EXTRATO DE: O CAPITAL NO SÉCULO XXI
Autor: Thomas
Piketty
Editora Intrínseca
- 2013/2014
Marx rejeitou as
hipóteses de que o progresso tecnológico pudesse ser duradouro e de que a
produtividade fosse capaz de crescer de modo contínuo - duas forças que poderiam,
em alguma medida, se contrapor ao processo de acumulação e concentração do
capital privado.
[Na França do
século XIX existia um imposto sobre o número de portas e janelas de um imóvel.]
A história da
desigualdade é moldada pela forma como os atores políticos, sociais e econômicos
enxergam o que é justo e o que não é, assim como pela influencia relativa de
cada um desses atores e pelas escolhas coletivas que disso decorrem. Ou seja,
ela é fruto da combinação, do jogo de forças, de todos os atores envolvidos.
A segunda
conclusão, que constitui o cerne deste livro, é que a dinâmica da distribuição
da riqueza revela uma engrenagem poderosa que ora tende para a convergência,
ora para a divergência, e não há qualquer processo natural ou espontâneo para
impedir que prevaleçam as forças desestabilizadoras, aquelas que promovem a
desigualdade.
No longo prazo, a
força que de fato impulsiona o aumento da igualdade é a difusão do conhecimento
e a disseminação da educação de qualidade.
Renda Nacional = produção
interna + renda liquida recebida do exterior
Mas no âmbito
mundial, a renda recebida e a renda remetida para o exterior se equilibram, de
modo que, por definição...
Renda Mundial = produção
mundial
Renda nacional -
renda do capital + renda do trabalho
Riqueza nacional =
riqueza privada + riqueza pública
A riqueza pública
hoje está muito baixa na maioria dos países desenvolvidos (às vezes até
negativa, quando a dívida pública é maior do que os ativos públicos), e veremos
que a riqueza privada representa a quase totalidade da riqueza nacional em
praticamente todos os países.
[como conseqüência]
Riqueza nacional =
capital nacional = capital interno + capital externo líquido
[mas como o capital
externo líquido se compensa no nível mundial]
Riqueza nacional=
capital interno
A maneira mais
natural e útil de medir a importância do capital numa sociedade consiste me
dividir o estoque de capital pelo fluxo anual de renda. Essa relação
capital-renda será denominada B (beta).
Por exemplo, se o
valor total do capital de um país for o equivalente a seis anos de renda
nacional, B = 6 (ou B = 600%).
Em 2010 cada
habitante dos paises ricos tinha, em média, cerca de 30.000 euros de renda
anual e em torno de 180.000 euros de patrimônio, dos quais 90.000 estavam sob forma
de imóveis para habitação e outros 90.000 euros sob a forma de ações, títulos,
fundos de poupança ou outros investimentos financeiros em ativos privados ou
públicos. [Esta divisão do capital é universal.]
A razão
capital/renda B, está diretamente ligada à participação da renda do capital na
renda nacional, que denominaremos A (alfa), por meio da seguinte equação:
A = r x B, onde r é
a taxa de remuneração média do capital.
Por exemplo: se B = 600% e r = 5%, então A = r x B = 30%
Se a riqueza [PIB]
representa o equivalente a seis anos de renda nacional numa sociedade e se a
taxa de remuneração média do capital for de 5% ao ano, a participação do
capital na renda nacional será de 30%.
[A tautologia (do grego ταὐτολογία
"dizer o mesmo") é, na retórica, um
termo ou texto que expressa a mesma ideia de formas diferentes. Como um vício
de linguagem pode
ser considerado um sinônimo de pleonasmo ou redundância. A
origem do termo vem de do grego tautó,
que significa "o mesmo", mais logos,
que significa "assunto". Portanto, tautologia é dizer sempre a mesma
coisa em termos diferentes.]
A taxa de retorno
média das ações chega a 7-8% durante períodos longos em vários países. A dos
imóveis e dos títulos, em contrapartida, raras vezes supera 3-4%, e a taxa real
de juros da dívida pública costuma ser ainda mais baixa.
A América Latina
tem 600 milhões de habitantes e 10.000 euros de PIB por habitante, exatamente a
média mundial.
(...) a participação
dos paises ricos na renda global tem diminuído de forma sistemática desde os
anos 1970-1980. Qualquer que seja a medida utilizada, o mundo parece ter
entrado numa fase de convergência entre paises ricos e pobres.
