EXTRATO DE: 21 LIÇÕES PARA O SÉCULO 21
AUTOR: Yuval Noah Harari
Ed.: Companhia das Letras
(2018/2019)
INTRODUÇÃO
(...) a história não poupa
ninguém.
Todos têm problemas muito mais urgentes do que o
aquecimento global ou a crise da
democracia liberal.
(...) após o colapso do
fascismo e do comunismo agora o liberalismo está emperrado. Então para onde
caminhamos?
A fusão de tecnologia de
informação e biotecnologia pode em breve expulsar bilhões de seres humanos do
mercado de trabalho (...). Algoritmos de Big Data poderiam criar ditaduras
digitais nas quais todo o poder se concentra nas mãos de uma minúscula elite
enquanto a maior parte das pessoas sofre não em virtude de exploração, mas de
algo muito pior: irrelevância.
A democracia liberal é o
modelo político mais bem-sucedido e versátil que os humanos desenvolveram até
agora para lidar com os desafios do mundo moderno.
1.DESILUSÃO – O fim da história foi adiado
O sistema democrático ainda
está se esforçando por entender o que o atingiu, e está mal equipado para lidar
com os choques seguintes, como o advento da inteligência artificial e a
revolução da tecnologia de blockchain [tecnologia que possibilita a existência
de moedas criptografadas].
Redes peer-to-peer de
blockchain e criptomoedas poderão renovar completamente o sistema monetário, de
modo que reformas fiscais radicais serão inevitáveis. (...) Será que o sistema
político conseguirá lidar com a crise antes de ficar sem dinheiro?
Humanos sempre foram muito melhores
em inventar ferramentas do que em usá-las sabiamente.
O futuro está deixando as
pessoas comuns para trás. [Já em 2019, estamos nos sentindo cada vez mais
irrelevantes.]
Talvez no século XXI as
revoltas populares sejam dirigidas não contra uma elite econômica que explora
pessoas, mas contra a elite econômica que já não precisa delas.
Segundo certos parâmetros,
a Rússia é um dos países mais desiguais do mundo, com 87% da riqueza
concentrada nas mãos dos 10% mais ricos.
Os partidários do brexit
sonham em fazer da Inglaterra uma potência independente, como se ainda vivessem
na época da rainha Vitória e como se o “isolamento esplêndido” fosse uma
política viável na era da internet e do aquecimento global.
Pela primeira vez na história, doenças
infecciosas matam menos que idade avançada, fome mata menos que obesidade e
violência mata menos que acidentes.
O crescimento econômico não vai resolver a questão
da disrupção tecnológica – ele pressupõe a invenção de mais e mais tecnologias
disruptivas.
(...) as próximas
revoluções na biotecnologia e na tecnologia de informação (que ainda estão em
sua infância) exigirão novas visões e conceitos.
2.TRABALHO – Quando você crescer, talvez não tenha um
emprego.
Duas habilidades humanas
especialmente importantes para inteligência artificial são a conectividade e a
capacidade de atualização.
Hoje, cerca de 1,25 milhão de pessoas morrem todo ano em acidentes de trânsito
(o dobro das mortes causadas por guerra, crime e terrorismo somados). (...)
espera-se que a substituição de motoristas humanos por computadores reduza
mortes e ferimentos na estrada em cerca de 90%
Se apesar de todos os nossos esforços um percentual
significativo de gênero humano for excluído do mercado de trabalho, teremos de
explorar novos modelos de sociedades pó-trabalho, de economias pós-trabalho e
de política pós-trabalho.
(...) os vendedores de
sorvete mais bem-sucedidos do mundo são aqueles que o algoritmo do Google
coloca no topo da lista – não os que produzem o sorvete mais gostoso.
Pode-se discutir se é
melhor fornecer às pessoas uma renda básica universal (o paraíso capitalista)
ou serviços básicos universais (o paraíso comunista). Ambas as opções têm
vantagens e desvantagens. Mas não importa qual paraíso você escolha, o problema
real está em definir o que “universal” e “básico” realmente significam.
O Homo sapiens simplesmente
não é programado para se satisfazer. A felicidade humana depende menos de
condições objetivas e mais de nossas próprias expectativas, daquilo que
esperamos obter. (...) Quando as coisas melhoram, as expectativas inflam (...).
3.LIBERDADE – Big Data está vigiando você.
Se a democracia fosse
questão de tomadas de decisão racionais,
não haveria nenhum motivo para dar a todas as pessoas direitos iguais em
seus votos – ou talvez nem sequer o direito de votar.
Para o bem ou para o mal,
eleições e referendos não têm a ver com o que pensamos. Têm a ver com o que
sentimos. (...) nos dias de eleições os sentimentos – representados pelo se
voto - de uma trabalhadora doméstica sem instrução contam tanto quanto os de
qualquer outra pessoa.
Durantes milhares de anos
as pessoas acreditaram que a autoridade provinha de leis divinas e não do
coração humano, e que devíamos, portanto, santificar a palavra de Deus e a
liberdade humana. Foi só nos séculos mais recentes que a fonte da autoridade
passou das entidades celestiais para humanos de carne e osso. Em breve a
autoridade pode mudar novamente – dos humanos para os algoritmos.
Sentimentos são mecanismo
bioquímicos que todos os mamíferos e todas as aves usam para calcular
probabilidades de sobrevivência e reprodução. Sentimentos não se baseiam em intuição, inspiração ou liberdade – baseiam-se
em cálculos.
[No futuro] As pessoas
usufruirão dos melhores serviços de saúde
da história, mas justamente por isso estarão doentes o tempo todo. Existe
sempre algo errado em algum lugar do corpo. [No que me tange, já vivo isso.]
Hoje em dia, a “verdade” é definida pelos resultados
principais da busca do Google.
Uma vez que comecemos a
contar com a inteligência artificial para decidir o que estudar, onde trabalhar
e com quem casar, a vida humana deixará de ser um drama de tomada de decisão. Eleições democráticas e livres mercados não
farão muito sentido.
Como todos os mamíferos, o
Homo sapiens usa emoções para tomar rapidamente decisões de vida ou morte.
Herdamos nossa raiva,nosso medo e nossa paixão de milhões de ancestrais, que
passaram pelos mais rigorosos testes de qualidade da seleção natural.
