EXTRATO DE: ÉTICA PÓS -MODERNA

Autor: Zygmunt Bauman - Editora: Paulus (1997) Leitura em mar/2017)

 

Em nossos tempos (...) os políticos depuseram as utopias; e os idealistas de ontem tornaram-se pragmáticos.

 

Quando casada com individualismo autocelebrativo e livre de escrúpulos, a tolerância só se pode expressar como indiferença.

 

O "modo certo", uma vez unitário e indivisível, começa a dividir-se em "economicamente sensato", "esteticamente agradável", "moralmente apropriado". As ações podem ser certas num sentido, e erradas noutro. Que ação deve ser medida e por que critérios? E se numerosos critérios se aplicam, a qual dar prioridade?

 

Fizeram-se sem cessar tentativas de construir um código moral que proclamasse em alto e bom som corajosamente sua proveniência "feita pelo homem" e apesar disso fosse aceito e obedecido por "todos os seres humanos". De outro lado, nunca parou a busca de um "arranjo racional da convivência humana" - um conjunto de leis concebidas de tal modo, uma sociedade administrada de tal sorte, que fosse provável que os indivíduos, exercendo sua vontade livre e fazendo suas opções, escolhessem o que é reto e apropriado e não o que é errado e mau. [A utopia permanece.]

 

Aporético: Que se refere a aporia; que possui aporia; diz-se da pessoa que se encontra em constante indecisão ou dúvida; cético.

 

[A pergunta dos filósofos:] Por que devo eu ser moral?

 

O código ético a toda prova nunca vai ser encontrado; tendo outrora chamuscado muitíssimas vezes nossos dedos, sabemos agora o que não sabíamos então ao embarcarmos nessa viagem de exploração: que uma moralidade não aporética e não ambivalente, uma ética que seja universal e "objetivamente fundamentada", constitui impossibilidade prática; talvez também um oximoron, uma contradição nos termos. (...) A maior parte das escolhas morais são feitas entre impulsos contraditórios. (...) O impulso de cuidar do Outro, quando levado ao extremo, conduz à aniquilação da autonomia do Outro, à dominação e à opressão. (...) A moralidade não é universalizável. (...) Contrariamente à opinião popular, e de certos escritores pós-modernistas, a perspectiva pós-moderna acerca de fenômenos morais não revela o relativismo da moralidade.

 

 

Os humanos são moralmente ambivalentes. (...) Nenhum código ético logicamente coerente pode "harmonizar-se" com a condição essencialmente ambivalente da moralidade. (...) Precisamos aprender que uma sociedade perfeita, assim como um ser humano perfeito, não é perspectiva viável, ao passo que tentativas de provar o contrário acabam sendo mais crueldade que humanidade e certamente menor moralidade.

 

Fenômenos morais são intrinsecamente não-racionais.

 

Desde a perspectiva da ordem racional, destina-se a moralidade a permanecer irracional.

 

A responsabilidade moral é a primeira realidade do eu, ponto de partida antes de ser produto da sociedade. Precede a todo comprometimento com o Outro, seja mediante conhecimento, avaliação, sofrimento ou ação.

 

Hans Jonas: "Nunca houve tanto poder ligado com tão pouca orientação para seu uso... Precisamos mais de sabedoria quando menos cremos nela."

 

A escala das conseqüências que nossas ações podem ter tolhe-nos a imaginação moral que podemos possuir. (...) Nossas ferramentas éticas simplesmente não foram feitas à medida dos poderes que atualmente possuímos.

 

É tão enorme a quantidade de pessoas envolvidas [a tarefa global é realizada por uma infinidade de pessoas que fazem pequenas tarefas] que ninguém pode razoável e convincentemente pretender a autoria (ou a responsabilidade) do resultado final.

 

De mais a mais, nosso trabalho diário está dividido em muitas tarefas pequenas, cada uma realizada em diversos lugares, entre diversas pessoas, em diversos tempos. Nossa presença em cada um desses ambientes é tão fragmentaria como as próprias tarefas.

 

Uma vez vestidos para a "faxina", todos os que usam as vestes parecem esquisitamente iguais. Não há nada de pessoal nas roupas de faxina, nem no trabalho feito pelos que as usam.

 

Sentimos muita falta de responsabilidade quando ela nos é negada, mas quando a conseguimos de volta, faz-se sentir como carga demais pesada para se carregar sozinho.

