EXTRATO DE:
DISCURSO SOBRE A ORIGEM E OS FUNDAMENTOS DA
DESIGUALDADE ENTRE OS HOMENS
Autor:
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Ed. Edipro: 1753/2015
"Esta obra,
que me valeu um prêmio e me fez um nome, é quando muito medíocre."
A palavra
"virtude" tem aqui apenas um sento, e é o inteiro devotamento do
homem aos seus semelhantes, do cidadão à pátria.
[Rousseau manifesta
uma inocência....] "deve-se crer que, na simplicidade dos primeiros
tempos', os homens eram 1inocentes e virtuosos'" [!!!]
"Entre os selvagens,
o interesse pessoal fala tão alto quanto entre nós, mas não diz as mesmas
coisas: o amor à sociedade e o cuidado com sua defesa comum são os únicos laços
que os unem; a palavra propriedade, que custa tantos crimes a nossos homens de
sociedade, quase não tem sentido entre eles; não têm entre si nenhuma discussão
de interesse que os divida; nada os leva a enganar-se um ao outro; a estima
pública é o único bem ao qual cada um aspira e que todos eles merecem (...)
Digo-o com pesar; o homem de bem é aquele que não necessita enganar ninguém, e
o selvagem é esse homem.
E o que será da
virtude, quando for preciso enriquecer a qualquer preço?
Se Rousseau odeia a
polidez, é por ela destruir a transparência mútua e impedi-lo de ser ele mesmo.
"Já não se ousa parecer o que se é (...) Nunca se saberá com quem se está
lidando."
"O sábio não
corre atrás da fortuna, mas não é insensível à glória."
A degradação moral
fomentou a degradação política; acompanha-a, alimenta-se dela; está hoje em seu
auge: os ricos "deixariam de ser felizes, se o povo deixasse de ser
miserável".
Questão proposta pela Academia de Dijon:
Qual é a origem da desigualdade entre os
homens e será ela autorizada pela lei natural?
A estrutura do Discurso
é dada pela oposição fundamental entre natureza (ponto de partida) e sociedade
(ponto de chegada) e, sobretudo, entre os dois estados a elas correspondentes.
Por sua vez, esses estados correspondem a dois tipos opostos de homem: o homem
de natureza (ou selvagem) e o homem civil. É a transformação do primeiro no
segundo que o Discurso descreve.
(...) passagem da
igualdade edênica à desigualdade social.
Edênica: Referente
ao éden. Que determina a vida e a salvação do homem.
Os povos, uma vez
acostumados a possuírem senhores, não são mais capazes de privar-se deles.
(...) é,
sobreturdo, a grande antiguidade das leis que as torna santas e veneráveis, de
que o povo logo despreza aquelas que vê mudar todos os dias e de que,
acostumando-se a negligenciar os antigos usos sob o pretexto de fazer 0melhor, introduzem-se frequentemente grandes males
para corrigir outros menores.
(...) onde cessam o
rigor das leis e a autoridade de seus defensores, não pode haver nem segurança
nem liberdade para ninguém.
Livrai-vos (...) de
jamais dar ouvidos a interpretações sinistras e discursos envenenados, cujos
motivos secretos são frequentemente mais perigosos do que as ações que fazem o
seu objeto.
(...) a despeito de
qualquer tendência que se tenha para o vicio, dificilmente permanecerá perdida
para sempre uma educação em que está envolvido o coração.
Todos sabem com que
sucesso a grande arte do púlpito é cultivada em Genebra, (...) Talvez caiba
somente à cidade de Genebra dar o exemplo edificante de tão perfeita união
entre uma sociedade de teólogos e uma de pessoas de letras.
Que experiências
seriam necessárias para chegar-se a conhecer o homem natural e quais os meios
de realizar essas experiências no seio da sociedade?
Essas pesquisas
(...) constituem os únicos meios que nos
restam para superar uma multidão de dificuldades que nos privam do conhecimento
dos fundamentos reais da sociedade humana.
