EXTRATO DE: ÉTICA PÓS -MODERNA
Autor: Zygmunt
Bauman - Editora: Paulus (1997) Leitura em mar/2017)
Em nossos tempos
(...) os políticos depuseram as utopias; e os idealistas de ontem tornaram-se
pragmáticos.
Quando casada com
individualismo autocelebrativo e livre de escrúpulos, a tolerância só se pode
expressar como indiferença.
O "modo
certo", uma vez unitário e indivisível, começa a dividir-se em
"economicamente sensato", "esteticamente agradável",
"moralmente apropriado". As ações podem ser certas num sentido, e
erradas noutro. Que ação deve ser medida e por que critérios? E se numerosos critérios
se aplicam, a qual dar prioridade?
Fizeram-se sem
cessar tentativas de construir um código moral que proclamasse em alto e bom
som corajosamente sua proveniência "feita pelo homem" e apesar disso
fosse aceito e obedecido por "todos os seres humanos". De outro lado,
nunca parou a busca de um "arranjo racional da convivência humana" - um conjunto de leis concebidas de tal modo,
uma sociedade administrada de tal sorte, que
fosse provável que os indivíduos, exercendo sua vontade livre e fazendo suas
opções, escolhessem o que é reto e apropriado e não o que é errado e mau.
[A utopia permanece.]
Aporético: Que se
refere a aporia; que possui aporia; diz-se da pessoa que se encontra em
constante indecisão ou dúvida; cético.
[A pergunta dos
filósofos:] Por que devo eu ser moral?
O código ético a toda prova nunca vai ser
encontrado; tendo outrora
chamuscado muitíssimas vezes nossos dedos, sabemos agora o que não sabíamos
então ao embarcarmos nessa viagem de exploração: que uma moralidade não
aporética e não ambivalente, uma ética
que seja universal e "objetivamente fundamentada", constitui
impossibilidade prática; talvez também um oximoron, uma contradição nos termos. (...) A maior parte das
escolhas morais são feitas entre impulsos contraditórios. (...) O impulso de cuidar do Outro, quando levado
ao extremo, conduz à aniquilação da autonomia do Outro, à dominação e à
opressão. (...) A moralidade não é
universalizável. (...) Contrariamente à opinião popular, e de certos
escritores pós-modernistas, a perspectiva pós-moderna acerca de fenômenos
morais não revela o relativismo da
moralidade.
Os humanos são moralmente ambivalentes.
(...) Nenhum código ético logicamente coerente pode "harmonizar-se"
com a condição essencialmente ambivalente da moralidade. (...) Precisamos
aprender que uma sociedade perfeita, assim como um ser humano perfeito, não é
perspectiva viável, ao passo que tentativas de provar o contrário acabam sendo
mais crueldade que humanidade e certamente menor moralidade.
Fenômenos morais
são intrinsecamente não-racionais.
Desde a perspectiva
da ordem racional, destina-se a moralidade a permanecer irracional.
A responsabilidade
moral é a primeira realidade do eu, ponto de partida antes de ser produto da
sociedade. Precede a todo comprometimento com o Outro, seja mediante
conhecimento, avaliação, sofrimento ou ação.
Hans Jonas:
"Nunca houve tanto poder ligado com tão pouca orientação para seu uso...
Precisamos mais de sabedoria quando menos cremos nela."
A escala das
conseqüências que nossas ações podem ter tolhe-nos a imaginação moral que
podemos possuir. (...) Nossas ferramentas éticas simplesmente não foram feitas
à medida dos poderes que atualmente possuímos.
É tão enorme a
quantidade de pessoas envolvidas [a tarefa global é realizada por uma
infinidade de pessoas que fazem pequenas tarefas] que ninguém pode razoável e convincentemente
pretender a autoria (ou a responsabilidade) do resultado final.
De mais a mais,
nosso trabalho diário está dividido em muitas tarefas pequenas, cada uma
realizada em diversos lugares, entre diversas pessoas, em diversos tempos. Nossa presença em cada um desses ambientes
é tão fragmentaria como as próprias tarefas.
Uma vez vestidos
para a "faxina", todos os que usam as vestes parecem esquisitamente
iguais. Não há nada de pessoal nas roupas de faxina, nem no trabalho feito
pelos que as usam.
Sentimos muita
falta de responsabilidade quando ela nos é negada, mas quando a conseguimos de
volta, faz-se sentir como carga demais pesada para se carregar sozinho.
