OMENS DE MEIA-IDADE

 

 

O Clube

 

      Ata? Nem na fundação nem nunca. Aliás, não se tem a mais leve notícia de quando  surgiu. Acredito que foi depois que a expectativa média de vida dos omens passou dos 40. Entre os séculos XVII e XVIII, desconfio, não sei. A verdade é que sempre existiu no que chamamos de mundo moderno. Sede? (Presta atenção, é sede de sede, não de beber.) Várias. Aliás, milhões. É pior que a praga da franquia. Tem em tudo que é canto, corrijo, esquina. Além disso, os mais freqüentados pela localização privilegiada, são os de beira de praia.  Orário de funcionamento? Para os sócios, de segunda a sexta, depois do orário comercial. Nos sábados, dia inteiro, vara a madrugada e aos domingos, até a ora de ir pra casa, alegrinho, almoçar com a família. Exceto no verão, período de férias, aberto 24 oras, que aí todo dia é sábado. Instalações? Adequadas a cada classe social. Tem de tudo. Do pequeno barraco no sopé do morro, bebida só cachaça, sem lugar pra sentar e onde o esporte predileto é a  porrinha,  até os mais elitistas, tipo "pub", aberto só a partir das 5 da tarde, salário acima de 10.000 dólares, traje executivo (terno e gravata ou roupa esporte de griffe, do tênis aos óculos, cada peça exibindo a marca importada da moda), chope nem pensar, uísque maior de idade acompanhado do inefável amendoim torrado, as últimas da bolsa. "Então ele foi convidado para o Ministério, ein! Melhor pra todos nós". Mas os da classe média são os melhores, tanto é verdade que são freqüentados por remediados em dia de décimo terceiro e nostálgicos novos ricos reencontrando ex-amigos esquecidos no caminho do sucesso. Aqui, o traje é à-vontade, o que mais se ouve é "traz mais um", as mesas têm toalha, um banheiro pra cada sexo, garçons de áureos tempos que opinam no seu bate-papo, um esperto no caixa errando na soma, ou no troco, invariavelmente contra você, cardápio variado,  batatinha frita, calabreza deliciosa, uuuummm! filezinho dos deuses, a azeitona que faz mal ao fígado, o chope mais bem tirado do mundo, um sambinha no player. Movimento? Dependências lotadas mesmo, só nos fins de sexta e nas manhãs esticadas até 3 da tarde dos sábados e domingos ensolarados. Uma coisa é rigorosamente comum a todos:  mulheres. Mulheres com menos de 40, de preferência, apesar que nada se rejeita, mas quanto mais novinha, melhor. E não precisa estar lá dentro. Basta passar, do jeito que passou a elô Pinheiro na calçada da Montenegro a "caminho do mar". Pois aquela foi das mais famosas sedes do Clube, que um poeta-omem de meia-idade, Vinícius de Morais, exprimiu os sentimentos de todos os quarentões por todas as gatinhas do mundo.

 

 

Os Sócios

 

      Aderbal, 44 e Rui, 42., casados. O Nando, 47, separado. Filhos:  Aderbal, uma de 17, outra de 19; Nando, um de 23, outra de 21;  Rui, uma de 16. Ipanemenses, Aderbal e Nando a vida toda, Rui á pouco mais de 6 meses, veio da Tijuca atrás das istórias e recomendações dos amigos.

      Fim de semana, mesa sagrada na calçada da rua famosa. Mesa preferida ocupada, confusão formada. Mas pode chegar que, certamente, eles estão lá, se não nesta, naquela mesa, que o que importa é a vista de quem "passa com graça". E pode sentar na cadeira que sobra, reservada aos bicões, que  no caminho da praia, dão uma paradinha, tripudiam ameaçando uma goleada do Flamengo, filam batatinhas, sacaneiam o empate do Vasco com o São Cristóvão, "lá se vai a lingüiça!", "E por falar nisso, alguém viu o Fluminense por aí?", 2 goles no chope do Nando, "Deve tá junto do Botafogo num torneio de várzea". Cinco, dez minutos  e vão embora, "Até a próxima", satisfeitos, barriga cheia. "Cara-de-pau mesmo esse Luizão!"

