EXTRATO DE: HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL
CINCO SÉCULOS DE
PESSOAS, COSTUMES E GOVERNOS
Autor: Jorge
Caldeira
Ed. Estação Brasil
(2017/2018)
1500 - 1808
A porção a leste
dos Andes no continente sul-americano, teria, em 1500, uma população entre 1
milhão e 8,5 milhões de pessoas. Lingüistas especializados em história
identificaram mais de 170 línguas faladas.
Rousseau: O costume
á maior de todas as leis, pois se grava nos corações.
Quando se produzem
excedentes econômicos regulares para acumular, um grupo se destaca dos demais e
assume o controle do estoque de excedentes.
O que se nota hoje
é que essa documentação está fortemente enviesada pelas crenças dos escritores,
revelando até mais de seus preconceitos do que efetivamente dos costumes que
procuravam descrever. Questões como a crença religiosa do observador marcam as
afirmações sobre os observados.
Aristóteles assim
justificou a desigualdade entre os seres humanos: Todos os homens que diferem
entre si para por, no mesmo grau em que a alma difere do corpo e o ser humano
difere de um animal, são naturalmente escravos, e para eles nada melhor do que
estarem sujeitos à autoridade de um senhor.
A manutenção do
desigual, se bem realizada, equivalia a fazer justiça - e o cumprimento desse
objetivo nada tinha a ver com a fórmula atual de que todos são iguais perante a
lei. Ao contrário, o ideal de justiça era "dar a cada qual o seu
direito", ou seja, tratar desigualmente cada um segundo sua qualidade.
(Para a justiça de
Portugal) "O princípio da intangibilidade dos privilégios era uma peça
central nas estratégias jurídicas de defesa do status quo político. A tal ponto
que mesmo Pascoal de Melo continua a afirmar que 'também os privilégios
concedidos individualmente a alguém se chamam leis; pois ninguém pode perturbar
aquele cidadão na fruição de seu direito'"
Em 1418, uma bula
papal deu aval para o projeto de navegação, classificando-o como uma cruzada.
Em termos técnicos, o reconhecimento desse estatuto na bula transferia à Ordem
de Cristo o poder de organizar e administrar a Igreja nos territórios
conquistados. Da cobrança dos impostos eclesiásticos à criação de bispados ou
paróquias, tudo dependia do grão-mestre da ordem. (....) Em um século, os papas
emitiram onze bulas privilegiando a Ordem de cristo com monopólios de navegação
na África, posse de terras, isenção de impostos eclesiásticos e autonomia para
organizar a ação da Igreja nos locais descobertos.
Até
Como os sacerdotes
não podiam batizar fiéis de outras religiões, a saída foi considerar as índias
como inocentes, ou seja, como desprovidas de qualquer tipo de religião. Desse
modo, depois de batizadas elas passaram a ser enquadradas na categoria de cristãs-velhas,
isto é, de descendentes de cristãos pelos quatro costados e, portanto, aptas a
receber títulos de nobreza.
As autoridades
eleitas nas vilas eram quase todos analfabetos, indivíduos de origem humilde,
nobilitados apenas no papel, casados com índias ou filhas de índias.
(O guia para os
padres jesuítas era:) "A lei que He hão de dar é defender-lhes de comer
carne humana e guerrear sem licença do governador; fazer-lhes ter uma só
mulher; vestirem-se, pois têm muito algodão; depois de [transformá-los em]
cristãos, tirar-lhes os feiticeiros; mantê-los em justiça entre si e para com os
demais cristãos; fazê-los viver quietos e sem mudarem para outras partes, tendo
erras repartidas que lhes bastem e padres da Companhia para doutriná-los."
Os métodos
políticos [na aliança entre franceses e Tupis] foram exatamente os mesmos: o
casamento de franceses com filhas de chefes fundamentou um fluxo de comércio no
qual o algodão e o pau-brasil eram trocados por utensílios de ferro.
Francês, português,
espanhol, não importa o europeu. A regra do sucesso econômico e social era a
mesma: aculturação no governo de costume Tupi e a concomitante criação de um
fluxo de negócios.
Como ali todas as
trocas de excedentes eram comandadas pelos padres (que também embolsavam as
rendas auferidas), os índios "livres" se tornavam produtores de bens
para seus tutores.
Os colonos passaram
a dizer que os nativos teriam recebido a custódia da terra de Deus, mas eram
'incapazes de ter noção exata das finalidades para as quais ela foi criada', de
modo que 'podiam ser declarados como tendo perdido o direito sobre a terra onde
estavam'.
Em 1681 as receitas
tributárias extraídas do Brasil representavam metade de toda a arrecadação do
império português.
João Ramalho viveu
muito bem com suas 30 mulheres e nenhum vereador o perturbou. Esses
matrimônios, do ponto de vista Tupi, estavam dentro dos códigos dos bons
costumes e da mais elevada moral.
Havia rotatividade
no poder. No caso de São Paulo, de
Uma das
conseqüências da prensa de Gutenberg, na Europa, foi a perda da importância da
Igreja no processo de transmissão de conhecimentos, assim como o aumento do
poder dos produtores e leitores laicos.
A inquisição jamais
permitiu a instalação de uma tipografia no Brasil: todos aqueles que tentaram
trazer maquinas e tipos foram presos, processados e tiveram seu material
destruído - e isso foi até 1808. (na mesma trilha) todas as tentativas foram
frustradas e negadas todos os pedidos para a instalação de faculdades ou
universidades.
Culto à tetrarquia: João Fernandes Vieira (reinol), André Vidal de Negreiros
(nobre da terra), Felipe Camarão (Tupi) e Henrique Dias (negro). Se juntaram
para expulsar o inimigo externo (os holandeses) sem qualquer ajuda do governo
metropolitano.
A lógica de todo o
processo passou a ser exclusivamente a riqueza, a fortuna em ouro. O papel do
casamento como instrumento de alianças de grupos perdeu força. Quem tinha ouro
podia ter tudo.
Não era preciso
mais que adular a magnanimidade do soberano e relembrar a sua bondade em atender
os fins propostos especulativamente pelos autores. Com isso, a maior parte que
saía do Tesouro, abastecido pelos colonos brasileiros, seguia para os bolsos
dos detentores dos chamados direitos
adquiridos - ou seja, aqueles para os quais as Ordenações determinavam um
tratamento preferencial.