Com o pluralismo de
normas as escolhas morais surgem-nos intrínseca e irreparavelmente
ambivalentes. Os nossos tempos são tempos de ambigüidade moral fortemente
sentida.
A natureza humana
existe no presente somente in potentia;
como possibilidade ainda-não-nascida, esperando a parteira para fazê-la surgir
(...).
O potencial moral
escondido nos seres humanos deve ser-lhes revelado; as pessoas devem ser iluminadas
quanto aos padrões que são capazes de encontrar, mas incapazes de descobrir sem
ajuda. Em segundo lugar, devem ser
ajudadas na prática desses padrões por um ambiente cuidadosamente planejado
para favorecer e recompensar verdadeiramente a conduta moral.
A razão é propriedade
humana compartilhada, mas alguns humanos são mais iguais que outros. Os
filósofos são as pessoas dotadas com acesso mais direto à razão, à razão
genuína, razão não coberta por interesses estreitos; é sua tarefa, portanto,
descobrir que tipo de comportamento a razão ditaria à pessoa razoável. Tendo-o descoberto, devem
comunicar seus achados aos menos dotados que não os podem descobrir por própria
conta, e fazem-no com a autoridade de "pessoas que sabem".
A justificação para
se ser moral é irritantemente individualista e autônoma - refere-se ela ao
amor-próprio e ao interesse próprio - só se pode assegurar a realização do
comportamento moral pela força heterônoma da Lei.
Por uma razão ou
outra, a maioria das pessoas, ao escolher, não escolhem o que é moralmente bom.
Assim é, paradoxalmente, a própria liberdade de julgar e escolher que necessita
de força externa que leve a pessoa a fazer o bem para sua própria salvação,
para seu próprio bem-estar, ou em seu próprio interesse.
Todas as
instituições sociais apoiadas por sanções coercitivas foram e são fundadas na
admissão de que não se pode confiar que o indivíduo faça boas escolhas (quer se
interprete boas como boas para o indivíduo, ou boas para a comunidade, ou ambas
ao mesmo tempo).
Autonomia e heteronomia
(submissão), liberdade e dependência estão entre os principais fatores de estratificação social.
Na sociedade
moderna, alguns indivíduos são mais livres que outros, alguns são mais
dependentes que outros. [sic]
As teorias éticas
(...) terminam ou com uma lista de receitas triviais para dilemas
universalmente experimentados, ou com modelos abstratos que agradam ao filósofo
por sua elegância lógica, mas em larga escala irrelevantes para a moralidade
prática e a tomada diária de decisão na sociedade tal como ela é.
Ala Wolfe: "A
moralidade é a prática negociada entre agentes instruídos capazes de
crescimento, de um lado, e uma cultura capaz de mudança, de outro."
A verdade é que a confusão
permanecerá, o que quer que façamos ou saibamos, que as pequenas ordens ou
sistema que cinzelamos no mundo são frágeis, temporários, e tão arbitrários e
no fim tão contingentes como suas alternativas.
---
Robert Musil, por volta
de 1950: "Quem ainda pode estar interessado naquela envelhecida conversa
inútil sobre o bem e o mal quando se estabeleceu que o bem e o mal não são absolutamente "constantes", mas "valores
funcionais", de tal sorte que a bondade das ações depende das
circunstâncias históricas, e a bondade dos seres humanos da capacidade
psicotécnica com que se aproveitam de suas qualidades?
A moralidade
legislada pelo estado e as pressões morais difusas dos porta-vozes autonomeados
das comunidades postuladas são unânimes num ponto: ambas negam ou pelo menos
reduzem o juízo moral individual. Ambas
lutam para colocar o dever ético heterônomo no lugar da responsabilidade moral
autônoma.
Apontando o dedo
para fora de mim mesmo - "é isto que fazem as pessoas, é assim que são as
coisas" - não me salva de noites indormidas e dias cheios de autodepreciação.
"Fiz meu dever", pode talvez tirar os juízes de meu encalço, mas não
põe em debandada o júri daquilo que eu, por não ter sido capaz de apontar meu
dedo a ninguém, chamo de "consciência". O dever de todos nós", que conheço, não parece ser a mesma coisa
que minha responsabilidade que sinto.
Ter um propósito
divide as ações entre ações úteis e ações inúteis. O propósito fornece a medida
e o critério de escolha.
