EXTRATO DE: O ESTADO EM
CRISE
Autor:
Zygmunt Bauman e Carlo Bordoni
Editora: Zahar
(2014/2016)
[A obra está na
forma de uma conversa entre os dois pensadores sobre vários temas.]
[Para melhor
entendimento:
A referência à
modernidade, quer apontar, fundamentalmente, para a era industrial até meados
do século XX; a pós-modernidade aponta para os anos
[Pela evidente
semelhança com nossa realidade atual, ressalto que o Brasil não é referenciado
(exceto uma vez, sem importância)]
1 - ESTADO EM CRISE
Eric J. Hobsbawm: "No
século XXI, o que substituirá o Estado-nação (presumindo que ele seja
substituído por algo) como modelo de governo popular? Nós não sabemos."
UMA DEFINIÇÃO DE CRISE
CARLO BORDONI
As conseqüências da
invasão dos mercados mundiais por grandes corporações multinacionais foram, na
verdade, a principal preocupação dos observadores do final do século XX (...)
Nós
[Europa] temos sido poupados da inflação graças ao euro.
Agora, as crises
levam éons para reverter a direção. (...) todo e qualquer prognóstico de
solução é continuamente atualizado e, em seguida, adiado para outra data.
Parece que nunca vai acabar.
A crise devora e
muda o destino de milhões de pessoas fazendo disso uma regra, e não uma exceção,
tornando-se um hábito cotidiano com o qual temos de lidar, em vez de uma
inconveniência inoportuna ocasional da qual nos vemos livre o mais rápido
possível.
Nós temos de aprender a viver em crise,
(...) pois a crise está aqui para ficar.
ZYGMUNT BAUMAN
As vítimas do
colapso da bolsa no final dos anos 20 tinham poucas dúvidas quanto a onde
procurar resgate: no Estado, claro; num Estado forte, forte a ponto de ser
capaz de forçar as circunstâncias gerais a coincidirem com sua vontade. As
opiniões sobre a melhor saída para a difícil situação podem ter diferido, até
consideravelmente, mas não havia desacordo sobre quem podia pôr a situação
geral no caminho afinal escolhido: claro, o Estado, equipado com os recursos
indispensáveis à tarefa: o poder e a política.
Nos anos 1970 (...)
funções antes reclamadas e ciosamente guardadas por Estados como monopólio seu,
e amplamente consideradas pelo público e pelos formadores de opinião mais
influentes obrigações e missão inegáveis dos Estados, de repente pareciam
onerosas e vorazes de recursos demais para os Estados-nação suportarem. (...)
Na percepção população, o Estado foi rebaixado da posição de motor mais
poderoso do bem-estar universal àquele de obstáculo mais odioso, pérfido e
prejudicial.
Todas as velhas
maneiras de levar as coisas a cabo estão desacreditadas, e as maneiras novas,
no melhor das hipóteses, estão na prancheta de desenho ou em estágio de
experimentação.
Estamos
dolorosamente conscientes de que, se deixado a seus próprios mecanismos, os mercados
voltados pra o lucro levam a catástrofes econômicas e sociais.
O Estado já não é
mais o que era cem anos atrás nem o que então se esperava que ele se tornasse.
Em sua condição presente, o Estado não dispõe dos meios e recursos para
realizar as tarefas que exigem a supervisão e o controle efetivos dos mercados,
para não falar de sua regulação e administração.
A presente crise
difere das suas precedentes históricas à medida que é vivida numa situação de
divórcio entre poder e política.
UM ESTATISMO SEM ESTADO
CARLO BORDONI
Étienne Balibar:
"O problema vem de fora, mas o problema tem de ser resolvido, para o
melhor ou para o pior, no local."
As decisões são
tomadas em outra parte pelos poderes estabelecidos, que, como são
supranacionais por sua própria natureza, não são instados a observar leis e
regulamentos locais: eles estão livres de limitações de conveniência política, bem como de necessidades de
natureza social, em nome da objetividade e de um princípio de equidade que não
expressa a verdadeira justiça.
Balibar: "A
União Européia é somente o fantasma de um Estado (...) uma forma de estatismo
sem Estado."
A antipolitica
resulta em populismo e nacionalismo, ambos perigosos e sujeitos aos mais
devastadores desvios. Com frequência ela se mostra o prelúdio de regimes
tirânicos e autoritários, como demonstra a história recente.
O nacionalismo é
anacrônico e míope. Regressar aos valores tradicionais, cerrar as fileiras e
valorizar apenas o que é reconhecido localmente e territorialmente delimitado
parece hoje um esforço fútil. (...) Como certos tipos de populismo, o
nacionalismo hoje não vai além do drama de uma opereta tragicômica, exagerada
pela mídia para entretenimento das massas que com justeza estão muito aflitas.
Quando o poder é
administrado por mercados, por grupos financeiros, por forças supranacionais
que escapam a todo e qualquer controle democrático, a política é um tema
controverso e contencioso.