D. João V
privilegiou as partes do corpo social mais próximas da cabeça, aquelas idas
como as de maior virtude na sociedade.
A maior obra do
reinado de D. João V foi a construção do gigantesco convento de Mafra, que
empregou 40 mil homens e consumiu o equivalente a 140 toneladas de ouro, ou
vinte anos de arrecadação do quinto de ouro no Brasil.
Alexandre de Gusmão
alcançou seu objetivo: no Tratado de Madri, firmado em
Os tribunais, como
instância de salvaguarda da justiça e da defesa dos direitos adquiridos de cada um, ocupam, na esfera do Antigo Regime,
uma função constitucional determinante.
Para entender o desenvolvimento ao longo do
século XVIII temos que entender as estruturas remanescentes de governos das
vilas e dos costumes dos moradores governando-se a si mesmos.
No século XVIII
apenas os jesuítas, pagos pelo rei, eram agentes regulares da esfera central -
pois os demais padres, embora funcionários públicos, dependiam dos moradores
para ter rendas.
O termo
"escravidão" foi definido como o ato de comprar e vender pessoas como
mercadorias, em troca de dinheiro.
Felix Soares de
Souza, um mestiço filho de português com índia, mostrou-se muito hábil para tirar
proveito de alianças matrimoniais, das guerras e dos negócios, ganhando fama
pelo proverbial cumprimento da palavra empenhada. Subiu tanto na vida que
acabou virando rei do Benin. Morreu já no século XXI, deixando 53 viúvas, 100
filhos, 2 mil escravos para vender e uma fortuna em dinheiro.
Num tempo em que os documentos eram
manuscritos, tinham de ser lidos um a um. Como não havia processos mecânicos de
calculo, as contas para avaliar os dados eram limitadas. Sem imprensa, cada
copia de cada página tinha de ser feita manualmente e os envios eram demorados.
Com tudo isso a consolidação de dados era precária e acabava circulando apenas
num circuito muito limitado.
Os EUA exportavam,
na virada para o século XXI, algo em torno de 4 milhões de libras esterlinas
anuais; as exportações brasileiras de 1807 foram de 3,8 milhões de libras
esterlinas. A diferença de tamanho entre as duas economias, portanto, estaria
mais relacionado ao mercado interno do que ao externo. Em termos de
urbanização, as três maiores cidades dos EUA (Nova York, Filadélfia e
Baltimore) tinham por volta de 65 mil habitantes em 1810, uma população
equivalente à das três maiores cidades brasileiras (Rio, Salvador e Recife).
Quanto à ausência
de índios no censo norte-americano, desde o início da colonização, os
protestantes, sobretudo os puritanos, consideravam os nativos como pessoas
desprovidas de razão, incapazes de ler a Bíblia e compreender a verdade
revelada - eram, portanto, pessoas que não poderiam fazer parte da sociedade.
Em conseqüência, a política que se adotou em relação a eles foi de extermínio,
que não deixou rastros nem nas estatísticas.
Governar
significava exercer ao mesmo tempo três poderes: formular por escrito as leis,
comandar a sua aplicação, e chefiar a aplicação da justiça, nomeando juízes.
No Brasil, as
condições de vida da grande maioria das vilas regidas com alternância de poder,
ao longo dos três séculos da era colonial, foram mais ou menos as mesmas: povos
miscigenados, com raríssimos alfabetizados (analfabetos votavam e eram
votados), vivendo isolados e longe da autoridade central.
Apenas donatários e
governadores gerais se sobrepunham aos vereadores. (...) Havia no Brasil um
grau de soberania popular maior do que na metrópole. Nesse caso, a lei geral
que regulava o assunto não era apenas norma exótica. Ganhou um conteúdo efetivo
ao se tornar costumeira, com o hábito de eleger e confiar no governo coletivo. E esse foi um costume popular, coletivo,
constante. Não veio do alto, não dependeu de iluminados metropolitanos - basta
isto para se entender o século e meio de isolamento da São Paulo de analfabetos
e mamelucos: de três em três anos essa gente organizou eleições, deu posse aos
governos, seguiu-lhes as determinações - e os governantes entregaram os cargos
aos eleitos. [Mas isto] não era exatamente benquisto pelos governantes a
serviço da Coroa, [para eles] era gente cuja única função na vida política era
a obediência, cujo modelo era aquele do escravo.
Administrações
locais e clero secular eram instituições de governo com atuação geral, regular
e tão universal quanto era possível no Brasil.
A sociedade era, em
todo o Ocidente, pensada como estruturalmente desigual, que tal desigualdade
era eterna e natural, que a riqueza deveria fluir para senhores e nobres - e
que tudo isso deveria ser estável e dominado pela tradição.
1808 - 1889
O que é então o
governo? Um corpo intermediário estabelecido entre súditos e soberano para
mútua correspondência, responsável pela execução das leis e manutenção da
liberdade.
Rousseau propunha
um novo modo de governo, baseado na ideia de que a sociedade se governa a
partir de um contrato entre homens livres e iguais, e não a partir da simples
agregação de pessoas desiguais por natureza.
Para Aristoteles, a
instituição da escravidão era a evidência maior de que a sociedade se fundava
na desigualdade, de modo que ao bom governante caberia apenas manter tal
diferença com seus atos. Rousseau, o exato contrário de Aristoteles, dizia:
"Nulo é o direito da escravidão, não só por ser ilegítimo, mas por ser
absurdo e nada significar. As palavras escravidão e direito são contraditórias,
excluem-se mutuamente."
Em 1776, Adam Smith
ampliou a ideia central do iluminismo da esfera política para a econômica: o
mercado seria o próprio contrato social em atividade permanente.
Se antes o rei e o
seu tesouro estavam no ápice da vida econômica, agora caberia outro lugar à
majestade econômica: "O soberano, com todos os oficiais de justiça e
guerra que servem sob suas ordens, todo o Exercito e Marinha, são trabalhadores
improdutivos. Servem ao Estado.