Se estamos unidos,
"nós" precisamos nos "colar" uns aos outros, cuidar uns dos
outros e socorrer-nos mutuamente, ajudar uns aos outros na hora da necessidade,
comportar-nos como irmãos se comportam ou devem se comportar, para termos mais
oportunidade de sobreviver do que "eles", nossos inimigos ou competidores.
Ajudar-se mutuamente pode requerer sacrifício, e fazer sacrifício é assunto de
moralidade. (...) O que importa é que
dei minha contribuição para a continuação daquele grupo por cujo sucesso se
medem o bem e o certo.
Serão as ações
sugeridas pelo cálculo de sobrevivência necessariamente
morais? E será que a ação não é moral precisamente pelo fato de não ter
nenhum valor de sobrevivência?
Maurice Blanchot:
"Todo mundo aqui tem sua própria prisão, mas nessa prisão cada pessoa é
livre".
Não somos morais
graças à sociedade (somos apenas éticos ou obedientes à lei graças a ela); vivemos
em sociedade, somos sociedade, graças a sermos morais. No coração da
socialidade está a solidão da pessoa moral. Antes da sociedade, antes de seus
legisladores e seus filósofos chegarem a expressar os
princípios éticos da sociedade, há seres que já eram morais sem a compulsão (ou
será ela luxo?) da bondade codificada.
Por toda a era
moderna, os filósofos, refletindo os interesses dos construtores da ordem,
desconfiaram profundamente do eu moral. Os eus não podem ser deixados entregues
a seus próprios recursos, pois não têm nenhum recurso a que possam ser
concebivelmente deixados.
Jeremy Bentham
acreditava que os seres humanos têm deficiência de altruísmo e por isso
precisam da ameaça de coerção para encorajá-los a buscar os interesses da
maioria antes que os próprios.
Bentham acreditava que o importante é criar
uma sociedade em que os motivos que as pessoas têm realmente operem de forma
que gerem boas intenções, tais que produzam normalmente boas ações, isto é,
ações que aumentem a felicidade. [!!!]
Como advertiu C. H. Waddington por
volta de 1950, "as guerras, torturas, migrações forçadas e outras
brutalidades calculadas que constituem muito da história recente foram na maior
parte efetuadas por homens que acreditavam sinceramente que suas ações eram justificadas,
e, na verdade, exigidas pela aplicação de certos princípios
básico em que acreditavam...
Eticamente, a
moralidade é antes do ser. Mas ontologicamente não há nada antes do ser, como
ontologicamente também o "antes do ser" é outro ser.
Não quer dizer que
para ser moral se precise ser santo. Não quer dizer também que escolhas morais
sejam sempre, diariamente, questões de vida e morte: a maior parte da vida é levada
em distância segura das escolhas extremas e últimas.
Os pensadores
líderes da nova ordem artificialmente planejada, como Hobbes e Locke,
imaginavam um indivíduo relacionado à sociedade em geral só externa e
instrumentalmente: não viam o fato de que o "ser parte da sociedade"
tinha a capacidade de "mudar ou alterar os indivíduos de algum modo
fundamental ou significativo", mas acreditavam que as instituições sociais
"existiam para preservar, proteger e defender os interesses próprios dos
indivíduos".
A proximidade é o
campo da intimidade e moralidade; a distância é o campo da estranheza e da Lei.
Nenhuma liberdade é
absoluta, oniabrangente, ilimitada.
A curiosidade é a
esperança de conhecimento - e, esvanecida a esperança, a curiosidade abre vias
à indiferença. Um mistério demasiado hermético que rejeita quaisquer lisonjas e
molestações para se permitir abrir, perde seu poder de sedução. Mas também o
perde um mistério demais ansioso por se escancarar, de deixar de ser mistério,
de exaurir-se em rotina sem surpresa alguma.
Downie e Talfer:
"Podemos nós passar sem (a simpatia), pois, se devemos crer em Kant, é
possível cumprir o dever sem simpatia... Pode ser possível pôr os movimentos
externos das ações que condizem com o dever sem simpatia ativa."
Francesco Alberoni
e Salvatore Veca sobre o altruísmo moral: "Não podemos nos obrigar a amar
alguém... Nossa razão, porém, é capaz de conceber o dever como uma necessidade.