Antipolitica
assegura a continuação do jogo político (...) mas privadza de significado social,
já que o cidadão é obrigado a cuidar do seu próprio bem-estar: o "Estado
dirige e controla seus governados sem ser responsável por eles" (...).
ZYGMUNT BAUMAN
Os governos são
capazes, no máximo, do que chamamos de "arranjos" - acordos interinos
que desde o começo não são convincentes nem destinados a durar; na melhor das
hipóteses, espera-se/reza-se para que sobrevivam até o próximo encontro do Conselho da União Européia, ou
até a próxima abertura do pregão da bolsa de valores.
Todos os governos
democráticos estão expostos a duas pressões contraditórias (...).:
1 - a pressão dos
eleitores que sejam capazes tanto de por governos em exercício quanto de
tirá-los;
2 - a pressão de
forças que já sejam globalizadas, livres para flutuar com pouca ou nenhuma
restrição no "espaço de fluxos" extraterritorial sem política e
capazes de tirar proveito das vantagens dessa liberdade para frustrar e em
ultima análise tornar nula e vazia qualquer decisão tomada por qualquer governo
de um Estado territorial, se a considerarem contraria, ou mesmo
insuficientemente conforme, aos seus interesses.
A idéia de
fronteiras territoriais de soberania (...) continua a ser, em nossa era
pós-colonial, em teoria, senão na prática, o princípio organizador inviolável,
universalmente obrigatório e poucas vezes explicitamente contestado para a
coabitação na Terra. O problema é que ele também é falso, e cada dia mais.
Para todos os fins
e propósitos práticos, grande parte do poder antes contido no interior das
fronteiras do Estado-nação se evaporou e voou para a terra de ninguém do
"espaço de fluxos", enquanto a política continuou, como antes,
territorialmente fixada e restringida. O pacto entre poder e política, condição
sine qua non de ações eficazes e mudanças significativas, foi na realidade
separado em um poder livre de quase todos os controles políticos, exceto os
mais rudimentares, e a política, sofrendo um déficit permanente e crescente de
poder.
A tarefa de lidar
com os efeitos socialmente adversos e potencialmente destrutivos da tendência
endêmica do mercado à busca irrefreável de lucro às expensas de todos os demais
valores, foi "subsidiarizada" ao "reino da política da
vida" - um reino deixado à iniciativa, à engenhosidade, à força e aos
recursos cronicamente inadequados ao do indivíduo.
Não se trata de
julgar que um partido político ou outro fracassou no teste; acumulam-se
indícios de que mudanças de guarda só desencadeiam mudanças mínimas, se é que
desencadeiam alguma, nas políticas governamentais; e ainda incitam menos
mudanças no volume das privações associadas à luta pela sobrevivência sob
condições de incerteza aguda. As credenciais populares do próprio sistema da
democracia representativa, desenhado, elaborado e estabelecido pelos construtores
do Estado-nação moderno, estão se desintegrando. Os cidadãos acreditam cada vez
menos que os governos sejam capazes de cumprir suas promessas.
John Gray: "As
piores ameaças ao gênero humano são globais em sua natureza, ao passo que não
há nenhuma perspectiva de qualquer acordo efetivo de governança global para
lidar com elas."
A desconfiança e a
indignação se espalham para todo o espectro político, exceto talvez os seus
setores até aqui marginais, efêmeros e excêntricos, exigindo publicamente um
fim para o regime democrático desacreditado e fracassado.
Que força há de
poder preeencher o posto/papel de agente da mudança social? (...) Há uma abundância de tentativas de
encontrar novos instrumentos de ação coletiva que se adequem melhor ao cenário
crescentemente globalizado que as ferramentas políticas forjadas e
estabelecidas na era pós-westfaliana de construção nacional; instrumentos que
tenham mais chances de satisfazer a vontade popular do que podem esperar
recuperar os órgãos estatais ostensivamente "soberanos", espremidos
em duplos compromissos.
De uma maneira ou
de outra, a indignação aí está, e nos indicaram uma maneira de descarregá-la,
ainda que temporariamente: ir para as ruas e ocupá-las.
A União Européia é
uma das tentativas hoje mais avançadas de encontrar, ou desenhar do começo ao
fim, uma solução local para problemas globalmente produzidos.
A União Européia
está fadada a confrontar o grande atrito entre prioridades conflitantes e
escolhas difíceis.
J. M. Coetzee:
"Por que o mundo tem que ser um anfiteatro de gladiadores do tipo matar ou
morrer, em vez de, vamos supor, uma colméia ou um formigueiro ativamente
cooperativo?"
ESTADO E NAÇÃO
CARLO BORDONI
Quando as
comunidades diaspóricas começam a ver reconhecidos os seus direitos de cidadãos
plenamente habilitados e a exigir o reconhecimento de sua
"diversidade" quanto à obrigação de se integrar (o caminho costumeiro
para a igualdade), a "unidade" da nação começa a se desagregar.
Os Tratados de Westfália
em 1648 (...) estabeleceram um novo sistema civil que nascera das cinzas do
feudalismo (...)