Os antigos
filósofos parecem ter incumbido a si próprios de se contradizer entre si sobre
os princípios mais fundamentais (...).
(...) é impossível
compreender a lei da natureza e, consequentemente, obedecê-la.
Considerando a
sociedade humana com um olhar tranquilo e desinteressado, ela parece, de
inicio, mostrar apenas a violência dos homens poderosos e a opressão dos
fracos;
Todos os filósofos
que examinaram os fundamentos da sociedade sentiram a necessidade de remontar
ao estado de natureza, mas nenhum deles obteve êxito.
[Rosseau atribuindo
a Deus parte da história]
Sequer veio ao
espírito da maioria dos nossos duvidar que o estado de natureza tenha jamais existido,
embora seja evidente, pela leitura dos
Livros Sagrados, que nem mesmo o primeiro homem, tendo recebido luzes e
preceitos imediatamente de Deus, encontrava-se nesse estado (...)
Não vou me deter a
procurar no sistema animal o que pôde ter sido no início para enfim tornar-se o
que é; não examinarei se, como pensa Aristóteles, suas unhas alongadas não
foram antes garras recurvadas, se ele não era peludo como um urso e se, andando
de quatro sues olhares, dirigidos ao solo e restritos a um horizonte alguns
passos, não revelavam, ao mesmo tempo, o caráter e os limites de suas ideias.
[Muito antes de Darwin]
(...) ao afastar-se
da condição animal, o conhecimento da morte e de seus terrores é uma das
primeiras aquisições que o homem faz.
Quantos séculos talvez
transcorreram antes que os homens chegassem a ver outro fogo que não o do céu!
Quantos acasos diferentes não lhes foram necessários antes que aprendessem os
usos mais comuns desse elemento! Quantas vezes não o deixaram apagar-se antes
de ter adquirido a arte de reproduzi-lo! E quantas vezes talvez cada um desses
segredos não morreu com aquele que o havia descoberto!
(...)
transponhamos, por um momento, o imenso espaço a deve ter existido entre o
estado puro de natureza e a necessidade das línguas, e procuremos, supondo-as necessárias,
como puderam começar a estabelecer-se.
(...) entre a
sociedade já formada quando da
instituição das línguas e as línguas já inventadas quando do estabelecimento da
sociedade, o que foi mais necessário?
[Como o homem pensava antes de existir a
linguagem: pensava fotograficamente.]
(..) que espécie de
miséria pode ter um ser livre cujo coração está em paz e o corpo saudável. Pergunto,
entre a vida civil e a natural, qual delas está mais sujeita a tornar-se insuportável
àqueles que a gozam?
"Ao dar-lhe
lágrimas, a natureza revelou ter dado ao gênero humano corações muito
brandos." - Juvenal, Sátiras, XV.
A comiseração será
tanto mais enérgica quanto mais intimamente se identificar o animal espectador
com o animal sofredor.
O homem selvagem
(...) na ausência de sabedoria e razão, é sempre visto abandonando-se
irrefletidamente ao primeiro sentimento de humanidade. Nos motins, nas querelas
de rua, o populacho se reúne, o homem prudente se afasta; é a canalha, são as
regateiras do mercado que separam os combatentes e impedem as pessoas honestas
de degolaram-se umas às outras.
Embora possa
competir a Sócrates e aos espíritos de sua equipe adquirir a virtude por meio
da razão, há muito tempo que o gênero humano não existiria mais, tivesse a sua conservação
dependido unicamente dos raciocínios daqueles que o integram.
(...) quanto mais
violentas as paixões, mais as leis são necessárias para conte-las.
Dizia Plínio a
Trajano: "Se temos um príncipe é para que nos preserve de ter um
senhor."
(...) o povo, que
paga por todas as faltas de seus chefes, deveria ter o direito de renunciar à
dependência.