Se falta a espontaneidade do sentimento do amor, a moralidade seria não
obstante possível graças à existência do dever. O dever preenche o vazio
deixado pelo amor ... Uma vez que não podemos contar
com o amor, esse sentimento espontâneo, aceitamos voluntariamente seu
equivalente que tem as mesmas conseqüências práticas. A moralidade força-nos a
agir como se estivéssemos no amor. O dever "parece" com o amor."
O amor não pode
realizar-se a si mesmo sem fixação, ele permanece inseguro de si mesmo,
insaciado, temeroso e inquieto. (...) Par ser amor, tinha que tomar a fixação
(amor para sempre, venha o que vier; para melhor ou pior; até que a morte nos
separe) por seu ideal, menos sobra dele; o ideal do amor é sua tumba, e o amor
pode chegar lá apenas como cadáver.
Como Paul Ricouer
sugere, uma experiência de pecado (de ter pecado) oide aoarecer só com a vinda
da lei finita, que sempre se debate com a exigência moral sempre infinita:
"a lei é um pedagogo que ajuda o penitente a constatar que é
pecador".
Sem efemeridade,
sem se esquecer do passado e encolher o futuro, sem extemporalizar o momento
presente - a grande simplificação, a principal sedução da multidão, não seria
factível. E mais, a multidão é quebradiça e de pouca duração: seus gloriosos
momentos são momentos fugazes. Suspendeu-se a estrutura, mas não se
desmantelou. A multidão é uma licença de ausência da estrutura, mas em nenhum
lugar não há senão estrutura para voltar depois de terminar a licença.
Na multidão, somos
todos iguais. Andamos juntos, dançamos juntos, nos acotovelamos juntos, ardemos
juntos, matamos juntos - "sendo a única coisa importante que todos possam
se banhar no ambiente emotivo".
A "economia
nacional" é hoje pouco mais que mito mantido vivo por conveniência
eleitoral; o papel econômico da maioria dos governos resume-se em conjunto em
manter hospitaleiras as condições locais (trabalho submisso, baixos impostos,
bons hotéis e vida noturna divertida) para atrair intermediários do capital
cosmopolita sem estado e nômade para visitar e ficar.
Sai a nação-estado, entram as tribos.
Michel Maffesoli:
"A sucessão de presentes" (sem nenhum futuro) é a melhor
caracterização da atmosfera do momento.
Apesar dos
instrumentos de alta tecnologia à sua disposição, as multidões psicológicas -
exatamente como suas antepassadas físicas "clássicas" - têm
expectativa de vida extraordinariamente curta. O que não é episódico e sem
consequência é a condição pós-moderna em que as neotribos se tornam o modo
dominante de expressão e socialidade contra-estruturais como tal.
Entender é natural
e normal, mal-entender é não-natural e anormal. É o mau-entendimento que
precisa de explicação, que nos leva a fazer uma pausa para pensar, põe as
mentes em movimento, dispara o processo de construção consciente do pensamento.
O que eu "vejo
melhor" eu percebo "mais perto"; quanto mais escasso e mais
superficial for meu conhecimento, tanto mais tênues aparecem os objetos, tanto
"mais longe" eles estão. As afirmações: "Sei melhor das coisas
que estão perto" e "perto estão as coisas que eu conheço mais"
constituem duas articulações permanentes do laço inextricável (na verdade, identidade)
entre reflexão e distância, entre conhecimento e espaço social. No mundo da
vida, proximidade e distância de objetos são feitas pelo grau de riqueza ou
exiguidade de conhecimento.
Quanto mais
"estranho" for o estranho, tanto menos confiança tenho de, por minha
decisão, atribuir-lhe um tipo. (...) O estranho porta uma ameaça de
classificação errônea, mas ele é uma ameaça à classificação como tal, à ordem
do universo, ao valor de orientação do espaço social - ao meu mundo de vida
como tal.
Um estranho só
podia entrar no raio da proximidade física numa das três capacidades: ou como
inimigo a ser confirmado a zonas especiais e tornado inofensivo por estrita
observância do brutal isolante, ou como futuro próximo, caso em que tinha que
se fazer próximo, ou seja, comportar-se como se comportam os próximos.
Para viver com
estranhos, é preciso dominar a arte do mau-encontro. A aplicação dessa arte é
necessária se os estranhos, meramente por seu número senão por qualquer outra
razão, não se podem domesticar para se tornarem próximos.
