ADMINISTRAR,
UMA QUESTÃO PESSOAL
Da
formação em administração, herdei quase nada. Todos os cursos, todas as
matérias, toda a bibliografia, todos os “cases”, se referiam às grandes e médias
empresas, apesar de a maioria absoluta ser composta de micros e pequenas (até
100 funcionários). Estudei Matemática Financeira com suas chatíssimas fórmulas,
mas fiquei sem saber nada sobre como renegociar uma dívida. Estudei Psicologia
Aplicada, mas me formei sem saber como me portar em uma entrevista com um des/interessado empregador. Frequentei
aulas de Sociologia, e nada sobre o jogo de uma negociação trabalhista.
Obrigaram-me a ler volumosos livros em Economia, mas terminei o curso sem saber
usar um fluxo de caixa como ferramenta gerencial. Estudei Contabilidade, mas a
duplicata permaneceu indecifrável até que precisei emitir uma. O jovem se forma
em administração e não visita uma só indústria no decorrer do tempo letivo; não
passa um dia sequer num departamento de recursos humanos; aprende sobre FIFO’S e LIFO’s, mas nada sobre problemas de embalagem,
estocagem de mercadorias, logística. Em contrapartida, o jovem médico cumpriu
um rigoroso e longo período de residência médica. Já o iludido e recém formado
administrador, distanciado da realidade, sabendo discorrer com proficiência
sobre a mais recente teoria de marketing e administração, irá para o mercado
com a pretensão de “ensinar” a quem, à frente de seu negócio em uma economia
recessiva, está matando um leão por dia e enfrentando concorrentes de todos os
portes. Give me a break! A Universidade deveria ter tido coragem de
me dizer: “olhe em volta, estude esta realidade e vá ajudar seu pai a fazer
crescer o bolo na confeitaria que ele tem em sua cidade! Você vai ter muito
mais chances de sucesso”.
Infelizmente
não é isso que dizem. Mostram a administração como uma ciência exata quando ela
é pura sensibilidade. Seguir a intuição, este é o segredo. O importante em
administração é fazer mantendo coerência entre o discurso e a ação. E só há um
meio de manter coerência: é ser você, sempre. Não queira fazer como o fulano do
outro departamento. Faça do seu jeito. Aos poucos o ambiente vai se adaptando a
você à medida que os que estão à sua volta ganham mais segurança no que esperar
de você em cada situação. Administrar é aplicar nossa personalidade a um
objetivo a ser atingido. E se funciona na vida particular, por que não aplicar
nos negócios? Por que não fazer do nosso jeito de ser nossa própria teoria de
administração? Administrar, portanto, é ajustar seu negócio, sua estrutura, sua
equipe a como você é. Administrar não é ficar se debatendo à
procura de um modelo padrão. Para exemplificar, se você é uma pessoa
extrovertida, de facilidade de relacionamento, democracia e liberalismo serão
mais aceitos pelos que estão à sua volta, do que atitudes autoritárias que
soarão incompatíveis com seu jeito de ser. Se você é uma pessoa introspectiva,
significa que você pensa muito antes de agir e, portanto, já chegou a uma
decisão e não precisa perder tempo em um jogo democrático/liberal que irá
paralisar a empresa até que se chegue a um consenso. Não há o certo e o errado.
Só existe o que dá certo e o que dá errado. Mas há uma ressalva.
As
consequências de nossas experiências são gravadas na
memória junto com as causas que a precederam, mas nem sempre estas causas são
atribuídas corretamente. Por exemplo, peguei uma gripe, tomei vitamina C e
fiquei na cama por dois dias. Para a maioria, a vitamina C foi a causa da cura, mas os médicos dizem que foi a cama, ou
melhor, o tempo que foi dado para o organismo reagir. O preconceito tem muita
relação com esse mecanismo. À nossa frente um motorista comete uma barbeiragem
e imediatamente exclamamos que “só pode ser mulher”. E vamos continuar a fazer
esta relação mesmo depois de descobrir que era um homem ao volante. Na vida
pessoal as consequências disso não têm muita
importância porque só afetam a você mesmo, quando afetam, mas não na vida
profissional, onde seus atos e opiniões recairão sobre seus colegas,
subordinados e superiores, sobre a imagem de marca da empresa e, possivelmente,
sobre os lucros. Isto mostra, portanto, que “eu ser minha própria teoria” está
subordinado às regras do ambiente em que atuo.