A Tesla vai fabricar dois
modelos de carro autodirigido: o Tesla Altruísta e o Tesla Egoísta. Numa emergência,
o Altruísta sacrifica seu dono pelo bem maior, enquanto o Egoísta faz tudo o
que pode para salvar seu dono, mesmo que isso signifique matar os garotos que
atravessam a rua. Os clientes poderão então comprar o carro que melhor se
encaixe em sua visão filosófica.
Talvez o Estado devesse
intervir para regular o mercado, e instituir um código de ética a ser obedecido
por todos os carros autodirigidos?
Em tempos de guerra as emoções que assumem o
controle são muito frequentemente o medo, o ódio e a crueldade.
Em 16 de março de 1968, uma
companhia de soldados americanos ficou ensandecida na aldeia vietnamita de My
Lai e massacrou cerca de quatrocentos civis. Esse crime de guerra resultou da
iniciativa local de homens que tinham
estado envolvidos numa guerrilha na selva durante vários meses.
A maioria dos governos são
eticamente corruptos, se não explicitamente malignos.
No final do século XX as
democracias no geral superaram as ditaduras porque são melhores no
processamento de dados. A democracia difunde o poder para processar informação
e as decisões são tomadas por muitas pessoas e instituições, enquanto a
ditadura concentra informação e poder num só lugar.
A principal desvantagem dos
regimes autoritários do século XX – a tentativa de concentrar toda a informação
num só lugar – pode se tornar a vantagem decisiva no século XXI.
A democracia em seu formato
atual não será capaz de sobreviver à fusão da biotecnologia com a tecnologia de
informação. Ou a democracia se reinventa
com sucesso numa forma radicalmente nova, ou os humanos acabarão vivendo em
“ditaduras digitais”.
[Ao lhe ser negado um
pedido de empréstimo, o banco lhe dirá que “há algo específico em você de que o
algoritmo não gosta, nós não sabemos o que é mas confiamos nele”.]
4.IGUALDADE – Os donos dos dados são os donos do futuro
Depois da revolução
agrícola, a propriedade multiplicou-se e com ela a desigualdade. (...) a
hierarquia não era apenas a norma, mas
também o ideal. como poderia haver ordem
sem uma hierarquia clara entre aristocratas e pessoas comuns, entre homens e
mulheres, entre pais e filhos? (...) os pés têm de obedecer à cabeça -, também na sociedade humana a igualdade só
traz o caos.
Alguns grupos monopolizam
cada vez mais os frutos da globalização, enquanto bilhões são deixados para
trás. Hoje, o 1% mais rico é dono de metade da riqueza do mundo. Ainda mais
alarmante, as cem pessoas mais ricas possuem juntas mais do que as 4 bilhões
mais pobres.
Se os novos tratamentos
para prolongar a vida e aprimorar
habilidades físicas e cognitivas forem dispendiosos, o gênero humano
poderia se dividir em castas biológicas.
No decorrer da história, os
ricos e a aristocracia sempre imaginaram que tinham qualificações superiores às
de todos os outros, e que por isso estavam no controle.
Se quisermos evitar a
concentração de toda a riqueza e de todo o poder nas mãos de uma pequena elite,
a chave é regulamentar a propriedade dos dados. Antigamente a terra era o ativo
mais importante no mundo, a política era o esforço por controlar a terra, e se
muitas terras acabassem se concentrando em poucas mãos – a sociedade se dividia
em aristocratas e pessoas comuns. Na era moderna, máquinas e fábricas
tornaram-se mais importantes que a terra (...). No século XXI, os dados vão
suplantar tanto a terra quanto a maquinaria como o ativo mais importante, e a
política será o esforço por controlar o fluxo de dados.
[Para a inteligência artificial] nós não somos seus
clientes – somos seu produto.
No presente, as pessoas ficam contentes de ceder seu
ativo mais valioso – seus dados pessoais – em troca de serviços de e-mail e
vídeos de gatinhos fofos gratuitos.
A questão-chave é: quem é
dono dos dados? Os dados de meu DNA, meu cérebro e minha vida pertencem a mim,
ao governo, a uma corporação ou ao coletivo humano?
Toda solução para o desafio tecnológico deve
envolver cooperação global. Porém o nacionalismo, a religião e a cultura
dividem o gênero humano em campos hostis e fazem com que seja muito difícil
cooperar no nível global.
5.COMUNIDADE – Os humanos têm corpos.
Nos dois séculos passados as comunidades íntimas se
desintegraram. [Hoje] as pessoas vivem vidas cada vez mais solitárias num
planeta cada vez mais conectado.
Humanos viveram milhões de
anos sem religiões e sem nações (...)
O Homo sapiens mediano é
incapaz de conhecer intimamente mais de 150 indivíduos.
Uma verdadeira revolução
cedo ou tarde exigirá sacrifícios que corporações, seus empregados e seus
acionistas não querem fazer.
6.CIVILIZAÇÃO – Só existe uma civilização no mundo.
Assim como na natureza
espécies diferentes lutam pela sobrevivência de acordo com as impiedosas leis
da seleção natural, ao longo da história civilizações têm entrado em choque repetidamente,
e apenas a mais bem preparada sobrevivia.
Islâmicos radicais têm sido
influenciados tanto por Marx e Foucault quanto por Maomé, e herdaram o legado
de anarquistas europeus do século XIX tanto quanto o dos califas omíadas e
abássidas.
Grupos humanos têm sistemas sociais distinto, mas
eles não são determinados geneticamente,
e quase nunca duram mais que alguns séculos.
Apesar de toda a sua glória
e influência, a democracia ateniense foi um experimento ambíguo que mal
sobreviveu duzentos anos num pequeno canto dos Bálcãs.
Grupos humanos se definem
mais pelas mudanças por que passam do que pela continuidade (...)
Considere-se, por exemplo,
as atitudes judaicas em relação às mulheres. Atualmente judeus ultraortodoxos
banem imagens de mulheres da esfera pública. Outdoors e anúncios dirigidos a
judeus ultraortodoxos exibem apenas homens e meninos – nunca mulheres e
meninas.
O Islã [e todas as demais
religiões] não têm um DNA fixo. O Islã é aquilo que os muçulmanos fizerem dele.
Dez mil anos atrás o gênero
humano estava dividido em incontáveis tribos isoladas.
A guerra difunde idéias,
tecnologias e pessoas muito mais rápido que o comércio.
A única coisa que unia
práticas médicas européias, chinesas, africanas ou americanas era que em toda
parte no mínimo um terço das crianças morriam antes de se tornarem adultas, e a
expectativa de vida média era bem abaixo dos cinquenta anos. Hoje, se você
adoecer, faz muito menos diferença o lugar onde vive.