 

Com o pluralismo de normas as escolhas morais surgem-nos intrínseca e irreparavelmente ambivalentes. Os nossos tempos são tempos de ambigüidade moral fortemente sentida.

 

A natureza humana existe no presente somente in potentia; como possibilidade ainda-não-nascida, esperando a parteira para fazê-la surgir (...).

O potencial moral escondido nos seres humanos deve ser-lhes revelado; as pessoas devem ser iluminadas quanto aos padrões que são capazes de encontrar, mas incapazes de descobrir sem ajuda. Em segundo lugar, devem  ser ajudadas na prática desses padrões por um ambiente cuidadosamente planejado para favorecer e recompensar verdadeiramente a conduta moral.

 

A razão é propriedade humana compartilhada, mas alguns humanos são mais iguais que outros. Os filósofos são as pessoas dotadas com acesso mais direto à razão, à razão genuína, razão não coberta por interesses estreitos; é sua tarefa, portanto, descobrir que tipo de comportamento a razão ditaria à pessoa razoável. Tendo-o descoberto, devem comunicar seus achados aos menos dotados que não os podem descobrir por própria conta, e fazem-no com a autoridade de "pessoas que sabem".

 

A justificação para se ser moral é irritantemente individualista e autônoma - refere-se ela ao amor-próprio e ao interesse próprio - só se pode assegurar a realização do comportamento moral pela força heterônoma da Lei.

 

Por uma razão ou outra, a maioria das pessoas, ao escolher, não escolhem o que é moralmente bom. Assim é, paradoxalmente, a própria liberdade de julgar e escolher que necessita de força externa que leve a pessoa a fazer o bem para sua própria salvação, para seu próprio bem-estar, ou em seu próprio interesse.

 

Todas as instituições sociais apoiadas por sanções coercitivas foram e são fundadas na admissão de que não se pode confiar que o indivíduo faça boas escolhas (quer se interprete boas como boas para o indivíduo, ou boas para a comunidade, ou ambas ao mesmo tempo).

 

Autonomia e heteronomia (submissão), liberdade e dependência estão entre os principais fatores de estratificação social.

 

Na sociedade moderna, alguns indivíduos são mais livres que outros, alguns são mais dependentes que outros. [sic]

 

As teorias éticas (...) terminam ou com uma lista de receitas triviais para dilemas universalmente experimentados, ou com modelos abstratos que agradam ao filósofo por sua elegância lógica, mas em larga escala irrelevantes para a moralidade prática e a tomada diária de decisão na sociedade tal como ela é.

 

Ala Wolfe: "A moralidade é a prática negociada entre agentes instruídos capazes de crescimento, de um lado, e uma cultura capaz de mudança, de outro."

 

A verdade é que a confusão permanecerá, o que quer que façamos ou saibamos, que as pequenas ordens ou sistema que cinzelamos no mundo são frágeis, temporários, e tão arbitrários e no fim tão contingentes como suas alternativas.

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Robert Musil, por volta de 1950: "Quem ainda pode estar interessado naquela envelhecida conversa inútil sobre o bem e o mal quando se estabeleceu que o bem e o mal não são absolutamente "constantes", mas "valores funcionais", de tal sorte que a bondade das ações depende das circunstâncias históricas, e a bondade dos seres humanos da capacidade psicotécnica com que se aproveitam de suas qualidades?

 

A moralidade legislada pelo estado e as pressões morais difusas dos porta-vozes autonomeados das comunidades postuladas são unânimes num ponto: ambas negam ou pelo menos reduzem o juízo moral individual. Ambas lutam para colocar o dever ético heterônomo no lugar da responsabilidade moral autônoma.

 

Apontando o dedo para fora de mim mesmo - "é isto que fazem as pessoas, é assim que são as coisas" - não me salva de noites indormidas e dias cheios de autodepreciação. "Fiz meu dever", pode talvez tirar os juízes de meu encalço, mas não põe em debandada o júri daquilo que eu, por não ter sido capaz de apontar meu dedo a ninguém, chamo de "consciência". O dever de todos nós", que conheço, não parece ser a mesma coisa que minha responsabilidade que sinto.

 

Ter um propósito divide as ações entre ações úteis e ações inúteis. O propósito fornece a medida e o critério de escolha.

