EXTRATO DE: O CHAMADO DA TRIBO
Grandes Pensadores Para
o Nosso Tempo
Autor: Mario Vargas
Llosa (1936/...)
Ed. Objetiva – 2018/2018/2022
Nos países civilizados,
como a Grã-Bretanha, o chamado da tribo se manifestava principalmente nos
grandes espetáculos, jogos de futebol ou concertos ao ar livre dos Beatles e
dos Rolling Stones nos anos 1960, nos quais o indivíduo desaparecia engolido
pela massa, uma escapatória momentânea, saudável e catártica das servidões
diárias do cidadão.
ADAM SMITH (1723-1790) -
Escocês
“A propriedade é a mãe
do processo civilizador.”
Para Lord Kanes, o
desenvolvimento da história se compunha de quatro etapas:
A que
se deve o fato de que a sociedade humana exista e se mantenha estável e
progrida com o tempo, em vez de se desarticular devido às rivalidades, aos
interesses contrapostos e aos instintos e paixões egoístas dos homens?
Para Smith, “a natureza
ensinou ao ser humano a sentir prazer ante sua consideração favorável [do
outro] e dor ante sua consideração desfavorável".
A vida não é feita só de
pessoas normais, mas também de anormais e excepcionais.
“Os doutrinários são
fascinados pela beleza do s eu projeto político ideal.”
Se a conduta moral
depende em boa parte da personalidade própria de cada indivíduo, este constitui
a célula básica da sociedade, o ponto de partida das diferentes coletividades a
que pertence ao mesmo tempo, mas nenhuma das pode subsumi-lo ou aboli-lo: a
família, o trabalho, a religião, a classe social, o partido político. [mas não
o grupo de Whatsapp, ou a rede social]
Foi insólita a revelação
de que o homem comum, trabalhando para materializar seus próprios desejos e
sonhos egoístas, contribuía para o bem-estar de todos. Essa “mão invisível” que
empurra e guia os trabalhadores e os criadores de riqueza para cooperarem com a
sociedade foi um achado revolucionário e, também, a melhor defesa da liberdade no
âmbito econômico.
(...) foi desconcertante
descobrir que o motor do progresso não é o altruísmo nem a caridade, mas antes
o egoísmo: “Não obtemos os alimentos da benevolência do açougueiro, do
cervejeiro ou do padeiro, mas da preocupação deles por seu próprio interesse.
Não nos dirigimos aos seus sentimentos humanitários, mas ao seu egoísmo, e
nunca falamos das nossas necessidades, mas sim de suas próprias vantagens”.
“Como regra geral, o
cidadão não tenta promover o bem-estar público nem sabe o quanto está
contribuindo para ele. Preferindo apoiar a atividade domestica em vez da
estrangeira, só busca a própria segurança, e, dirigindo essa atividade de maneira a obter o maior valor,
só busca o próprio ganho e, neste como em outros casos, é conduzido por uma mão
invisível que promovem um objetivo que não entra em seus propósitos.”
Os grandes inimigos do
livre mercado são os privilégios, o monopólio, os subsídios, os controles, as
proibições.
As cidades foram um
passo além [das aldeias, pois] permitiram a alguns se dedicar a uma coisa e
outros, a outras.
Nas Highlands escocesas,
só sobrevivem duas crianças dentre vinte nas cidades.
Nos povos caçadores,
todos os membros da comunidade eram guerreiros e se autossustentavam.
A necessidade de ter
juizes é consequência da propriedade privada.
[Uma despedida
premonitória de Smith:] “Adoro a sua companhia, cavalheiros, mas acho que devo
deixá-los, para ir a outro mundo”. [Ele morreu na manhã seguinte.]
JOSÉ ORTEGA y GASSET
(1883-1955) - Espanhol
Livros:
Espanha invertebrada
A Rebelião das Massas
Renan: “Uma nação é um
plebiscito cotidiano".
Ortega: “A nação é um
projeto sugestivo de vida em comum".
Sobre o catalanismo e o
bizcaitarrismo: “Pior que ter uma doença é ser uma doença.”
Ortega observou que “nos
tempos atuais” passaram a figurar com a etiqueta de “arte” os experimentos mais
pueris e os maiores embustes que a cultura conheceu ao longo da sua história.
