ESPÍRITO DE NATAL

 

 

II - O omem da praça

 

        O ábito é uma característica animal, instintiva. Prova é que no sábado, dia de Natal, casa dos meus pais, na tranqüilidade do bairro Castelânea, em Petrópolis,  fui procurar um jornal na banca depois da praça. Saber notícia de quê? Não sei.

        Fui assoviando, mãos enfiadas nos bolsos largos da calça de linho. Passo sossegado, olhar nas recordações da infância. Lá no alto, por trás de nossa casa, no topo da escadaria, a casa do amigo mais querido, vizinho de Tostãozinho, um escurinho, pequenininho, molequinho safado, tomado como mascote da turma da rua. O Mudinho, os 3 filhos do farmacêutico, Carmem Lígia - a primeira namorada -, seus 5 irmãos e o pai, seu Biscoiteiro;  o Joãozinho, garoto mongolóide (adulto vim aprender o certo, Doença de Down), fazia mandados para os muitos Braun, morando todos em muitas casas da vila com o nome da família. Minha mãe jurava que ele tinha mais de vinte anos! Eu é que nunca acreditei que tivesse mais de 13 ou 14. Depois, lembrei de mim, dia de Natal, bola número 5, uniforme novo do Flamengo ¾  chuteira com trava, meião e tudo o mais! ¾, tudo tinindo de novo, andando desajeitado no cimento da calçada ¾  ridículo!, oje sei, mas naquela época não, que o orgulha da camisa rubro-negra era mais forte que tudo.

        Saindo dos devaneios, olhei a praça de tantas brincadeiras e vi um senhor, lá pelos 60 anos, sentado, me olhando, fixo. Me aproximava, ele olhando. Por quê diabos, pensei, ele me olha tanto! Tentei disfarçar o constrangimento. E ele, ali, olhar em mim, fixo.  Eu, as mãos nos bolsos, mas o olhar...  A metro e meio nos encaramos e ele falou:

        — Aí! Tá tomando conta do dinheiro, ein?  Num bolso segurando firme as de quinhentos e no outro as de mil.

        Sorri. Era dia de Natal e qualquer coisa podia acontecer! Qualquer.