente dirigido por forças centristas; o Reino Unido e os EUA, onde os conservadores neoliberais se alternaram no poder com os trabalhistas e os democratas - tanto uns quanto outros incapazes de alterar a tendência geral. Em outras palavras, o processo de blobalizacao se tornou impositivo porque foi carreando para si todos os Estados nacionais, independentemente das opções políticas ou ideológicas locais.