Para Ortega a primazia
das elites terminou; as massas, libertas da sujeição àquelas, irromperam de
maneira determinante na vida, provocando um transtorno profundo dos valores
cívicos e culturais e das formas de comportamento social. (...) a intuição de
Ortega foi correta e estabeleceu, antes de todos, um dos traços característicos
da vida moderna.
A massa é um conjunto de
indivíduos que perderam a individualidade, deixando de ser unidades humanas
livres e pensantes, dissolvidas num amálgama que pensa e age por eles, mais por
reflexos condicionados – emoções, instintos, paixões – que por razões.
O comunismo e o
fascismo, diz Ortega, “dois claros exemplos de regressão substancial”, são
exemplos típicos da conversão dôo indivíduo em homem-massa. (...) A massa
também é uma realidade nova nas democracias, em que o indivíduo tende cada vez
mais a ser absorvido por conjuntos gregários aos quais corresponde agora o
papel protagonista da vida pública, um fenômeno em que vê um retorno do
primitivismo (o “chamado da tribo”) e de certas formas de barbárie disfarçadas
sob a roupagem da modernidade.
Ortega tinha a convicção
de que a verdadeira cultura não tem fronteiras regionais e muito menos
nacionais, é um patrimônio universal. Por isso seu pensamento é profundamente
antinacionalista.
A história não está
escrita, não foi traçada de antemão por uma divindade todo-poderosa. É obra
exclusivamente humana e por isso “Tudo, tudo é possível na história – tanto o progresso triunfal e
indefinido quanto a periódica regressão”.
Ortega ignorou uma
peça-chave da doutrina liberal, aquela que Adam Smith havia revelado: que sem
liberdade econômica e sem uma garantia legal firme da propriedade privada e dos
contratos a democracia política e as liberdades públicas serão sempre
impossibilitadas.
Os dois mandamentos de
Ortega para um intelectual: contrapor-se e seduzir.
Em a Rebelião das Massas
Ortega advertiu que o fator decisivo da evolução social e política não seriam
mais as elites, mas os setores populares anônimos, trabalhadores, camponeses,
desempregados, soldados, estudantes, coletivos de toda índole, cuja irrupção
na história iria revolucionar a
sociedade futuro e desenharia uma nítida fronteira com a de antes.
“O
liberalismo é o direito que a maioria outorga à minoria.”
Ortega fez a defesa
firme da liberdade como valor supremo.
FRIEDRICH AUGUST von
HAYEK (1899-1992) – AUSTRÍACO
Livros:
O Caminho da Servidão
Os fundamentos da
liberdade
Direito, legislação e
liberdade.
Arrogância fatal
O coletivismo e o
estatismo nunca atingiram o que prometeram: um sistema capaz de combinar esses
valores contraditórios que são a igualdade e a liberdade, a justiça social e a
prosperidade.
Para Hayek o
planejamento centralizado da economia mina inevitavelmente os alicerces da
democracia e faz do fascismo e do comunismo duas expressões do mesmo fenômeno,
o totalitarismo, cujos vírus contemplam qualquer regime, até o aparentemente
mais livre, que pretenda “controlar” o funcionamento do mercado.
[Há muitos que acreditam
que] a realidade humana pode [e deve] ser edificada como uma obra de
engenharia.]
Ninguém insistiu tanto
quanto Hayek em afirmar que o liberalismo não consistem liberar os preços e
abrir as fronteiras à concorrência internacional, mas na reforma integral de um
país, na sua privatização e descentralização em todos os níveis, e em
transferir para a sociedade civil – para a iniciativa dos indivíduos soberanos
– as decisões econômicas essenciais.
O indivíduo tem
soberania, e, embora parte do que ele é se explique pelo meio em que nasce e se
forma, há nele uma consciência e um poder de iniciativa que o emancipam dessa
placenta gregária e lhe permitem agir livremente, de acordo com sua vocação e
talento, e, muitas vezes, imprimir uma marca no entorno em que vive.
O grande inimigo da
liberdade é o construtivismo, a fatídica pretensão de querer organizar a partir
de um centro qualquer de poder, a vida da comunidade, substituindo as
instituições surgidas sem premeditação nem controle por estruturas artificiais
e dirigidas a objetivos como “racionalizar” a produção, “redistribuir” a
riqueza, impor o igualitarismo e uniformizar o todo social numa ideologia,
cultura ou religião.