Ainda Rousseau: "Onde
quer que predomine o capital, predomina o trabalho, e onde quer que predomine a
renda, predomina a ociosidade."
Da Declaração de
Independência dos EUA: "É evidente por si mesmo que todos os homens foram criados iguais, e dotados por
seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais o da vida,
liberdade e busca da felicidade."
Thomas Jefferson
tinha 150 escravos no momento em que escrevia - inclusive oito que eram filhos seus
com uma mucama mulata. Mesmo depois da Declaração, seu autor jamais viu
qualquer contradição entre esses detalhes pessoais e a frase, a ponto de
continuar fazendo seus negócios de compra e venda de indivíduos em tese dotados
pelo Criador de direitos inalienáveis - e agora sob o império de sua legislação
iluminista.
D. João veio
acompanhado de 15 mil cortesãos - boa parte dos quais recebiam dois terços das
despesas do Erário.
[Após abrir os
portos atendendo interesses exclusivos seus] D. João permitiu a instalação do
primeiro curso superior, uma escola de medicina em Salvador, com dois séculos e
meio de atraso em relação à America hispânica (onde naquela altura funcionavam
23 universidades) e quase dois séculos de atraso com relação às colônias inglesas
- cuja primeira faculdade surgiu poucos anos após a chegada dos primeiros
colonos. Sem necessidade de atos oficiais, outra mudança secular foi o
desembarque da primeira prensa tipográfica que iria funcionar legalmente no
Brasil.
Estudiosos calculam
que apenas 1% ou 2% dos brasileiros sabiam ler e escrever em 1800. no mesmo
ano, a proporção de norte-americanos
alfabetizados chegava a nada menos de 70% da população adulta masculina -
proporção bem mais expressiva inclusive em relação à inglesa, que era de 55%
naquele momento.
A bondade do
Soberano, "dando a cada um o seu", seria o princípio da divisão do
trabalho, ao passo que a liberdade de agir dos súditos obedientes seria a filha
daquele princípio; e a riqueza da nação seria para desfrute do monarca, que
está muito acima dos
"particulares", como se dizia em termos aristotélicos.
A mudança da Corte
também implicava concentrar na colônia os gastos públicos. Assim o dinheiro de
impostos antes remetido à metrópole passou a circular na economia local e a estimular
o seu crescimento. Essa era uma novidade tão grande quanto a prensa
tipográfica, e tinha conseqüências importantes para os grandes comerciantes.
Até 1808, só era
autorizada a abertura de empresas na metrópole. (...) Também naquele época
havia um rígido controle cultural, fazendo com que a cultura européia chegasse
a conta-gotas.
Em janeiro de 1822,
José Bonifácio de Andrada, foi nomeado ministro pelo regente D. Pedro, então
com 23 anos. Na primeira reunião entre os dois houve um acordo: formar um
centro de poder estável no Brasil, que assegurasse a sobrevivência da monarquia
e a obediência a uma Constituição, a ser elaborada por representantes eleitos.
Parecia um contrassenso evidente fundir instituições fundadas em princípios
opostos. De um lado estaria o poder real concebido como tendo origem divina,
operador de uma régua de justiça cuja medida os homens não conhecem e dando a
cada um segundo o seu. De outro, um poder que se via fundado na razão, derivado
da soberania popular, o maior de todos os poderes, formado por pessoas eleitas
e promulgando leis a que todos deveriam obediência.
Toda a tradição do
já então chamado Antigo Regime, o mundo anterior à decapitação de Luis XVI, era
a de organizar o poder como desigualdade, tendo como modelo as relações
senhor/rei e escravo/súdito.
A abolição da
escravatura no Haiti resultara em desastre econômico, e todos os iluministas
davam tratos a bola para descobrir fórmulas de ajuste entre a realidade do
cativeiro, os ideais de liberdade e os anseios de progresso.
Para José
Bonifácio, o futuro seria da seguinte maneira: "Nós não conhecemos
diferenças nem distinções na família humana; como brasileiros serão tratados
por nós o chinês e o luso, o egípcio e o haitiano, o adorador do sol e de
Maomé."
A cidadania deveria
abolir todos os privilégios. Diferenças de raça ou diferenças de religião não
seriam impeditivos para alguém ser brasileiro.
Rousseau duvidava
que habitantes dos trópicos tivessem capacidade reacional plena.
Em 29 de agosto de
1825 foi assinado um acordo com Portugal que concedia a independência ao Brasil
como um favor. O Brasil, por sua vez, recompensava o favor com uma indenização
de 2 milhões de libras esterlinas - metade de suas exportações anuais ou cerca
de 7% do PIB da época. (...) E algo como 3 milhões de libras foi embolsado pelo
monarca para seus projetos pessoais ou pagamentos aos ingleses. No total, um
valor que equivalia a algo como 18% do PIB foi dado em pagamento para o
exterior - seja a Portugal ou ao bolso do monarca.
D. Pedro I era o
único que sabia com exatidão o tamanho do presente que dera a si mesmo - aquilo
que os analistas posteriores chamam de dinheiro "empregado em expedições
militares e missões diplomáticas na Europa". Essas missões tiveram como
objetivo central a montagem de um esquema forte o suficiente para garantir suas
pretensões ao trono então ocupado por seu pai.
A primeira
legislatura regular do parlamento brasileiro foi aberta em 1826.
A produção
capitalista, dependente de trabalho assalariado e capital, estava se mostrando
pujante, sobretudo na Inglaterra, cujas instituições econômicas estava se
transformando no modelo a ser imitado por todos.
Como D. Pedro não
cogitava governar segundo a vontade de gente das ruas, em resposta às
reivindicações da multidão reunida na praça, na madrugada de 7 de abril
renunciou ao trono e buscou refúgio num navio inglês. Deixou como herdeiro o
filho de 5 anos. Sabia que haveria a nomeação de uma regência e que os regentes
não poderiam exercer o Poder Moderador, pessoal e privativo de um monarca com
plenos poderes. Tinha noção exata de que apenas o jovem Parlamento concentraria
todos os poderes no governo central.