Em
As pessoas com quem brigamos mais frequentemente são
membros de nossa própria família. A identidade é definida mais por conflitos e
dilemas do que por concordâncias.
Sejam quais forem as
mudanças que nos esperam no futuro, elas
provavelmente envolverão uma luta fraternal dentro de uma única civilização e
não um embate entre civilizações estranhas. Os grandes desafios do século XXI
serão de natureza global. O que acontecerá quando a mudança climática provocar
catástrofes ecológicas?
7.NACIONALISMO – Problemas globais exigem respostas globais
O nacionalismo não é inato à psique humana e não tem
raízes biológicas.
(...) a lealdade a milhões
de pessoas totalmente estranhas não é natural para os humanos. Essas lealdades
em massa só apareceram nos últimos poucos milhares de anos e exigem imensos
esforços de construção social.
(...) o nacionalismo ainda
é capaz de seduzir até mesmo cidadãos da Europa e dos Estados Unidos, mais
ainda da Rússia, da Índia e da China. Alienadas pelas forças impessoais do
capitalismo global, e temendo pelo destino de seus sistemas nacionais de saúde,
educação e bem-estar social, pessoas em todo o mundo vão buscar conforto e
sentido no seio da nação.
Em 2016, apesar da guerra na Síria, na Ucrânia e
vários outros focos de tensão, menos pessoas morreram devido à violência humana
do que a obesidade, acidentes de carro e suicídio. Essa talvez seja a maior
realização política e moral de nossos tempos.
A
agricultura, as cidades e as sociedades complexas existem há menos de 10 mil
anos [período denominado Holoceno]).
Haverá uma resposta
nacionalista à ameaça ecológica?
(...) dentro de mais uma década espera-se que a
carne limpa produzida industrialmente seja mais barata do que a carne abatida.
Para proteger Xangai, Hong
Kong e Tóquio de inundações e tufões
destrutivos, chineses e japoneses terão de convencer os governos russo e
americano a abandonar seu comportamento tradicional.
Enquanto temperaturas mais altas provavelmente
transformariam a China num deserto, elas podem simultaneamente fazer da Sibéria
o celeiro do mundo.
Rússia, Irã e Arábia Saudita dependem da exportação
de petróleo e gás. Suas economias entrarão em colapso se o petróleo e o gás de repente
derem lugar ao Sol e ao vento.
Especialmente num mundo
xenofóbico em que um devora o outro, se um único país optar por seguir um
caminho tecnológico de alto ganho e alto risco, outros países serão obrigados a
fazer o mesmo, porque ninguém pode se dar ao luxo de ficar para trás.
Cada um desses três problemas – guerra nuclear,
colapso ecológico e disrupção tecnológica – é suficiente para ameaçar o futuro
da civilização.
Países envolvidos em competição armamentista não são
propensos a concordar com restrições ao desenvolvimento de inteligência
artificial, e países que se esforçam por ultrapassar as conquistas tecnológicas
de seus rivais acharão muito difícil concordar com um plano comum para deter a
mudança climática.
Se queremos sobreviver e
florescer, o gênero humano não tem outra opção a não ser complementar essas
lealdades locais com obrigações reais para com a comunidade global.
8.RELIGIÃO – Deus agora serve à nação
Os cientistas aprendem
gradualmente como cultivar melhores safras e fazer remédios melhores, enquanto
os sacerdotes e os gurus só aprendem a dar melhores desculpas. (...) Quando
coisas realmente funcionam todos as adotam [independente de suas culturas].
Não importa qual seja a política
econômica escolhida por Khamenei, ele sempre poderá encaixá-la no Corão. Com
isso, o Corão é rebaixado de fonte do verdadeiro conhecimento para fonte de
mera autoridade. (...) depois de formular uma resposta, você se volta para o
Corão e o lê atentamente em busca de uma sura que, se interpretada
criativamente, é capaz de justificar a decisão que você foi buscar em Hayek ou
em Marx.
Todas as identidades de massa são baseadas em
narrativas ficcionais, não em fatos científicos ou mesmo necessidades
econômicas.
No século XXI as religiões
não trazem chuva, não curam doenças, não constroem bombas – mas sim determinam
quem somos “nós” e quem são “eles”, quem devemos curar e quem devemos
bombardear.
Sejam belas ou feias, todas as tradições religiosas
unem certas pessoas enquanto as distinguem de seus vizinhos.
Kamikazes se apoiavam na
combinação de uma tecnologia de ponta com uma doutrinação religiosa de ponta.
Não importa quão arcaica
uma religião possa parecer, com um pouco de imaginação e reinterpretarão ela
quase sempre pode se casar com as mais recentes engenhocas tecnológicas e as
mais sofisticadas instituições modernas.
9.IMIGRAÇÃO – Algumas culturas talvez sejam melhores que
outras
Os suecos trabalharam duro
e fizeram numerosos sacrifícios para construir uma próspera democracia liberal,
e, se os sírios não conseguiram fazer a mesma coisa, não é culpa dos suecos. Se
os eleitores suecos não querem que entrem mais imigrantes sírios – seja qual
for o motivo – é seu direito recusar a entrada. (...) O que significa que os imigrantes
aos quais se permite que entrem na Suécia deveriam sentir-se extremamente
gratos pelo que for que conseguirem, em vez de virem com uma lista de exigências,
como se fossem os donos do lugar.
Exatamente porque a Europa
acalenta a tolerância, não pode permitir que entrem muitas pessoas
intolerantes. Enquanto uma sociedade tolerante é capaz de lidar com pequenas
minorias não liberais, se o número desses extremistas exceder um certo limite,
toda a natureza da sociedade se transforma. Se a Europa permitir a entrada de
uma quantidade excessiva de imigrantes do Oriente Médio, ela vai acabar se
parecendo com o Oriente Médio.
Quando uma sociedade
oferece uma posterior igualdade total, tem o direito de exigir assimilação
total. Se os imigrantes têm algum problema com certas peculiaridades da cultura
britânica, alemã ou sueca, estão convidados a irem para outro lugar.
Se seus avós chegaram aqui
há quarenta anos e você agora entra em manifestações nas ruas porque acha que
não é tratado como um nativo, então você fracassou no teste.
A raiz desse debate tem a
ver com diferença entre uma escala de tempo pessoal e uma escala de tempo
coletiva. Do ponto de vista dos coletivos
humanos, quarenta anos é pouco tempo.