“A nossa civilização é
um resultado imprevisto” (...) “cresceram porque as sociedades” (...) “seguiam
regras diferentes” (...) “favoráveis ao desenvolvimento da civilização”
[O processo que permitiu
ao ser humano sair da vida das cavernas e chegar às estrelas foi possibilitado
pelo que Hayek chama de “ordens espontâneas” (...) que objetivaram superar suas
condições de vida(...) encontrando soluções melhores.]
Exemplos dessas “ordens
espontâneas” são a linguagem, a propriedade privada, a moeda, o comércio e o
mercado. Nenhuma dessas instituições foi inventada por uma pessoa, comunidade
ou cultura singular. (...) Essas ordem são instituições pragmáticas, mas também
morais porque, graças a elas, não foram evoluindo só a realidade material, as condições
de vida, mas também os costumes, a maneira de lidar com o próximo, o civismo, a
ética. (...) Nem todas as ordens são boas. No longo processo da civilização, os
seres humanos foram escolhendo as instituições que contribuíam para seu
progresso real e abandonando aquelas que o prejudicavam.
O efeito prático da
crença construtivista é o socialismo (planejamento econômico e dirigismo
estatista), um sistema que, para se impor, necessita da abolição da liberdade,
da propriedade privada, do respeito aos contratos, da independência da justiça
e da limitação da livre iniciativa individual. Os resultados são a ineficácia
produtiva, a corrupção e o despotismo.
Há um denominador comum
entre o comunismo e o nazismo: o coletivismo.
[O planejamento da
legalidade é o único aceitável no liberalismo] para garantir já segurança dos
cidadãos e sua coexistência pacifica.
A razão primeva para o
crescimento imoderado do Estado é a queda dos valores morais, baseados na
religião ou laicos, que no passado davam força à legalidade e hoje em dia são
tão fracos e minoritários que, em vez de impedir, estimulam a transgressão das
leis em função da cobiça.
[As crises econômicas
são sempre superadas com o dinheiro de suas vítimas.]
Para Adam Smith o
liberalismo não funciona sem sólidas convicções morais.
[Como
dar aos pobres as mesmas vantagens que têm os ricos se os fatores
históricos que os fizeram ricos não é
possível dar aos pobres?]
“Em qualquer sociedade,
a liberdade de pensamento só terá, provavelmente, significação direta para uma
pequena minoria. Mas isso não supõe que alguém esteja qualificado ou deva ter o
poder de escolher a quem se reserva essa liberdade. Isso não justifica, aliás,
qualquer grupo de pessoas a pretender o direito de determinar o que se deve
pensar ou em que acreditar.”
Em Os Fundamentos da
Liberdade, Hayek esquadrinha como as responsabilidades do indivíduo foram sendo
expropriadas pelo estatismo e pelo coletivismo crescentes, reduzindo a margem
de liberdade e aumentando a capacidade do Estado de tomar decisões em assuntos
que concernem essencialmente à vida privada.
Distribuir a pobreza não
traz riqueza a ninguém, só contribui para universalizar a pobreza.
Um conservador, diz
Hayek, não propõe alternativa para a direção em que o mundo avança, enquanto
para um liberal o “para onde nos movemos” é essencial.
O patriotismo para um
liberal é um sentimento benévolo, de solidariedade e afeto à terra em que
nasceu, aos seus ancestrais, à língua que fala, à história vivida pelos seus (...) enquanto o
nacionalismo é uma paixão negativa, uma perniciosa afirmação e defesa do é
próprio contra o estrangeiro, como se o nacional constituísse um valor em si
mesmo, algo superior, uma ideia que é fonte de racismo, de discriminação e de
encerramento intelectual.
Um
liberal é consciente de que “nós não temos todas as respostas”.
SIR KARL POPPER
(1902-1994) – AUSTRÍACO
Livros:
A sociedade aberta e
seus inimigos
A lógica da pesquisa
científica [livro difícil de ler na avaliação de Llosa]
A miséria do
historicismo
As
verdades científicas só são verdades enquanto resistem à prova da
“falseabilidade”, ou seja, enquanto não puderem ser objetivamente refutadas.