 

Se estamos unidos, "nós" precisamos nos "colar" uns aos outros, cuidar uns dos outros e socorrer-nos mutuamente, ajudar uns aos outros na hora da necessidade, comportar-nos como irmãos se comportam ou devem se comportar, para termos mais oportunidade de sobreviver do que "eles", nossos inimigos ou competidores. Ajudar-se mutuamente pode requerer sacrifício, e fazer sacrifício é assunto de moralidade.  (...) O que importa é que dei minha contribuição para a continuação daquele grupo por cujo sucesso se medem o bem e o certo.

 

Serão as ações sugeridas pelo cálculo de sobrevivência necessariamente morais? E será que a ação não é moral precisamente pelo fato de não ter nenhum valor de sobrevivência?

 

Maurice Blanchot: "Todo mundo aqui tem sua própria prisão, mas nessa prisão cada pessoa é livre".

 

Não somos morais graças à sociedade (somos apenas éticos ou obedientes à lei graças a ela); vivemos em sociedade, somos sociedade, graças a sermos morais. No coração da socialidade está a solidão da pessoa moral. Antes da sociedade, antes de seus legisladores e seus filósofos chegarem a expressar os princípios éticos da sociedade, há seres que já eram morais sem a compulsão (ou será ela luxo?) da bondade codificada.

 

Por toda a era moderna, os filósofos, refletindo os interesses dos construtores da ordem, desconfiaram profundamente do eu moral. Os eus não podem ser deixados entregues a seus próprios recursos, pois não têm nenhum recurso a que possam ser concebivelmente deixados.

 

Jeremy Bentham acreditava que os seres humanos têm deficiência de altruísmo e por isso precisam da ameaça de coerção para encorajá-los a buscar os interesses da maioria antes que os próprios.

 

Bentham acreditava que o importante é criar uma sociedade em que os motivos que as pessoas têm realmente operem de forma que gerem boas intenções, tais que produzam normalmente boas ações, isto é, ações que aumentem a felicidade. [!!!]

 

Como advertiu C. H. Waddington por volta de 1950, "as guerras, torturas, migrações forçadas e outras brutalidades calculadas que constituem muito da história recente foram na maior parte efetuadas por homens que acreditavam sinceramente que suas ações eram justificadas, e, na verdade, exigidas pela aplicação de certos princípios básico em que acreditavam...

 

Eticamente, a moralidade é antes do ser. Mas ontologicamente não há nada antes do ser, como ontologicamente também o "antes do ser" é outro ser.

 

Não quer dizer que para ser moral se precise ser santo. Não quer dizer também que escolhas morais sejam sempre, diariamente, questões de vida e morte: a maior parte da vida é levada em distância segura das escolhas extremas e últimas.

 

Os pensadores líderes da nova ordem artificialmente planejada, como Hobbes e Locke, imaginavam um indivíduo relacionado à sociedade em geral só externa e instrumentalmente: não viam o fato de que o "ser parte da sociedade" tinha a capacidade de "mudar ou alterar os indivíduos de algum modo fundamental ou significativo", mas acreditavam que as instituições sociais "existiam para preservar, proteger e defender os interesses próprios dos indivíduos".

 

A proximidade é o campo da intimidade e moralidade; a distância é o campo da estranheza e da Lei.

 

Nenhuma liberdade é absoluta, oniabrangente, ilimitada.

 

A curiosidade é a esperança de conhecimento - e, esvanecida a esperança, a curiosidade abre vias à indiferença. Um mistério demasiado hermético que rejeita quaisquer lisonjas e molestações para se permitir abrir, perde seu poder de sedução. Mas também o perde um mistério demais ansioso por se escancarar, de deixar de ser mistério, de exaurir-se em rotina sem surpresa alguma.

 

Downie e Talfer: "Podemos nós passar sem (a simpatia), pois, se devemos crer em Kant, é possível cumprir o dever sem simpatia... Pode ser possível pôr os movimentos externos das ações que condizem com o dever sem simpatia ativa."