Nenhuma das nações asiáticas
que reduziram o atraso em relação aos paises mais desenvolvidos, quer se trate
do Japão, da /coréia e de /Taiwan no passado ou da China hoje, se beneficiou de
investimentos estrangeiros substanciais. [!!!]
(...) a experiência
histórica sugere que o principal mecanismo que permite a convergência entre
paises é a difusão do conhecimento, tanto no âmbito internacional quanto no
doméstico.
(...) o
crescimento, a não ser em períodos excepcionais ou durante processos de redução
de atraso econômico, tem sido sempre relativamente fraco e que tudo indica que
enfraquecerá ainda mais no futuro, ao menos no que diz respeito à sua composição
demográfica.
(...) o crescimento
dos próximos séculos está claramente destinado a retomar patamares muito baixos,
ao menos em relação ao componente demográfico.
(...) a população
mundial aumento no ritmo máximo de 0,8% ao ano, em média entre 1700 e 2012.
(...) O mundo tinha cerca de 600 milhões de habitantes em torno de 1700 e mais
de 7 bilhões em
Uma taxa de 1% ao
ano corresponde a uma expansão de 35% ao final de trinta anos, uma
multiplicação de cerca de 3 vezes ao final de 100 anos, vinte vezes ao final de
trezentos anos e mais de vinte mil vezes ao final de mil anos. A conclusão
simples que se extrai dessa tabela é que taxas de crescimento superiores a 1 -
1,5% por ano são impossíveis de se sustentar eternamente, uma vez que geram expansões
demográficas vertiginosas.
A taxa de crescimento
da população mundial alcançou no século XX a cifra recorde de 1,4% por ano,
porém não foi maior do que 0,4-0,6% nos séculos XVIII e XIX.
Charles Dunoyer,
economista liberal francês, escreveu em 1845: "As habilidades superiores
são a fonte de tudo o que há de grandioso e útil. Reduza tudo à igualdade e
verá tudo reduzido à inação."
Foi apenas no
século xx que o crescimento econômico se tornou de fato uma realidade tangível
e espetacular para todos.
A participação do
emprego em serviços na França:
1800 - 14%
1900 - 28%
1950 - 35%
2012 - 76%
Ainda não se sabe
qual foi o espírito malvado que nos impôs um crescimento tão fraco desde o fim
dos anos 1970 e o início dos anos 1980.
A inflação média na
Europa nos séculos xxiii e xix foi abaixo de 0,4%.
O valor total das
terras abricolas representava, no início do século xviii, entre 4 e 5 anos da
renda nacional, ou quase dois terços do capital nacional. Três séculos mais
tarde, as terras agrícolas valem menos de 10% da renda nacional (...) e
representam menos de 2% da riqueza total.
No início dos anos
2010 a riqueza privada representa mais
de 95% da riqueza nacional.
Stakeholder model -
a propriedade das empresas pertence a outras entidades além dos acionistas.
Stockholder model -
a propriedade das empresas é exclusiva dos acionistas.
A segunda lei
fundamental do capitalismo: B = s/g, onde s é a taxa de poupança e g a taxa de
crescimento da renda (PIB).
Se s = 12% e g=2%,
então B=600%
Se um país poupar
12% de sua renda nacional a cada ano e se a taxa de crescimento da renda for de
2%, a razão capital/renda será de 600%: o país terá acumulado o equivalente a
seis anos de renda nacional em capital.
Esta taxa é
totalmente independente dos motivos que levam os habitantes e/ou governos a
acumular riqueza.
No início da década
de 1970, o valor da riqueza privada era de entre 2 e 3,5 anos do PIB (...) 40
anos mais tarde, a riqueza privada representa entre 4 e 7 anos da renda
nacional. A evolução geral não deixa dúvida alguma: além das bolhas, estamos
assistindo à volta triunfal do capital privado nos paises ricos desde os anos
1970, ou, mais do que isso, ao ressurgimento de um novo capitalismo
patrimonial.
(...) um movimento
de privatização e de transferência gradual da riqueza pública para a privada
desde os anos 1970-1980 e um fenômeno de recuperação de longo prazo dos preços
dos ativos imobiliários e das ações, que se acelerou nos anos 1980-1990, num
contexto político global muito favorável à riqueza privada, em comparação com
as décadas do pós-guerra.