Se 1 milhão de imigrantes
são cidadãos que respeitam a lei, mas cem juntam-se a grupos terroristas e
atacam o país anfitrião, isso significa que, no geral, os imigrantes respeitam
ou desrespeitam os termos do acordo?
O racismo tradicional está
desaparecendo, mas o mundo está agora cheio de “culturistas”.
A polícia olha para a cor
de sua pele com suspeita não por qualquer razão biológica, mas devido à
história.
Mesmo sendo a cultura
importante, as pessoas são modeladas por seus genes e por sua história pessoal
única. Indivíduos desafiam estereótipos estatísticos.
Se gregos e alemães não conseguirem se entender
quanto a um destino comum, e se 500 milhões de europeus afluentes não forem
capazes de absorver uns poucos milhões de refugiados empobrecidos, que
possibilidades terão os humanos de superar os conflitos muito mais profundos
que assolam nossa civilização?
O terrorismo é a arma de um segmento marginal e
fraco da humanidade. Como ele veio a dominar a política global?
10.TERRORISMO – Não entre em pânico
A cada ano acidentes de trânsito matam cerca de 80
mil europeus, 40 mil americanos, 270 mil chineses e 1,25
milhão no total. Diabetes e níveis elevados de açúcar matam até 3,5
milhões de pessoas por ano, e a poluição do ar, cerca de 7 milhões. Então por
que temer o terrorismo mais do que o açúcar, e por que governos perdem eleições
por causa de ataques terroristas esporádicos, mas não por causa da poluição
crônica do ar?
Por que a memória pública
atribui muito mais importância à destruição de dois prédios civis e à morte de
corretores e contadores?
É porque o prédio do
Pentágono é relativamente uniforme e despretensioso, enquanto o World Trade
Center era um enorme totem fálico cujo colapso tem imenso efeito audiovisual.
(...) Como entendemos o terrorismo como um teatro, nó o julgamos mais por seu impacto emocional
do que material.
Por que os Estados são tão
sensíveis às provocações terroristas?
Os Estados têm dificuldade
para resistir a essas provocações porque sua legitimidade baseia-se na promessa
de manter a esfera pública livre de violência política.
Na França, por
exemplo, são relatados às autoridades
mais de 10 mil casos de estupro por ano, e provavelmente dezenas de milhas de
outros nem são reportados.
Na Idade Média, a esfera
pública estava cheia de violência política. (...) Quando um abade morria e
surgia uma disputa sucessória, facções rivais – que compreendiam monges, poderosos
locais e vizinhos preocupados – frequentemente recorriam às armas para resolver
a questão.
Para ser levado a sério era
preciso pelo menos ter obtido o controle de um ou dois castelos fortificados. O
terrorismo não preocupava nossos ancestrais medievais porque eles tinham problemas
muito maiores com os quais lidar.
Uma pequena moeda num grande jarro vazio faz muito
barulho.
É o nosso próprio terror interno que incita a mídia
a se obcecar com o terrorismo, e o governo a reagir com exagero.
Se liberarmos nossa imaginação e reagirmos de forma
equilibrada e sensata – o terrorismo fracassará.
Enquanto o terrorismo hoje
é principalmente teatro, o terrorismo nuclear, o ciberterrorismo ou o
bioterrorismo representariam, no futuro, uma ameaça muito mais séria, e
exigiriam uma reação mais drásticas dos governos.
Simplesmente não sabemos nos preparar para toda e
qualquer eventualidade.
11.GUERRA – Nunca subestime a estupidez humana
As últimas décadas têm sido a era mais pacífica na história humana.
Em
Os romanos prosperaram
vendendo gregos e galeses cativos, e os
americanos, no século XIX, ocupando as minas de ouro da Califórnia e as
fazendas de gado do Texas.
Corporações como Apple, o
Facebook e o Google valem centenas de bilhões de dólares, mas não é possível se
apropriar dessas fortunas pela força. Não existem minas de silício no Vale do
Silício.
A bomba atômica transformou
a vitória numa guerra mundial num suicídio coletivo.
Se os Estados Unidos
atacassem agora um, país que possua capacidade para guerra cibernética, mesmo
que moderada, a guerra poderia ser levada à Califórnia e a Illinois
em minutos. Softwares contendo vírus e códigos maliciosos podem causar a parada
do tráfego aéreo em Dallas, fazer trens colidirem na Filadélfia interromper o
fornecimento de eletricidade em Michigan.
Armas nucleares e guerra
cibernética, são tecnologias altamente danosas e de baixa lucratividade.
Podem-se usar essas ferramentas para destruir países inteiros, mas não para
construir impérios lucrativos.
Tanto no nível pessoal quanto no coletivo, os
humanos são propensos a se engajar em atividades autodestrutivas.
A estupidez humana é uma
das forças mais importantes na história, porém com freqüência tendemos a desconsiderá-la.
Políticos, generais e estudiosos tratam o mundo como se fosse um grande jogo de
xadrez, no qual cada movimento deve seguir-se a cuidadosos cálculos racionais.
(...) o problema é que o mundo é muito mais complicado que um tabuleiro de
xadrez, e a racionalidade humana não está à altura da tarefa de realmente
compreender esse fato. Por isso até mesmo líderes racionais muitas vezes acabam fazendo coisas muito estúpidas.
(...) nenhum deus e nenhuma
lei da natureza nos protegem da estupidez humana.
Tensões nacionais, religiosas e culturais são
agravadas pelo sentimento grandioso de que minha nação, minha religião e minha
cultura são as mais importantes no mundo. (...).
12.HUMILDADE – Você não é o centro do mundo
É desnecessário dizer que o
gênero humano teria vivido numa bárbara e imoral ignorância não fosse pelas
espetaculares conquistas de sua nação. Ao
longo da história, alguns povos chegaram a ponto de imaginar que suas
instituições políticas e práticas religiosas eram essenciais para as próprias
leis da física.
Todas essas alegações são
falsas. Elas combinam uma ignorância intencional da história com uma dose de
racismo.
(...) Judeus seculares
(...) acreditam que o povo judeu é o herói central da história e o manancial
definitivo da moralidade, espiritualidade e aprendizado humanos. A China, a
Índia, a Austrália e mesmo as galáxias distantes serão todas aniquiladas se os
rabis em Jerusalém e no Brooklyn pararem de debater o Talmude.