Popper enxerga como mãe
de todos os autoritarismos, um pânico inconsciente à responsabilidade que a liberdade
impõe ao indivíduo, que por isso mesmo tende a sacarificar esta para se livrar
daquela. [Um desejo de voltar] à sociedade imóvel e sem mudanças, ao
irracionalismo do pensamento mágico-religioso.
Popper acusa Aristóteles
de ter usado um verbalismo pomposo, tendo Hegel como seguidor.
Platão é idealizador do
Estado totalitário, coletivista, irracional, caudilhista, racista e
antidemocrático. Para ele o progresso humano é balizado por heróis. O monarca –
líder ou caudilho – é um ser superior. É em Platão e na Grécia que Popper
encontra a origem das ideologias verticais e antidemocráticas.
O livro de Popper ficará
para sempre como uma análise certeira dos mecanismos psicológicos e sociais que
induzem o indivíduo soberano a recusar os riscos que a liberdade implica e à
preferir um regime ditatorial.
[Para Popper é
inconcebível um socialismo combinado com liberdade individual.]
“O poder econômico pode
ser quase tão perigoso como a violência física.”
Para Popper, a verdade não
se descobre: vai sendo descoberta, e esse processo não tem fim.
A verdade é, a
princípio, uma hipótese, uma teoria que pretende resolver um problema. (...)
Até que, de repente, irrompe outra teoria, “falseando-a”, e faz desmoronar o
que parecia sua firme consistência como uma ventania faz com um castelo de
cartas. [Temos então uma “nova” verdade.]
A
“verdade” é a coincidência da teoria com os fatos.
Que a verdade tenha, ou
possa ter, uma existência relativa não significa que a verdade seja relativa. Enquanto
dura, enquanto outra verdade não a falseia, ela reina todo-poderosa. (...) A possibilidade
do erro está sempre presente. (...) não significa que a verdade seja inatingível.
Significa que para chegar a ela temos que ser implacáveis em sua verificação e
na crítica, nas experiências que a põem às prova; e prudentes quando estivermos
chegado a certezas, dispostos a revisões e emendas, flexíveis diante daquele
que impugnam as verdades estabelecidas.
“A
partir de uma perspectiva histórica nos vivemos no melhor mundo que já
existiu.”
[Só há perspectiva de
desenvolvimento, em qualquer área do conhecimento e do comportamento humano e
social, se o processo for pautado no questionamento das verdades.]
Sem essa expressão
privilegiada da liberdade, do direito de crítica, o homem se condena à opressão
e à brutalidade e, também, ao obscurantismo.
[Considerado o acima]
todos nos devemos reconhecer que as nossas verdades poderiam não sê-lo e que
aquilo que nos parece que são erros dos nossos adversários poderiam ser
verdades.
No princípio da história
humana, não era o indivíduo, e sim a tribo, a sociedade fechada. [A avaliação é
a de que o homem primitivo se protegia no grupo de seus medos e que foi o
conhecimento que conduziu o ser humano para uma independência e autonomia.]
(...) o saber deixou de ser mágico e supersticioso para certos homens (...).
A divisão de Popper:
[As mudanças são a ameaça
ao aniquilamento](...) a dissolução no caos da placenta social em que o
indivíduo vive agarrado, com todo o seu medo e o seu desampara em busca de
segurança.
A liberdade (...) põe nos
ombros do ser humano uma carga pesada: ter que decidir por si mesmo o que lhe
convém e o que o prejudica, como enfrentar as incontáveis provocações da existência
(...).
[Na tribo sempre vou
tentar alguém com coragem por trás do qual poderei esconder minha covardia.]
[Há um desejo de]
regresso ao mundo mágico e primitivo dos entes gregários, dos indivíduos
“felizes e irresponsáveis” (...).
[Se você acredita que há
um destino planejado para a civilização], então você é, segundo Popper, um
historicista.
A história não tem
ordem, lógica, sentido nem muito menos direção [pré-determinados].
A história é [tão
somente] organizada pelos historiadores [uma caricatura para ser mais
facilmente “deglutida” por nossas almas inseguras e temerosas do futuro].
Toda história escrita é
parcial e arbitrária. (...) Ela é a soma de todas as manifestações da realidade
humana, sem exceção. [Inatingível, portanto, pelo conhecimento humano.]