Os regentes
souberam como exercer o comando do Executivo, colocando em prática uma forma de
aplicar os recursos que era comum nas câmaras municipais, mas inédita no
governo central, por meio de uma lei do Orçamento que regulamentara os gastos
públicos. (...) Para aqueles que
pensavam e agiam segundo a lógica do Antigo Regime, o governo arrecadava um
Maximo de todos e distribuía esse dinheiro "fazendo justiça" para
quem tinha "direitos adquiridos". Já os novos dirigentes pensavam e
agiam segundo a lógica iluminista de que a soberania popular restringia o
governo, de modo que este arrecadava de todos e distribuía para todos apenas o
arrecadado e segundo uma lei votada pelos representantes eleitos - essa era a
função do Orçamento.
Diogo Antônio Feijó
tomou posse e reagiu aos motins confirmando que não gastaria um centavo além do
que havia sido autorizado pelo Parlamento. (...) No pior momento, o Parlamento
viu-se cercado durante seis dias pelos amotinados que exigiam a continuidade de
privilégios.
Em 1831, o fim do
tráfego legal de escravos implicou na queda da receita do governo. (...) Com
isso, as receitas alfandegárias caíram 25% entre 1830 e 1832. nesse cenário, o violento
corte de despesas acabou sendo a fórmula para equilibrar a situação do governo
central como um todo. Graças a ele, as emissões que financiavam o déficit foram
praticamente eliminadas, caindo nada menos de 85% no período. A conta recaiu
quase toda sobre os antigos beneficiários do imperador.
A execução rigorosa
do Orçamento reforçou a disciplina financeira e permitiu o inicio do
recolhimento das moedas de cobre com alta taxa de senhoriagem.
Os derrotados
reagiram como puderam, concentrando o ódio em Feijó. Tinham prestígio e
dinheiro para financiar jornais, nos quais o ministro era tratado como "alcoviteiro
sedutor de donzelas" ou "homem que veio ao mundo num chiqueiro de
porcos".
Feijó lançou um jornal
e no editorial de 7 de novembro de 1834 escreveu: "Não sofreremos mais as
injustiças e violações do despotismo. Respiramos desafogados depois da
abdicação. Porém temos uma legislação má, incompleta, ineficaz, insuficiente; o
governo fraco, sem atribuições, sem meios para fazer efetivas aquelas que têm;
autoridades de eleição popular quase sem ingerência no governo, todas
destacadas, sem centro nem unidade; os cidadãos sem estímulo para
interessarem-se no serviço da pátria; o povo sem educação; a magistratura como
apostada a fazer ainda piores as leis que lhe dão."
E mais adiante:
"As pretensões do Poder Judiciário por independência são traduzidas por
eles (os juízes dos tribunais superiores) em absolutismo e irresponsabilidade.
Enquanto este poder não se tornar constitucional, isto é, independente nos seus
atos mas responsável juridicamente por eles, o arbítrio e o despotismo que
pesam sobre os brasileiros deve-se ao poder judicial."
"A
Constituição sem responsabilidade é uma quimera, porque o governo faz o que
quer à sombra dela enquanto os governados se iludem com belas palavras e
promessas."
A crise provocada
pelos gastos excessivos nos últimos anos do reinado de d. Pedro devastara as
ralas poupanças locais, consumira as reservas internacionais e a moeda
metálica, transformara o dinheiro de papel no único meio de circulação
existente - o que era uma raridade na economia mundial.
Antes de 1835, no
Pará, quase tudo era produzido por índios. O tráfico de escravos não tinha
relevância na economia. Além dos econômicos havia vínculos políticos
peculiares: a região estava ligada administrativamente a Lisboa, e não ao Rio
de Janeiro, o que se devia em grande medida ao regime de ventos no Atlântico,
pelo qual a navegação a vela durava 20 dias até a metrópole e 900 dias até o
Rio de Janeiro.
Feijó era
federalista, defensor intransigente da descentralização de poder, da
transferência de franquias para as províncias, as vilas e a sociedade.
Em
A única boa notícia
econômica ao final da regência era a de que, graças ao constante esforço de
todos os governos regenciais, no final da década de 1830 alcançou-se um
equilíbrio nas contas do governo central.
Na esfera política,
ocorreu a consolidação do Parlamento. No quinto ano de funcionamento, o
Parlamento tornara-se a instituição central de comando de todos os poderes
(...) De vitória em vitória na contenção de gastos, à frente do Executivo, e de
reforma em reforma na legislação, à frente do próprio Parlamento, os
representantes da soberania popular souberam ampliar muito a esfera da
responsabilidade na vida brasileira. Isso era algo inusitado no Ocidente.
A Constituição de 1824 ampliara o escopo de
poderes do governo central. (..._) A Lei manteve uma herança medieval das
Ordenações, os chamados foros privilegiados - e por isso os juízes não poderiam
ser processadas na forma da lei que deveria valer para todos.
Na década de 1840
foram fundados os dois primeiros bancos privados do país, um na Bahia e outro
no Rio de Janeiro. Era quase nada numa época em que os bancos se contavam aos
milhares na Inglaterra e nos EUA, mas não deixava de ser um sinal de que a
elevação das tarifas deu alento aos negócios.
Os cônsules
ingleses tomavam nota das movimentações de escravos que ignoravam as proibições
do tratado, enviando relatórios aos ministros, que, por sua vez, os guardavam
na gaveta. Assim surgiu o ditado que definia a proibição do tráfico como lei
"para inglês ver".
Desde o século
XVII, quando Salvador Correia de Sá comandou a tomada de Angola, o domínio
efetivo de brasileiros sobre vastas porções do espaço africano se tornara uma
realidade.
A volta atrás foi
concluída em 1860 por outro gabinete conservador. Foi aprovada a lei 2.711 que
introduzia restrições para a formação de empresas- restrições tão severas que
acabou sendo conhecida como "Lei dos Entraves". Com ela se voltava ao
tempo anterior ao Código Comercial, no qual a informalidade, o mercado que
funcionava no âmbito privado e à margem das leis, passava a ser a única saída.
No Brasil imperial
vingou a máxima do visconde de Itaboraí: "o rei reina, governa e
administra", proposta que estendia o controle do Imperador às províncias e
câmaras municipais.