 

Francesco Alberoni e Salvatore Veca sobre o altruísmo moral: "Não podemos nos obrigar a amar alguém... Nossa razão, porém, é capaz de conceber o dever como uma necessidade. Se falta a espontaneidade do sentimento do amor, a moralidade seria não obstante possível graças à existência do dever. O dever preenche o vazio deixado pelo amor ... Uma vez que não podemos contar com o amor, esse sentimento espontâneo, aceitamos voluntariamente seu equivalente que tem as mesmas conseqüências práticas. A moralidade força-nos a agir como se estivéssemos no amor. O dever "parece" com o amor."

 

O amor não pode realizar-se a si mesmo sem fixação, ele permanece inseguro de si mesmo, insaciado, temeroso e inquieto. (...) Par ser amor, tinha que tomar a fixação (amor para sempre, venha o que vier; para melhor ou pior; até que a morte nos separe) por seu ideal, menos sobra dele; o ideal do amor é sua tumba, e o amor pode chegar lá apenas como cadáver.

 

Como Paul Ricouer sugere, uma experiência de pecado (de ter pecado) oide aoarecer só com a vinda da lei finita, que sempre se debate com a exigência moral sempre infinita: "a lei é um pedagogo que ajuda o penitente a constatar que é pecador".

 

Sem efemeridade, sem se esquecer do passado e encolher o futuro, sem extemporalizar o momento presente - a grande simplificação, a principal sedução da multidão, não seria factível. E mais, a multidão é quebradiça e de pouca duração: seus gloriosos momentos são momentos fugazes. Suspendeu-se a estrutura, mas não se desmantelou. A multidão é uma licença de ausência da estrutura, mas em nenhum lugar não há senão estrutura para voltar depois de terminar a licença.

 

Na multidão, somos todos iguais. Andamos juntos, dançamos juntos, nos acotovelamos juntos, ardemos juntos, matamos juntos - "sendo a única coisa importante que todos possam se banhar  no ambiente emotivo".

 

A "economia nacional" é hoje pouco mais que mito mantido vivo por conveniência eleitoral; o papel econômico da maioria dos governos resume-se em conjunto em manter hospitaleiras as condições locais (trabalho submisso, baixos impostos, bons hotéis e vida noturna divertida) para atrair intermediários do capital cosmopolita sem estado e nômade para visitar e ficar.

 

Sai a nação-estado, entram as tribos.

 

Michel Maffesoli: "A sucessão de presentes" (sem nenhum futuro) é a melhor caracterização da atmosfera do momento.

 

Apesar dos instrumentos de alta tecnologia à sua disposição, as multidões psicológicas - exatamente como suas antepassadas físicas "clássicas" - têm expectativa de vida extraordinariamente curta. O que não é episódico e sem consequência é a condição pós-moderna em que as neotribos se tornam o modo dominante de expressão e socialidade contra-estruturais como tal.

 

Entender é natural e normal, mal-entender é não-natural e anormal. É o mau-entendimento que precisa de explicação, que nos leva a fazer uma pausa para pensar, põe as mentes em movimento, dispara o processo de construção consciente do pensamento.

 

O que eu "vejo melhor" eu percebo "mais perto"; quanto mais escasso e mais superficial for meu conhecimento, tanto mais tênues aparecem os objetos, tanto "mais longe" eles estão. As afirmações: "Sei melhor das coisas que estão perto" e "perto estão as coisas que eu conheço mais" constituem duas articulações permanentes do laço inextricável (na verdade, identidade) entre reflexão e distância, entre conhecimento e espaço social. No mundo da vida, proximidade e distância de objetos são feitas pelo grau de riqueza ou exiguidade de conhecimento.

 

Quanto mais "estranho" for o estranho, tanto menos confiança tenho de, por minha decisão, atribuir-lhe um tipo. (...) O estranho porta uma ameaça de classificação errônea, mas ele é uma ameaça à classificação como tal, à ordem do universo, ao valor de orientação do espaço social - ao meu mundo de vida como tal.

 

Um estranho só podia entrar no raio da proximidade física numa das três capacidades: ou como inimigo a ser confirmado a zonas especiais e tornado inofensivo por estrita observância do brutal isolante, ou como futuro próximo, caso em que tinha que se fazer próximo, ou seja, comportar-se como se comportam os próximos.

 

Para viver com estranhos, é preciso dominar a arte do mau-encontro. A aplicação dessa arte é necessária se os estranhos, meramente por seu número senão por qualquer outra razão, não se podem domesticar para se tornarem próximos.