Agora está claro
como esse modelo entrou em crise com o desenvolvimento da globalização, cuja
força explosiva extinguiu fronteiras entre Estados e minou toda e qualquer
reivindicação de soberania absoluta.
A separação entre política e poder é letal para o Estado moderno - em especial
se for um Estado democrático, cuja Constituição prometeu aos cidadãos deixá-los
tomar parte nas decisões comuns que agora são tomadas por órgãos não
democraticamente designados nem controlados a partir de baixo.
É o conhecimento
que nos conscientiza de nossas diferenças em relação aos outros e produz desejo
e ação. (...) O uso de força é dispensável. Nenhum poder pode deter a
imaginação quando ela é alimentada por conhecimento e comunicação.
Os governos
buscaram novas alianças na economia, o que descobriram ser um instrumento
infalível para permitir a continuação de seu exercício do poder.
Sem a possibilidade
de responder ou criticar, não há nada além de protestos embotados e confusos.
A separação entre o
poder e a política é uma separação por necessidades operacionais, exatamente
como os casais que só estão formalmente separados por causa do imposto de
renda.
ZIGMUNT BAUMAN
É na aptidão do
soberano, de não estar restringido pela norma que ele mesmo criou, na sua
aptidão de fazer exceções, no seu direito e na sua capacidade de obrigar ou
desobrigar, impor uma norma tanto quanto uma exceção à norma, que jaz a substância
da soberania. Em última análise, "a ordem legal repousa sobre uma decisão,
e não sobre uma norma".
Assim como a
prerrogativa de Deus de fazer milagres, capacidade do príncipe de suspender
leis e fazer exceções à regra o torna uma perpétua fonte de incertezas
esmagadoras e incapacitantes para seus súditos. Podemos conjecturar que era
isso mais ou menos o que Maquiavel tinha em mente ao instruir seu educando a
contar e confiar mais no medo dos súditos que em seu amor.
HOBBES E O LEVIATÁ
CARLO BORDONI
O progresso em si
está nas mãos de poucos e no sacrifício de todos em nome do bem comum.
O Estado moderno
foi criado em virtude desse contrato entre as massas e o soberano, com o qual
elas formam uma unidade coesiva em que são capazes de se identificar. Os
conceitos de nação, cultura e tradição são implantados de modo permanente, e o
princípio de regionalização - isto é, o vinculo com o território que acomoda a
propriedade privada, o centro dos interesses pessoais e da vida familiar - se
afirma. Tudo isso - com o acréscimo de língua, tradições, religião e cultura
comuns - ajuda a transformar a multidão, constituída por indivíduos, num corpo
unido, compacto, que se torna um povo.
Na democracia
moderna não existe mais apenas um soberano, mas uma ampla gama de delegados,
dos quais o Estado democrático é formado.
ZYGMUNT BAUMAN
Para expressar tudo
isso em idioma moderno: um corpo político está exposto e permanece
constantemente sob a ameaça de ser dilacerado por uma força centrífuga de
auto-afirmarão individualista e uma força centrípeta de disciplina imposta pelo
Estado e administrada pelo Estado.
O Leviatã
contemporâneo, o Estado moderno, foi definido por Max Weber com referência a
seu monopólio dos meios e usos da coerção. Na prática, esse monopólio se reduz
ao direito dos órgãos governantes do Estado de definir a fronteira entre
coerção (violência legítima) e violência (coerção ilegítima).
Joseph Nye
distinguiu dois tipos de poder, o "duro" e o "brando"
(levar os outros a querer os resultados que você quer).
A liberdade de
escolha (...) se mostrou suscetível de transformar desvantagem em ativo, risco
dispendioso em recurso confiável; na contabilidade dos dias atuais, ela tende
cada vez mais a ser registrada na coluna de créditos da planilha de cálculo, em
vez de figurar entre os débitos, como ocorria sob o regime de "poder
duro". Um exemplo muito impressionante dessa tendência é o recrutamento de
objetos humanos vigiados ou com perspectiva imediata de sê-lo, como agentes não
pagos e voluntários de sua própria vigilância.
Nós vivemos numa
sociedade confessional, na qual, falando metaforicamente, microfones estão
posicionados em confessionários, aqueles antigos santuários da privacidade e da
intimidade, e conectados a alto-falantes instalados em praças públicas, embora
também estejam ligados diretamente aos servidores que armazenam as confissões
para uso simultâneo e/ou subsequente por uma quantidade desconhecida de
processadores de informação num número desconhecido de agências coletoras de
dados, com objetivos próprios, desconhecidos dos fornecedores de informação.
Por razões que
tentei elencar em outros escritos, hoje estamos todos ansiosos para fornecer,
por nossa própria iniciativa e de nossas próprias expensas, todos os detalhes
dos nossos movimentos e ações já empreendidos ou pretendidos - informação que é
de imediato acrescentada aos conteúdos dos servidores infinitamente espaçosos
da "navegação em nuvem".