Entre 1970 e
Taxa de juros
nominal - antes de deduzir a inflação.
Ativos reais
(imóveis) e ativos nominais (poupança)
A produtividade
marginal do capital é definida como o valor da produção adicional quando se
emprega uma unidade a mais de capital.
É natural esperar
que a produtividade marginal do capital diminua à medida que seu estoque
aumente.
Parece plausível
interpretar desse modo a queda da participação do capital observada no longuíssimo
prazo, de 35-40% nos anos 1800-1810 para 25-30% nos anos 2000-2010, e a alta
correspondente da participação do trabalho, de 60-65% para 70-75%. A
participação do trabalho aumentou simplesmente porque o trabalho se tornou mais
importante no processo de produção. Foi a crescente importância do capital
humano que permitiu reduzir a participação do capital sob a forma de terras,
imóveis e ativos financeiros.
Nas sociedades em estagnação,
os patrimônios do passado têm uma importância considerável.
Na Europa, a
relação capital/renda já voltou, no início do século xxi, aos níveis da ordem
de
No panorama global,
é possível que a relação capital/renda alcance ou mesmo supere esse nível ao
longo do século xxi. Se a taxa de poupança se mantiver em torno de 10% e se a
taxa de crescimento se estabilizar em 1,5% no longuíssimo prazo - levando em consideração
a estagnação demográfica e a desaceleração do progresso tecnológico -, o
estoque mundial de capital atingirá, logicamente, o equivalente a
228
Como já salientamos
antes, é igualmente possível que as transformações tecnológicas de longo prazo favoreçam
um pouco o trabalho em relação ao capital, provocando uma queda do rendimento e
da participação do capital. Contudo, este efeito parece ter amplitude limitada
no longo prazo, e é possível que seja mais do que compensado por outras forças
que atuem no sentido inverso, como a sofisticação crescente dos sistemas de
intermediação financeira e a concorrência internacional para atrair o capital.
(...) a tecnologia,
assim como o mercado, não tem limite ou moral. (...) o crescimento moderno,
fundado no crescimento da produtividade e na difusão do conhecimento, permitir
evitar o apocalipse marxista e equilibrar o processo de acumulação do capital.
Mas ele não modificou as estruturas profundas do capital (...).
Por definição, a desigualdade
da renda resulta, em todas as sociedades, da soma de dois componentes: de um
lado, a desigualdade da renda do trabalho; e, de outro, a desigualdade da renda
do capital.
(...) a
participação dos 10% dos indivíduos que detêm o patrimônio mais alto é sempre
superior a 50% do total da riqueza, chegando às vezes a 90% em algumas
sociedades.
A acumulação por
motivo de precaução diante de choques de curto prazo existe no mundo real, mas
não se trata do principal mecanismo que permite explicar a realidade da
acumulação e da distribuição da riqueza.
Não há rupturas
descontinuas entre as diferentes classes sociais, entre o mundo do
"povo" e o das "elites".
(...) há inúmeras
pessoas que fazem parte da classe superior em termos de renda do trabalho, mas
da classe popular em termos de patrimônio, e vice-versa. A desigualdade social
é multidimensional, assim como o conflito político.
Ao que eu saiba,
não existe nenhuma sociedade, em nenhuma época, em que observemos uma distribuição
da propriedade do capital que possa ser razoavelmente qualificada de
"muito pouco" desigual (...).
(...) em torno de 1900-1910, em todos os
países europeus, a concentração do capital era ainda mais extrema do que nos
dias de hoje. (...) [naquela época] não havia classe média, uma vez que os 40%
do meio eram quase tão pobres quanto os 50% mais pobres.
270
A França adotou o
imposto sobre a renda em 1914 [mas já em 1791] existia o imposto sobre sucessões
e heranças (...)
A democratização do sistema escolar não
reduziu a desigualdade das qualificações [porque] as pessoas que estavam no
nível de ensino fundamental passaram para o ensino médio e depois para o ensino
superior, mas aquelas que já estavam no nível do ensino superior passaram a pós-graduação
e depois para um doutorado.
[mas]
As lições
aprendidas (...) apontam para [que] no longo prazo, a melhor maneira de reduzir
as desigualdades do trabalho, alem de aumentar a produtividade média da mão de
obra e o crescimento da economia, é sem dúvida investir na formação.
