A Cidade e a Mídia
na Era Digital
Leo Bogart*
*
Leo Bogart, sociólogo, consultor da Newspaper Association of America, lecionou nas universidades de New York e Columbia, bem como no Instituto de Tecnologia de
Illinois. Seu fax: (212) 724-0006
“Nunca mais limpe as ‘cestinhas’ de seus
gatos....A tecnologia de computadores
criou a única ‘cesta’ auto-limpante!”
- Chamada de um anúncio de página inteira na edição de
domingo da New York Times Magazine, de 10 de março de
1996.
A |
tecnologia de
computadores não está mudando apenas a forma como os seres humanos se
relacionam com seus bichanos, mas a forma como relacionam-se entre si, no
espaço, no tempo, e na qualidade de seus contatos. Nos dias atuais, estamos nos
confrontando, freqüentemente, com uma utópica - ou, talvez, com a não-utópica -
visão do futuro, na qual uma grande parte da vida das empresas vai fluir pelo
teclado de um computador, no qual as pessoas trabalham, e compram, e vão ao
banco e se divertem em casa, com necessidades mínimas de estarem fisicamente
perto umas das outras. Caso essa visão se concretize - como acreditam muitas
pessoas sérias e inteligentes - as cidades não mais servirão para propósitos
econômicos ou sociais. Tais previsões são questionáveis. Para entendermos o por
quê, vamos considerar em primeiro lugar as cidades, depois a mídia e, por
último, o impacto das novas tecnologias de comunicação.
Cidades e Mídia
Não é sem motivo que
tanto em Português como em Inglês, as palavras “cidade”, “civilização” e
“civilidade” têm em comum a raiz latina. Em todas as culturas as cidades são o
berço da civilização. É ali que as vidas humanas se mesclam e interdependem, e
uma densa interação pessoal estimula o aprendizado, as artes, as trocas
econômicas e o bem-estar material. Da interdependência é que se origina a
civilidade, a tolerância e o respeito mútuo necessários à manutenção da ordem
social.
À medida em que nos
aproximamos do século 21, parece que as cidades já não se harmonizam com a
noção de civilização. Prevalece a imagem da cidade como uma selva, um lugar
perigoso e desconfortável, o campo onde brotam todos os males. A pobreza e a
criminalidade que cercam muitas das grandes cidades do mundo, originam-se,
primeiramente, do crescimento exponencial da população e da incapacidade
espacial de abrigo. Quando visitei São Paulo pela primeira vez, em 1948, apenas
um terço dos brasileiros moravam nas cidades; hoje a relação é de quatro em
cada cinco. Por toda América Latina, Ásia e África repete-se a história de
pessoas abandonando o campo que já não mais lhes oferece condições de vida. Na
realidade, a proporção mundial de pessoas em áreas urbanas cresceu de 29% em
1950, para 45% hoje, e as projeções são para 65% por volta de 2025.
O crescimento e a
expansão das cidades é apenas uma parte da história. Mudou o caráter das
cidades. Em algumas, como Detroit , em Michigan, a antiga zona central foi
completamente abandonada pelas empresas privadas e entregue aos pobres; em
outras, como Paris, guetos de imigrantes instalam-se em seus arredores. Existem
cidades como Bogotá, onde a própria configuração topográfica força o movimento
dos novos habitantes para longe do centro, enquanto que novas e ricas áreas
residenciais, com jardins e atraentes centros de compras expandem-se na direção
oposta.
Em muitos países,
inclusive nos Estados Unidos, as estruturas políticas dos governos locais não
estão acompanhando esse crescimento e movimentação. O que, antigamente, eram
aldeias agrícolas de uma periferia longínqua, são hoje cidades super habitadas,
com seus próprios serviços municipais. Nos Estados Unidos, onde três quartos da
população ocupa áreas metropolitanas, apenas uma minoria mora nas áreas
centrais das cidades. Ao fugirem dos problemas sociais para os subúrbios as
pessoas acabam não assumindo as responsabilidades financeiras e políticas
daqueles que deixaram para trás. Mas, elas não podem deixar de dar atenção aos
problemas das cidades porque a comunicação de massa as vincula ao centro
urbano.
Essa conexão existe
desde a invenção da imprensa. O surgimento dos jornais não está desvinculado do
crescimento das cidades. Mas, os moradores dos subúrbios já não mais se
identificam com as notícias da cidade e com seus representantes cívicos. Fica
cada vez mais difícil para a imprensa manter leitores e circulação. A publicidade
também é afetada à medida em que sai das cidades o consumidor com poder de
compra, e à medida em que as tradicionais lojas de departamentos do centro da
cidade acompanham seus melhores consumidores para os subúrbios. Assim, quando
pensamos sobre os novos meios na era digital, devemos considerá-los no contexto
daquilo que está acontecendo com as mídias já existentes.