 

No espaço social cognitivamente mapeado, o estranho é alguém de quem se sabe pouco e se deseja saber ainda menos. No espaço moral, o estranho é alguém de quem se cuida pouco e se está disposto a cuidar menos. Os dois conjuntos de estranhos podem , ou não podem, se superporem. E com toda probabilidade continuaremos a praticar atos tanto irracionais como imorais - assim como atos que são irracionais sendo morais, e atos que são racionais e todavia imorais.

 

Os estranhos, com seus modos singulares e imprevisíveis, com sua variedade caleidoscópica de aparências e ações, com sua capacidade de surpreender, são fonte particularmente rica de prazer para o espectador. Esteticamente, o espaço citadino é um espetáculo em que o valor de diversão supera todas as outras considerações.

 

O caráter inconseqüente do controle estético é que torna seu prazer sem nuvens. Vejo aquele homem lá se encontrando com aquela mulher. Eles param, ficam falando. Não sei de onde vieram. Não sei de que falam. Não sei aonde irão após terminar de falar. Porque não sei tudo isso e muito mais ainda, posso fazer deles o que bem quiser, tanto mais que o que quer que eu faça deles não terá nenhum efeito sobre o que são e se tornarão.  (...) O poder de minha fantasia é o único limite que tem a realidade que eu imagino, é o único de que se precisa. A vida é um monte de episódios dos quais nenhum é definido, inequívoco, irreversível; a vida é como um jogo.

 

O jogo pode ser recomeçado e repetido; mesmo o seu fim é "como se", não é realmente real. Nenhuma derrota (também nenhuma vitória) é final e irrevogável. A oportunidade de desforra adoça o mais amargo dos fracassos. Sempre se pode tentar de novo, e os papeis ainda podem ser revertidos, desempenhados de novo, porque seu fim só abre lugar para outro começo, torna possível o novo começo - jogar é ensaiar eternidade: no jogo, o tempo ocorre para o seu fim indicado apenas para começar a correr de novo.

 

A rua é a selva "lá longe", da qual se esconde a pessoa, em casa ou dentro do carro, atrás de cadeados de segurança e alarmes contra assaltos.

 

O sucesso só pode vir como resultado da cooperação, que só se pode alcançar à custa da rendição.

 

Robert Dreyfus: "Você quer legislar qualidade de vida e você se vê perante esse estranho problema de que os aspectos receptivos e espontâneos da qualidade de vida se perderiam se você legislasse sobre ela."

 

O dilema tecnológico (...) refere-se à ideia (...) de que se você deparar uma dificuldade tecnologia, sempre poderá esperar resolve-la inventando outro dispositivo tecnológico.

 

Só a tecnologia pode "melhorar" a tecnologia, curando doenças de ontem com drogas maravilhosas de hoje, antes que seus próprios efeitos colaterais se interponham amanhã e exijam drogas novas e melhoradas.

 

Jacques Ellul: "A tecnologia não mais precisa de legitimação. A própria disponibilidade de recursos tecnológicos utilizáveis ainda que subempregados exige sua aplicação; os recursos tecnológicos, por assim dizer, legitimam suficientemente suas conseqüências, tornando assim seu uso imperativo, qualquer sejam os resultados. (...) A tecnologia nunca avança para qualquer coisa a não ser porque ela é empurrada de trás. (...) Não há nenhuma chamada para uma meta. (...) Dado que podemos voar para a lua, o que podemos fazer nela e com ela? Quando técnicos chegam a certo grau de tecnicidade no rádio, combustíveis, metais, eletrônica, cibernética, etc., todas essas coisas se combinam e tornam óbvio que podemos voar para o cosmo etc.. Foi feito porque podia ser feito. E isso é tudo.

 

A finalidade do progresso moderno não é fazer isso ou aquilo, coisas que se possam especificar de antemão, mas aumentar a capacidade de fazer o que quer que o homem possa querer que se faça. (...) O dilema tecnológico é, em penúltima análise, a declaração de independência dos meios dos fins; em última análise, o anúncio da soberania dos meios sobre os fins. "Tens carro, podes viajar";. A destinação não é nada, é o ter carro que importa. É estar em posição para tratar todos os lugares como destinos que conta - e a única coisa que conta.