Tudo nos leva a
pensar que os paises escandinavos, caracterizados por desigualdades salariais
mais moderadas do que outros lugares, devem esse resultado, em grande parte, ao
seu sistema de formação relativamente igualitário e inclusivo.
Nos Estados Unidos,
o salário mínimo federal foi introduzido em 1933 quase vinte anos antes da
França.
Na administração Clinton
o salário mínimo por hora passou a 5,25 dólares. (...) Obama anunciou que o
salário mínimo chegaria a 9 dólares até final de 2016.
(...) a discrepância
dos altos salários ocorreu em alguns paises desenvolvidos, mas não em outros.
Isso nos leva a pensar que as diferenças institucionais entre as nações desempenham
um papel central nessa questão - a não causas gerais e em principio universais,
como as mudanças tecnológicas.
344
(...) a taxa de
crescimento foi quase nula por muito tempo na historia da humanidade (...)
entre a Antiguidade e o século XVII jamais excedeu 0,1-0,2% ao ano por longos
períodos.
Para um período
extenso da historia da humanidade, o
fato mais importante é que a taxa de rendimento do capital sempre foi ao menos
dez ou vinte vezes superior à taxa de crescimento da produção e da renda.
De acordo com a
Forbes, o planeta contabilizava 140 bilionários, em dólares, em 1987, e ela
estima mais de 1.400 em 2013, ou seja, o número foi multiplicado por 10.
(...) se a china
poupar 20% de sua renda nacional até 21.00, e a Europa e os estados unidos
pouparem 10%, uma boa parte do Velho Continente e do Novo Mundo serão possuídos,
até o final do século, pelos gigantescos fundos de pensão chineses.
O imposto sobre o
capital é uma utopia.
Entre 1929 e 1935,
o nível de produção dos grandes paises desenvolvidos caiu 25%, o desemprego
aumentou na mesma proporção e o mundo inteiro só saiu dessa "Grande
Depressão" ao entrar na Segunda Guerra Mundial.
... Não é possível
resumir uma política fiscal e orçamentária à aplicação de uma taxa superior confisca
tória às rendas mais elevadas, e o imposto progressivo sobre o capital é um
instrumento ais apropriado para responder aos desafios do século XXI do que o
imposto progressivo sobre a renda inventado no século XX.
... O peso do
Estado hoje é muito maior do que em 1930, e em grande medida ele agora é maior
do que nunca.
... Os impostos
representavam menos de 10% da renda nacional em todos os paises no século XIX
até a Primeira Guerra Mundial.
Em todos os paises
desenvolvidos, em apenas meio século, a participação dos impostos na renda nacional
foi multiplicada por um fator de pelo menos três ou quatro vezes (às vezes por
mais de cinco, como nos paises nórdicos). (...) a estabilização se deu em
níveis muito diferentes entre os paises: pouco mais de 30% da renda nacional
nos Estados Unidos, em torno de 40% no Reino Unido, e entre 45% e 55% na Europa
continental (45% na Alemanha, 50% na França e quase 55% na Suécia).
(...) é mais fácil fazer promessas enquanto
se está na oposição do que a cumprir quando se está no poder.
A renda mínima
corresponde a somas ainda inferiores (menos de 1% da renda nacional), quase
insignificantes na escala da totalidade das despesas públicas.
O desenvolvimento
do /estado fiscal ao longo do ultimo século corresponde, em essência, à
constituição de um Estado social.
Há desacordos na delimitação
precisa dos fatores que os indivíduos 0controlam ou não (onde começa o esforço
e o mérito e onde a sorte termina).
Nenhuma corrente de
opinião importante, nenhuma força política significativa, busca seriamente
voltar a um mundo no qual a taxa de arrecadação seria de 10% ou 20% da renda
nacional e o poder público se limitaria às funções soberanas nacionais.
... As novas formas
de organização e propriedade estão para ser inventadas.
... A elevação considerável
do nível médio de formação que se deu no século XX não permitiu reduzir a
desigualdade da renda do trabalho.
Um estudo revelou
que as doações feitas pelos antigos alunos a suas universidades eram
concentradas curiosamente no período em que seus filhos estavam na idade de
tentar o acesso às instituições. Ao confrontar as diferentes fontes disponíveis,
podemos estimar que a renda média dos pais dos alunos dos de Harvard hoje é da
ordem de 450.000 dólares, ou seja, mais ou menos a renda média dos 2% mais
ricos dos lares americanos.