      É o primeiro domingo de verão, 26 de dezembro, ressaca de comida de Natal,  peru,  pernil com abacaxi,  salada de batata com maçã que o Aderbal odeia, farofa com passa, banana e ovo, tudo junto, arroz à grega, arroz de bacalhau, arroz branco, fartura?, desperdício?, "também, cada um gosta de uma coisa!" Ressaca de beber, beber de tudo, vinho branco, vinho tinto "sangue de boi, do bom", cerveja, uísque 12 falsificado, mate gelado (só mesmo na casa da mãe do Rui!), vodka nacional que um parente trouxe pra não fazer feio, mas fez, vomitou, bem no meio do corredor, sobre o carpete velho, pisado, repisado, pedindo outro, da casa do Nando. 

      Domingo de ressaca, de olheiras, azia e mal-estar, caras tortas, amassadas, mal dormidas, descabelados, "aquele, olha! aposto que nem escovou os dentes", isso,  na verdade, não se sabe mas o rosto, com certeza "não lavou não que, pode ver, tem remela no olho." Vão passando, bem rente, um a um, dois a dois, às trincas, aos montes, pais, mães, tios, vovós, filhos, e os meninos do Rio de prancha nova, e as garotas de Ipanema de protetor solar, óculos de sol, creme no nariz e chapéu de palha.

      Primeiro domingo do Rui no Clube dos Meia. Novo ainda. Carne fresca. Avia de ser iniciado.

      — Alfredinho, esse é o Rui. Tá assumindo o lugar do pobre coitado do Décio que foi transferido pra São Paulo. Gente fina. Trata ele direito se não a gente te sacaneia na gorjeta, já sabe, né?

      — Pode deixá, seu Nandinho. Senhor sabe que aqui todo mundo é bem tratado.

      — É, teus companheiros do Lagoa que o digam - emendou o Aderbal, referência à fama de grosseiros e rabugentos dos garçons de outro bar famoso do Rio.

      — Chega de conversa. Traz logo 3 chopes e uma porção de calabreza. Mas avisa pro safado do Severino que não é aquela que ele fritou ontem não, viu Alfredinho?!

      — Quem é o Severino? - indaga o Rui.

      — O cozinheiro. Qualquer ora ele aparece por aqui. Olha lá, olha lá, Nando! Que gracinha. O dia oje promete. Olha o rabinho. Os peitinhos. Delícia.

      — Tá vendo bem oje, ein cara!? Um a zero pra você. E aí Rui, tá gostando de Ipanema? É ou não é do jeito que eu te falei?

      — Legal. Mas quase não deu pra curtir. Mudança, adaptação, até ficar tudo no lugar... Oje é a primeira vez que saio, relaxado, sem compromisso. Mas dá pra sentir um outro clima. Outro jeito de levar a vida, isso é.

      — Tá faltando guardanapo, Alfredinho. Tá lerdo, meu filho, muito lerdo. Tim-Tim. À nossa. E, em especial, ao novo sócio do Clube dos Omens de Meia-Idade, seção Ipanema - bindou o Aderbal, de olho no movimento na calçada.

      — Olha agora não, Rui. Mas, atrás de você, tem duas balzaquianas conhecidas. Quando tiver a fim é só chegar, pagar um chopinho que tudo acaba em festa.

      — Tá doido Nando? Eu lá vou arrumar encrenca, aqui, na beira da rua, duas quadras de casa?!

      — Dois a zero! Três! Oje é meu dia. Escolhe Rui, a loirinha ou a moreninha?

      — Eu?!Sei lá! Nenhuma. Não fazem meu tipo, muito novinhas.

      — Não faz teu tipo é o cacete! Vem dizer que o teu negócio é pelanca? Peito caído? Conta outra, ô Rui.

      — Porra, Aderbal, idade da minha filha.

      — Ué! E quem tem isso?

      — É incestuoso, ora bolas! Isso, ia me sentir praticando incesto! 

      — Tá tirando de bom moço. Quer que eu acredite que você não tem pensamentos libidinosos quando vê uma gracinha daquela? Além disso, com a filha dos outros não é incesto, é?

      — Não mas é esquisito, sei lá!

      Nando e Aderbal se entreolharam. Sorrisinho indecifrável. O Rui notou.

      — Qual é o mistério? Tão me escondendo o quê?

      — Nada não, rapaz. Alfredinho! Mais 3. No capricho.