As cidades não podem
existir sem alguma forma de comunicação pública. Os atenienses reuniam-se na
Ágora; Roma pintava suas notícias em paredes, as cidades medievais tinham seus
arautos. Os jornais europeus originaram-se nas circulares das cortes e nos
instrumentos de informações comerciais, e logo ampliaram sua cobertura para
notícias da cidade e assuntos estrangeiros. Uma vez lançados em cidades que
eram, ao mesmo tempo, centros de comércio e de governo, suas reportagens sobre
as notícias locais interessavam a todo o reino. Um jornal publicado em Lisboa,
ou Paris, ou Londres, ou Viena reforçava a essência de sua própria importância;
ele dava ao espírito urbano um caráter universal que sobreviveu até hoje em
jornais como o Le Monde, Yomiuri Shimbun ou o Izvestia. Aqueles
que lêem jornais como forma de entretenimento absorvem, automaticamente,
informações sobre problemas cívicos, política e controvérsias.
Com os avanços nas
tecnologias de fabricação de papel e de impressão, os jornais puderam ser
publicados com maior freqüência, reduzir seus custos e ampliar o número de
leitores. O resultado foi uma enorme diferenciação entre publicações locais e
aquelas que serviam às questões regionais e nacionais. A melhoria nas
tecnologias de transporte ampliou o espectro de distribuição da imprensa. Eles
também ampliaram as transações comerciais e os contatos pessoais para além dos
limites da cidade. Atividades coletivas ou de entretenimento começaram a
despertar sentimentos de afinidade mais profundos que uma moradia em comum,
numa mesma comunidade geográfica. Um número crescente de publicações - sejam
elas jornais sobre finanças ou esportes, periódicos científicos ou comerciais,
ou revistas que atendem aos interesses dos amantes de cães, da filatelia ou dos
entusiastas da cozinha - confirmam compartilhados de pessoas fisicamente
dispersas.
Assim, as mídias
surgem como uma influência social ambivalente. Através da criação de diversos
grupos de interesses específicos e distintos, elas atenuam a variedade e a
diferenciação, além de serem um instrumento de divisão social. Por outro lado,
elas estabelecem as conexões necessárias ao relacionamento humano através do
provimento constante de um amplo conjunto de informações e idéias
compartilhadas.
Os jornais têm se
constituído em extraordinárias forças de união e coesão para as sociedades
instruídas, oferecendo para todos acesso a um mesmo conjunto de experiências
vicárias. Mas, para as sociedades com um alto índice de analfabetismo, os
jornais, historicamente, acabam acentuando as divisões das classes sociais.
Eles distinguem a elite informada das massas que têm de se apoiar em
informações e rumores orais para ampliar seus conhecimentos sobre o mundo para
além da observação pessoal.
Mas, as pessoas que
não podem ler já não são mais excluídas desse mundo ampliado. Há cem anos, com
o início das comunicações audiovisuais, a mídia começou a definir o que hoje é
o quase universal acesso potencial às informações correntes. Disse “potencial”
porque em muitos lugares o fluxo de informações é limitado, seja por razões
políticas, seja pela inércia ou resistência ao novo ou a perturbações. Existem
hoje poucos lugares no mundo aonde o rádio transístor
e o gravador ainda não sejam conhecidos. O cinema, o rádio, e mais tarde a
televisão, colocaram o mundo nas mãos dos analfabetos ou dos isolados, embora
de forma às vezes confusa ou distorcida. Esses meios também acabaram por
desviar as atenções da orientação paroquial da imprensa, devido a uma série de
razões:
1. Os sinais de
rádio e TV podem ser amplamente transmitidos, atingindo, ao mesmo tempo, mais
pessoas que a tiragem e distribuição de um jornal diário.
2. Em muitos países
a radiodifusão é um monopólio governamental, utilizada como um meio de controle
social (ou se quiserem, “educação”) e como uma força de união nacional.
3. Sendo um meio que
flutua no tempo, a radiodifusão é utilizada, com destaque, para ocupar esse tempo
com entretenimento, muito mais do que com informações e notícias. É bom lembrar
que entretenimento não está vinculado a um lugar específico.
4. Enquanto que os
jornais foram, por longo tempo, um importante fator para vendas e comércio
locais, a massa de audiência gerada pelas transmissões de entretenimento atrai
publicidade de âmbito nacional. É bastante comum, no caso de bens de baixo
retorno, buscar, em primeiro lugar, a fixação da marca e da imagem, para depois
convencer os consumidores sobre as qualidades do produto. Nos Estados Unidos, a
credibilidade da publicidade na televisão é tão grande que muitas empresas de
bens de consumo de massa passaram a definir seus territórios de vendas a partir
das áreas de cobertura da televisão, e não mais pelas tradicionais delimitações
impostas pela geografia, vias de transporte ou fronteiras governamentais.
Em 1996, pela
primeira vez, os anunciantes norte-americanos irão gastar mais com radiodifusão
e televisão a cabo do que com jornais. Tanto a oferta de publicidade quanto a
atenção da audiência voltaram-se para o entretenimento, que tem uniformidade
audiovisual e escala nacional, às custas dos jornais - de orientação local e
centrados na informação. Isso traz implicações importantes para a
governabilidade e a saúde econômica das cidades.
