EXTRATO DE: ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ
Autor:
José Saramago
Ed. Cia.
Das Letras - 2004/2019
Trememos
só de pensar no que amanhã poderá suceder àquele inocente se o levam a
interrogatório.
Não
somos robôs nem pedras falantes, senhor agente, (...) somos uma pequena e
tremula chama que a cada instante ameaça apagar-se.
(...) as
três da madrugada, quando só os insones graves dão voltas na cama e fazem
promessas ao deus hipnose, filho da noite e irmão gêmeo de tánatos, para que
lhes acuda na aflição, derramando sobre suas pisadas pálpebras o suave bálsamo
das dormideiras.
É regra
invariável do poder que, às cabeças, o melhor será cortá-las antes que comecem
a pensar, depois pode ser demasiado tarde.
(...) o
tempo não tem nada que ver com o que dele nos dizem os relógios, essas
maquinetas feitas de rodas que não pensam e de molas que não sentem,
desprovidas de um espírito que lhes permitiria imaginar que cinco
insignificantes segundos escandidos, o primeiro, o segundo, o terceiro, o
quarto, o quinto, haviam sido uma agônica tortura para um lado e um remanso de
sublime gozo para o outro.
(...) há
que dar tempo ao tempo, deixar que o fruto amadureça e os ânimos apodreçam
(...)
Sentiu
nostalgia da capital, do tempo feliz em que os votos eram obedientes ao mando
(...)