[Liviatã-Beemot
(ou Beemote, o Monstro, ou como é usado por Bauman, o rebelde, pelas
predisposições anárquicas dos indivíduos humanos que o compõem - o Monstro)].
O modelo ideal para
a condução dos assuntos humanos não deixa nenhum espaço para a individualidade,
nem para um indivíduo mais complexo e multifacetado que o papel para ele
estabelecido na organização.
Apegar-se às
regras, seguir critérios estabelecidos e restringir a visão ao campo estreito,
delimitado e cercado definido a priori como "relevante para a
tarefa", por outro lado, parece uma receita perfeita para o desastre.
(...) Que voltem a variedade e a peculiaridade do exílio ao qual a busca da
racionalidade as sentenciou! Quanto a seus antônimos, uniformidade e
conformidade, eles não são mais bem-vindos - é a vez deles de procurar o
exílio.
Na economia e no
Estado, assim como na política da vida no cenário líquido moderno, a
individualidade substitui a ordem, a individualização demite a ordenação da
agenda dos objetivos mais elevados e da lista dos interesses supremos.
No mais simples dos
termos, a vocação e a raison d'être
de Leviatã era a supressão da individualidade engendrada por Beemot.
Leviatã versus
Beemot é a alegoria para simbolizar o Estado versus a sociedade.
Os blocos de
construção essenciais são os encontros (regulares) entre capital e trabalho,
que culminam na transação de comprar e vender. A função primordial do Estado capitalista,
assevera Habermas - função que faz dele um Estado capitalista (que serve à
reprodução da sociedade em sua forma capitalista) -, é assegurar as condições
necessárias para que tais encontros continuem a ocorrer.
Hoje, porém, no
fundo da sociedade de consumo, parece que a função do Estado capitalista é
prover (...) As condições para a transação de compra/venda ocorrer com regularidade
e frequência suficiente agora consistem em garantir que o comprador esteja em
posição de pagar o preço da mercadoria oferecida, enquanto a mercadoria seja
atraente o bastante para se candidatar àquele preço.
2 - MODERNIDADE EM CRISE
AS PROMESSAS RETIRADAS
CARLO BORDONI
Os desastres
naturais são transformados em desastres morais, porque o homem se torna
responsável por eles, pois tem à sua disposição os instrumentos que a ciência
oferece para evitá-los. Não é mais uma questão de acaso. O que acontece nunca é
imprevisível: tratam-se sempre de falhas, incúria, incompetência e omissões que
não preveniram as ocorrências.
Outras promessas
estão com o mesmo destino [fracassar], ou estão prestes a fazê-lo, como a idéia
de progresso com desenvolvimento contínuo, ligado a uma disponibilidade sempre
maior de produtos e portanto de consumo - uma idéia otimista sobre a qual
grande parte da pretensão de felicidade como sinônimo de ter, e não de ser,
está baseada.
Hoje, a promessa
suprema (...) está sendo questionada: a existência de um fiador social.
Tudo se tornou
discutível, questionável, instável, destinado a perecer ou ser eliminado com
uma canetada, em função de necessidade urgente, problemas de orçamento e
obediência a regulamentações européias.
A crise em curso
(...) trata-se de uma crise profunda de transformação social e econômica, que
tem suas raízes no passado. (...) Entretanto, os efeitos da perturbação
memorável que mudou o homem e desajustou a sociedade moderna, a cujo modelo nós
ainda nos agarramos angustiados, estão destinadoS a durar para sempre.
ZYGMUNT BAUMAN
Então, sem, ilusões
foram abandonadas (ou, mais precisamente, idéias outrora tidas como verdadeiras
foram reclassificadas como ilusões), ao passo que as estratégias, que continuam
a ser adotadas, abandonadas e substituídas (todas num ritmo que parece cada vez
mais acelerado), mudaram seu escopo e seu caráter.
Não pode haver liberdade de autocriação sem a
possibilidade de erro, e nenhuma oportunidade de sucesso sem o risco de
derrota.
John Gray: "Ao derrubar o tirano, as pessoas
estão livres para tiranizar umas às outras; para pensar que a humanidade é
amante da liberdade, você tem de estar pronto para encarar quase toda a
história humana como um erro." Na opinião de Gray os paladinos dos
direitos humanos "estão convencidos
de que o mundo inteiro ambiciona tornar=se como eles próprios pensam que são.
(...) A civilização liberal repousa sobre um sonho".
É preciso um coração forte e nervos de aço
para chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes, por mais que eles possam
soar "politicamente incorretos".
Foi necessário
esperar um par de séculos para que Sigmund Freud proclamasse que a
"civilização" (sinônimo de ordem construída e administrada pelo
homem) é um compromisso entre segurança e liberdade; não uma cooperação entre
eles, mas um toma lá, dá cá, um jogo de soma zero.