O enfraquecimento da
imprensa é, também, o enfraquecimento do espírito cívico. A imprensa sempre se
posicionou como um canal para a expressão das queixas contra a autoridade
local, mesmo nas ditaduras totalitárias. Os jornais soviéticos recebiam uma
enorme quantidade de cartas dos leitores, a maioria queixando-se sobre
problemas locais específicos. Apesar de só uma pequena parte ser publicada, os
jornais do Partido tinham como rotina enviar as reclamações para as agências
governamentais adequadas, que poderiam solucionar as questões.
Nas democracias
ocidentais, a imprensa sempre desempenhou a função política vital de manter uma
vigilância constante sobre todos os setores do governo. Os jornalistas, numa
cruzada moral, meticulosa e investigativa, têm lutado contra a burocracia,
escândalos, corrupção explícita e a ineficiência. Algumas vezes, lutaram por
motivos menos nobres: para ampliar o número de leitores, ou para servir às
obrigações políticas dos proprietários do jornal, embora tais motivações não
tenham nada a ver com os resultados. O jornalismo investigativo requer, dos
administradores do jornal, o compromisso com investimentos em recursos humanos
e em grandes quantidades de papel. Também requer coragem, como a que vimos no caso
Watergate.
Em muitos países da
América Latina, e em poucos países da Europa, ainda pode-se encontrar jornais -
em geral de alcance nacional - que, obedecendo a uma tradição do século 19, são
a voz de determinados partidos políticos e, algumas vezes, diretamente
subsidiados por eles. Na medida em que tratam de assuntos locais ou municipais,
esses jornais acabam fomentando a qualidade das discussões.
Os grandes jornais
nacionais da Europa e do Japão ainda se debatem sobre a linha política a ser
adotada ou sobre a circulação, mas na maioria das cidades, o monopólio é dos
jornais locais. Entre os jornais nacionais da Inglaterra e da Alemanha existe
uma clara distinção entre a imprensa de qualidade, com um número bastante
limitado de leitores, e a grande imprensa popular, voltada para personalismos,
fofocas, escândalos e sensacionalismo, com quase nenhum espaço para notícias
que realmente afetam a vida das pessoas.
Houve um tempo que
também nos Estados Unidos os jornais concorrentes mantinham-se em posições
políticas distintas, bastante claras ou opostas, em torno de filosofias
partidárias, seja qual fosse o poder local vigente. Mas, os anunciantes já não
mais conseguiam sustentar o segundo ou o terceiro jornal. Hoje, a grande
maioria dos jornais americanos está só em seu mercado. Eles se despolitizaram
como forma de evitar qualquer ofensa ao seu público. Uma grande maioria já não
publica editoriais de apoio aos candidatos a cargos oficiais. E um grande
jornal, o Pioneer Press,
de St. Paul, Minnesota, acabou de decidir a não mais
publicar qualquer editorial.
Contrastando com o
status elitista na maior parte da Iberoamérica, os
jornais dos Estados Unidos, desde o século 19, sempre foram identificados como
um verdadeiro meio das massas. Talvez isso esteja mudando. Em muitos outros
países caiu o índice de leitura de jornais e de revistas de informação. Nos
últimos anos, com a configuração de diversos nichos de mercado para bens de
consumo, os anunciantes nacionais estão cada vez mais fascinados por mídias que
atinjam uma audiência altamente qualificada. Com isso, houve uma explosão de
revistas segmentadas para faixas etárias ou para grupos sociais específicos. A
segmentação ocorreu também no rádio, e agora na TV a cabo.
Nos Estados Unidos,
onde o cabo ocupa hoje o terceiro lugar dentre os cinco bens mais importantes
de uma família, existem canais dedicados a desenhos animados, alimentação,
religião, esportes, sessões de tribunais e interesses de minorias. A partir da
Lei de Telecomunicações de 1996, as companhias telefônicas poderão, também,
oferecer atividades de vídeo de entretenimento e de informação; e os sistemas
de cabo poderão oferecer serviços de telefonia. Provavelmente isso irá
fragmentar ainda mais a audiência.
À medida em que se
multiplica o número de canais, a programação tende a segmentar-se conforme os
gostos, o nível de instrução e a classe social, características da mídia
impressa. A televisão, assim como o foi o rádio anteriormente, que teve nos
seus primórdios a pretensão de uma cobertura universal, está sinalizando a
segmentação, restabelecendo a consciência de diferença de classes que entra em
conflito com o ideal de civismo comunitário.
Existe um aspecto
positivo nisso tudo. A TV a cabo, em muitos casos, transmite as sessões de
câmaras de vereadores e de outras agências municipais, além de apresentar
debates sobre questões cívicas. Tais programas oferecem a oportunidade de um
rico debate sobre as questões básicas das cidades, mas sua audiência é mínima.
Nem a TV a cabo, nem a televisão normal, e com certeza nem o rádio, oferecem um
substituto à capacidade que os jornais têm de dar às pessoas o senso de
coletivo e de identidade cívica. Através de noticiários transmitidos em
cobertura nacional e mundial, é possível se ter uma mesma visão de guerras,
terror e catástrofes, possibilitando, assim, um imaginário coletivo global.