Em 1861 foi
promulgado o Homestead Act, uma lei pela qual o governo prometia legalizar a
propriedade de qualquer posse com menos de
Em 1864 o Paraguai
invade o Brasil.
Sorites é um paradoxo lógico muito antigo,
da filosofia pré-socrática, embutido na pergunta: Em que momento um monte de
areia deixa de sê-lo, quando se vão removendo os grãos?
George Boherer
resumiu assim a questão de fraude eleitoral: "É difícil saber até que
ponto se usou fraude e pressão para determinar os resultados da eleição.
Contudo, é certo que nenhum ministério jamais perdeu uma eleição, mesmo quando
os membros do Parlamento anterior eram pronunciadamente oposicionistas, como se
deu em 1868.
Essa era a verdade apontada por Nabuco de
Araujo: a vontade do eleitor não contava para nada.
E Tracy Campbell
sobre a década anterior a 1876: "Foi uma década de culminância de eleições
corruptas, onde os dois partidos viam o outro como deliberadamente fraudando os
resultados. Contagens honestas dos resultados não passavam pela cabeça de
ninguém."
Até 1879 o Brasil tinha
uma tradição de três séculos e meio de governo local representativo, um
mecanismo institucional nacional que permitia a eleição de representantes
provinciais e nacionais, um quadro estável de regras para as disputas políticas
- e um conjunto de franquias que não destoava do padrão mais avançado do mundo
ocidental.
De Arnaldo Testi:
"No Mississipi ficou famosa a 'cláusula do entendimento', pela qual a
qualificação como eleitor dependia de serem capazes de "ler e
entender" partes da constituição estadual."
No dia 15 de
novembro de 1889, nenhum aristocrata apareceu para defender o regime - e nenhum
brasileiro pobre se incomodou minimamente com a sua derrocada. Mas havia sido
eliminada a peculiar barreira de duas soberanias que havia isolado o Brasil do
progresso capitalista no Ocidente.
O censo de 1890,
contou 1,28 milhão de índios, ou 9% da população do país.
A taxa de alfabetização passou de estimados
2% para 17,4% no fim do Império. Trata-se de um avanço, mas o fato é que, em
1890, vários países estavam próximos da alfabetização de toda a população.
Angus Maddison,
calculou a média de renda per capita no Brasil em 1820 (670 dólares anuais) e
1890 (704 dólares anuais). Um crescimento residual de 4% durante 70 anos. Um
Brasil estagnado enquanto o restante do mundo crescia.
Em 1800 os EUA
contavam com 5 milhões de habitantes e o Brasil 4,4 milhões. Nesse momento, o
porte das duas economias também era semelhante. [Mas] Nos EUA, a renda per
capita mais do que triplicou entre 1820 e 1900, passando de 1,3 mil para 4 mil
dólares (5,7 vezes a renda per capita brasileira). A maior aceleração se deu no
período posterior à guerra que pôs fim à escravidão. A população de 35m milhões
em 1865, saltou para 63 milhões em 1890. Apesar de tal incremento a renda per
capita cresceu 55% no mesmo período.
1889 - 1930
D. Pedro II detinha
privativamente o comando da Ordem de Cristo. Desde 1418 o papado concedera a
este o estatuto de chefe de cruzada, e com ele toda a administração da Igreja
no território dessa cruzada - do qual o Brasil ainda era parte em 1889.
A única decisão
relevante de Roma era a escolha do bispo primaz, mas apenas entre os nomes de
uma lista enviada pelo comandante da Ordem de Cristo.
D. Pedro II, o
chefe do Poder Moderador, aquele que estava acima da lei, que podia era
irresponsável e não podia ser processado.
Era o imperador o
único que podia nomear e demitir a seu
inteiro gosto os ministros que exerciam o Poder Executivo e era ele quem
convocava o Parlamento, abria as sessões, dissolvia a legislatura, sancionar ou
não as leis (...). Era ele quem nomeava e suspendia os juízes dos tribunais
superiores. (...) Era ele quem nomeava todos os presidentes de província(...) e
quem controlava a presidência do Banco do Brasil.
Todos esses poderes
mudavam de dono com a partida do navio que conduzia D. Pedro II ao exílio.
M(...) a nova cabeça tinha ligações muito precárias com o gigantesco corpo da
nação.
Apostolado
Positivista. Augusto Comte e sua fórmula: "Ordem e Progresso". Como
era tempo de revolução, o decreto que transformava o estandarte de um grupo
obscuro em bandeira nacional foi publicado já na terça-feira, dia 19.
[Consagrado o Dia da Bandeira]
Capitão Nelson de
Vasconcelos e Almeida: "Pata termos uma Republica estável, feliz e
próspera, é necessário que o governo
seja ditatorial e não parlamentar."
Tasso Fragoso:
"Um dos defeitos do regime eletivo está justamente nisso: cada cidadão no
momento em que leva seu voto às urnas, supõe por este modo ter dado toas as
manifestações de opinião.
Campos Sales, em
janeiro de 1890 proibia qualquer instancia de governo de legislar ou
regulamentar os cultos religiosos; E, no breve artigo 4, determinava que
"fica extinto o Padroado, com todas suas instituições, recursos e
prerrogativas". Em uma linha acabava uma ligação entre a Igreja católica e
o governo que vinha ininterruptamente desde 1418.
17 de janeiro de
1890: "As companhias ou sociedades anônimas, seja civil ou comercial o seu
objetivo, podem estabelecer-se sem autorização do governo." (...) Este dia
assinalou uma revolução no campo da economia. Não ficou pedra sobre pedra da
antiga política econômica imperial. E a maior parte das mudanças consistiu em
retirar o Estado da função de protetor de grupos amigos contra os riscos do
mercado e, na via inversa, proteger pela lei a ação dos empresários atuando em
ambiente competitivo, antes relegados ao plano secundário da informalidade.
Em 1890/91, foram
lançadas nada menos que 210 grandes sociedades anônimas de capital aberto em
São Paulo. Neste período, no Rio Grande do Sul, os bancos passaram de dois para
dez.
O marechal Deodoro
fechou o Congresso no dia 3 de novembro de 1891, tornando-se novamente ditador.
