HANSENÍASE
EMPRESARIAL
Um
dos estágios sintomáticos da Hanseníase é a insensibilidade, primeiro à dor e,
na evolução, ao tato. A sensação de anestesia é conseqüência da destruição de
pequenos nervos responsáveis por transmitir ao cérebro informações importantes
para o indivíduo se relacionar com o ambiente. A transmissão da Hanseníase se
dá por bacilos (bacilos de Hansen) adquiridos por
contato prolongado. Ela tem cura, mas o tratamento não pode ser interrompido e
é de longo prazo e, mesmo assim, há um índice de 2% de recidiva.
Agora
o paralelo. Um dos estágios sintomáticos da Hanseníase Empresarial (HE) é a insensibilidade ao cliente, primeiro a suas necessidades
e, na evolução, a seus reclamos. A anestesia empresarial é conseqüência da
destruição dos canais de venda e atendimento, responsáveis por transmitir aos
centros de decisão informações importantes para a criação de soluções que
satisfaçam as necessidades de seus clientes, garantindo, portanto, a
sobrevivência no mercado. A transmissão da HE se dá pelo uso inadequado e
contaminado de ferramentas de relacionamento, e pela falta de percepção da
natureza dos serviços que presta. A HE tem cura, mas começa com decisões
radicais compromissadas com a ótica dos clientes, e o tratamento, que não pode
ser interrompido, será de longo prazo e, mesmo assim, por falta de compromisso
verdadeiro, haverá um índice de recidiva.
A
globalização é a grande vilã da virada milenar. Ela aumentou a competição, que
resultou em queda de preços, que exigiu redução de custos, que provocou corte
de mão-de-obra, que levou à robotização e reduzindo a participação humana inteligente
nas relações entre fornecedores e clientes, que expurgou o item qualidade da
matriz empresarial, mas, objetivo maior, aumentou o EBITDA. (Qualidade aqui deve ser entendida como compatibilidade com
os requisitos do cliente.) O contágio foi inevitável num ambiente originalmente
composto por empresas tradicionais, familiares ou não, invadido por mega-corporações
de mesma natalidade, mas sem donos, sem cara, divulgadoras de uma mesma super-cultura, competindo pelos clientes de todos os portes,
trazendo as mesmas soluções sistemicamente empacotadas.
A
doença é mais grave no setor de prestação de serviço regular de empresa para
empresa. O primeiro sintoma que uma empresa, até então, sã, percebe, é a
pressão sobre preços que, por conta da guerra por posição de mercado, chega ao
departamento de vendas acompanhada do aumento das reclamações e da redução nos
índices de satisfação dos consumidores. A curva de faturamento descendente não
se interrompe apesar das mais diversas reestruturações, sempre seguindo os
conselhos da teoria “bola da vez” na sua semana de fama. O processo segue firme
até a alta direção aceitar e implantar, a contragosto, a inevitável redução da
margem de lucro. Como não basta, o próximo passo é a mesmice da redução dos
custos. Diferenciação nem pensar. Criar nicho próprio de mercado? A maioria não
sabe o que é isso. Depois de cortar no cafezinho, vamos ao que interessa. O
departamento mais caro em serviços é o de vendas, mais corretamente
identificado como “de atendimento”. Ouvir clientes, identificar necessidades e
apresentar soluções, apesar de ser a essência da prestação de serviços entre
empresas, custa caro. Padronização é a solução. De tudo. Do conteúdo à forma.
Neste contexto, profissionais qualificados que receberam treinamento
(investimento) ao longo de anos na arte de lidar com clientes podem, agora, ser
substituídos pelo formulário na web e
pelo 0800 do help
desk, este uma equipe de “homens de gelo”, sem
qualificação técnica, mas prontos a afirmar “obrigado por sua ligação” mesmo
depois de você, frustrado, já ter desligado. O relacionamento, aquilo que
respondia pela manutenção da fidelidade e pelo aumento de negócios, é
terceirizada para esta invenção “maravilhosa” que são os call centers.
Separemos
as coisas. A idéia (e a tecnologia) por trás de call centers e help desks, é a otimização
de processos repetitivos, característica das soluções computacionais. Em negócios como o de comércio eletrônico de
bens para pessoas físicas e gerenciados, necessariamente, com competência (o
Submarino é um bom exemplo), a satisfação (eficácia) é total para ambos os
lados, comprador e vendedor. Entretanto, na relação empresa-empresa, onde o que
se compra é a expertise do fornecedor, os dois recursos tiveram sua
aplicação direcionada para a necessidade de manter o cliente o mais distante
possível. Relembremos, atendimento qualificado custa caro. Tente, no website de qualquer empresa que tenha help desk e/ou
use call center,
encontrar informações de organograma; tente saber o nome do Diretor Comercial;
tente achar o telefone da secretária de um diretor operacional qualquer. E nem
tente achar o nome de um vendedor, este não existe mais, substituído que foi
por um “atendente”, assim, sem nome, porque a filosofia é tratar a todos por
igual, nivelados por baixo, sem vínculos perniciosos que possam ameaçar um
sistema tão higiênico, tão frio, tão burocratizado, mas, com certeza,
conveniente. Este sistema, por mais que queiram, não vai funcionar onde o
cliente precisa adequar soluções, inicialmente genéricas, a suas necessidades
específicas.