 

Se alguma coisa pode ser feita, não existe nenhuma autoridade na terra ou no céu que tenha o direito de proibir seu acontecimento (a não ser que a autoridade disponha de capacidade ainda maior de fazer as coisas acontecerem a seu arbítrio).

 

Com a tecnologia sempre vendo o mundo como uma coleção de fragmentos (fragmentos nunca maiores que o que se pode plausivelmente manejar pelos meios atualmente disponíveis e pelos recursos dos agentes) e sempre selecionando um dos fragmentos de cada vez para o focalizar de perto, o resultado global da ordenação localizada não pode ser nenhum outro que a desordem global.

 

Passamos da "sociedade industrial" à fase da "sociedade de risco" da modernidade, na qual a lógica da produção de riqueza gradativamente se substitui pela lógica da evitação de risco - sendo agora a principal questão: "como se podem prever, minimizar, dramatizar ou desafiar os riscos e os perigos sistematicamente produzidos como parte da modernização?"

 

Para manter bem lubrificadas as rodas do mercado consumidor, é preciso constante suprimento de novos perigos bem propalados. E os perigos, de que se precisa, devem ter capacidade de se traduzir em demanda do consumidor: esses perigos são "feitos na medida" para o combate privatizado de riscos. Pode-se concluir que a maneira como se institucionalizou a administração do risco na sociedade de consumo permite o desdobramento da reflexividade não tanto como instrumento de liberdade individual, de controle do destino, ou de "colonização do futuro", mas como dispositivo para refundir a ansiedade pública em lucros de corporações, ajudando a desviar os interesses públicos do próprio mecanismo perpetuador do perigo.

 

A declaração de guerra contra o colesterol manda os produtores de laticínios às ruas em defesa dos mercados do leite e da manteiga.

 

Preocupamo-nos profundamente com o que chamamos de explosão demográfica, mas todos nós - naturalmente -, aplaudimos como progresso os avanços feitos para prolongar vidas individuais - e, obviamente, cada um de nós deseja participar pessoalmente de suas façanhas.

 

(...) o que se precisa para as pessoas se juntarem na luta é só o conhecimento dos riscos e, particularmente, da universalidade dos perigos que implicam.

 

Hans Jonas: "A tecnologia moderna introduziu ações, objetos e consequências de tão nova escala, que a moldura da ética anterior não pode mais contê-las."

 

A moralidade superior é sempre a moralidade do superior.

 

A globalização da economia e da informação e a fragmentação (na verdade, uma reparoquialização de sortes) da soberania política não são - contrariamente às aparências - tendências opostas e em consequência mutuamente conflitivas e incompatíveis; são antes fatores coevos no continuo rearranjo de vários aspectos de integração sistemática.

 

A pós-modernidade tem duas faces (...): De um lado a fúria sectária da auto-afirmação neotribal, o ressurgimento da violência como o principal instrumento de construção da ordem, a busca febril das verdades caseiras de que se espera preencher o vazio da ágora desertada. De outro lado, a recusa dos retores [retóricos] de ontem da ágora a julgar, discriminar, escolher entre escolhas: toda escolha vale, contanto que seja escolha, e toda ordem é boa, contanto que seja uma das muitas e não exclua outras ordens.

 

A tolerância dos retores nutre-se da intolerância das tribos. A intolerância das tribos haure confiança da tolerância dos retores.

 

O que sabe o vagabundo é que a parada só será temporária. O que o mantém em movimento é a desilusão com o lugar de sua última estada e a esperança sem cessar ardente de que o próximo lugar que ainda não visitou, talvez o lugar depois do próximo, possa estar livre dos defeitos que o repeliram dos lugares já visitados.

 

[Sobre o Estado do Bem-estar]: o que costumava ser uma segurança coletiva contra desastres individuais converteu-se numa nação dividida entre os pagadores de seguro e os recebedores do beneficio. (...) o desmantelamento do Estado de Bem-estar desenvolve interesses econômicos como meio de libertar o calculo político de constrições morais. A responsabilidade moral é uma vez mais algo "pelo qual é preciso pagar" e, consequentemente, que alguém pode bem ser "incapaz de agüentar pagar".

 

As pessoas investidas de confiança pública precisam ser confiáveis e provar que o são.

 

A política não é mais o que os políticos fazem; pode-se aventurar a dizer que a política que verdadeiramente importa é feita em lugares muito distantes dos escritórios dos políticos.