Mas, o noticiário de TV está cercado pelo entretenimento, do qual aproveitou
alguns aspectos. No caso do rádio, os boletins informativos foram inspirados
nos serviços nacionais de transmissão de notícias, sendo raras as reportagens
locais, à exceção das estações que transmitem apenas notícias. As redes de
televisão foram responsáveis pela diminuição da audiência e pelo aumento da
competição, devido aos cortes nos orçamentos para o jornalismo, redução das
equipes, e eliminação de escritórios no estrangeiro. As redes também
introduziram os chamados programas “pseudo-noticiosos” - tablóides televisivos
dedicados ao dia-a-dia escandaloso e sensacionalista de personalidades - fora
da jurisdição de seus departamentos de jornalismo.
Os noticiários por
radiodifusão, por diversas razões, jamais puderam competir com a independência
do jornal impresso. Uma vez que a distribuição das freqüências de rádio é
determinada pelo governo, os radiodifusores relutam,
um pouco mais que os publishers de jornais, em desafiar os poderes
políticos constituídos. Mas, o mais importante, é que um jornalismo sério
requer tempo e esforço, seja da audiência, seja do repórter. E é exatamente
tempo e esforço que os telespectadores em busca de entretenimento desejam
evitar. Uma reportagem inteligente e interpretativa, sobre um assunto
relevante, não pode ser simplesmente resumida a um “spot” de oito segundos, e
nem mesmo à reportagem típica de um minuto da televisão.
Embora a maioria dos
americanos afirme que, hoje, suas informações sobre o país e o mundo venham da
televisão, a audiência dos noticiários noturnos em rede nunca esteve tão baixa.
A CNN tem hoje uma presença global, pelo menos nos quartos dos hotéis de luxo.
A sua audiência cumulativa diária, nos Estados Unidos, é de menos de 2% dos
telespectadores, os quais começam a ficar expostos a novos serviços
informativos 24 horas.
A fragmentação da
audiência dos noticiosos nacionais é, meramente, um aspecto de um fenômeno
mundial: a fragmentação da audiência de televisão como um todo. Com o
crescimento da demanda popular por uma variedade de escolhas, os agentes
estatais que operam os sistemas de radiodifusão estão sendo pressionados para
ampliar o número de canais, financiados pelos anunciantes. Em muitos países,
introduziu-se, pela primeira vez, canais totalmente privados e independentes.
No Canadá, Bélgica e Estados Unidos, as opções dos telespectadores
multiplicaram-se através do cabo, e na Inglaterra e na Ásia a multiplicação
deveu-se às transmissões via satélite. Os noticiários locais ou regionais
atraem, pelo menos nos Estados Unidos, a maior parte da audiência; o que é
altamente lucrativo para as emissoras. O público diferencia as estações
principalmente em função de seus noticiários.
Tanto
nos níveis locais quanto no nacional, a televisão torna familiares os
representantes oficiais do governo e as personalidades políticas. Mas, os
noticiários locais são geralmente produzidos por equipes cujo tamanho é uma pequena
fração das equipes dos jornais impressos da mesma cidade. E elas raramente têm
recursos para realizar um cobertura séria e inédita. Os noticiários locais são
dominados pelo efêmero e pelo trivial na busca de um imaginário mais agradável.
Transmissões ao vivo de incêndios de edifícios ou de vítimas feridas em
assaltos são os destaques das televisões locais. Existe pouca ênfase nas
atividades rotineiras de governo, as quais são temas da maioria das reportagens
dos jornais locais.
A Era da Comunicação Digital
E |
stabelecemos, até aqui, a ligação entre a mídia e o
desenvolvimento urbano desde os tempos de Gutemberg
até a era de Marshall McLuhan. A vida econômica e
política das cidades dependeu, por muitos séculos, de uma base de informações e
símbolos compartilhados, atualizados e vivificados pela mídia jornalística
local, e em especial pelos jornais - a amálgama que junta pessoas e
instituições numa cidade de estranhos. Hoje, às portas do século 21, à medida
em que ingressamos na era digital, as mídias tradicionais estão profundamente
incertas, e até mesmo ansiosas, quanto ao seu futuro. A inovação tecnológica é
tão acelerada que os conceitos e terminologias utilizados hoje estarão
desatualizados amanhã. Apenas há alguns anos atrás, todos falavam da “super estrada
da informação” - uma frase que quase já não é mais escutada. Depois, falava-se
sobre os “500 canais” - também já fora de discussão. Mais tarde, era a
“interatividade” que iria colocar o mundo de ponta cabeça. Hoje ela existe e
parece que já é um termo do passado.