O Antigo Testamento hebraico
acabou se tornando a pedra angular da cultura humana global porque foi
calorosamente adotado pelo cristianismo e incorporado na Bíblia.
A ideia de que os Dez
Mandamentos sejam o sustentáculo da moralidade é uma ideia sem fundamento e
insolente, que ignora muitas das mais importantes tradições éticas do mundo.
Aparentemente os chimpanzés
líderes desenvolveram a inclinação a ajudar os pobres, órfãos e necessitados
milhões de anos antes que a bíblia instruísse os antigos israelitas a “não
afligirei a nenhuma viúva ou órfão”, e antes de o profeta Amós reclamar das
elites sociais que “oprimem os fracos e esmagam os indigentes”.
Mil anos antes de o profeta
Amós repreender as elites israelitas por seu comportamento opressor, o rei
babilônio Hamurabi explicou que os grandes deuses o instruíram a “demonstrar
justiça no país, destruir o mal e a perversidade e impedir que os poderosos
explorem os fracos”.
Alguns sábios judeus alegaram que até mesmo o famoso
mandamento “Ama o próximo como a ti mesmo” refere-se apenas a judeus, e que não
existe nenhum mandamento para amar gentios.
A bíblia está longe de ser
a fonte exclusiva da moralidade humana (e felizmente é assim, em vista das
muitas atitudes racistas, misóginas e homofóbicas que ela contém).
A primeira evidência clara
de monoteísmo vem da revolução religiosa do faraó Aquenatón, por volta de
O que o monoteísmo sem dúvida
fez foi deixar as pessoas muito mais intolerantes do que eram, contribuindo
assim para a disseminação das perseguições religiosas e guerras santas.
Quando o cristianismo se
tornou a religião oficial, os imperadores romanos adotaram uma abordagem bem
diferente. A começar com Constantino, o Grande, e seu filho Constâncio I, os
imperadores fecharam todos os templos não cristãos e proibiram os assim
chamados rituais “pagãos”, sob pena de morte.
13.DEUS – Não tomarás o nome de Deus em vão.
Por que existe algo, em vez de nada? O que moldou as
leis fundamentais da física? O que é a consciência, e de onde ela vem? Não
temos resposta para essas perguntas, e damos à nossa ignorância o grandioso
nome de Deus.
Moralidade não quer dizer “cumprir os mandamentos
divinos”. Quer dizer “diminuir o sofrimento”.
O seu próprio interesse – e não a ordem de algum
Deus – é que deveria induzir você a fazer alguma coisa quanto a sua raiva. Se você se livrar totalmente dela, vai se sentir
muito melhor do que se assassinar um inimigo.
O valor do Deus legislador depende em última análise
do comportamento de seus devotos.
14.SECULARISMO – Tenha consciência de sua sombra
O secularismo é uma visão
de mundo muito positiva e ativa, definida por um código de valores coerentes, e
não pela oposição a esta ou aquela religião.
Uma das principais
características das pessoas seculares é que elas não reivindicam esse
monopólio. Não pensam que moralidade e sabedoria tenham descido do céu num
lugar e tempo específicos. E sim que moralidade e sabedoria são o legado
natural de todos os humanos.
O que é então o ideal
secular? O compromisso secular mais importante é com a verdade, que se baseia
em observação e evidência e não apenas na fé. (...) (Muitas vezes crenças fortes são necessárias justamente porque a
narrativa não é verdadeira.)
Quando pessoas seculares se
deparam com esses dilemas elas não perguntam: “O que Deus ordena?”. Em vez
disso, avaliam cuidadosamente os sentimentos de todas as partes envolvidas,
examinam um amplo espectro de observações e possibilidades e buscam um caminho
do meio que cause o menor dano possível.
Não seremos capazes de buscar a verdade e uma saída
para o sofrimento sem a liberdade de pensar, investigar e experimentar.
Pessoas temerosas de perder sua verdade são
propensas a ser mais violentas do que pessoas acostumadas a olhar para o mundo
de diferentes pontos de vista.
Há muitos cientistas
judeus, ambientalistas cristãos, feministas muçulmanos e ativistas de direitos
humanos hindus. Se forem leais à verdade científica,à
compaixão, à igualdade e à liberdade, serão membros integrais do mundo secular,
e não há nenhum motivo para solicitar que tirem seus solidéus, suas cruzes,
seus hijabs ou tilakas.
Se estamos comprometidos
com o direito à vida, isso implicaria que devemos usar a biotecnologia para
superar a morte? Se estamos comprometidos com o direito a liberdade, deveríamos
conferir poder a algoritmos que decifram e realizam desejos ocultos? Se humanos desfrutam de direitos humanos iguais,
super-humanos deveriam desfrutar de superdireitos? As pessoas seculares encontrarão
dificuldades para se envolver nessas questões enquanto estiverem comprometidas
com a crença dogmática em “direitos humanos”.
Toda religião, ideologia e
credo tem sua sombra e, não importa qual o credo que você segue, deveria tomar consciência
de sua sombra e evitar a ingênua certeza de “isso não pode acontecer conosco”.
Eu confiaria mais naqueles
que admitem ignorância do que naqueles que alegam infalibilidade.
Se você se sente impotente e confuso diante da
situação global, está no caminho certo. Processos globais são complicados
demais para que uma única pessoa os compreenda. Como então saber a verdade
sobre o mundo e não ser vítima de propaganda e desinformação?
15.IGNORÂNCIA – Você sabe menos do que pensa que sabe
A democracia fundamenta-se
na ideia de que o eleitor sabe o que é melhor, o livre mercado capitalista
acredita que o cliente tem sempre razão, e a educação liberal ensina os
estudantes a pensarem por si mesmos. No entanto, é um erro depositar tanta confiança
no indivíduo racional.
(...) a maioria das
decisões humanas é baseada em reações emocionais e atalhos heurísticos e não em
análise racional.
O que deu ao homo sapiens
uma vantagem em relação a todos os outros animais e nos tornou os senhores do
planeta não foi nossa racionalidade individual, mas nossa incomparável
capacidade de pensar juntos em grandes grupos. (...) Baseamo-nos na expertise
de outros para quase todas as nossas necessidades.
Nossa confiança no
pensamento de grupo nos fez senhores do mundo, e a ilusão do conhecimento nos
permite atravessar a vida sem cairmos em um esforço impossível para compreender
tudo por nós mesmos.
(...) as pessoas não se dão conta de quão ignorantes
são.