O ódio e o medo da
liberdade e o ódio e o medo da ordem coercitivamente imposta não são traços
inatos da espécie humana nem "estão na natureza humana". Apenas
aquilo que chamamos progresso não é um movimento linear
"uniderecional", mas pendular, com sua energia extraída do desejo de
liberdade (uma vez que comecemos a sentir que a segurança é excessiva,
insuportavelmente intrusiva e opressiva) ou do desejo de segurança (quando começamos
a sentir que a liberdade é um negócio excessivo e insuportavelmente arriscado,
produzindo pouquíssimos vencedores e uma quantidade exacerbada de perdedores).
Os interesses da
elite não são nossos interesses, as preocupações da elite não são nossas
preocupações. Não é de admirar que, para um número crescente de cidadãos
desprezados, a liberdade pareça sinistramente aquilo de que os ricos precisam
para ficar mais ricos e empurrar os demais para o fundo de seu infortúnio.
É evidente que não
faltam aventureiros ansiosos para fazer isso da profusão crescente e do volume
montante de clamores do tipo. "Confiem em mim, sigam-me, e eu os salvarei
da miséria em que vocês afundarão ainda mais do que hoje."
SAINDO DA MODERNIDADE
CARLO BORDONI
A causa fundamental da "servidão
voluntária", isto é, a submissão ao poder, mesmo quando não exigida,
segundo Étienne de La Boétie, é simplesmente o hábito. [Um pouco mais do que
isso, é sentimento de estar protegido que mantém a submissão.]
As revoluções se prestam belamente às
pessoas capazes de mudar as regras em beneficio próprio.
A ideologia é a filha do iluminismo.
Introduzida para consolidar idéias, ela mina a priori o comportamento humano e
facilita a interpretação da realidade de maneira acrítica. (...)
Se o homem é o que pensa, é possível criar uma sociedade diferente gracas
a idéias novas. Assim, a ideologia se torna uma metaciência, a ciência das
idéias, a ciência de todas as ciências, mas também um padrão rígido no qual
podemos ficar presos.
Estabilidade
implica imutabilidade: ideologias são per se conservadoras, pois qualquer
mudança poderia minar a estabilidade e as certezas adquiridas.
[Todo ser humano
carrega sua própria ideologia para que consiga se manter estável.]
A ideologia guiou e
explicou tudo, da luta de classes ao autoritarismo. Em sua fúria cega, ela
substituiu a guerra de religião e se tornou "instrumento" justificado
de morte, opressão, destruição e aniquilação do homem, tudo em nome de um
benefício futuro presumido para a comunidade, a qual, todavia, muitas vezes se
perdeu no caminho.
Os piores crimes da
modernidade foram cometidos em nome da ideologia, dos expurgos stalinistas aos
campos de concentração nazistas.
A violência baseada
na ideologia é sempre justifica, pois pode ser explicada como defesa contra uma
ameaça pior.
Na modernidade
tardia, a ideologia impôs uma visão de mundo pela violência, transformando-a em
crença dogmática na qual confiar.
A ideologia acaba
rejeitada pela sua incapacidade de sustentar esta mesma ordem.
A crise da
modernidade é realmente um longo adeus. Ela começou na segunda metade do século
XX e prolongou-se, então, adentrando a pós-modernidade - fenômeno mais estético
que filosófico e moral (...)
ZYGMUNT BAUMAN
Como você sabe que estamos
deixando a modernidade? (...) O conceito de Revolução Industrial foi cunhado no
terceiro quarto do século XIX.
Nós sabemos do que
estamos fugindo, mas não temos a menor idéia de onde vamos. (...) A história é
um cemitério de esperanças não realizadas e de expectativas frustradas.(...)
A modernidade diz
respeito a forçar a natureza a servir com obediência às necessidades, ambições
e desejos humanos (...) a Igreja do Crescimento Econômico é uma das poucas
congregações que parece não perder a fé e ter uma chance real de status ecumênico.
John
Gray: "Uma vida sem mito é em si a matéria do mito."
A grande narrativa
só morre para ser logo substituída. (...) Quando à mais grandiosa das grandes
narrativas modernas - a do progresso do controle humano sobre a Terra,
conduzido pela Santíssima Trindade da Economia, Ciência e Tecnologia -, ela
parece mais saudável que nunca.
Até os geólogos
chamam nossa era de "Antropoceno" [era centrada no homem] -
implicando que o Holoceno [era pós glacial] agora terminou, e que hoje a
espécie humana dá o tom; (...)
PERCORRENDO A
PÓS-MODERNIDADE
CARLO BORDONI
Nós estamos cada
vez mais seduzidos por uma tecnologia intrusiva e completamente abrangente, mas
cada vez mais sozinhos.
ZYGMUNT
BAUMAN
As estruturas que
preparamos com zelo em nosso impulso baldado em direção à "ordem",
por assim dizer, são biodegradáveis, elas começam a se decompor no momento em
que sua composição foi terminada, ou, com lamentável frequência, mesmo antes de
terem sido completadas. Nós não confiamos que elas possam permanecer em boa
forma em circunstâncias de caleidoscópica mutação.