Já
existem empresas que param de respirar quando dá pane em qualquer parte da
conexão (sentido amplo) com a internet. São empresas que fazem uso intensivo da
tecnologia web (intranet e extranet). Os
clientes recebem as soluções na tela do micro; as negociações com fornecedores
são realizadas por meio eletrônico; tudo é “publicado” e atualizado on line. Tenho
uma empresa desse tipo. Mas em nosso website
qualquer pessoa tem acesso ao nome, telefone e ramal de todos nós. Nosso
cliente, sempre representado por profissional de alta qualificação, tem à sua
disposição, profissional de igual nível e ao qual tem acesso 24 horas por dia, 7 dias por semana. Nosso atendimento telefônico permite
discagem direta ao ramal, sem filtro, sem censura. Tais atitudes só são
possíveis porque não temos medo de cliente. Para nós, o desejo de contato de um
cliente representa a oportunidade de sermos úteis. E isto significa receita
potencial. Nunca recebi uma ligação de cliente para nos elogiar. Não precisa.
Que elogio pode ser maior do que sermos aqueles a quem ele liga quando tem um
problema e precisa de solução? E, fato incompreensível para as empresas hansenóticas (e me reporto aos meus 30 anos como prestador
de serviço), a maioria deles nunca conheceu nossos escritórios.
Nos
últimos seis meses tenho tentado receber a visita de um representante da
empresa que hospeda nosso website.
Mais insistentemente nestas últimas semanas, quando todos os serviços
apresentaram alta instabilidade de desempenho, com conseqüências negativas para
nossa operação. Esta demora em tomar uma decisão de rompimento (aparente
tolerância minha) tem duas razões. A primeira, uma questão filosófica: prefiro
esgotar a busca de solução dos problemas com quem já conheço ao invés de mudar
de fornecedor. Mas, neste caso, os problemas por nós apontados, em sua maioria,
receberam, no máximo, a justificativa: “Realmente tivemos problemas com este
serviço. Pedimos desculpas pelos transtornos causados”. E ponto. Não
perguntam quanto prejuízo você teve porque têm medo de que o valor seja alto e
que venham a ser responsabilizados. Ao pedido de uma visita para que pudéssemos
demonstrar a gravidade dos problemas, nos responderam: “A Hospedeira”, um nome fictício, “é uma empresa que
trabalha com modelo de negócios on-line, atendemos mais de 20.000 clientes pelo
Brasil através de help desk e telefone...”,
e “se quiser venha aqui” é a mensagem final implícita. Hei! Nós também
trabalhamos on line,
mas desde os tempos do “papel rasurado” quem quer o meu dinheiro vem buscar.
Hei! Nós não estamos “pelo Brasil”, mas aqui mesmo, na sua cidade. Hei! Nós não
somos grão neste saco de 20.000 usuários, a maioria com homepage
A
segunda razão é a percepção de que este já é um mercado totalmente contaminado
e, portanto, mudar é trocar seis por cinco, ou até por menos. Mas, sem obter
sucesso com a hospedeira e pressionado pela
necessidade de estabilização operacional, fui procurar alternativa. Achei uma
empresa com sede, literalmente, do outro lado da rua em que estamos instalados.
É só esperar o sinal fechar e atravessar. Dou, a seguir, a síntese da seqüência
de emeios, iniciada, obviamente, com um formulário
preenchido no site da SemChance
(um nome falso para um caso verdadeiro):
Eu: Estamos buscando uma empresa provedora de
serviços de hospedagem que possa atender nossas necessidades e requisitos.
Eles: Para
contratar um plano de hospedagem, acesse https://wwws.semchance.com.br/cadastramento/index.htm
Eu: Se a SemChance
quiser discutir a viabilidade de nos prestar serviço, estou à disposição para o
horário que melhor lhes convier.
Eles:
Teremos o maior prazer em recebê-lo em nossos escritórios. (...) Venha tomar um
café conosco!
Eu:
Agradeço seu convite, mas, com certeza, o melhor (e para nós único) caminho é
de a SemChance vir à nossa
sede.
Eles:
Infelizmente não poderemos realizar a visita solicitada, de qualquer forma
continuamos a sua disposição para oferecer sempre o melhor serviço em soluções
de Internet.
Eu: Fico feliz em saber como vai bem a SemChance. Confesso que fico com
inveja!
Fico
imaginando o que seria de nós se viéssemos a ser vitimados pelo bacilo da HE e,
insensíveis àqueles que quisessem transferir para nós uma parte de seu
dinheiro, respondêssemos, como já me responderam: “teremos
prazer em recebê-lo quando o senhor estiver de passagem pelo centro da cidade”.
Paulo
Vogel
Empresário
e publicitário
Em
novembro de 2005