Nesses diversos
governos, todas as magistraturas foram de início, eletivas e, quando a riqueza
não prevalecia, a preferência era atribuída ao mérito, que confere uma
autoridade natural, e à idade, que proporciona experiência aos negócios e sangue-frio
nas deliberações. Os anciões dos hebreus, os gerontes de Esparta, o senado de Roma
e até mesmo a etimologia de nossa palavra senhor
mostram o quanto, antigamente, a velhice era respeitada. Quanto mais as
eleições recaiam sobre os de idade avançada, tanto mais se tornavam frequentes
e mais o seus embaraços se faziam sentir: os ardis se introduziram, as facções
se formaram, os partidos se enervaram, as guerras civis se atiçaram; enfim, o sangue dos cidadãos foi [e sempre é] sacrificado
à pretensa felicidade do /estado e esteve a um passo de voltar à anarquia dos
tempos anteriores. A ambição dos principais [os mais importantes
personagens de um Estado ou de uma cidade]
Aproveitou-se dessas circunstâncias para
perpetuar seus cargos em suas famílias; o povo, já acostumado com a
dependência, o repouso e as comodidades da vida e já incapaz de romper suas
correntes, consentiu em deixar que se aumentasse sua servidão para consolidar
sua tranquilidade; e é assim que os chefes, tornando-se hereditários,
acostumaram-se a ver sua magistratura como um bem de família, a ver a si
próprios como proprietários do Estado, do qual eram, de início, tão somente
funcionários a considerar seus concidadãos como escravos, a incluí-los, tal
como o gado, entre as coisas que lhes pertenciam e a considerar a si mesmos
como iguais aos Deus e reis dos reis.
Os vícios que
tornam necessárias as instituições sociais são os mesmos que tornam inevitável
o seu abuso.
Um país onde ninguém
iludisse as leis e abusasse da magistratura não teria necessidade de
magistrados nem de leis.
Os cidadãos só se
deixam oprimir à medida que, arrastados por uma ambição cega e olhando mais para
baixo do que para cima de si mesmos, a dominação torna-se para eles mais cara
do que a independência e consentem em carregar correntes para, por sua vez,
poder atribuí-las. [para hipocrisia]
A mais cega obediência é a única virtude que
resta aos escravos.
O déspota apenas é
senhor enquanto é o mais forte e, assim que se pode expulsa-lo, nada tem de reclamar
contra a violência. O motim que acaba por estrangular ou destronar um sultão é
um ato tão jurídico quanto aqueles por meio dos quais ele dispunha, na véspera,
da vida e dos bens de seus súditos. Apenas a força o mantinha e, socinha, ela o
derrubava; todas as coisas ocorrem, assim, segundo a ordem natural e, qualquer
que possa ser o resultado dessas curtas e frequentes revoluções, ninguém pode
queixar-se da injustiça de outrem, as somente de sua própria imprudência ou de
sua infelicidade.
(...) o homem
selvagem e o homem policiado diferem de tal modo, quanto ao fundo de seu
coração e suas inclinações, que o que faz a felicidade suprema de um reduziria o
outro ao desespero. O primeiro anseia apenas pelo repouso e pela liberdade;
deseja somente viver e permanecer ocioso, e até mesmo a ataraxia do estóico não
se aproxima de sua profunda indiferença por qualquer outro objeto. O outro, ao
contrário, sempre ativo, transpira, agita-se, atormenta-se incessantemente para
procurar ocupações ainda mais laboriosas; trabalha até a morte, corre até mesmo
na sua direção para colocar-se em condições de viver ou renuncia à vida para
adquirir a imortalidade; faz a corte aos grandes, que odeia, aos ricos, que
despreza; não poupa esforços para obter a honra de servi-los; vangloria-se, com
orgulho, da própria baixeza e da proteção deles e, vaidoso de sua escravidão,
fala com desdém daqueles que não têm a honra de partilhá-la.
A verdadeira causa
de todas as diferenças é que o selvagem vive em si mesmo; o homem sociável,
sempre fora de si, não sabe viver senão na opinião dos outros e é, por assim
dizer, apenas do julgamento destes que extrai o sentimento de sua própria
existência.