DESCONSTRUÇÃO E NEGAÇÃO
CARLO BORDONI
[A metáfora
"sociedade líquida" proposto por Bauman vem nos ajudar na]
compreensão do mundo em mudança, que está deixando para trás séculos de
reconfortante solidez, encontra uma metáfora efetiva da pós-modernidade neste
conceito, onde tudo é móvel, incerto, temporário.
A maior das
divisões na história do homem foi a introdução da escrita [4.000 anos a.C.],
uma tecnologia revolucionária que mudou o cérebro humano e plantou a base do
conhecimento cumulativo.
ZIGMUNT
BAUMAN
Nós todos,
"indivíduos por decreto do destino", parecemos abandonados aos nossos
próprios recursos individuais (...) e temos a impressão inquietante, indigna e
enfurecedora, de termos sido sentenciados à solidão diante dos perigos
compartilhados.
De uma maneira ou de outra, a indignação
está presente, e estabeceu-se um precedente para descarregá-la: sair às ruas e
ocupá-las.
O fenômeno
"povo nas ruas" mostrou até o presente a sua capacidade de afastar
alguns dos mais odiados objetos da indignação das pessoas, figuras culpadas por
seus sofrimentos (...) Entretanto, ele ainda tem de provar, por mais que sua
procura tenha sido efetiva no trabalho de limpeza do canteiro de obras, que
também pode ser útil no trabalho de construção que vem em seguida. (...) os líderes de países democráticos e as
instituições que eles criaram para guardar a perpétua "reprodução do
mesmo" parecem até
aqui não ter percebido e não se preocupar; eles continuam a recapitalizar os
bancos espalhados pelas incontáveis Wall Street do globo, estejam elas ocupadas
ou não pelos indignados locais.
Uma democracia, sem
um abalo mais sério, pode suportar imensas doses de descontentamento em seu
avanço e assimilar qualquer maré montante de oposição.
Václav Havel:
"A confiança na capacidade das instituições políticas de influenciar o
curso da história, sem falar em controlá-la, caso seja exigido, esta minguando.
(...) Está cada vez mais claro que a rede herdada de instituições políticas não
é mais capaz de produzir, ao passo que uma nova caixa de ferramentas para a
ação coletiva está, no máximo, em fase de esboço; é improvável que seja
produzida em breve, ou que ao menos seja reconhecida como digna de produção."
Os chefes dos
governos mais poderosos se reúnem na sexta-feira para debater e estabelecer uma
linha correta de ação, só para esperar e tremer até que a bolsa de valores
reabra na segunda-feira.
As pessoas que ora
tomam as ruas (...) sabem com certeza o que elas não gostariam que continuasse
a ser feito. O que elas não sabem, contudo, é o que precisa ser feito em vez de...
As futuras
construções destinadas a substituir as que foram desocupadas e/ou demolidas
estão espalhadas sobre uma multidão de pranchetas privadas, e nenhuma delas
alcançou até agora o estádio de obter licença para construção; (...)
Líderes políticos potenciais não pararam de
nascer. São as estruturas políticas em deterioração, decadentes e impotentes
que os impedem de amadurecer.
Suponho que as
visões de "boa sociedade" saíram de moda, em última análise, porque
os poderes capazes de produzir essas visões se tornaram invisíveis. Por que se
dar ao trabalho de quebrar a cabeça tentando responder à pergunta: "O que
fazer?" se não há resposta para a pergunta "Quem irá fazê-lo?"
O FIM DA HISTÓRIA?
CARLO BORDONI
A história começou
a sair na primeira página, e por isso é cada vez mais imediata, objetiva e
efêmera. Ela é fácil de esquecer e de ser substituída pela próxima noticia, num
processo rápido, que perde o todo de vista e, consequentemente, oferece uma
imagem sempre atual, vivida, mas fragmentada, incoerente e contraditória.
A nova história é
uma trilha digital que corre por todo o planeta e grava todas as expressões
humanas, indiferente à importância social de seu emissor.
[Agora] a história
não pode [mais] ser escrita [apenas] pelos vitoriosos.
As pistas
eletrônicas que nós deixamos para trás são o rastro de nossa passagem pelo
mundo, um modo alternativo de fazer história que tomou o lugar dos manuais
preparados por especialistas, mas elas não são o único indicio.
Uma imensa memória é a mesma coisa que uma memória
inútil, já que só pode ser consultada em parte, correndo-se o riso de formar
uma visão parcial e distorcida da realidade.
O evento mais recente, o atual, o novo,
representa a face da verdade e derrota o evento anterior.
Tão profunda é a
mudança ocorrida com o fim da modernidade, e tão rápidas são as inovações, que
a experiência passada de pouco serve. Ela é simples arqueologia e, como tal,
deve ser preservada em museus.
ZYGMUNT BAUMAN
Como se nada
tivéssemos aprendido com o horrível
passado, não há nenhum espaço para advertir que tratar a humanidade como um
jardim clamando por mais beleza e harmonia divide os seres humanos entre
espécimes do Chelsea-Show [Exposição de flores anual] e ervas daninhas.