[Contra
a certeza de Popper de que não é possível descobrir alguma lei no desenrolar da
história, eu oponho a minha tese do fator populacional como indutor da busca
pelo desenvolvimento científico e do desenvolvimento moral da civilização.]
Para Popper, não é
possível antecipar o curso futuro de uma história que será, em boa parte,
determinada por achados e inventos técnicos e científicos que não podemos
conhecer de antemão.
[Llosa, ao escrever em
2018, ainda enxergava a “decadência do comunismo” e o “golpe mortal” que a
internet deu “nas políticas de censura e controle do pensamento”. Gostaria de
saber o que ele pensa hoje, apenas 4 anos depois!!!]
O erro historicista, diz
Popper, consiste em confundir “interpretação histórica” com uma teoria ou uma
lei. [Os acontecimentos humanos não se rendem a leis como as da gravidade ou do
movimento das marés.]
Essa ordem rigorosa e
inteligente, em que nada é gratuito nem incompreensível, em que a vida flui em
um leito lógico e inevitável, em que todas as manifestações do humano são
acessíveis, nos seduz porque nos tranquiliza: inconscientemente o sobrepomos ao
mundo real e este, então deixa provisoriamente de ser vertigem, confusão,
absurdo incomensurável, caos sem fundo, desordem múltipla, e ganha coesão,
racionalidade e ordena o nosso entorno, devolvendo-nos aquela confiança de que
o ser humano não aceita abrir mão: saber o que somos, onde estamos e,
principalmente, aonde vamos.
[O mundo utópico
socialista é continuamente adiado.]
O historicismo e o
utopismo social holístico andam sempre de mãos dadas.
Platão negou a liberdade
humana e construiu os alicerces de todas as ideologias totalitárias.
O esforço do reformista
é o de aperfeiçoar as instituições e modificar as condições concretas a fim de
resolver os problemas de modo que se dê um progresso parcial, mas efetivo e
constante. (...) Ele não pretende mudar tudo nem agem em função de um desígnio
global e remoto. (...) O objetivo do reformista é menos grandioso e mais
realista: fazer a injustiça e as causas sociais e econômicas do sofrimento
individual retrocederem objetivamente.
O reformismo depende da
liberdade.
[Ao
Estado cabe se limitar a garantir a justiça e à evitação/punição dos abusos e da
barbárie.]
“Por que acho que nós,
intelectuais, poderíamos ajudar? Simplesmente porque nós intelectuais, fizemos
danos terríveis durante milhares de anos assassinatos em massa em nome de uma
ideia, de uma doutrina, de uma teoria, de uma religião, isto é nossa obra,
nossa invenção: a invenção dos intelectuais. Se simplesmente deixássemos de
contrapor os homens entre si – às vezes com as melhores intenções – ganharíamos
muito. Ninguém pode dizer que é impossível deixar de fazer isso.”
Roland Barthes: “O
fascismo não consiste só em impedir de dizer, mas em obrigar a dizer.”
A verdade pode matar, e
as palavras, no máximo, aborrecem, hipnotizam ou escandalizam.
[Ainda bem que os
comunistas não são coerentes, pois, se o fossem – vivendo sem produtos
supérfluos – regressaríamos a um] mundo primitivo, de multidões desocupadas e
famintas, à mercê das pragas e da lei do mais forte, no qual a precariedade da
existência não deixaria para a imensa maioria dos mortais muito tempo livre
para a vida espiritual ou intelectual.
[Popper escorregou
quando teve medo da televisão e imaginou um controle do meio para reduzir seu
pretenso poder cultural.]
[Se tal controle for um
álibi] para o Estado controlar os meios de comunicação audiovisuais, o
resultado seria, inevitavelmente, sua instrumentalização por aqueles que
exercem o poder em beneficio próprio, ou seja, uma violência tão destrutiva
para o espírito e a moral como aquela que pretende erradicar.
[Como nos provou o
advento da TV por assinatura e nos prova a atualidade do mundo digital] não é o
excesso de concorrência, mas sua escassez que impede a televisão de produzir
programas mais originais e criativos e faz proliferar nela a estupidez e o
achatamento.]