Tentou salvar o banco. MS como os tempos eram outros, uma alteração pouco
notada por ele no mecanismo constitucional entrou em ação. No dia 23 de novembro,
o vice-presidente da republica, o também marechal Floriano Peixoto, derrubou o
presidente e tomou legalmente poder.
Manifesto de
Floriano Peixoto: "Manter a
inviolabilidade da lei que é ainda mais necessária em sociedade democráticas
como um freio ás paixões do que é necessária nos governos absolutos com
tradição de obediência pessoal, será para mim e meu governo sacratíssimo
empenho, como também sê-lo-á respeitar a vontade nacional e dos estados em suas
livres manifestações sob o regime federal. (...) A administração da Fazenda com
a mais severa economia e a maior fiscalização da renda do Estado será uma das
minhas maiores preocupações. Povos novos e onerados de dividas nunca foram
felizes e nada aumenta mais as dividas do Estado que as despesas sem proporção
com os recursos econômicos da nação."
[Mas, segundo os
biógrafos de Floriano] O hábito forma uma espécie de segunda natureza. Com
pequenas e honrosas exceções,o costume de achar bom todo ato praticado pelo
governo central continuava a produzir seus maléficos efeitos.
O novo presidente
do país resolveu consolidar a sua autoridade pelo método da derrubada dos
governos estaduais.
Em 1893 Floriano
Peixoto governava sem Parlamento, com estado de sítio, censura à imprensa,
nomeação de governadores e o controle do sistema financeiro.
Do Visconde de
Taunay, usando pseudônimo, no folhetim "O Encilhamento": "Só
muita energia, muita consciência do dever, muita força de vontade e valente patriotismo
por parte daqueles que dirigem este pobre Brasil poderão nos atalhar de tantos
males.
Definição de
moralidade: clareza na separação do bem e do mal, do vício e da virtude.
Ainda imperava em 1894, o costume nas vilas
(agora municípios) que vinha desde 1532, onde os vereadores eram eleitos e
entregavam seus cargos ao final do mandato.
Do biógrafo de
Antonio Moreira Cezar que, obedecendo ordens, abriu fogo contra a população em
várias missões pelo Brasil: "A bestialidade humana que existe no cérebro
de certos caudilhos e seus comandados fez com que chafurdassem no gozo da
prática do hediondo espetáculo de expor carótidas e vísceras humanas ao ar
livre."
O Rio Grande do Sul
logo se tornou o estado com as maiores taxas de alfabetização do país - e isso
num contexto em que, por motivos ideológicos, o governo estadual não investia
no ensino superior.
Nos EUA ou na Europa,
só votava uma minoria de eleitores homens, o que explicava a limitação elitista
dos jornais partidários.
Leclerc: "Este
recanto mal-afamado dos jornais, onde o leitor levado por uma curiosidade malsã
deita o olhar em primeiro lugar, é um ponto gangrenado do corpo social."
Na virada do
século, a mudança da escala do jornalismo partidário para aquela do jornalismo
de massa trouxe para o Brasil a mesma espécie de noticiário que se tornava
comum no Ocidente. Em vez de escrever para adeptos, os jornalistas passaram a
escrever para pessoas dispostas a se informar muito pagando pouco.
Pudente de Morais,
o novo presidente, concebia o processo eleitoral como aquele pelo qual o
eleitor renuncia à política e concentra poderes numa autoridade,
"elevada" ao grau de "suprema autoridade".
Como notou José
Ênio Casalecchi: "Entre 1897 e
Campos Sales
afirmava com todas as letras: "não há perigo maior do que a violência
brutal do voto para ameaçar os interesses da administração. Daí a decisão de
transferir ao governo o controle do resultado eleitoral.
Robert Michels:
"Um candidato conservador que se apresentasse declarando aos eleitores que
não os julga capazes de tomar parte ativa na definição dos destinos do país, e
que por isso deveriam ser privados de seu direito ao sufrágio, seria um homem
de sinceridade incomparável, mas politicamente insano. Se quiserem encontrar um
caminho para o Parlamento, só dispõem de um método: descer à arena eleitoral
com democrática humildade e tentar convencer os eleitores de que têm os mesmos
interesses que eles.
"O Partido
Republicano de São Paulo dolorosamente sentia as acusações provocadas pelo
desvio político de seu antigo chefe (Campos Sales). Não alimentava mais ilusões
a respeito: as alturas do poder haviam conturbado a alma do propagandista republicano.
Alberto Sales,
irmão de Campos Sales, e integrante do grupo de dissidentes, publicou ataques
ao governo no Estado de São Paulo: "Tanto um como outro [império e
república] estão em completo desacordo com o caráter nacional. Nós todos sabemos
melhor do que ninguém o que somos. Não temos força de vontade, firmeza de
resolução, coragem individual, confiança em nós mesmos e em nossos próprios
esforços. Não empreendemos nem perseveramos em coisa alguma. Falta-nos em
absoluto crença em nossa própria força, somos excessivamente tímidos, fracos e
medrosos. Temos, é verdade, umas poucas qualidades morais que nos elevam frente
a outros povos. Somos muito comunicativos, muito expansivos e afáveis. A nossa
casa é a casa de todos e a nossa
hospitalidade é proverbial. (...) O que é preciso fazer onde o Estado é
tudo e o indivíduo é nada? (...) Não fizemos a revolução de 15 de novembro para
sair da ditadura imperial e cair na ditadura presidencial."
Para Gabriel Cohn
interpretando Le Bom: "Pelo mero fato de tomar parte numa multidão
organizada [isto é, de uma associação de indivíduos com vista a alguma ação] um
homem desce vários graus na escala da civilização. Isolado, ele poderia ser um
indivíduo cultivado; na multidão é um bárbaro - ou seja, uma criatura que age
por instinto."
Júlio de Mesquita
temendo a barbárie das multidões: "Ou a revisão de faz, ou a República
desaparece. Custe o que custar, precisamos sair disso.
Paulo Egydio:
"O público é uma coletividade puramente espiritual, uma disseminação de indivíduos
fisicamente separados, de uma coesão toda mental. Na multidão opera-se um feixe
de contágios psíquicos promovidos por contatos físicos, e por isso ela tem
alguma coisa de animal. (...) Os indivíduos sugestionados não se acotovelam,
não se vêem, não se ouvem; mas lêem, cada qual, o mesmo jornal."
