EXTRATO DE: 100 AFORISMOS DE FRIEDRICH NIETZSCHE

Autor: Paulo César de Souza

Editora: Companhia das Letras

 

(...) Nosso amor ao próximo – não é ele uma ânsia por nova propriedade? Forças misteriosas que se supõe dirigirem o destino: os fados não quiseram nossa felicidade.

 

Alguns homens suspiraram pelo rapto de suas mulheres; a maioria, porque ninguém as quis raptar.

 

Se os cônjuges não morassem juntos, os bons casamentos seriam mais comuns.

 

O mais refinado artifício que o cristianismo tem de vantagem sobre as demais religiões está numa palavra: ele fala de amor.

 

Tratar todos com igual benevolência e ser bom sem distinção de pessoa pode ser decorrência tanto de um profundo desprezo como de um sólido amor à humanidade.

 

(...) o amor tem mais receio da mudança que do aniquilamento.

 

Se nosso Eu, conforme Pascal e o cristianismo, é sempre odiável, como poderíamos supor e admitir que outros o amem – seja Deus ou homem!

 

(...) o juramento dos amantes deveria ser publicamente invalidado, e o seu casamento, interdito: pela razão de que o matrimonio deveria ser levado muito mais a sério!

 

O amor a um único ser é uma barbaridade: pois é praticado às expensas de todos os outros. (...)

 

Na vingança e no amor, a mulher é mais bárbara que o homem.

 

[O amor é, de todos os sentimentos, o mais egoísta, e, em conseqüência, o menos generoso quando é ferido. (Benjamin Constant)]

 

Mas, se é necessário antes de tudo fé, então se deve pôr em descrédito a razão, o conhecimento, a indagação: o caminho para a verdade torna-se proibido. (...) Os que sofrem têm de ser mantidos por uma esperança que não pode ser contrariada por nenhuma realidade (...) (Justamente por essa capacidade de manter os infelizes à espera é que os gregos consideravam a esperança o mal entre os males, o mal realmente insidioso (...)

 

O amor é o estado em que as pessoas mais vêem as coisas como não são.

 

As três virtudes cristãs, fé, amor e esperança – eu as denomino as três espertezas cristas. O budismo é tardio demais, positivista demais para ser esperto dessa forma.

 

Não existem ações egoístas, nem altruístas: ambos os conceitos são um contrassenso psicológico. A crença de que “altruísta” e “egoísta” são opostos, quando o ego não passa de um “embuste superior” um “ideal”...

 

Uma pequena mulher correndo atrás de sua vingança seria capaz de atropelar o próprio destino. – A mulher é indizivelmente mais malvada que o homem, também mais sagaz; bondade na mulher é já uma forma de degeneração...

 

(...) o suicídio é uma ação perfeitamente natural e próxima, que, sendo uma vitória da razão, deveria suscitar respeito: e realmente o suscitava, naqueles tempos em que os grandes da filosofia grega e os mais valentes patriotas romanos costumavam recorrer ao suicídio. (...) Já o anseio de prolongar dia a dia a existência, com angustiante assistência médica e as mais penosas condições de vida, sem força para se aproximar do verdadeiro fim é algo muito menos respeitável.

 

Os familiares de um suicida não lhe perdoam não ter ficado vivo em consideração ao nome da família.

 

Há um direito segundo o qual podemos tirar a vida de um homem, mas nenhum direito que nos permita lhe tirar a morte: isso é pura crueldade.

 

Um homem dirigiu-se a um santo, tendo nas mãos uma criança recém-nascida. “Que devo fazer com esta criança?, pergunto ele, “ela é miserável, deformada e não tem vida bastante para morrer.” “Mate-a”, gritou o santo com voz terrível, “mate-a e segure-a nos braços por três dias e três noites, a fim de criar em si mesmo uma lembrança: desse modo você não gerará novamente um filho quando não for o tempo de fazê-lo.” – Ouvindo isso, o homem partiu decepcionado; e muitos censuraram o santo por haver aconselhado uma crueldade, pois aconselhara matar a criança. “Mas não é mais cruel deixá-la viver?, perguntou o santo.

 

O doente é um parasita da sociedade. [A partir de um ] certo estado, é indecente viver mais tempo. Prosseguir vegetando em covarde dependência de médicos e tratamentos, depois que o sentido da vida, o direito à vida foi embora, deveria acarretar um profundo desprezo na sociedade. (...) Morrer orgulhosamente, quando não é mais possível viver orgulhosamente.

 

O maior acontecimento recente – o fato de que “Deus está morto”, de que a crença no Deus cristão perdeu o crédito – já começa a lançar suas primeiras sombras sobre a Europa.

 

De fato, nós, filósofos e “espíritos livres”, ante a notícia de que “o velho Deus morreu” nos sentimos como iluminados por uma nova aurora; nosso coração transborda de gratidão, espanto, pressentimento, expectativa – enfim o horizonte nos aparece novamente livre, embora não esteja limo; enfim os nossos barcos podem novamente zarpar ao encontro de todo perigo, novamente é permitida toda a ousadia de quem busca o conhecimento, o mar, o nosso mar, está novamente aberto, e provavelmente nunca houve tanto “mar aberto”.

 

Mas o que conta é a eterna vivacidade: que importa a “vida eterna” ou mesmo a vida!