No Québec, a
decisão de aumentar gradualmente o valor das matrículas de cerca de 2.000 dólares
para quase 4.000 dólares foi interpretada como uma inte3ncao de se aproximar do
sistema desigual americano e levou à greve dos estudantes no inverno de 2012 e,
por fim, à queda do governo e à anulação da medida.
...não existe uma
maneira simples de atingir uma igualdade verdadeira de oportunidades no ensino
superior.
Tudo leva a pensar
que, ao longo do século XXI, a taxa de retorno média do capital vai se situar
bastante acima da taxa de crescimento econômico (cerca de 4-4,5% para o
primeiro, e apenas 1,5% para o segundo).
481
Classicamente
faz-se uma distinção entre os impostos sobre a renda, os impostos sobre o capital
e os impostos sobre o consumo.
[Na França de hoje]
a taxa global de tributação (47% da renda nacional em média) é de cerca de
40-45% para os 50% das pessoas que dispõe das menores rendas, sobe para 45-50%
entre os 40% seguintes, antes de cair entre os 5% das rendas mais elevadas e
sobretudo para os 1% mais ricos, indo para apenas 35% entre os 0,1% mais
abastado. Para os mais pobres, as taxas de tributação elevadas se explicam pela
importância dos impostos sobre o consumo e pelas contribuições sociais (que no
total representam três quartos das arrecadações). A ligeira progressividade
observada à medida que se sobe nas classes médias é justificada pelo aumento da
força do imposto sobre a renda. Por outro lado, a nítida regressividade
constatada nos centésimos superiores é explicada pela importância das rendas do
capital e pelo fato de que elas escapam dos cálculos de progressividade, o que
não compensa totalmente os impostos sobre o estoque do capital (que são de
longe os mais progressivos).
O imposto
progressivo é uma instituição indispensável para fazer com que cada pessoa se
beneficie da globalização, e sua ausência cada vez mais evidente pode levar a globalização
econômica a perder apoio.
Constatamos, na
realidade, que as taxas de impostos, inclusive para os níveis de renda mais astronômicos,
permaneceram extremamente baixas até a Primeira Guerra Mundial.
Na França, à época
da criação do imposto sobre a renda em
No Reino Unido, a
taxa aplicada às rendas mais elevadas era fixada em 8%em 1909, o que era um
pouco alto para a época, mas também foi preciso esperar o fim da guerra para
que ela ultrapassasse 40%.
As taxas praticadas
antes de 1914, sempre inferiores a 10% (e geralmente a 5%), inclusive para as
rendas mais elevadas, não eram, na realidade, muito diferentes das aplicadas ao
longo dos séculos XVIII e XIX.
[Quanto ao imposto
progressivo sobre as heranças] enquanto os Estados Unidos estabilizaram suas
taxas superiores entre 70% e 80% dos anos 1930 até os anos
As taxas [de
imposto sobre a renda] alemãs e francesas permaneceram estáveis em torno de
50-60% no período 1930-2010, enquanto as americanas e britânicas passaram de
80-90% nos anos 1930-1980 para 30-40% nos anos 1980-2010.
Bill Gates
existiria sem Ronald Reagan? (...) Ronald Reagan destruiu a URSS sozinho ou com
a ajuda do papa?
Os resultados
obtidos [sobre as altas remunerações dos executivos] obtidos, sugerem que o
salto dessas remunerações se explica muito bem pelo modelo de negociação (a
redução da taxa marginal levou os executivos a negociarem de maneira mais
agressiva para obter uma remuneração mais elevada), e não por um hipotético
aumento da produtividade dos executivos em questão. Descobrimos de imediato que
a elasticidade da remuneração dos executivos é ainda mais forte em relação a
lucros "fortuitos" (ou seja, variações de lucros que não podem ser
causadas por ações do executivo, como aquelas ligadas ao desempenho médio do
setor considerado) do que a lucros "não fortuitos" (ou seja, a
variações não explicadas por essas variáveis setoriais), resultado que traz
sérios problemas para a ideia de que a remuneração dos executivos se deve a seu
bom desempenho. (...) Em particular, as variações no tamanho das empresas ou a
importância do setor financeiro não permitem absolutamente explicar os fatos
observados. (...) Tratando-se de uma questão tão complexa e também abrangente,
evidentemente é impossível ter certeza: aí reside a beleza das ciências
sociais.