As pessoas mantêm opiniões muito firmes quanto ao
que deveria ser feito no Iraque ou na Ucrânia, sem serem capazes de localizar
esses países no mapa.
A maioria das pessoas não gosta de dados demais, e
certamente não gosta de se sentir idiota.
Se você quiser se
aprofundar em qualquer assunto, vai precisar de mito tempo e, principalmente,
do privilégio de poder desperdiçar tempo. Terá de experimentar caminhos
improdutivos, explorar becos sem saida, abrifr espaço para as dúvidas e o tédio
e permitir que pequenas sementes de idéias cresçam e floresçam. Se você não pode se dar ao luxo de perder
tempo, nunca encontrará a verdade.
Poder diz respeito a mudar a realidade e não a enxergá-la
como ela é.
16.JUSTIÇA – Nosso senso de justiça pode estar
desatualizado
O senso de justiça dos
nossos ancestrais era estruturado para lidar com dilemas relativos à vida de
algumas dezenas de pessoas em poucas dezenas de quilômetros quadrados. Quando
tentamos compreender relações entre milhões de pessoas em continentes inteiros,
nosso senso moral fica assoberbado.
O sistema está estruturado de tal maneira que
aqueles que não se esforçam por saber podem permanecer numa feliz ignorância, e
os que fazem um esforço vão descobrir que é muito difícil saber a verdade.
Como podemos agir moralmente quando não temos como conhecer
todos os fatos relevantes?
Encantadoras damas inglesas
financiaram o tráfico de escravos no Atlântico comprando ações e títulos na
Bolsa de Londres, sem nunca terem posto o pé na África ou no Caribe. Elas
depois adoçavam o chá das quatro com cubos de açúcar brancos como a neve,
produzidos em plantations infernais –
sobre as quais elas nada sabiam.
Algo está errado quanto às
intenções de quem não faz um esforço sincero para saber.
Mas o que pode ser
considerado “um esforço sincero para saber”? Deveriam os chefes dos correios em
cada país abrir a correspondência que estão entregando
e se demitirem ou se revoltarem se descobrirem propaganda do governo?
Sem a vantagem da visão retrospectiva, a certeza
moral pode estar fora de nosso alcance. A verdade amarga é que o mundo ficou
complicado demais para nosso cérebro de caçadores-coletores.
Um homem afro-americano com
trinta anos de idade tem uma experiência de trinta anos do que significa ser um
homem afro-americano. Mas não tem experiência do que é ser uma mulher afro-americana,
uma cigana búlgara, uma russa cega ou uma lésbica chinesa.
Daí que crescer como negro
em Baltimore dificilmente faz com que seja fácil compreender a luta de crescer
como lésbica em Hangzhou.
Em épocas mais antigas isso
tinha menos importância, porque você não se sentia responsável pelas
dificuldades de gente que vivia do outro lado do mundo. Em geral, fazer um
esforço para simpatizar com seus vizinhos menos afortunados já era suficiente.
(...) Como compreender a rede de relações entre milhares de grupos que se
intersectam por todo o mundo?
A maioria de nós não é mais capaz de compreender os
grandes problemas reais do mundo.
Ao tentar entender e julgar
dilemas morais as pessoas frequentemente recorrem a um de quatro métodos.
1º - minimizar a questão. A complexidade histórica do conflito [na
Síria] é substituída por uma trama simples e clara.
2º - focar numa narrativa
humana tocante. Isto é algo que as instituições de caridade compreenderam
durante muito tempo.
3º - tecer teorias de
conspiração. É muito mais fácil imaginar que vinte multibilionários estão
puxando as cordinhas nos bastidores, controlando a mídia e fomentando guerras
para enriquecer. [A questão é que] ninguém compreende realmente o que está
acontecendo no mundo.
4º - Criar um dogma,
depositar nossa fé em alguma teoria, instituição ou liderança e segui-la. Eles
nos oferecem um porto seguro para a frustrante complexidade da realidade.
Todas as tribos humanas existentes estão empenhadas
em fazer avançar seus interesses particulares e não em compreender a verdade
global.
17.PÓS-VERDADE – Algumas fake news
duram para sempre
Enquanto todos
acreditamos nas mesmas ficções, todos nós obedecemos às mesmas leis e,
portanto, cooperamos efetivamente.
Temos zero evidência
científica de que Eva foi tentada pela serpente, que as almas dos infiéis ardem
no inferno depois que morrem ou que os criados do universo não gostam quando um
brâmane se casa com um intocável – mas bilhões de pessoas têm acreditado nessas
narrativas durante milhares de anos. Algumas
fake news duram para sempre.
Para o bem ou para o mal, a ficção está entre os
instrumentos mais eficazes na caixa de ferramentas da humanidade.
O Senado Romano alegava ter
o poder de transformar pessoas em deuses, e depois esperava que os súditos do
império cultuassem esses deuses. Isso não era ficção?
Para Joseph Goebbels, “uma
mentira dita uma vez continua uma mentira, mas uma mentira dita mil vezes
torna-se verdade”.
O poder da cooperação humana depende de um delicado
equilíbrio entre a verdade e a ficção. Se você distorcer demais a realidade,
isso na verdade vai enfraquecê-lo, fazendo-o agir de maneira irrealista.
Se ficar preso à realidade crua, poucas pessoas o
seguirão.
Pedir às pessoas que
acreditem num absurdo é um teste muito melhor do que pedir que acreditem na
verdade. (...) Se todos os seus vizinhos acreditarem na mesma história absurda,
você pode contar com eles em momentos de crise.
[Uma nota de dólar ou qualquer outra moeda] é, na
verdade, um pedaço de papel sem valor, mas, como outras pessoas o consideram
valioso, posso fazer uso dele. (...) Aprendemos a respeitar livros sagrados da mesmíssima
maneira que aprendemos a respeitar notas de dinheiro.
Daí que, na prática, não
existe uma divisão clara entre “saber que algo é apenas uma convenção humana” e
“crer que algo é inerentemente valioso”.
(...) você poderá descobrir
que nações são elaboradas invencionices.
Se você quer poder, em algum momento terá de
disseminar mentiras. Se você quiser saber a verdade sobre o mundo, em algum
momento terá de renunciar ao poder.
Os intelectualmente mais
poderosos – fossem sacerdotes cristãos, mandarins confucianos ou ideólogos
comunistas – puseram a união acima da verdade. E justamente por isso eram tão
poderosos.