No espaço social
cognitivamente mapeado, o estranho é alguém de quem se sabe pouco e se deseja
saber ainda menos. No espaço moral, o estranho é alguém de quem se cuida pouco
e se está disposto a cuidar menos. Os dois conjuntos de estranhos podem , ou
não podem, se superporem. E com toda probabilidade continuaremos a praticar
atos tanto irracionais como imorais - assim como atos que são irracionais sendo
morais, e atos que são racionais e todavia imorais.
Os estranhos, com
seus modos singulares e imprevisíveis, com sua variedade caleidoscópica de
aparências e ações, com sua capacidade de surpreender, são fonte particularmente
rica de prazer para o espectador. Esteticamente, o espaço citadino é um
espetáculo em que o valor de diversão supera todas as outras considerações.
O caráter
inconseqüente do controle estético é que torna seu prazer sem nuvens. Vejo
aquele homem lá se encontrando com aquela mulher. Eles param, ficam falando.
Não sei de onde vieram. Não sei de que falam. Não sei aonde irão após terminar de
falar. Porque não sei tudo isso e muito mais ainda, posso fazer deles o que bem
quiser, tanto mais que o que quer que eu faça deles não terá nenhum efeito
sobre o que são e se tornarão. (...) O
poder de minha fantasia é o único limite que tem a realidade que eu imagino, é
o único de que se precisa. A vida é um monte de episódios dos quais nenhum é
definido, inequívoco, irreversível; a vida é como um jogo.
O jogo pode ser
recomeçado e repetido; mesmo o seu fim é "como se", não é realmente
real. Nenhuma derrota (também nenhuma vitória) é final e irrevogável. A
oportunidade de desforra adoça o mais amargo dos fracassos. Sempre se pode
tentar de novo, e os papeis ainda podem ser revertidos, desempenhados de novo,
porque seu fim só abre lugar para outro começo, torna possível o novo começo -
jogar é ensaiar eternidade: no jogo, o tempo ocorre para o seu fim indicado
apenas para começar a correr de novo.
A rua é a selva
"lá longe", da qual se esconde a pessoa, em casa ou dentro do carro,
atrás de cadeados de segurança e alarmes contra assaltos.
O sucesso só pode
vir como resultado da cooperação, que só se pode alcançar à custa da rendição.
Robert Dreyfus:
"Você quer legislar qualidade de vida e você se vê perante esse estranho
problema de que os aspectos receptivos e espontâneos da qualidade de vida se
perderiam se você legislasse sobre ela."
O dilema tecnológico (...) refere-se à ideia
(...) de que se você deparar uma dificuldade tecnologia, sempre poderá esperar
resolve-la inventando outro dispositivo tecnológico.
Só a tecnologia
pode "melhorar" a tecnologia, curando doenças de ontem com drogas
maravilhosas de hoje, antes que seus próprios efeitos colaterais se interponham
amanhã e exijam drogas novas e melhoradas.
Jacques Ellul: "A tecnologia
não mais precisa de legitimação. A própria disponibilidade de recursos
tecnológicos utilizáveis ainda que subempregados exige
sua aplicação; os recursos tecnológicos, por assim dizer, legitimam suficientemente
suas conseqüências, tornando assim seu uso imperativo, qualquer sejam os
resultados. (...) A tecnologia nunca avança para qualquer coisa a não ser
porque ela é empurrada de trás. (...) Não há nenhuma chamada para uma meta.
(...) Dado que podemos voar para a lua, o que podemos fazer nela e com ela?
Quando técnicos chegam a certo grau de tecnicidade no rádio, combustíveis,
metais, eletrônica, cibernética, etc., todas essas coisas se combinam e tornam
óbvio que podemos voar para o cosmo etc.. Foi
feito porque podia ser feito. E isso é tudo.
A finalidade do
progresso moderno não é fazer isso ou aquilo, coisas que se possam especificar
de antemão, mas aumentar a capacidade de fazer o que quer que o homem possa
querer que se faça. (...) O dilema tecnológico é, em penúltima análise, a
declaração de independência dos meios dos fins; em última análise, o anúncio da
soberania dos meios sobre os fins. "Tens carro, podes viajar";. A
destinação não é nada, é o ter carro que importa. É estar em posição para
tratar todos os lugares como destinos que conta - e a única coisa que conta.