Há alguns anos atrás
os computadores eram utilizados para o processamento de dados. Eles não tinham
nada a ver com comunicação. Mas, a transformação de qualquer informação, verbal
ou visual, em formato binário digitalizado, colocou o computador no centro do
mundo da comunicação. Ele é utilizado, através dos CD-ROMs,
para armazenar informações; com modems, para transmitir informações através dos
cabos telefônicos, dos cabos coaxiais e das fibras ópticas. Os modems também
viabilizam os serviços de informação eletrônica como a Internet, arquivos
eletrônicos e correio eletrônico. O mercado para todas essas novas tecnologias
está em expansão. Os componentes estão cada vez mais miniaturizados;
os custos de manufatura cada vez mais em baixa. Displays de cristal líquido
ficam cada vez mais finos e com maior capacidade. A TV de alta definição -
realidade dentro de poucos anos - facilita a transmissão de fluxos múltiplos de
dados, fazendo da interatividade uma rotina. A compressão de dados possibilita apresentações
de vídeo em tempo real, a
disponibilização de imagens em telas de computador e a expansão do uso do
espectro de freqüências de ondas de rádio. Uma nova geração de vídeos em CD-ROM
de alta fidelidade poderá ser vista num computador ou num aparelho de TV. A
produção de mídia impressa já se utiliza da eletrônica há um quarto de século,
possibilitando a distribuição de textos seja em formato eletrônico seja em
formato de página.
À medida em que foi
desaparecendo a linha divisória entre imprensa e vídeo, já não mais se separa a
comunicação de massa da comunicação individual. As novas tecnologias de
comunicação irão afetar as cidades, de uma forma direta, pela mudança de suas
economias e pela forma com que as pessoas se ajustarão às mudanças. Elas também
serão afetadas, indiretamente, pelas mudanças das mídias tradicionais que
conectam pessoas aos locais em que vivem e vice-versa.
O Computador e a Cidade
E |
stão ocorrendo grandes mudanças no ambiente
econômico urbano. Uma enorme parcela dos negócios, inclusive as relações dos
cidadãos com o governo, traduz-se pela geração e troca de informações, feitas
em grande parte por telefone, com o auxílio de mensagens pré-gravadas, ligações
automáticas e reconhecimento de voz. A capacidade de transação do computador
afeta de muitas formas a rotina diária das pessoas. Os contatos diretos, face-a-face, entre empresas e clientes reduziu-se devido ao
crescimento do telemarketing, e pela ampliação da realização de compras por
catálogo via correio e telefone. Na área bancária, o uso globalizado de
transferência eletrônica de fundos e as máquinas automatizadas interativas
trouxe uma redução no tempo de espera, cortes de pessoal e a liberdade para os
clientes com relação aos limites do expediente bancário. O preenchimento
eletrônico de formulários de informação para impostos é amplamente aceito. Com
isso, os padrões já estão estabelecidos, mesmo antes dos sistemas interativos
servirem para a encomenda de produtos ou para reservar passagens aéreas ou
lugares em restaurantes.
As cidades são
mercados, e existe muita especulação sobre o potencial de marketing direto
através das redes de computadores. Hoje, os consumidores podem acessar
catálogos eletrônicos de produtos e utilizar seus computadores domésticos para
encomendar qualquer mercadoria, no tamanho e cor desejados. Apesar da pálida
performance dos canais de compra das TVs a cabo, onde os consumidores realizam
as transações por telefone, pode-se inferir que eles preferem ver o que estão
comprando, antes da efetivação da compra. Nas lojas de varejo, os consumidores
podem tocar nas mercadorias e encontrar inesperadamente seus amigos. As lojas
talvez percam parte de seus espaços, mas não irão desaparecer. Uma coisa é
comprar as fraldas do bebê por computador, outra é comprar um carro, quando a
decisão de compra não depende do volume de informações disponíveis na tela.
Os corretores de
imóveis já se utilizam rotineiramente dos computadores para compartilhar listas
de imóveis disponíveis. Mais de 6.000 imobiliárias possuem endereços na World Wide Web. Elas podem enviar aos consumidores potenciais
vídeos que simulam um passeio pelo imóvel. Com os CD-ROMs,
essas informações logo estarão disponibilizadas via telefone.
Florescem os grupos
de bate-papo on-line na Internet e nas redes eletrônicas comerciais, cujos
participantes formam, literalmente, uma rede mundial. Já é possível para
qualquer pessoa criar seu próprio “site” na Web, informando sobre o que ela
comeu no almoço, sobre seus sonhos da noite anterior, e sobre seu perfil
astrológico. Entusiastas afirmam que as pessoas em rede formam uma comunidade,
agregada por laços emocionais verdadeiros, podendo compartilhar alegrias e
tristezas. Mas, esses contatos eletrônicos bastante anônimos são,
fundamentalmente, superficiais e impessoais. Eles são as reminiscências dos
contatos de radioamadores iniciados há três quartos de século, quando as letras
“CQ” em código Morse traziam respostas dos lugares mais distantes e exóticos.
Há dez anos atrás esse mesmo sentimento estava por trás do rádio da “banda do
cidadão”. Nenhuma pessoa, em sã consciência, senta-se ao telefone discando
números aleatoriamente na esperança de fazer novas amizades. Uma vez terminada
a novidade, perde-se também o significado dos contatos.