 

A Iniciação

 

      E o mês de janeiro passou. O Aderbal e o Nando escolhendo as candidatas aos vários títulos:  os peitinhos mais empinados, a bundinha mais arrebitada, o corpinho mais violão, o sorriso mais simpático, o olhar mais sensual, o andar mais rebolado, o sorriso mais encantador. O Rui se esquivando "Porra, caras, podia ser a filha de vocês!" Mas, como já ouvera dito o grande filósofo Nando, "Tudo na vida é questão de costume", o Rui foi relaxando. Foi percebendo que a coisa não era séria como temeu de início. Chegou mesmo a pensar que os dois amigos podiam ser tarados. Aliás, coisa de uma semana antes, ficara com o coração na mão quando lera n'O Dia sobre o assassinato de uma menina de 15 anos, no Jardim de Alah. Depois, se xingara de tudo que é nome por pensar uma monstruosidade daquelas do Nando e do Aderbal. Mas as reuniões do Clube dos Meia foram acontecendo e o Rui observou que eles nunca diziam a mínima grosseria para qualquer uma das meninas que passavam. Muito pelo contrário. Descobriu que elas não só conheciam todos, como os tinham como amigos. Sorriam pra eles. Cumprimentavam. "Oi, Seu Aderbal. Cuidado que Dona Dulce tá vindo aí atrás!" Uma piscava o olho "Não faz isso Soninha, você sabe que eu sou apaixonado por você", dizia o Nando. A outra reforçava o rebolado e pedia um voto. E tinha aquelas "duas gatas maravilhosas", vinte anos, que chegavam, davam beijinhos no Aderbal e no Nando, tomavam um gole do chope, roubavam uma batata frita e saíam dizendo "depois a gente se vê". Ele já estava quase confessando, mas afastou o pensamento. Terminou por concluir que tudo era como uma ode, uma forma de reverenciar, exaltar a beleza, a inocência, a saúde da juventude, as mesmas qualidades que a turma do Clube um dia também tivera. E acabou por descobrir que aquele "vamos praticar um incestozinho?" era pura provocação com ele, Rui, que ainda temia seus sonhos e suas fantasias.

      O Aderbal e o Nando já estavam desconfiando de que  o plano falhara. O omem era mesmo ruim de ceder. Último sábado de janeiro. Onze oras. Dia maravilhoso. Terceiro chope. Os dois primeiros tinham sido de vira-vira pra refrescar. De repente...

      —  Olha as duas melhores gatas de Ipanema chegando - anunciou o Nando. Elas ainda a uma distância de 30 metros.

      —  As nossas gatas - completou o Aderbal dando ênfase ao "nossas".

      — Tenho que concordar com vocês. Vão ser gostosas assim lá em casa - Era o Rui que, finalmente, desencucava - Olha os peitos da mais alta! Olha as pernas da outra! Loucura!

      — Olha só quem diz! Quer dizer que essas você ...? - provocou o Nando.

      — Comia. Confesso.

      As duas chegaram.

      — Oi, Fernandinha! - cumprimentou o Nando.

      — Oi, pai!

      — Filha! E sua mãe, não quis vir?

      — Foi ao supermercado - respondeu Renata, beijando o rosto do Aderbal.

      Primeiro, o Rui ficou branco. Depois, quando todos olhavam pra ele, as meninas assustadas com sua cor, foi esquentando, avermelhando, avermelhando, ia explodir, ele tinha certeza. Queria levantar, sair correndo, mas as pernas não mexiam. Balbuciou:

      — São filhas... de vocês!? E me esconderam esse tempo todo!?

      Elas riam. Os amigos riam. Os omens das mesas em volta se viraram para olhar a algazarra e aqueles dois pedaços de mau caminho.

      — Seus cornos! Seus filhos...

      — Olha as meninas, ô Rui. Que isso?! - dizia o Nando.

      Fernandinha e Renata se despediram, rindo "de mim, com certeza", pensou o Rui, cabeça baixa, olhando pro chão, procurando um lugar pra meter a cabeça.

      — Me desculpem os dois - pede, umilde.

      — E ele ainda pede desculpa, Aderbal! - sacaneia o Nando. - Tá desculpado. Mais respeito da próxima vez. - E riu mais um bocado.

      — Esquenta não, amigão. A gente armou só pra você perder a seriedade que não combina com Ipanema. Com esta rua. Com este bar. Muito menos com o Clube dos Meia.

      — Tudo bem. - O Rui relaxa e é quem pede: "Mais 3 seu Alfredinho!"

      Nisso...

      — Olha só Nando! franguinha nova, nunca vi - aponta o Aderbal, sempre de olho em quem vem.

      — Pára! Vou logo avisando: é Mariana, minha filha e é bom ir tirando o olho! - protestou, veemente, o Rui, "era só o que faltava, vocês dois agora...ela só tem 16 anos porra!"

      Mas o Nando e o Aderbal exclamaram em coro: 

      — Que te-são-zi-nho, meu Deus! Apresenta pra gente, Rui, apresenta!