RAYMOND ARON (1905-1983)
– FRANCÊS
Livros:
O ópio dos intelectuais
[Há uma contradição
insolúvel entre cristianismo e comunismo] porque a Igreja sempre “consolida a
injustiça estabelecida” e “o ópio cristão torna o povo passivo”, enquanto o
“ópio comunista o incita a se rebelar”. (...) a “religião stalinista”, tal como
a cristã, justifica todos os sacrifícios, excessos e abusos em nome do paraíso,
“um futuro que se afasta à medida que avançamos na sua direção, momento em que
o povo colherá o fruto de sua longa paciência”.
Por que a classe
operaria seria a única capaz de salvar a humanidade? [se a classe operaria é diferente
a cada dezenas de anos e nem mesmo existia antes da revolução industrial?]
A revolução de Maio [68]
não melhorou em nada a situação da universidade na França, que continua ainda
hoje imersa numa crise caótica e insolúvel.
(...) o homem foi progredindo
na medida em que diminuía sua servidão religiosa, o despotismo se enfraquecia e
a massa gregária ia se transformando numa comunidade de indivíduos a que se
reconheciam certos direitos e se deixava toar iniciativas. O desenvolvimento
técnico e científico do ocidente foi o acelerador desse processo de emancipação
do indivíduo graças ao qual surgiram as nações industriais e democráticas
modernas.
(...)
só um demente adotaria como modelos para seu país os regimes da Coréia do
Norte, de Cuba ou da Venezuela.
SIR ISAIAH BERLIN
(1909-1997) – LITUÂNO
Livros:
Quatro ensaios sobre a
liberdade.
A força das ideias
Berlin era consciente do
espaço que costuma existir entre as ideias e as palavras que pretendem
expressa-las e entre estas e os fatos que as materializam.
O sentimento de
expatriado e judeu que sempre acompanhou Berlin, contribuiu para sua
insegurança que moldou sua prudência, seu esforço de se integrar ao meio social
e para passar despercebido (...).
Sua teoria “das verdades
contraditórias”.
Algo constante no
pensamento ocidental é acreditar que só existe uma resposta verdadeira para
cada problema humano e que, uma vez achada essa resposta, todas as outras devem
ser recusadas por serem errôneas.
Para Berlin, Maquiavel
detectou esta “incômoda verdade”: nem todos os valores são compatíveis, a noção
de uma filosofia única e definitiva para estabelecer a sociedade perfeita é
material e conceitualmente impossível. [Por exemplo:] Levar uma “vida cristã”,
aplicar de forma rigorosa as normas éticas prescritas por ela, significava se
condenar à impotência política, ficar à mercê dos inescrupulosos e dos
espertos: quem quisesse ser politicamente eficiente e construir uma comunidade
“gloriosa” como Atenas ou Roma, teria que abdicar da educação cristã e substituí-la
por outra mais apropriada a tal fim. (...) Maquiavel percebeu que o ser humano
podia ser ver dividido entre metas que o solicitavam por igual e que eram
alérgicas uma à outra.
(...) a realidade social
é mais tumultuosa e imprevisível do que supunham as abstrações dos filósofos
que prescreviam receitas para a felicidade dos homens.
Os revolucionários
franceses descobriram assombrados, que a liberdade era uma fonte de
desigualdades e que um país onde os cidadão gozassem de uma total ou amplíssima
capacidade de iniciativa e governo dos seus atos e bens seria, mais cedo ou
mais tarde, um país cindido por numerosas diferenças materiais e espirituais.
Montesquieu também
distinguiu como característica central no percurso da humanidade que os fins
dos seres humanos foram muitos, diversos e muitas vezes incompatíveis uns com
os outros, e que essa era a raiz de choques entre civilizações e de diferenças
entre comunidades distintas, e, no seio de uma mesma comunidade, de rivalidades
entre classes e grupos, e na própria intimidade da consciência individual, de
crises e conflitos internos.
Para Berlin, em questões
sociais são sempre preferíveis os sucessos parciais mas efetivos às grandes
soluções totalizadoras, fatalmente quiméricas.
Poeta grego Aquíloco: “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe
uma grande coisa”. [A metáfora
indica aquele que admite (e vive com) muitas “verdades” e aqueles que acreditam
ter (e vivem com) “a” verdade.]