As BBSs estão numa categoria bem diferente, montadas por
pessoas que compartilham profissão, negócios ou passatempos. Tais facilidades
aceleraram o fluxo de informações e possibilitaram a troca de opiniões e
notícias atualizadas sobre assuntos de interesse comum. As BBSs
reúnem pessoas por todo o mundo que, provavelmente, não teriam a oportunidade
de se encontrar, e multiplicam a freqüência dos contatos entre indivíduos que
só se encontrariam eventualmente, em convenções, seminários e conferências.
Ninguém pode duvidar que tais serviços terão um crescimento tremendo, já que
eles servem aos interesses vitais de pequenos, mas significativos volumes de
pessoas que buscam informações de forma ativa.
A pesquisa acadêmica
e as pesquisas de mercado comerciais foram profundamente afetadas pela
disponibilidade, on-line, de estatísticas industriais e governamentais,
serviços noticiosos, artigos em periódicos profissionais e uma variedade muito
rica de dados de arquivo. Tais recursos reduzem, enormemente, o tempo gasto em
bibliotecas para a reunião de informações e a realização de análises
comparativas. Pesquisadores, estudantes e professores podem ser mais
produtivos, embora não se elimine a necessidade de escolas, universidades e
centros de pesquisa.
Há não muito tempo,
as ruas dos centros financeiros de qualquer cidade ficavam repletas de
mensageiros transportando mensagens de um escritório para outro. O telefone
mudou essa situação. Junto com o automóvel, ele ajudou na dispersão das
atividades empresariais e da população para locais mais distantes, ainda dentro
do perímetro urbano, onde os aluguéis e custo do trabalho são mais baixos e os
problemas sociais reduzidos. O processamento rotineiro de dados repetitivos e
serviços de escritório abandonaram, há muito tempo, as sedes das corporações,
indo para locais mais baratos. As novas tecnologias de comunicação estão
acelerando essa tendência. Embora exista um ponto onde a descentralização é
contraproducente - é quando as economias são suplantadas pela falta de estímulo
intelectual.
A essência da vida
urbana, que lhe possibilita vitalidade e energia intelectual, está na densidade
populacional, e na intensidade e variedade dos contatos humanos. Não só apertos
de mãos ou abraços, mas todas as nuanças de emoções que podem ser expressadas e
trocadas pelos contatos face-a-face foram perdidos
quando intermediados por cartas ou telefones. E eles desapareceram
completamente quando o teclado de um computador transformou-se num instrumento
de comunicação.
Em recente conversa
telefônica, perguntei à senhora com quem estava falando, numa outra cidade, se
ela poderia passar um recado para um colega que ficava num escritório vizinho
ao seu. Sua resposta foi: “enviarei um e-mail para ele”. No meu tempo, eu iria
até lá e, caso a pessoa não estivesse ao telefone ou numa reunião, passaria o
recado pessoalmente. Talvez, entre ocupados executivos, as conversas pessoais
estejam obsoletas, embora duvide disso. Quando eliminamos os sorrisos, os
cafezinhos e as pequenas conversas e fofocas que ocorrem por conta das transações
comerciais, estamos destruindo uma das maiores satisfações no trabalho.
Artigos de revistas
descrevem, algumas vezes, indivíduos felizes e bem sucedidos, que trabalham em
casa, com o auxílio de um computador, um modem e um fax, mas é bastante duvidoso
que essas pessoas encontrem satisfação nessa rotina. A comunicação de duas mãos
não provoca mudanças fundamentais no ambiente de trabalho. Ela também não
deixará as cidades obsoletas, embora ela ameace deixá-las mais
desinteressantes.
Velhos e Novos Meios
D |
estaquei,
anteriormente, as relações entre as cidades e suas mídias locais. Como os
serviços on-line afetarão essas relações? A revolução na comunicação eletrônica
está abalando, de diferentes formas, a mídia de massa de todo o mundo: forçando
as empresas de mídia à diversificação; adaptando o conteúdo das editoras e das
emissoras de televisão para o computador; atraindo uma grande diversidade de
interesses - embora não equivalentes a uma grande quantidade de dinheiro - dos
anunciantes. Estes talvez sejam os efeitos mais significativos.
As agências de
propaganda estão obsecadas pela eletrônica. Elas têm
medo de serem deixadas para trás caso não consigam dominar os segredos dos
novos meios, desde os primeiros estágios de desenvolvimento. Com isso, a publicidade
em serviços eletrônicos é muito cara em relação ao número de pessoas atingidas;
sua cobertura é pequena e de difícil mensuração. O investimento em publicidade
é desproporcional ao retorno, e ainda pequeno em termos absolutos. Mas, tende a
crescer e a transformar-se na principal força da mídia do século 21.
Em torno de 2.000
jornais e revistas de todo o mundo oferecem versões eletrônicas de suas edições
normais. Em 1993, apenas 20 jornais diários dos Estados Unidos eram on-line.
Hoje, eles são em torno de 200. As bases de dados eletrônicos podem ser
facilmente adaptadas diretamente dos próprios sistemas de produção do jornal.