Campos Sales:
"O ataque ao poder é o mais estimulante atrativo à simpatia pública. (...)
Não corrompi a imprensa. Acatei sempre a que merecia respeito do público. Tive,
porém, a mágoa profunda de encontrar jornais e jornalistas desviados de sua
grandessíssima missão e que pareciam menos dispostos a ser instrumentos
benéficos de opinião." É curioso o julgamento embutido nesse argumento. A
opinião pública, quando não nasce do Estado, é "falsa".
No dia 28 de agosto
de 1902, o Estado de São Paulo publicou o manifesto de lançamento do Partido
Socialista Brasileiro, que principiava com as seguintes palavras: "A
história das sociedades humanas é a história da luta de classes."
O manifesto
terminava com: criação de um imposto sobre a renda, o fim dos impostos
indiretos, sufrágio universal para homens e mulheres maiores de 18 anos,
jornada de trabalho de oito horas, cidadania para os imigrantes, ensino
fundamental obrigatório, igualdade de ganhos para homens e mulheres, adoção do
divórcio, neutralidade do Estado nos conflitos entre capital e trabalho,
liberdade efetiva de reunião e imposto progressivo sobre heranças.
Cinco anos antes da
publicação de Os Sertões, de Euclides da Cunha, no calor dos combates [Canudos],
o arraial e seus habitantes haviam sido apresentados ao público como
revoltosos; no livro apareciam como vítimas de um massacre.
Do ponto de vista
do direito romano, Antonio Conselheiro e seus seguidores seriam rebeldes e o
Estado teria o direito de violar todos os seus direitos - inclusive o direito à
vida - sem que pudessem opor qualquer forma legal de obstrução.
Campos Sales foi
julgado pela opinião pública. (...) Sua vaidade muito teria sofrido com a
ruidosa manifestação de hostilidade pública, tão em contraste com as aclamações
que, quatro anos antes, recebera Prudente de Morais. Mas Campos Sales devia
estar com sua consciência tranqüila de administrador. Depois do longo e penoso
sacrifício exigido da comunidade brasileira transmitia uma casa em ordem, com a
escrita equilibrada. Degradara-se ainda mais a política republicana, com a
política dos governadores; aviltara-se a significação democrática do
Parlamento; diluíram-se as derradeiras esperanças no livre jogo das
instituições representativas; seu confessado suborno à imprensa como que
oficializara a corrupção jornalística; à sombra de seu plano de extrema
deflação monetária tinham feito excelentes negócios banqueiros estrangeiros e
especuladores nacionais. E, ainda assim, fez seu sucessor, Rodrigues Alves.
[Wikipédia: O positivismo defende a ideia de que o
conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo
com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi
comprovada através de métodos científicos válidos. Para eles, o progresso da
humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos.
O lema Ordem e Progresso na bandeira
do Brasil é inspirado pelo lema positivista: "Amor
como princípio e ordem como base; o progresso como meta". Foi usado na
bandeira, pois várias pessoas envolvidas na Proclamação da República do Brasilera
seguidores das ideias de Auguste Comte.[2]]
Desde o empréstimo
para o reconhecimento da independência brasileira, em 1825, até esse momento,
haviam se passado o83 anos. Por todo esse longo período, o Banco Rothschild
teve o monopólio do financiamento do governo central brasileiro.
Rui Barbosa:
"A exigência de nossa moralização eleitoral consiste em extinguir
radicalmente a publicidade no voto. No dia em que tivermos estabelecido o recato
impenetrável da cédula eleitoral, teremos escoimado a eleição das suas duas
grandes chagas: a intimidação e o suborno. A publicidade é a intimidação do
votante. O segredo, sua independência. Para a conquistarmos, cumpre tornar
obrigatório, absoluto, indevassável o sigilo do voto.
Rui Barbosa: "As belezas do
presidencialismo brasileiro escorraçaram dos augustos laboratórios da
legislação republicana o talento, a eloqüência, a verdade. Baixaram, de
legislatura em legislatura, naqueles recintos consagrados à caricatura da
soberania nacional, o nível da capacidade e do decoro, da independência e da
respeitabilidade. (...) É a corrupção das consciências, exercida não à penumbra
das alcovas, como os vícios pudendos pelos libertinos, mas à luz da
publicidade. Todo mundo conhece, nomeia e censura todos os que compram e os que
vendem. (...) Já não se vê na sociedade um mero agregado ou justaposição de
unidades individuais, mas uma esfera orgânica em que a esfera do indivíduo tem
por limites inevitáveis, de todos os lados, a coletividade. (...) não
acrediteis que todos os males do sistema econômico predominante no mundo venham
de que os meios de produção estejam com detentores de capitais. Os operários
não melhorariam, se, em vez de obedecer a capitalistas, obedecessem aos
funcionários do Estado socializado."
Em
Depois dos decretos
de Rui Barbosa em 1890, o governo renunciou ao papel de interventor vigilante
na vida econômica e criou as condições legais para que empresários pudessem
atual com liberdade.
Um século e meio de
governos iluministas no Ocidente havia mostrado que o princípio da igualdade
perante a lei, que começara como ideia constitucional, acarretava necessidades
que iam além da formalidade. Foi parte da política desses governos, de um lado,
a universalização da escrita por meio de escolas e, de outro, a dos direitos
políticos, com avanço progressivo rumo ao sufrágio universal.
Vale notar que toda
a sofisticada tentativa de uma política governamental visando acelerar o
crescimento econômico foi concebida no âmbito privado e elaborada inicialmente
na sociedade.
A soma dos tributos
recolhidos por todas as instâncias de governo no final da década de 1920 girava
em torno dos mesmos 6% do PIB do início da década.
1930 - 2017
O decreto inicial
daqueles que chegaram ao poder em 1930 abolia os poderes legislativos em todas
as instâncias, desde as câmaras municipais até o Congresso nacional. (...) O
único direito da sociedade para limitar atos do governo seria através de
"recurso para o chefve do governo provisório.