Se você sonha com uma sociedade na qual a verdade reina
suprema e os mitos são ignorados, não pode esperar muito do Homo sapiens.
Melhor tentar a sorte com os chipanzés.
Em vez de aceitar as fake news
como a norma, deveríamos reconhecer que é um problema muito mais difícil do que
supomos, e que deveríamos nos esforçar ainda mais para distinguir a realidade
da ficção. (...) nenhum jornal está livre de vieses e erros, mas alguns fazem
um esforço honesto de descobrir a verdade, enquanto outros são uma máquina de
lavagem cerebral.
É responsabilidade de todos nós (...) verificar
nossas fontes de informação.
[Para isso] duas regras
gerais simples:
1ª – se você quer uma
informação confiável, pague por ela. [Não necessariamente será confiável.]
2ª – se algum assunto
parece ser importante para você, faça o esforço de ler literatura científica
relevante sobre ele.
Silêncio não é neutralidade, é apoio ao status quo.
18.FICÇÃO CIENTÍFICA – O futuro não é o que você vê nos
filmes
[No futuro] Devemos temer
um conflito entre uma pequena elite de super-humanos com poderes ampliados por
algoritmos e uma vasta subclasse de Homo sapiens sem nenhum poder.
Na verdade, tudo o que você experimentar na vida
está dentro de seu próprio corpo e sua própria mente.
O que quer que você seja capaz de sentir em Fiji,
você é capaz de sentir em qualquer lugar do mundo (...).
Segundo as melhores teorias
científicas e as mais atualizadas ferramentas tecnológicas, a mente nunca está
livre de manipulação. Não existe um “eu” autêntico esperando ser libertado da
carapaça da manipulação.
No admirável mundo novo de
Huxley, o Governo Mundial utiliza biotecnologia avançada e engenharia social
para garantir que todos estejam sempre contentes e que ninguém tenha nenhum
motivo para se rebelar.
O genial em Huxley consiste em demonstrar que é
possível controlar pessoas com muito
mais segurança mediante amor e prazer do que por medo e violência.
[Em Admirável Mundo Novo] John
então questiona as idéias que sustentam a ordem global, e acusa o Governo
Mundial de que, na busca da felicidade, ele eliminou não só a verdade e a beleza,
mas tudo o que é nobre e heroico na vida.
“Meu jovem querido amigo”,
diz Mustafá Mond, “a civilização não precisa de nobreza ou heroísmo. Essas
coisas são sintomas de ineficiência política”.
“Tudo bem, então”, disse o Selvagem, desafiador.
“Estou reivindicando o direito de ser infeliz.”
“Sem falar no direito de ficar velho, feio e
impotente; o direito de ter sífilis e câncer; o direito de ter muito pouco o
que comer; o direito de ser horrível; o direito de viver em constante apreensão
quanto ao que vai acontecer amanhã; o direito de pegar tifo; o direito de ser
torturado por dores indizíveis de todo tipo”.
Houve um longo silencio.
“Reivindico tudo isso”, disse o Selvagem afinal.
Mustafá Mond deu de ombros. “Disponha”, disse ele.
19.EDUCAÇÃO – A mudança é a única constante
Uma vez tendo a tecnologia
nos capacitado a projetar e construir corpos, cérebros e mentes, não podemos
mais ter certeza de nada – inclusive coisas que antes pareciam ser fixas e
eternas.
Hoje não temos ideia de que
aspecto terão a China e o resto do mundo em 2050. Não
sabemos o que as pessoas farão para ganhar a vida e não sabemos como vão funcionar
exércitos ou burocracias, e não sabemos como serão as relações entre os
gêneros.
Nenhum governo pode ter esperança
de esconder toda informação da qual ele não gosta. Por outro lado, é alarmantemente fácil inundar o público
com relatos conflitantes e pistas falsas.
Num mundo assim, a última coisa que um professor
precisa dar a seus alunos é informação. (...) As pessoas precisam de capacidade
para extrair um sentido da informação, perceber a diferença entre o que é
importante e o que não é, e acima de tudo combinar os muitos fragmentos de
informação num amplo quadro do mundo.
Como você deve agir quando
estiver inundado por enormes quantidades de informação e não houver meios de
absorvê-la e analisá-la? Como viver num mundo em que uma profunda incerteza não
é um bug, e sim uma característica?
Milhares de anos atrás, os
humanos inventaram a agricultura, mas essa tecnologia só enriqueceu uma pequena
elite, enquanto escravizava a maioria dos humanos.
A voz que ouvimos dentro de
nossa cabeça nunca foi confiável, porque sempre refletiu propaganda oficial, lavagem
cerebral ideológica e publicidade comercial, sem falar nos bugs bioquímicos.
Para ser bem-sucedido numa
tarefa tão intimidadora, você terá de trabalhar muito duro para conhecer melhor
seu sistema operacional. (...) Coca-Cola, Amazon, Baidu e o governo estão todos
correndo para hackear você. (...) Você
pode ter ouvido dizer que estamos vivendo uma era de hackeamento de
computadores, mas isso não é nem metade da verdade. A verdade é que estamos
vivendo na era do hackeamento de humanos.
Se os algoritmos realmente compreenderem melhor que
você o que está acontecendo dentro de você, a autoridade passará para eles.
Se você quiser manter algum controle sobre sua
existência pessoal e futuro de sua vida, terá de correr mais rápido que os
algoritmos e conseguir conhecer a si mesmo melhor do que eles conhecem. Para correr
tão rápido, não leve muita bagagem consigo. Deixe para trás suas ilusões. Elas
são pesadas demais.
20.SENTIDO – A vida não é uma história
Antílopes comem capim,
leões comem antílopes, e quando os leões morrem seu corpo se decompõe e
alimenta o capim.
O que são uns poucos mortos comparados com a
eternidade?
Será que alguém acredita
seriamente que o povo judeu, o Estado de Israel ou acidade de Jerusalém ainda
existirão dentro de 13 mil anos, que dirá 13 bilhões de anos?
Toda narrativa é incompleta.
Para dar sentido a minha
vida, uma narrativa precisa satisfazer apenas duas condições: primeiro, tem de
dar a mim algum papel a desempenhar. (...) Assim
como as estrelas do cinema, os humanos só gostam dos roteiros que reservam
papéis importantes para eles.
Segundo, uma boa narrativa
tem de se estender além de meus horizontes. A narrativa me provê de uma
identidade e dá sentido a minha vida ao me incorporar a algo maior do que eu
mesmo.