A desigualdade,
sendo quase nula no estado de natureza, extrai a sua força e o seu crescimento
do desenvolvimento de nossas faculdade e dos progressos do espírito humano e se
torna, por fim, estável e legitima pelo estabelecimento da propriedade e das
leis. Resulta ainda que a desigualdade moral, autorizada somente pelo direito
positivo, é contrária ao direito natural, sempre que não corresponde, na mesma
proporção, à desigualdade física, distinção que determina o que se deve pensar,
a esse respeito, da espécie de desigualdade que reina entre todos os povos
policiados, pois é manifestamente contra
a lei da natureza, de qualquer maneira que se a defina, que uma criança mande
em um idoso, que um imbecil conduza um homem sábio e que um punhado de pessoas
abunde em superfluidades, enquanto a multidão esfomeada carece do necessário.
NOTAS
"Encontra-se,
diz o tradutor da História das viagens, no reino do Congo [periódico do século
XVIII], uma grande quantidade desses animais grandes que, nas Índias Orientais,
chamam-se orangotangos e constituem algo como o meio-termo entre a espécie
humana e os babuínos. [antes de Darwin]
Não se deve
confundir o amor-próprio e o amor de si mesmo, pois são duas paixões muito
diferentes, por sua natureza e por seus efeitos. O amor de si mesmo é um
sentimento natural que conduz todo animal a velar pela própria conservação e
que, dirigido no homem pela razão e modificado pela piedade, produz a humanidade
e a virtude. O amor-próprio é apenas um sentimento relativo, factício e nascido
na sociedade, que leva cada indivíduo a
fazer mais caso de si mesmo do que se fazem mutuamente e que é a verdadeira
fonte da honra.
(19) A justiça
distributiva, se oporia até mesmo a essa igualdade rigorosa do estado de
natureza, fosse ela praticável na sociedade civil, e, como todos os membros do
Estado lhe devem serviços proporcionais aos seus talentos e às suas forcas, os
cidadãos devem, por sua vez, ser distinguidos e favorecidos na proporção de
seus serviços. É nesse sentido que se deve compreender uma passagem de
Isócrates, na qual ele louva os primeiros atenienses, por terem sabido
distinguir bem qual era a mais vantajosa das duas espécies de igualdade, das
quais uma consiste em distribuir as mesmas vantagens a todos os cidadãos
indiferentemente, e a outra em distribuí-las segundo o mérito de cada um. Esses
políticos hábeis, acrescenta o orador, banindo essa injusta igualdade que não
estabelece nenhuma diferença entre os maus e as pessoas de bem, vincularam-se
inviolavelmente àquela que recompensa e pune cada um segundo o seu mérito. Mas,
em primeiro lugar, nunca houve uma sociedade, seja qual for o grau de corrupção
que pudesse ter atingido, na qual não se fizesse diferença alguma entre os maus
e as pessoas de bem e, em matéria de costumes, não podendo a lei estabelecer
uma medida exata o bastante para servir de regra ao magistrado, para não deixar
a sorte ou a posição dos cidadãos à sua discrição, ela lhe proíbe, muito
sabiamente, o julgamento das pessoas, para deixar-lhe apenas o das ações. Somente
costumes tão puros quanto os dos antigos romanos podem suportar censores, e tribunais
semelhantes logo teriam abalado tudo entre nós cabe à estima pública
estabelecer a diferença entre os maus e as pessoas de bem. O magistrado somente
é juiz do direito rigoroso, mas o povo é o verdadeiro juiz dos costumes, juiz
íntegro e até mesmo esclarecido sobre esse ponto, de quem se abusa por vezes,
mas a quem jamais se corrompe as posições dos cidadãos devem, assim, ser
reguladas, não com base no mérito pessoal, o que seria deixar aos magistrados o
meio de fazer uma aplicação quase arbitrária da lei, mas nos serviços reais que
prestam ao Estado e que são suscetíveis de uma avaliação mais exata.