DEMOCRACIA EM CRISE
ÉTICA DE PROGRESSO E
DEMOCRACIA
CARLO BORDONI
A economia já não
representa mais a alma da sociedade, porém, é um dos seus muitos componentes, e
modificável, como os outros.
O pós-modernismo
nos deu a ilusão de viver num mundo livre de necessidades, livre de ideologias,
aberto às promessas de consumismo limitado, de um espetáculo deslumbrante e de
exaltação da individualidade, em troca da insegurança no trabalho, da incerteza
e da solidão.
O capitalismo
também se desmaterializou; (...) voltou-se para os mercados financeiros, que
estão em um lugar virtual, portanto, em um não-lugar, que não tem localização
geográfica, mas se move livremente nos altos níveis, acima de territórios e das
coisas mundanas, com uma mobilidade frenética e imediata, suscetível a todo e
qualquer sinal de mudança.
O Estado, em vez de
assegurar, como no passado, um clima de estabilidade e prover uma câmara de
compensação em tempos de dificuldades econômicas (...) está tão somente
preocupado com sua própria estabilidade.
A crise política em
curso (definida como antipolitica) é uma crise do Estado moderno.
A aliança entre o
Estado e a indústria privada foi por longo tempo um dos mais sólidos pilares da
modernidade (...) Mas só até que as
pressuposições desse vínculo estreito desmoronassem em consequência da
globalização, a qual levou, no que diz respeito ao Estado, à separação entre
poder e política, e, no que diz respeito à indústria, à desmaterialização do
trabalho.
Não há
proprietários, apenas executivos que movimentam rapidíssimo o dinheiro virtual:
investir e desinvestir, comprar e vender segundo princípios de mercado, no
interior de uma rede insondável de trocas, relações e transações que produzem lucro.
Eles registram lucros mais altos que qualquer investimento industrial e com
menos responsabilidade.
Se a bolsa de
valores cai e queima bilhões, destruindo de uma só vez a poupança dos
investidores, ninguém de fato se preocupa. Como em toda perda, há sempre alguém
que ganha dinheiro.
A ética do trabalho
oferecia ao homem uma identidade pessoal da qual se orgulhar, que era capaz de
assegurar dignidade mesmo para o mais humilde dos trabalhadores, que podia se
identificar com seu trabalho.
Na economia não
industrializada, o trabalho era visto como necessidade vital; as pessoas
trabalhavam o necessário para comer e sobreviver. Com a industrialização, o
trabalho passou a ser uma forma de identidade e uma obrigação moral, as pessoas
trabalham mais que o necessário, causando a distorção (...) mediante a qual o
trabalho árduo é suportado em troca de satisfação sublimada: dinheiro, que pode
comprar satisfações que o trabalho assalariado não é capa de proporcionar.
A um aumento geral
dos salários sempre corresponde a um aumento dos preços para o consumidor.
Uma cultura do
imediato é a conseqüência natural do colapso das certezas sobre as
problemáticas questões do nosso tempo.
ZYGMUNT BAUMAN
John Gray: A
espécie humana, claro, não está marchando para lugar algum. Humanidade é uma
ficção composta por bilhões de indivíduos para cada um dos quais a vida é
singular e definitiva. Mas o mito do progresso é extremamente poderoso.
Vivendo dentro do mito do progresso, nossos
antepassados olhavam para o futuro com esperança; nós olhamos com medo.
Os problemas mais
agudos e ameaçadores que assombram nossos contemporâneos são, em geral,
globalmente produzidos por forças extraterritoriais, localizadas no
"espaço de fluxos", que fica muito além do alcance dos instrumentos
políticos de controle, essencialmente locais e fixos do ponto de vista
territorial; (...)
"Glocalização"
quer dizer centros locais de conserto fornecendo serviços e reciclando a
produção da indústria global de problemas.
UM EXCESSO DE DEMOCRACIA
CARLO BORDONI
Na verdade nunca
houve uma era de ouro na democracia. As aspirações, os mais importantes
sistemas teóricos e as melhores intenções não foram exatamente postos em prática.
A democracia chegou a ser usada como chave
mestra ou senha, um biombo para cobrir os piores tipos de opressão do homem
pelo homem.
Há na democracia um
caráter de ditadura da maioria sobre a minoria. [Hoje eu vejo o contrário, um
ditadura da minoria sobre a maioria, haja vista os últimos e mais importantes
processos eleitorais onde o alto nível de abstenção fez a minoria vencedora.]
O fato de que todos possam votar não
garante, em si, uma vitória popular, nem que a forma de governo produzida por
eleições seja realmente do interesse do povo.
Jean-Jacques
Rousseau: "Os membros eleitos do povo não são seus representantes,
portanto, nem podem ser, mas são apenas seus agentes; eles não podem tomar
decisões definitivas. Toda lei que o povo em pessoa não ratificou é vazia; não
é lei."
Democracia é algo
que abrange liberdade, solidariedade, igualdade, respeito e observância do
direito dos outros; uma idéia complexa que, como diria Morin, é maior que a
soma de suas partes.