Foram as guerras, e
não o sufrágio universal, que conduziram à ascensão do imposto progressivo. A
experiência da França na Belle-Époque demonstra, de forma cabal, o grau de
má-fé atingido pelas elites econômicas e financeiras para defender seus
interesses, assim como às vezes o dos economistas, que ocupam hoje um lugar invejável
na hierarquia americana das rendas e que têm uma degradável tendência a
defender com freqüências seus interesses privados, ocultando-os por trás de uma
improvável defesa do interesse geral.
Considero o imposto mundial sobre o capital
uma utopia útil.
O importante é que
o imposto sobre o capital seja um imposto progressivo e anual sobre o patrimônio
global: trata-se de tributar mais os patrimônios maiores e de levar em
consideração o total dos ativos, quer sejam imobiliários, financeiros ou
corporativos, sem exceção.
O papel principal do imposto sobre o capital
não é financiar o /estão social, mas regular o capitalismo.
Os benefícios para
a democracia seriam consideráveis: é muito difícil haver um debate tranquilo
sobre os grandes desafios do mundo atual - o futuro de um /estado social, o
financiamento da transição energética, a construção do Estado nos paises do sul
etc. - enquanto reinar tamanha opacidade sobre a distribuição das riquezas e
das fortunas mundiais. Para alguns, os bilionários são tão ricos que bastaria tributá-los
a uma taxa minúscula para resolver todos os problemas. Para outros, eles são
tão poucos que nada muito substancial pode ser esperado dessa política.
Um dos principais
objetivos por trás da criação de um imposto moderno sobre o estoque de capital
é justamente refinar as definições e as regras de valorização dos ativos, dos
passivos e do patrimônio líquido, que atualmente são fixadas, de maneira
imperfeita e muitas vezes imprecisa, pelas normas de contabilidade privada em
vigor, o que contribuiu para a multiplicação dos escândalos financeiros desde o
inicio dos anos 2000-2010.
(...) existe uma
diferença às vezes abissal entre as declarações vitoriosas dos lideres
políticos e a realidade do que eles fazem.
Na lógica do
incentivo, o objetivo do imposto sobre o capital é precisamente obrigar aquele
que utiliza mal seu patrimônio a, aos poucos, se desfazer dele a fim de pagar
os impostos e, assim, ceder seus ativos a detentores mais dinâmicos.
Um sistema de tributação
inteiramente baseado no valor do estoque de capital (e não no nível de lucros
obtidos) levaria a uma pressão desproporcional nas empresas, já que elas
pagariam o mesmo nível de impostos quando sofressem prejuízo ou quando
obtivessem lucros elevados.
Consideremos, por
exemplo, o caso de um imposto sobre a riqueza que fosse arrecadado à taxa de 0%
para patrimônios inferiores a 1 milhão de euros, 1% para patrimônios entre 1 e
5 milhões de euros e 2% para patrimônios acima de 5 milhões de euros. /se fosse
aplicado em todos os paises da União Européia, ele afetaria 2,5% da população e
geraria a cada ano o equivalente a 2% do PIB europeu.
O protecionismo, se
aplicado de maneira maciça e permanente, não é em si uma fonte de prosperidade
e criação de riquezas. A experiência histórica sugere que um pais que se lança
cegamente nessa via e anuncia à população um vigoroso progresso de seus
salários e de seus níveis de vida provavelmente se expõe a grandes decepções. O
protecionismo não resolve em nada a desigualdade de r>g. nem a tendência à acumulação
e à concentração dos patrimônios nas mãos de alguns poucos dentro de um país.
526
Com uma divida pública
se aproximando de um ano da renda nacional (cerca de 90% do PIB) nos paises
ricos, a divida pública é muito mais moderada (em torno de 30% do PIB em
média), tanto em renda quanto em capital.
O imposto
excepcional sobre o capital privado é a solução mais justa e eficaz. Na ausência
dela, a inflação pode ser útil - aliás, foi assim que a maioria das grandes
dividas públicas foram reabsorvidas ao longo da história. A pior solução, tanto
em termos de justiça com em termos de eficácia, é uma dose prolongada de
austeridade. No entanto, essa é a opção adotada hoje na Europa.