Extrato da edição da Coleção Clássicos Martins
Fontes
Editora Martins
Fontes - 2005
Aquele que se
acostumou a preferir sua vida ao seu dever não tardará muito a preferir também
as coisas que tornam a vida fácil e agradável.
O lavrador que vê a
chuva e o sol fertilizarem alternadamente seu campo, admira, louva e bendiz a mão
que lhe propicia essas graças, sem se preocupar com maneira pela qual estas lhe
chegam.
Quanto mais o homem
adquire conhecimento, mais sente que tem conhecimentos por adquirir. Ou seja, a
única serventia de todo o tempo que perde é estimulá-lo a perder mais ainda;
mas não há muito mais que um pequeno número de homens de talento em quem a
noção de sua ignorância se desenvolve ao aprender, e somente para eles é que o
estudo pode ser bom.
Cômoda é a
crítica, pois, onde se ataca com uma palavra, são necessárias páginas para se
defender.
O luxo tudo
corrompe, tanto o rico que o desfruta como o miserável que o cobiça.
É uma loucura
pretender que as quimeras da filosofia, os erros e as mentiras dos filósofos
possam um dia ter alguma serventia. Seremos nós sempre logrados pelas palavras?
[para ele] o homem
pode não ser de bem desde que seja um homem agradável.
O adulador, por
exemplo, não poupa nenhum cuidado para agradar e, no entanto, só faz o mal.
A ignorância é o
estado natural do homem.
Já disse cem vezes
que é bom haver filósofos, contanto que o povo não se meta a sê-lo.
Se eu tivesse de
escolher o lugar de meu nascimento, teria escolhido uma sociedade de um tamanho
limitado pela extensão das faculdades humanas, ou seja, pela possibilidade de
ser bem governada e na qual, estando cada qual ao seu cargo, ninguém fosse
forçado a incumbir outros das funções de que estava encarregado; um Estado em
que todos os particulares se conhecessem entre si, em que as manobras obscuras
do vicio e a modéstia da virtude não pudessem furtar-se aos olhos e ao
julgamento do público e em que o doce hábito de ver-se e conhecer-se
transformasse o amor da pátria antes em amor dos cidadãos do que em amor da
terra.
Inscrição no templo
de Delfos: "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os
deuses".
É fácil ver que a
moral do amor é um sentimento factício, nascido do convívio na sociedade, e
celebrado pelas mulheres com muita habilidade e cuidado a fim de estabelecerem
seu império e tornar dominante o sexo que deveria obedecer.
A partir do
instante em que um homem necessitou do auxilio do outro, desde que percebeu que
era útil a um só ter provisões para dois, desapareceu a igualdade,
introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas
florestas se transformaram em campos risonhos que cumpria regar com o suor dos
homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria germinarem e medrarem
com as searas.
(...) os povos
aceitaram ter chefes para que estes lhes defendessem a liberdade e não para que
os escravizassem.
Se temos um
príncipe, dizia Plínio a
Trajano, é para que nos preserve de ter um senhor.
Os cidadãos só se
deixam oprimir na medida em que, arrastados por uma cega ambição e olhando mais
para baixo do que para cima de si, passam a apreciar mais a dominação que a
independência e consentem em carregar grilhões para, por sua vez, poder
distribuí-los. É muito difícil reduzir à obediência aquele que não procura
comandar, e nem o político mais esperto conseguiria sujeitar homens que
desejassem apenas ser livres.
Como a riqueza, a
nobreza ou a posição, o poder e o mérito pessoal são em geral as principais
distinções pelas quais os homens se medem na sociedade, eu provaria que o
acordo ou o conflito dessas forças diversas são a indicação mais segura de um
/estado bem ou mal constituído. (...) a riqueza é a ultima das espécies de
igualdade a que elas se reduzem no final, porque, sendo a mais imediatamente
útil ao bem-estar e a mais fácil de transmitir, é fácil servir-se dela para
comprar todo o resto.