As raposas vivem sempre
invejando os ouriços. Para eles, a vida é mais aceitável. Embora as
vicissitudes da existência sejam idênticas para ambos, por alguma misteriosa
razão sofrer e morrer acabam sendo menos difíceis e intoleráveis – às vezes,
até fáceis – quando a pessoa se sente possuidora de uma verdade universal e
central, é uma peça nítida dentro desse mecanismo que pessoa a vida cujo
funcionamento julga conhecer. Mas a existência das raposas é, também, um eterno
desafio para os ouriços, o canto das sereias que aturdiu Ulisses. Porque,
embora seja mais fácil viver dentro da clareza e da ordem, é um atributo humano
inescapável renunciar a essa facilidade e, frequentemente, preferir a sombra e
a desordem.
Para Berlin (...) a
intervenção dos indivíduos – líderes, governantes, ideólogos – na história é
fundamental e decisiva. [Por exemplo:] A formidável resistência britânica
contra o nazismo não teria sido igual sem Winston Churchill (...).
Para Berlin, “é tedioso
ler os aliados, aqueles que concordam com os nossos pontos de vista. Mais
interessante é ler o inimigo, o que põe à prova a solidez das nossas defesas. O
que sempre me interessou, na verdade, é descobrir o que tem de frágil, de débil
ou de errôneo nas ideias em que acredito. Para quê? Para poder corrigi-las ou
abandona-las”.
JEAN-FRANÇOIS REVEL
(1924-2006) – FRANCÊS
Livros:
Para que os filósofos?
A tentação totalitária.
Como terminam as
democracias. (1983)
O Conhecimento Inútil
(1988)
O ladrão na casa vazia
(1997)
[O negócio da esquerda é
“determinar a partir da teoria a natureza dos fatos”.]
Em breve estará fechado
esse “breve parêntese”, terminado esse “acidente” que a democracia terá sido na
evolução da humanidade, e os poucos países que degustaram seus frutos voltarão
a se confundir com os que nunca saíram da ignomínia do despotismo que acompanha
os homens desde o começo da história.
A tese de Como Terminam
as Democracias era que o comunismo soviético havia praticamente ganhado a
guerra contra o Ocidente democrático, destruindo-o psicológica e moralmente
mediante a infiltração de bactérias nocivas que, depois de paralisá-lo,
precipitariam sua queda como uma fruta madura. A responsabilidade por esse
processo era, segundo Revel, das próprias democracias, que, por apatia,
inconsciência, frivolidade, covardia ou cegueira, tinham colaborado irresponsavelmente
com o seu adversário na elaboração da própria ruína.
A tese em O conhecimento
inútil é: a força que move a sociedade do nosso tempo não é a verdade, mas a
mentira.
[O desenvolvimento
observado hoje] não impediu que aqueles
que organizam a vida dos outros e orientam o caminho da sociedade continuem
cometendo os mesmos erros e provocando as mesmas catástrofes, porque suas
decisões continuam sendo ditadas pelo preconceito, pela paixão ou pelo instinto
antes que pela razão, como nos tempos que (com uma boa dose de cinismo) ainda
nos atrevemos a chamar de “bárbaros”.
[As fronteiras entre informação e ficção se
evaporam!]
“A grande desgraça do
século XX é ter sido aquele no qual o ideal da liberdade foi posto a serviço da
tirania, o ideal da igualdade a serviço dos privilégios e todas as aspirações,
todas as forças sociais reunidas originalmente sob o vocábulo “esquerda” foram
embridadas a serviço do empobrecimento e da servidão. Essa imensa impostura
falsificou todo o século, em parte por culpa dos seus maiores intelectuais. Ela
corrompeu nos mais mínimos detalhes a linguagem e a ação política, invertendo o
sentido da moral e entronizando a mentira a serviço do pensamento.
[Llosa deixa mais uma
vez sua visão inocente prevalecer quando escreve:] Sou menos pessimista quanto
ao futuro da sociedade aberta e da li no mundo que Revel em seu livro. Meu
otimismo se baseia em uma convicção antigramsciana: não é a intelligentsia que
faz a história. De modo geral, os povos – as mulheres e os homens sem rosto e
sem nome, a “gente comum”, como dizia Montaigne – são melhores aquele a maioria
dos seus intelectuais: mais sensatos, mais pragmáticos, mais democráticos e
mais livres na hora de decidir sobre assuntos sociais e políticos.