[se alguns paises]
conseguirem e, por exemplo, o nível de inflação passar para 5% em vez de 2% (o
que não é garantido), esses paises de fato sairão do sobre-endividamento muito
mais rápido do que os paises da zona do euro, cujas perspectivas econômicas
parecem bastante assombradas pela ausência de saídas visíveis da crise da
divida e pela falta de clareza dos diferentes paises sobrfe suas visões de
longo prazo acerca da união fiscal e orçamentária da Europa.
(...) a inflação no
século XIX era quase nula.
(...) se a escolha é entre um pouco mis de
inflação ou um pouco mais de austeridade, devemos em duvida escolher um pouco
mais de inflação.
[Para Friedman] a
crise é antes de tudo monetária, assim como sua solução. A partir dessa sábia
análise, ele tira conclusões políticas transparentes: para garantir um
crescimento confortável e ininterrupto das economias capitalistas, é necessário
e suficiente seguir uma política monetária apropriada, assegurando uma
progressão regular do nível de preços. /de acordo com essa doutrina
monetarista, o New Deal e sua coleção de empregos públicos e transferências
sociais postas em prática por Roosevelt e pelos democratas depois da crise de
1930 e da Segunda Guerra Mundial são apenas um ledo engano, caro e inútil. Para
salva o capitalismo, não há a menor necessidade do Welfare State e de um
governo tentacular: basta um bom FED.
Se os impostos e os
orçamentos públicos demandam tempo para serem votados e aplicados, isso não
acontece meramente por acaso: quando se deslocam frações importantes da riqueza
nacional, é melhor não cometer enganos.
O papel principal e
insubstituível dos bancos centrais é garantir a estabilidade do sistema financeiro.
Eles estão preparados para assegurar no dia a dia a posição dos diferentes
bancos, financiá-lo se for o caso e garantir que o sistema de pagamentos
funcione normalmente.
A
união monetária supostamente leva a uma união política, fiscal e orçamentária e
a uma cooperação cada vez mais estreita entre os paises. Basta ser paciente e
não queimar etapas.
Depois da estagflação
dos anos 1970, os governos, assim como as opiniões públicas, se deixaram
convencer de que os bancos centrais deveriam, antes de tudo, ser independentes
do poder político e ter por objetivo único uma meta de inflação baixa.
[para o banco
central europeu] o objetivo da inflação baixa tem prioridade sobre o objetivo
do pleno emprego e do crescimento, o que reflete o contexto ideológico no qual
ele foi concebido.
Quando uma dívida pública
se aproxima de um ano do PIB, uma diferença de alguns pontos sobre a taxa de juros
tem consequências consideráveis.
O patrimônio sempre
foi tributado em função da localização dos ativos e não de seus detentores. Por
exemplo, o imposto sobre imóvel é pago sobrfe o imóvel parisiense mesmo que seu
detentor resida do outro lado do mundo, a despeito de sua nacionalidade.
Também é necessário
ressaltar que, na ausência de uma união política européia, podemos apostar que
as forças da concorrência fiscal continuarão s se fazer sentir. (...) Sem
querer exagerar, parece-me importante perceber que o curso normal da
concorrência fiscal é levar a uma predominância de impostos sobre os consumos,
ou seja, na direção de um sistema fiscal como o do século XIX (...)
Para que a taxa de
retorno do capital se reduza para a minúscula taxa de crescimento observada
antes do século XVIII (menos de 0,2%), é difícil imaginar o que isso poderia
representar em termos de relação capital/renda. Talvez fosse preciso ter
acumulado o equivalente a vinte ou trinta anos de renda nacional em capital, de
maneira que cada um dispusesse de tal quantidade de imóveis e casas,
equipamentos e máquinas, instrumentos de toda sorte, para que uma unidade
adicional de capital gerasse menos de 0,2% em produção adicional anual.
Para que a regra de
ouro seja satisfeita, é necessário ter acumulado tanto capital que este não
gere mais nada.
Assim, vemos que a
regra de ouro se assemelha a uma estratégia de "saturação do capital,
Várias razões levam
a pensar que não é muito sensato fixar os critérios orçamentários no mármore
jurídico ou constitucional. Em primeiro lugar, a experiência histórica sugere
que em caso de crise grave muitas vezes é necessário tomar, em regime de urgência,
decisões orçamentárias de uma magnitude impossível de imaginar antes da crise.
(...) levando em
conta o crescimento relativamente lento em vigor desde os anos 1970-1980,
estamos num período histórico em que a divida custa globalmente muito caro às finanças
públicas.