As notícias diárias, atualizadas continuamente, podem ser combinadas ao acesso
de material de arquivo, para aqueles assinantes que queiram aprofundar-se em
matérias específicas. Por exemplo, uma pequena matéria originada em São Paulo
hoje, pode ser amplificada por mapas, reportagens anteriores sobre o mesmo
tema, e resumos relevantes sobre a história do Brasil. Da mesma forma, anúncios
classificados de imóveis podem ser complementados com fotos. Ou o assinante
poderá acessar anúncios similares de edições anteriores do jornal, ou de outros
jornais em parceria.
Há poucos anos
atrás, muitos jornais estavam testando anúncios classificados em canais a cabo
através de videotexto e do teletexto. Hoje esse
serviço foi transferido da tela da televisão para a tela do computador. Páginas
amarelas eletrônicas podem ser constantemente atualizadas. Os anunciantes não
terão que ir muito longe nessa direção
para mudar a economia do negócio de listas telefônicas e dos anúncios
classificados dos jornais. A tendência crescerá em importância à medida em que
mais residências assinem serviços eletrônicos. Recentemente, foi formado um
consórcio dos maiores grupos jornalísticos dos Estados Unidos para desenvolver
atividades cooperativas nessa área.
Os administradores
da mídia impressa sabem que terão que investir dinheiro para se ajustarem às
mudanças tecnológicas futuras. Editores de jornais, revistas e livros estão
todos acuados pelas novas formas de disseminação da informação que irão
substituir a palavra impressa. Muitos afirmam que o crescimento dos serviços de
informação eletrônica irá acelerar a formação de um verdadeiro mercado de
massa. Quase todos parecem concordar que deverão estruturar-se para a remessa
eletrônica de seus produtos. Apoiam-se na premissa de
que existe um lucrativo mercado consumidor que pode pagar mais pela
conveniência do acesso a informações seletivas, e no momento de sua escolha. Os
publishers compreendem que o seu principal recurso
é a capacidade de empacotar a informação, e não sua capacidade de impressão e
distribuição. A verdadeira oportunidade reside na capacidade de suplementar a
informação impressa com conteúdos que jamais sobreviveriam ao processo
editorial, e interligar as reportagens disponíveis com a recuperação de
informações relacionadas dos arquivos. Os editores estão determinados a assumir
o controle dos lucros futuros conseguidos pelos meios alternativos de disseminação
eletrônica de seus textos. Mas, ninguém que eu conheça, já está lucrando com
isso.
Ao mesmo tempo, os publishers estão sob grande pressão financeira
para conter seus atuais custos operacionais. Uma grande empresa jornalística, a
Times-Mirror, acabou de fechar sua divisão de novas
mídias. Uma outra empresa, a Knight-Ridder, que há
alguns anos abandonou sua experiência com videotexto, o Viewtron, após um investimento de
US$ 50 milhões, vendeu a subsidiária que fornecia dados on-line sobre informações
financeiras, e fechou sem alarde o laboratório no qual desenvolvia um jornal
eletrônico numa pequena tela.
Também constatei
que, dentre todas as mídias, os jornais têm sido de uma importância única como
agregadores da identidade cívica. Mas, será que os jornais terão futuro? Em
caso negativo, eles terão razões suficientes para temer o futuro das cidades.
Roger F. Fidler, ex-diretor do projeto da Knight-Ridder
sobre jornal em telas planas, afirmou na última Conferência dos Anunciantes
Asiáticos que os jornais eletrônicos irão substituir as edições impressas por
volta do ano 2005. E Frank M. Daniels III, ex-editor
executivo do News and Observer, de Raleigh, previu,
num recente discurso, que “Os jornais irão morrer. Enquanto meio impresso, os
jornais irão desaparecer nos próximos 10 ou 15 anos”.
Apesar de tais
previsões, existem quatro razões para acreditarmos que os jornais impressos
irão sobreviver e prosperar nesse mundo eletrônico:
1. Eles têm
credibilidade porque são tangíveis. O papel confirma essa condição porque é um
objeto material de valor; eles têm permanência (pelo menos em termos
relativos); podem ser recortados, embrulhados, guardados e sempre relembrados.
Existe um prazer tátil no toque (mesmo se a tinta ficar em seus dedos!). As
telas dos computadores no futuro serão leves, portáteis, mas não terão a
capacidade do jornal de serem dobradas ou enroladas, e levadas para toda parte.
2. Os jornais
impressos são amplos e envolventes. A tela do computador oferece ao leitor um
menu similar ao índice do jornal. Mas, nenhum leitor lê apenas os índices ou os
resumos das notícias, e nada mais; os enormes gastos com papel levam a
investigações, explorações e muita sorte na descoberta de choques antecipados.
O usuário de computador precisa navegar através de um conjunto de ícones
pré-formatados. O papel impresso não precisa de intermediários, e nem de
caminhos prévios para conduzir o leitor àquilo que considera interessante e
útil.