Se vemos um punhado
de poderosos e de ricos no topo das grandezas e da fortuna, enquanto a multidão
rasteja na obscuridade e na miséria, é porque os primeiros só estimam as coisas
que desfrutam na medida em que os outros delas estão privados, e porque sem
mudar de estado, deixariam de ser felizes se o povo deixasse de ser miserável.
(...) a mais cega
obediência é a única virtude que resta aos escravos.
(...) já não tendo
os súditos outra lei alem da vontade do senhor, nem o senhor outra regra alem
das suas paixões, se esvaem mais uma vez as noções do bem e os princípios da
justiça.
(...) o selvagem
vive em si mesmo; o homem sociável, sempre fora de si, só sabe viver na opinião
dos outros e é, por assim dizer, do juízo deles que lhe vem o sentimento de sua
própria existência.
Basta-me haver
provado (...) que somente o espírito da sociedade e a desigualdade que ela
engendra é que mudam e alteram assim todas as nossas inclinações naturais.
Conclui-se desta
exposição que a desigualdade, sendo quase nula no estado de natureza, extrai
sua força e seu crescimento do desenvolvimento de nossas faculdades e dos
progressos do espírito humano e torna-se enfim estável e legitima pelo
estabelecimento da propriedade e das leis.
O povo recebe os
escritos dos sábios para julgá-los e não para instruir-se.
Aquilo que não
sabemos nos prejudica muito menos do que aquilo que acreditamos saber.
Aos povos são
necessárias as artes, as leis e os governos, como as muletas são necessárias
aos velhos.
Se tudo está bem
como está, tudo estava bem como estava, antes que houvesse governos e leis;
logo, foi pelo menos supérfluo estabelecê-los.
Toda ação produz
necessariamente alguma mudança no estado em que estão as coisas no momento em
que se efetua; logo, não se pode tocar em nada sem fazer o mal, e o quietismo
mais prefeito é a única virtude que resta ao homem.
O selvagem só é mau
como um lobo que está com fome.
Todas as
necessidades que o povo se atribui são outras tantas correntes que ele carrega.
Não quero mais
uma ocupação enganadora, na qual se acredita fazer muito pela sabedoria,
fazendo tudo pela vaidade.
Os epicuristas
negavam qualquer providência, os acadêmicos duvidavam da existência da
divindade e os estóicos, da imortalidade da alma.
Diz Montaigne:
"Não foi por nosso discurso ou por nosso entendimento que recebemos nossa
religião, foi por autoridade e injunção alheia, um puro presente da
liberalidade de outrem."
Ide dizer a um
homem do povo que o Sol está mais perto de nós no inverno do que no verão, ou
que há se pós antes que deixemos de vê-lo, e ele zombará de vós.
Quando não se tem
mais nada de bom alem do exterior, redobram-se todos os cuidados para
conservá-lo.
Aqueles que amam as
riquezas são feitos para servir e aqueles que as desprezam, para mandar. Não é
a força do outro que sujeita os pobres aos ricos, mas é porque eles querem
enriquecer por sua vez, sem isso, seriam infalivelmente os senhores.
Que admirem quanto
quiserem a sociedade humana, nem por isso deixará de ser verdade que ela leva
necessariamente os homens a odiarem-se entre si à proporção que seus interesses
se cruzam, a se prestarem mutuamente aparentes favores e a se causarem, na
verdade, todos os males imagináveis.
Não há um povo que
não se regozije com os desastres de seus vizinhos. A perda de um quase sempre
faz a prosperidade do outro.
Não se deseja o que
não se tem condições de conhecer.
Em suma, cada
homem, vendo seus semelhantes quase que só como veria animais de outra espécie,
pode arrebatar a presa do mais fraco ou ceder a sua ao mais forte, encarando
essas rapinagens apenas como acontecimentos naturais, sem o menor movimento de
insolência ou de despeito, e sem outra paixão alem da dor ou da alegria de um
bom ou mau sucesso.