Mais do que se
inquietar com a dívida pública, é urgente nos preocuparmos com o aumento de
nosso capital educacional e evitar que nosso capital natural se degrade. Essa
questão é muito séria e complexa, pois não basta uma canetada (ou imposto sobre
o capital, o que dá no mesmo) para fazer desaparecer o efeito estufa. Na
prática, a interrogação central é a seguinte: se Stern estiver mais ou menos
certo e se for justificável gastar anualmente o equivalente a 5% do PIB mundial
para evitar uma catástrofe ambiental, temos certeza de que saberemos quais
investimentos realizar e como organizá-los?
553
De maneira mais
geral, parece-me importante insistir na conclusão sobre o fato de que um dos
grandes desafios do futuro é, sem sombra de dúvida, o desenvolvimento de novas
formas de propriedade e de controle democrático do capital. (...) O mercado e o voto são apenas duas
maneiras polarizadas de organizar as decisões coletivas. Novas formas de
participação e de governo ainda estão para ser inventadas.
O ponto essencial é
que essas diferentes formas de controle democrático do capital dependem, em
grande medida, do grau de informação econômica de que as pessoas dispõem.
Como regra geral, o
desafio mais importante para as ações coletivas diz respeito à publicação de
balanços detalhados das empresas privadas (e também das administrações
públicas), que sob a forma pública atual são absolutamente insatisfatórios para
permitir aos assalariados ou aos cidadãos comuns formar alguma opinião sobre os
assuntos em curso e, como conseqüência, intervir com suas decisões. (...)
Podemos afirmar que os assalariados e seus representantes não estão
suficientemente a par das realidades econômicas da empresa. Sem uma verdadeira transparência
contábil e financeira, sem informação partilhada, não pode haver democracia econômica.
Por outro lado, sem direitos concretos de intervenção nas decisões das empresas
(como os direitos de voto para os funcionários nos conselhos administrativos),
a transparência não tem grande utilidade. A informação deve nutrir as instituições
fiscais e democráticas; ela não é um fim em si. Para que a democracia venha um
dia a retomar o controle do capitalismo, é necessário, em primeiro lugar,
partir do princípio de que as formas genuínas de democracia e do capital estão
e sempre estarão para ser reinventadas.
555 - CONCLUSÃO
O empresário tende
inevitavelmente a se transformar em rentista e a dominar cada vez mais aqueles
que só possuem sua força de trabalho. Uma vez constituído o capital se
reproduza sozinho, mais rápido do que cresce a produção. O passado devora o
futuro.
O crescimento
certamente pode ser estimulado ao se investir em educação, conhecimento e
tecnologias não poluentes. Mas nada disso o elevará a taxas de 45 ou 5% ao ano.
A experiência histórica indica que somente os paises em processo de recuperação
dos níveis econômicos em relação a outros paises, como a Europa durante os
Trinta Gloriosos, ou a china e os paises emergentes de hoje, podem crescem em
tal ritmo. Para os que se situam na fronteira tecnológica mundial, e em ultima
instancia para o planeta como um todo, tudo leva a crer que a taxa de
crescimento não pode ultrapassar 1-1,5% ao ano no longo prazo, quaisquer que
sejam as políticas a serem seguidas.
(...) não há outra escolha para retomar o
controle do capitalismo a não ser apostar as fichas na democracia, sobretudo no
cenário europeu.
O Estado-nação
permanece sendo a escala pertinente para modernizar profundamente várias
políticas sociais e fiscais, e também, em certa medida, para desenvolver novas
formas de governança e propriedade partilhada, um intermediário entre
propriedade pública e privada, o que é um dos grandes desafios do futuro. No
entanto, somente a integração política regional permitirá almejar uma regulação
eficaz do capitalismo patrimonial globalizado do século que se inicia.
(...) é na
experiência histórica onde reside nossa principal fonte de conhecimento.
Me parece que os
pesquisadores em ciência sociais de todas as disciplinas, os jornalistas e
comentaristas, os militantes sindicai e os políticos de todas as tendências e,
sobretudo, todos os cidadãos deveriam se interessar com seriedade pelo
dinheiro, por sua medida, pelos fatos e pelas evoluções que o rodeiam. Aqueles que possuem muito nunca se esquecem
de defender seus interesses. Recusar-se a fazer contas raramente traz
benefícios aos mais pobres.