3. Os jornais
impressos são eficientes. A visão pode captar uma grande quantidade de
informação num rápido olhar, sejam elas relevantes ou não. Não existe nenhuma
analogia a essa característica na tela do computador, que disponibiliza
mensagens limitadas ao seu tamanho e requer informações adicionais e movimentos
do corpo para seguir em frente. Os avanços tecnológicos aumentarão a velocidade
e a facilidade de acesso, mas não conseguirão duplicar a coordenação
instantânea da visão, do cérebro e da mão.
Os computadores são
bastante adequados à disponibilização de dados factuais concisos, tais como
tabelas financeiras e resultados esportivos, mas eles constituem-se num meio
pouco confortável para a comunicação narrativa. Os leitores gostam tanto do
conteúdo e do estilo de uma matéria, quanto do seu próprio vai e vem por aquilo
que estão lendo, para o que irão ler. E mais, eles querem estar sentados
confortavelmente e não numa postura tensa diante do teclado.
4. Os jornais
impressos são econômicos. Até o momento, os preços dos serviços on-line não têm
relação alguma com o custo do provimento de seu conteúdo. Hoje, o assinante
paga apenas dois centavos de dólar para acessar uma página na tela, mas isso
ocorre porque os custos de geração do texto são sustentados pelo produto
impresso. Até que nível os preços aumentariam caso não existisse o produto
impresso? Os jornais são, hoje, bem mais baratos que o volume equivalente de
texto num serviço on-line, em parte porque os anunciantes pagam três quartos
dos custos. Não existem chances de que eles irão superar uma parcela eqüivalente nos jornais on-line, ou que os assinantes irão
tolerar que as mensagens publicitárias ocupem quase que a tela inteira!
Os custos de
impressão continuam em alta, enquanto que os custos das transmissões
eletrônicas caem constantemente. Mesmo quando não houverem mais subsídios, os
serviços noticiosos eletrônicos continuarão crescendo, fornecendo pacotes
informativos limitados e customizados. Mas, é o produto impresso, com apelo de
massa, que melhor servirá às necessidades da sociedade e à sobrevivência das
cidades.
Existe um fato
surpreendente que me provoca um enorme otimismo a respeito do futuro da mídia
tradicional na América Latina. A explosão populacional, que certamente
continuará, está preocupando as economias e as sociedades com relação ao
ambiente natural e às cidades. Além de todos os problemas que esse crescimento
traz, ele tem um potencial enorme para a expansão da audiência dos meios e da
propaganda à medida em que a população rural participe do mercado de consumo
moderno. É claro que esse potencial só se efetivará se os governantes
inteligentes controlarem a inflação e estimularam a produtividade em economias
de livre mercado diante de fortes pressões políticas populistas.
Os serviços de
informação eletrônica ampliarão nossos horizontes, mas não irão substituir os
convenientes, eficientes e econômicos produtos impressos que conhecemos. A
mudança não correrá da noite para o dia, mas ela virá. Apenas 7% da população
americana está ligada, pelo telefone, a um serviço de informação eletrônica
baseado em computadores, como a CompuServe, Prodigy e America OnLine. Um
terço das pessoas com contas Internet não as utilizaram nos últimos três meses.
Alguns serviços eletrônicos perdem e substituem de
Mas, as conexões
estão chegando, inevitavelmente. Nos Estados Unidos, em torno de duas entre
cinco residências possuem computador. Milhões de pessoas os utilizam no
trabalho. Eles são conhecidos e representam um mercado massivo. A oficina
mecânica que conserta meu carro se utiliza de um computador para emitir uma
nota fiscal discriminada dos serviços realizados. Há dois meses atrás,
participei de uma feira comercial em New York que
apresentava demonstrações de um número substancial de serviços on-line e de
fornecedores de softwares. Mas, há apenas alguns anos atrás, pessoas que
participavam de um evento como esse eram jovens, altamente selecionados e
instruídos. Fiquei intrigado, no quão heterogênea era a massa de participantes:
pessoas de todas as idades e classes sociais. Com a presença de computadores em
quase 50% das escolas do país e uma nova geração de crianças habilitadas em
computação, a tecnologia quase não é mais uma reserva das elites. Num país onde
o telefone é considerado uma necessidade de vida até para pessoas assistidas
pelo governo, ainda se discute muito sobre a idéia de garantia de acesso aos
serviços eletrônicos como um bem público universal.
Por causa dos altos
custos envolvidos nessa proposta, talvez ela não se concretize tão cedo. O
crescente distanciamento entre aqueles que têm acesso às novas tecnologias e os
que não têm aumenta ainda mais as grandes disparidades sociais que existem
entre e intra nações. Num país como o Brasil, com uma linha telefônica para
cada cem pessoas, apenas os que estão na vanguarda vão entrar na era digital,
com todas as vantagens decorrentes. Mas, não afetarão tão cedo os miseráveis
das favelas de São Paulo, as cidades pobres da Argélia, os “barrios”
de Manila. E é exatamente nesses lugares terríveis que os desafios urbanos
ainda precisam ser superados.
Um extrato desse texto foi publicado por “O Estado de S. Paulo”
em 26 de maio de 1996.