Se alguma coisa
pode ser feita, não existe nenhuma autoridade na terra ou no céu que tenha o
direito de proibir seu acontecimento (a não ser que a autoridade disponha de
capacidade ainda maior de fazer as coisas acontecerem a seu arbítrio).
Com a tecnologia
sempre vendo o mundo como uma coleção de fragmentos (fragmentos nunca maiores
que o que se pode plausivelmente manejar pelos meios atualmente disponíveis e
pelos recursos dos agentes) e sempre selecionando um dos fragmentos de cada vez
para o focalizar de perto, o resultado global da ordenação localizada não pode
ser nenhum outro que a desordem global.
Passamos da
"sociedade industrial" à fase da "sociedade de risco" da
modernidade, na qual a lógica da produção de riqueza gradativamente se
substitui pela lógica da evitação de risco - sendo agora a principal questão:
"como se podem prever, minimizar, dramatizar ou desafiar os riscos e os
perigos sistematicamente produzidos como parte da modernização?"
Para manter bem
lubrificadas as rodas do mercado consumidor, é preciso constante suprimento de
novos perigos bem propalados. E os perigos, de que se precisa, devem ter
capacidade de se traduzir em demanda do consumidor: esses perigos são "feitos
na medida" para o combate privatizado de riscos. Pode-se concluir que a
maneira como se institucionalizou a administração do risco na sociedade de
consumo permite o desdobramento da reflexividade não tanto como instrumento de
liberdade individual, de controle do destino, ou de "colonização do
futuro", mas como dispositivo para refundir a ansiedade pública em lucros
de corporações, ajudando a desviar os interesses públicos do próprio mecanismo
perpetuador do perigo.
A declaração de
guerra contra o colesterol manda os produtores de laticínios às ruas em defesa
dos mercados do leite e da manteiga.
Preocupamo-nos
profundamente com o que chamamos de explosão demográfica, mas todos nós -
naturalmente -, aplaudimos como progresso os avanços feitos para prolongar
vidas individuais - e, obviamente, cada um de nós deseja participar
pessoalmente de suas façanhas.
(...) o que se
precisa para as pessoas se juntarem na luta é só o conhecimento dos riscos e,
particularmente, da universalidade dos perigos que implicam.
Hans Jonas: "A
tecnologia moderna introduziu ações, objetos e consequências de tão nova
escala, que a moldura da ética anterior não pode mais contê-las."
A moralidade
superior é sempre a moralidade do superior.
A globalização da
economia e da informação e a fragmentação (na verdade, uma reparoquialização de
sortes) da soberania política não são - contrariamente às aparências -
tendências opostas e em consequência mutuamente conflitivas e incompatíveis;
são antes fatores coevos no continuo rearranjo de vários aspectos de integração
sistemática.
A pós-modernidade
tem duas faces (...): De um lado a fúria sectária da auto-afirmação neotribal,
o ressurgimento da violência como o principal instrumento de construção da
ordem, a busca febril das verdades caseiras de que se espera preencher o vazio
da ágora desertada. De outro lado, a recusa dos retores [retóricos] de ontem da
ágora a julgar, discriminar, escolher entre escolhas: toda escolha vale,
contanto que seja escolha, e toda ordem é boa, contanto que seja uma das muitas
e não exclua outras ordens.
A tolerância dos
retores nutre-se da intolerância das tribos. A intolerância das tribos haure
confiança da tolerância dos retores.
O que sabe o
vagabundo é que a parada só será temporária. O que o mantém em movimento é a
desilusão com o lugar de sua última estada e a esperança sem cessar ardente de
que o próximo lugar que ainda não visitou, talvez o lugar depois do próximo,
possa estar livre dos defeitos que o repeliram dos lugares já visitados.
[Sobre o Estado do
Bem-estar]: o que costumava ser uma segurança coletiva contra desastres
individuais converteu-se numa nação dividida entre os pagadores de seguro e os
recebedores do beneficio. (...) o desmantelamento do Estado de Bem-estar
desenvolve interesses econômicos como meio de libertar o calculo político de
constrições morais. A responsabilidade moral é uma vez mais algo "pelo
qual é preciso pagar" e, consequentemente, que alguém pode bem ser
"incapaz de agüentar pagar".
As pessoas
investidas de confiança pública precisam ser confiáveis e provar que o são.
A política não é
mais o que os políticos fazem; pode-se aventurar a dizer que a política que
verdadeiramente importa é feita em lugares muito distantes dos escritórios dos
políticos.