A maioria das histórias
bem-sucedidas não se fecha.
Se você tecer uma narrativa
boa o bastante, não ocorrerá a ninguém perguntar sobre onde o elefante se
apoia.
Pessoas não precisam de um dogma elaborado – só
precisam de um sentimento reconfortante de que sua narrativa continua além do
horizonte da morte.
Perguntaram a um homem idoso e sábio o que tinha aprendido
sobre o sentido da vida. “Bem”, ele respondeu, “aprendi que estou aqui na Terra
para ajudar outras pessoas. O que ainda não descobri é por que as outras
pessoas estão aqui”.
Toda história está errada,
simplesmente por ser uma história.
Quando identidades pessoais
e sistemas sociais são construídos sobre uma narrativa, torna-se impensável
duvidar dela, não
devido a uma evidência que a sustenta, mas porque seu colapso desencadearia um
cataclismo pessoal e social. Na história, o telhado é às vezes mais
importante que as fundações.
Se você quer saber qual é a
verdade definitiva da vida, os ritos e os rituais são um grande obstáculo. Mas,
se está interessado – como Confúcio – em estabilidade e harmonia social, a
verdade é frequentemente um risco, enquanto os ritos e rituais estão entre seus
melhores aliados.
Para muitas pessoas, em 2018, dois pedaços de
madeira pregados um no outro são Deus, um pôster colorido na parede é a
Revolução, e um pedaço de pano drapejando ao vento é a Nação.
Se você quer fazer com que
as pessoas realmente acreditem em alguma ficção, seduza-as a fazer um
sacrifício por ela. Se você sofrer por uma história, normalmente isso é
suficiente para convencê-lo de que a história é real.
A maioria das pessoas não gosta de admitir que são tolas. Consequentemente, quanto mais sacrifícios fazem
por uma determinada crença, mais forte é sua fé.
O sacrifício não é apenas
um modo de convencer a pessoa amada de que seu amor é sério – mas um meio de
convencer a si mesmo de que está realmente apaixonado.
“Ou a narrativa é verdadeira ou eu sou crédulo e
tolo”.
Quando você inflige
sofrimento a outros, você também tem uma escolha: “Ou a narrativa é verdadeira
ou sou um vilão cruel”.
(o significado literal da
palavra shabat é “ficar imóvel” ou “descansar”)
Em Israel, judeus
religiosos tentam frequentemente obrigar judeus seculares, e até mesmo ateus, a
seguir esses tabus. (...) Embora não tenham conseguido banir o uso de veículos
privados no Shabat, conseguiram banir o transporte público [e fodam-se os gentios!].
Quantos socialistas trabalham com sua máxima
capacidade sem receber mais do que realmente necessitam?
Quase ninguém tem apenas
uma identidade. Ninguém é só um muçulmano, ou só um italiano, ou só um
capitalista. Mas de vez em quando surge um credo fanático e insiste que as
pessoas deveriam acreditar em apenas uma única narrativa e ter somente uma
identidade.
Fascismo é aquilo que
acontece quando o nacionalismo quer tornar a vida fácil demais para ele,
negando todas as outras identidades e obrigações.
(...) o fascismo diz que minha nação é
suprema, e que devo a ela obrigações exclusivas.
E como um fascista decide o
que se deve ensinar às crianças na escola? Ele emprega o mesmo parâmetro.
Ensinar às crianças tudo o que atenda aos interesses da nação; a verdade não
tem importância.
A vasta maioria dos
nazistas de carteirinha e até mesmo os soldados da SS nem enlouqueceram nem se
mataram. Continuaram a ser agricultores, professores, médicos e corretores de
seguro produtivos.
Com a ascensão da cultura
moderna, no entanto, a mesa foi virada. A fé parecia cada vez mais uma
escravidão mental, enquanto a dúvida passou a ser vista como uma precondição
para a liberdade.
O significado da vida não é
um produto que já vem pronto para uso. Não há um roteiro divino, e nada que
está fora de mim pode emprestar significado a minha vida. Sou eu quem imbuo
significado em tudo mediante minhas livres escolhas e meus próprios
sentimentos.
O universo é apenas uma miscelânea de átomos. Nada é
bonito, sagrado ou sexy – mas os sentimentos humanos fazem com que seja.
Eu dou um sentido ao universo.
Uma pessoa pode decidir ir
à igreja todo domingo, num esforço consciente para fortalecer seus fracos
sentimentos religiosos – mas por que uma aspira a ser mais religiosa, enquanto
outra está perfeitamente satisfeita por permanecer ateia? Isso pode resultar de
quaisquer disposições culturais e genéticas, mas nunca é resultado de um
“livre-arbítrio”.
O universo não segue um
enredo, assim cabe aos humanos criar um enredo, e esta é nossa vocação e o
sentido de nossa vida.
O universo não tem sentido,
tampouco os sentimentos humanos. Eles não são parte de alguma grande narrativa
cósmica, são apenas vibrações efêmeras, que aparecem e desaparecem sem
propósito especifico. Essa é a verdade. Trate de superar isto.
Buda ensinou que há três
realidades básicas do universo: tudo está em constante mudança, nada tem uma
essência duradoura, e nada é totalmente satisfatório.
O sofrimento surge porque
as pessoas não conseguem entender que ninguém encontrará algo que não mude, que
tenha uma essência eterna e que o satisfaça completamente.
Segundo Buda, então, a vida
não tem sentido, e as pessoas não precisam criar nenhum sentido. Precisam
apenas se dar conta de que não há sentido, e assim estão liberadas do
sofrimento causado por nossas ligações e nossa identificação com fenômenos
vazios.
Hoje em dia, a situação dos
direitos humanos em Mianmar, país budista, está entre as piores no mundo, e um
monge budista, Ashin Wirathu, lidera o movimento antimuçulmano no país.
Um monge pregou compaixão
por um mosquito, mas, confrontado com alegações de que mulheres muçulmanas
tinham sido estupradas por militares de Mianmar, ele riu e disse: “Impossível.
Os corpos delas são repulsivos demais”.
Somos particularmente ruins
em perceber a diferença entre ficção e realidade. Ignorar essa diferença tem
sido para nós uma questão de sobrevivência. Porque a coisa mais real no mundo é
o sofrimento.
21.MEDITAÇÃO – Apenas observe
Estou muito consciente de
que as peculiaridades de meus genes, neurônios, história pessoal e darma não
são compartilhadas por todo mundo.