De um editorial de
jornal: "Para manter o equilíbrio na sociedade, asssegurando-lhe
a tranqüilidade, a paz e harmonia, torna-se necessário o estabelecimento de um
poder superioor que lhe dite normas e as faça segir. Daí a indispensável existência do Estado, conduzido
por governos fortes e capazes que guiem os destinos coletivos." Tais idkeias estavam de acordo com a crença comtiana
do grupo positivista, segundo a qual a democracia fundava-se na "ideia
metafísica" de representação, a ser superada pela ciência. Por isso a
ditadura baseada na ciência seria uma forma de governo na qual a técnica
tomaria o lugar da política, com os positivistas monopolizando o exercício do
poder.
Levou apenas sete
meses para que a inércia danosa do governo federal em meio a toda a devastação
transformasse o candidato derrotado no ditador que acumulava todo o poder.
Keynes defendia o
aumento dos gastos públicos para compensar em parte os efeitos da depressão
econômica.
Reforçando velhos
métodos, Getulio forneceu meios parra que Assis
Chateaubriand fosse comprando jornais país afora, os quais formariam a primeira
rede de comunicação de abrangência nacional, sempre muito atenta às indicações
do Catete.
Para justificar-se
no poder, Getulio recorreu a um falso plano comunista escrito por um militar
amigo, mas apresentado ao país como prova última de que só uma ditadura
resolveria a situação.
Em outubro de 1945,
o ditador foi deposto pelas próprias forças armadas, pois até estas haviam se
convencido da impossibilidade de manter uma ditadura num cenário mundial em que
as democracias, com apoio do Brasil, haviam se mostrado vitoriosas.
Em 1945 votaram 6 milhões de eleitores. Como a população brasileira em 1940,
era de 41 milhões de habitantes, o contigenge
eleitoral girava em torno de 14% da população total.
Do diário de
Getúlio Vargas: "A proximidade das eleições faz com que as conveniências
vão se sobepondo aos interesses da administração. É o
mal que volta."
A desigualdade de
renda foi apenas uma das conseqüências da entrada do governo no mundo dos
negócios. Outra, não menos relevante, foi o fato de que essa decisão exigiu uma
repartição interna de esforços estatais que não se mostrou nada favorável aos
serviços tradicionais. Em termos proporcionais, atividades como educação ou
saúde passaram a contar com menos recursos, o que levou à degradação desses
serviços para a população.
Com raríssimas
exceções, os ocupantes do governo central pensaram em si mesmos como os
governos no tempos coloniais: como pessoas muito acima
dos demais moradores, como iluminados obrigados a agir em nítido contraste com
a gente comum ao redor. Assim foram os ditadores do regime militar, e o que
entregaram não foi o produto de seu sonho "técnico", mas uma nação
dilacerada pela concentração econômica e política, de um lado, e, de outro,
pelo fracasso na proucao e na gesta - tudo isso
expresso no lastimável estado do governo central.
No setor privado, o capitalista precisa
acumular previamente o necessário para entrar na atividade: gasta sua poupança
ou convence alguém com dinheiro a se associar. Contrata trabalho, produz,
vende. Remunera-se pelo lucro, quando este existe. Se perde,
o prejuízo é dele e/ou de quem empatou capital.
Já os governos entram nessa atividade de
outra forma. Captam a poupança de empresários e trabalhadores
via impostos, além de contraírem dividas. Ou seja, retiram da poupança
geral da sociedade os recursos que investem, transferindo-os para funções diferentes
daquelas típicas de bov. Remuneram-se tanto pelo
lucro como pelo aumento geral da arrecadação de impostos. Quando perdem, o
prejuízo é socializado.
A lei não era igual
para todos, e apenas aplicada nas partes que se referiajm
a cada um. Sendo a colônia espaço de plebeus, as Ordenações foram a legislação vigente no território durante todo o período
colonial, mas somente as partes que se aplicava a eles.
Em apenas 33 anos,
entre 1934 e 1967, o país conheceu nada menos que quatro constituições, ccada uma delas retrato das oscilações entre aspirações
democráticas e desejos autoritários.
No título II da
Constituição, uma declaração dos direitos fundamentais dos brasileiros, são listados nada menos de 78 direitos fundamentais, 10
direitos sociais e 34 direitos dos trabalhos, afora os direitos políticos.
(...) [Alguns direitos] estabelecer uma relação normativa de tutela entre a
sociedade e o Estado, obrigando este a atuar numa série de áreas da vida
prática ("O Estao prestará assistencia
juridica integral e gratuita a todos os que
comprovarem insuficiencia de recursos" ou
"O Estado promoverá, na forma da lei, o direito do consumidor") como
supridor de meios - e, inversamente, retirando responsabilidade dos cidadãos
para que a tutela seja possível.
Para se cchegar a um número tão alto de direitos foi preciso elevar
a situação de grupos sociais muito particulares ao estatuto de merecedores da
consideração constitucional. Um caso típico: "Às presidiárias serão
asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o
período de amamentação." A lista das transformações decasos
particulares em preceito geral é imensa.
Entre os 22
direitos grantidos aos servidores públicos (para além
de todos os direitos gerais) estão detalhes que vão desde o período de validade
de um concurso público (dois anos, prorrogáveis por mais dois) até uma
amarração completa dos vencimentos de todos os funcionários ao salário dos
juízes do Supremo Tribunal Federal, a obrigação do Estado de dar aumentos reais
periódicos ou regras detalhadas para o acumulo de cargos publlicos.
A lista de países que apresentam a tendência de
acumulação de riqueza no setor privado abrange variantes políticas expressivas:
regimes dominados por um partido único, como a China; governos
predominantemente social-democratas, como a Suécia; países com o Esgado grande, como a França ou a Itália, que alternaram
políticas conservadoras e de esquerda, sem que isso afetasse a tendência de
concentração; a Alemanha, onde se alternam os social-democratas e os
conservadores; o Japão, majoritariamente dirigido por forças centristas; o
Reino Unido e os EUA, onde os conservadores neoliberais se alternaram no poder
com os trabalhistas e os democratas - tanto uns quanto outros incapazes de
alterar a tendência geral. Em outras palavras, o processo de blobalizacao se tornou impositivo porque foi carreando para
si todos os Estados nacionais, independentemente das opções políticas ou
ideológicas locais.