Os
que mais infringem esta regra são os empreendedores porque são os próprios
donos e estão dispostos a assumir, de modo kamikaze, a responsabilidade sobre
as asneiras que cometem. Exemplos são comuns na relação com empregados e
clientes. Frases do tipo “empregado é sempre a mesma coisa...” e “clientes são
todos iguais” são frequentemente ditas pelos corredores e em reuniões ou
conversas formais e informais. Uma só experiência basta para criar um padrão de
como lidar (ou não lidar) com futuros clientes ou empregados. São típicos os
exemplos. Uma loja, com anos e anos de atividade, nunca teve um só cheque
devolvido. Mas como ninguém está livre, acaba acontecendo e no dia seguinte o
lojista coloca uma placa: não aceitamos cheque. Um empregado a quem se permite
flexibilidade no horário de trabalho, abusa do direito. Depois de algumas
chamadas de atenção, o empregador demite o empregado e nunca mais permite flexibilização mesmo que isto lhe prejudique operacional e
financeiramente. A isto eu chamo de “Administrar Por Exceção”, ou seja, toda
experiência (positiva ou negativa) determina o comportamento pelo (por + o)
qual agirei no futuro, independente da análise do evento futuro. A exceção
determina um novo padrão e deixa de ser exceção. Na pessoa física, esta técnica
simplifica as coisas. É muito mais fácil dizer que na semana santa sempre chove
(porque eu me lembro que choveu em algum ano anterior) do que entender a
complexidade da interação das variáveis que afetam o clima. Mas na atividade
gerencial este tipo de princípio traz resultados desastrosos. No caso do
empregado demitido, cria uma revolta nos demais que passam a receber o mesmo
conceito negativo do demitido, mesmo que sempre tenham usado a flexibilidade de
horário corretamente. Nestes casos, estamos diante de um falso administrador,
pois, por obrigação, ele tem que conhecer e saber lidar com todas as variáveis.
Levar,
portanto, a própria personalidade para a administração está limitada aos
objetivos empresariais que, para o administrador e no que tange à sua relação com
os subordinados, são os de manter a mais alta qualidade na relação destes com a
empresa, porque isto significa justiça, produtividade, estabilidade e
compromisso recíproco. A esta técnica chamo de “Administrar A Exceção”, onde
você analisa cada exceção, toma decisões e não muda os padrões da empresa.
Clientes caloteiros continuarão a ser exceção. Quando digo isso me sinto até um
pouco idiota pela obviedade intrínseca. Mas olhe à sua volta e veja como as
coisas realmente acontecem. É assustador! Voltemos aos exemplos. O que faz
alguém optar pelo pior caminho, o de demitir e mudar as regras? Ou de colocar
as vendas em risco por simplesmente decidir vender só a dinheiro? A resposta é:
simplificação irresponsável. Administrar “a” exceção requer ir “de” encontro,
na maioria das vezes, a uma genética pessoal e a uma herança cultural difícil
de serem superadas. Ambas têm uma força descomunal na determinação de nossas
atitudes. Mas aquele que pretende ir dormir com a convicção de que é um bom
administrador, não pode se escusar de enfrentar esta questão.
Administrar
não exige formação ou talento nato. Exige compromisso profissional. Olhe para
os acontecimentos do seu dia-a-dia como administrador procurando separar
exceções e padrões. Ao encontrar mais exceções do que padrões,
não pense que “algo” tem que ser feito. É assim mesmo. Lembre-se
da (pro)preposição e de que Administrar é administrar
“as” exceções, porque os padrões já estão administrados e nenhuma empresa
precisa de você para lidar com eles. Pense nisso. .
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a diferença é Preposição