Devemos distinguir
entre o significado original de "democracia" como "governo do
povo" e o significado que lhe atribuímos hoje: liberdade, igualdade e
respeito às minorias (igualdade de direitos diante do Estado e tratamento igual
perante a lei). Trata-se de uma democracia que tende a eliminar os privilégios
da elite, a dar a todos as mesmas oportunidades e chances de aprimoramento.
O marxismo entendia democracia como
"ditadura do proletariado", mas depois delegou a gerência do poder
político a uma pequena minoria, a uma elite privilegiada.
Uma opressão brutal
e constante que, como esses regimes pretendiam [comunistas], tem o poder de
administrar a massa e ao mesmo tempo reservar a liberdade total de expressão e
de ação para a fina flor, os eleitos, a classe dominante que se destaca do
povo.
Indiferentemente de
quanto a fórmula "democracia representativa" possa ser boa, e além de
qualquer consideração acerca da legitimidade da representação - tema que
Rousseau já discutira em Do Contrato
Social, afirmando a incompatibilidade entre democracia e representação -, é
evidente que a crise da modernidade trouxe com ela a crise da democracia
representativa.
A alta taxa de
sindicalização nos países ocidentais é responsável por incitar a alta do preço
da mão-de-obra e introduzir um conjunto de regulamentações de proteção e defesa
do emprego, a ponto de forçar o capital a mudar de lugar.
PÓS-DEMOCRACIA
ZYGMUNT BAUMAN
Vinte e cinco por
cento das pessoas abaixo de 25 anos de idade permanecem desempregadas na
França. A geração como um todo está presa aos contratos de duração determinada,
e estágios - ambos expedientes cruel e impiedosamente exploradores. Se em 2006
havia cerca de 600 mil estagiários na Franca, seu número atual é estimado entre
1,2 e 1,5 milhão.
Alexandra de Felice, famosa comentarista do
mercado de trabalho Frances, prevê que, se prosseguirem as atuais tendências,
um membro regular da geração Y será obrigado a mudar de chefe e de empregador
29 vezes ao longo de sua vida de trabalho.
De acordo com Jean
Pralong, os jovens preferem aceitar seu melancólico destino, não importa quão
opressivo ele seja, se lhe permitirem ficar por mais tempo em seus
semi-empregos.
CARLO BORDONI
Entre os efeitos
que caracterizam a pós-democracia, podemos listar:
a) Desregulamentação:
mercado financeiro se sobrepõe às regulamentações do governo.
b) Queda na
participação dos cidadãos na vida política e nas eleições.
c) Retorno do
liberalismo econômico - transferência de serviços do Estado para a iniciativa
privada.
d) Declínio do
Estado de bem-estar social.
e) Prevalência de
lobbies.
f) Show business na
política: líderes se apóiam em pesquisas
de mercado e em projetos precisos de comunicação.
g) Redução de
investimentos públicos.
h) Preservação dos
aspectos "formais" da democracia: manutenção da aparência de garantia
da liberdade.
O equilíbrio
perfeito do totalitarismo reside em garantir certos privilégios em troca de
liberdade (...).
O instrumento mais
adequado aos nossos tempos só pode ser a economia. (...) as manobras econômicas
têm repercussão imediata para a democracia; elas conseguem mais do que a lei e
as revoluções para estabelecer a igualdade e a desigualdade entre os homens.
As vítimas da crise
econômica estão isoladas, têm medo, têm depressão e estão sozinhas ao enfrentar
o futuro incerto.
A sociedade líquida
é uma sociedade que flui velozmente, desgastando e corroendo tudo com rapidez
crescente e, por essa razão, existe em estado de evolução constante: o estado
de transição é o seu estado estável.
POR UMA NOVA ORDEM
CARLO BORDONI
A sociedade desmassificada atingiu um nível
perfeito de igualdade: uma sociedade de indivíduos empobrecidos, gratificados
pela indústria de alta tecnologia e pelo grande conforto da comunicação
interpessoal, mas que são incapazes de exercer política autorregulada, porque
ela foi tirada de seu controle.
O cidadão comum só pode ter responsabilidade
no âmbito da política local (...).
Numa sociedade
desmassificada, nos não falamos mais de representação real. Que necessidade há
de representação no nível mais alto (considerado que o cidadão comum não
entende as complexas questões econômicas de âmbito global e não tem competência
para tomar decisões) quando a democracia - isto é, a real democracia, aquela
que realmente interessa ao povo - é realizada plenamente nas questões do dia a
dia?
Não podemos falar da existência de um
cidadão global, mas apenas de um cidadão local afetado pela globalização.
Por que a coisa que
perdeu grande parte ou toda a sua capacidade de entreter não deveria ser despachada
para o lugar que agora lhe é próprio: o lixo? [Mas], e se acontecer de a
"coisa" em questão ser (...) outro ser humano? Por mais estranho que
possa parecer, essa pergunta nada tem de extravagante.